IEDI na Imprensa - PIB da indústria desacelera sob peso da política monetária, avaliam economistas
Valor Ecômico
Segundo o IBGE, a indústria total cresceu 0,5% no período, mas três de seus quatro componentes recuaram: a indústria de transformação caiu 0,5%; construção, 0,2%; e utilidades públicas, 2,7%
Isadora Camargo e Marta Watanabe
Após estabilidade no primeiro trimestre, a indústria ajudou a atividade econômica e cresceu de abril a junho, na variação em relação aos meses anteriores. A variação positiva, porém, não revela um quadro melhor para todos os segmentos. Ela foi assegurada por forte crescimento da indústria extrativa, que não deve manter a mesma magnitude até o fim do ano, apontam economistas ouvidos pelo Valor.
A desaceleração do PIB agregado no segundo trimestre está bem dentro das expectativas, como reflexo da alta de juros desde setembro de 2024, avalia Robson Gonçalves, consultor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Segundo o IBGE, a indústria total cresceu 0,5% no período, mas três de seus quatro componentes recuaram: a indústria de transformação caiu 0,5%, a construção recuou 0,2% e utilidades públicas, 2,7%. A exceção foi a indústria extrativa, com avanço de 5,4%, após crescimento de 2,9% de janeiro a março.
Juros “pornográficos”
À mercê de crédito caro, a indústria de transformação tem sido uma das mais atingidas pela política monetária. Haroldo Silva, economista e vice-presidente do Corecon-SP, afirma que os juros atuais são “pornográficos”, atrapalhando investimentos das indústrias de transformação e construção. Sem novos projetos diante das taxas, alerta, eventual redução no início de 2026 não compensará os prejuízos acumulados.
No caso da construção, Gonçalves explica que os efeitos da política monetária aparecem com defasagem. “O ritmo de atividade da construção hoje é reflexo de decisões tomadas, na melhor das hipóteses, seis meses atrás. É natural que desacelere diante do ciclo de alta de juros iniciado no segundo semestre do ano passado.”
Para ele, a queda no setor se relaciona diretamente ao encarecimento do crédito imobiliário e à desaceleração nas obras, ainda que as atividades imobiliárias nos serviços tenham crescido 0,3% no trimestre, resultado das entregas de imóveis concluídos recentemente.
Impactos de petróleo e gás e da mineração
O desempenho positivo da indústria extrativa vem sendo puxado principalmente pela produção de petróleo e gás, enquanto a mineração sofre com a desaceleração internacional, sobretudo da China. Para Gonçalves, a resiliência desse segmento contrasta com o quadro mais difícil da indústria de transformação e da construção, fortemente dependentes de crédito.
No agregado, o PIB cresceu 0,4% no segundo trimestre, após alta de 1,3% no primeiro. Para Rafael Cagnin, diretor-executivo do IEDI, os resultados são duais: mostram eficácia da política monetária em conter consumo e inflação, mas travam o dinamismo econômico futuro. “Prejudica a capacidade de investimento, já que os juros elevados restringem o acesso ao crédito”, afirma.
Gonçalves pondera que, do ponto de vista inflacionário, a política monetária “entrega o que promete”: a desaceleração, puxada principalmente pelo consumo das famílias, que cresceu 0,5% no trimestre após alta de 1% no anterior. Ele vê sinais de pouso suave da economia, com inflação em queda gradual, dólar menos pressionado e espaço para reversão da política monetária em 2026.
À espera do "efeito Trump"
Silva lembra, contudo, que a comparação com o primeiro trimestre está inflada pelo forte desempenho do agronegócio, que estagnou de abril a junho, com recuo de 0,1%. A expectativa é que os próximos dois trimestres tragam mais clareza sobre os efeitos do tarifaço aplicado pelos EUA contra o Brasil, já que 43% do valor exportado pelo Brasil aos EUA ficaram fora das novas tarifas, mas a maioria das empresas impactadas é industrial.
“A clareza maior virá apenas no quarto trimestre, quando o efeito Trump estiver mais assimilado”, avalia Luís Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners.Ele acrescenta que o crescimento recente foi sustentado por fatores acíclicos, como extrativa e serviços de transporte e comunicação, influenciados por variáveis externas mais do que pelo ciclo doméstico.
Na tentativa de equilibrar política monetária e fiscal, Silva vê uma dinâmica de “corrente e contracorrente” dentro do Estado: o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) tenta estimular a produção via crédito do BNDES e taxa de desemprego baixa, enquanto o Banco Central freia investimentos.
“A indústria não tem sofrido tanto apenas porque o BNDES empresta parte dos recursos atrelados à TR, que é praticamente metade da Selic. Mas a taxa de juros no mercado, perto de 25%, inviabiliza novos projetos produtivos”, diz.
“Positivo” para o BC; “negativo” para o dinamismo produtivo
A discussão se estende para a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que recuou 2,2% no segundo trimestre, após alta de 3,2% no primeiro. Para Leal, a queda reflete efeito compensatório da importação de uma plataforma de petróleo no início do ano, mantendo o nível atual próximo ao de 2024.
Já Silva considera que o recuo sinaliza forte desaceleração, com adiamento da compra de máquinas e equipamentos pelo crédito caro. “Se continuar havendo queda na formação de capital fixo, estaremos roubando o futuro, a produtividade e a capacidade de gerar empregos”, alerta.
Cagnin reforça que a queda de investimentos do governo e a perda de fôlego do consumo das famílias mostram enfraquecimento da demanda interna. “É um esmorecimento da atividade econômica, reflexo direto da política monetária”, resume.
Os três concordam que o PIB do 2º trimestre traduz a mesma lógica: a política monetária restritiva cumpre seu papel de controlar a demanda, mas com efeito colateral forte sobre a indústria. O consenso é que o resultado pode ser visto como “positivo” para o Banco Central, mas “negativo” para o dinamismo produtivo.
“Milagre” diante do aperto de juros do país
Mais otimista, o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Ricardo Capelli, vê os dados da indústria como um “milagre” diante do aperto de juros do país. Ao Valor, ele classifica os resultados gerais como positivos, embora moderados, associando a uma potencial melhora do setor diante da política de nova indústria do país.
“O desempenho, ainda que tímido, é impressionante, porque estamos falando de um país que roda com juro real próximo de 10%”. Para ele, os números do segundo trimestre reforçam a resiliência da economia brasileira, mas convidam o Banco Central a “acelerar a redução da taxa básica de juros real”, que hoje é uma das mais altas do mundo, afirma.
O presidente da associação criticou a posição pouco desenvolvimentista do Banco Central, que na presidência de Gabriel Galípolo, acrescenta ele, “está convivendo pouco com a vida real e visitando pouco às indústrias”, se distanciando de uma taxa de juros tecnicamente justificável. Nesse aspecto, Capelli lembra que países em guerra, como Rússia e Israel, conseguem ter taxações reais menores, que são para esses países de 7% e 2%, respectivamente.
