IEDI na Imprensa - Outros destinos compensam perda no mercado americano após tarifaço
Valor Econômico
Nove itens entre os sobretaxados mais exportados em agosto e setembro tiveram receita de exportação quase quatro vezes maior que a queda ocorrida nos EUA
Marta Watanabe
Com o redirecionamento de embarques em agosto e setembro, o Brasil conseguiu compensar a queda de receita de exportação nos principais produtos vendidos aos Estados Unidos e que foram atingidos pela política tarifária do presidente americano, Donald Trump. Entre os 20 produtos mais exportados nesses dois meses aos americanos e que são alvos do tarifaço, em nove as vendas para os EUA caíram enquanto para o resto do mundo aumentaram ou diminuíram em uma taxa menor, na comparação com iguais meses de 2024.
O Brasil perdeu US$ 375,5 milhões de receita com a queda de exportação ao mercado americano com o agregado dos nove itens, mas os mesmos produtos resultaram em total de US$ 1,25 bilhão a mais em embarques realizados para o restante do mundo na soma de agosto e setembro contra iguais meses de 2024.
A compensação no agregado dos produtos que tiveram queda foi garantida principalmente pela exportação de café não torrado e de carne bovina desossada e congelada a outros mercados. A receita de exportação com esses itens também foi favorecida pela alta de preços.
Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) mostram que o café foi direcionado principalmente para países europeus, como Alemanha e Holanda, além do Japão, na Ásia. As exportações de carnes bovinas cresceram para China e Filipinas.
Para o México, vizinho aos Estados Unidos e que pode estar sendo aproveitado como forma de alcançar o mercado americano, as exportações brasileiras dos dois produtos cresceram bem mais que a média. As vendas de carne bovina congelada quase quadruplicaram (292,6%) e as de café cresceram 90% na comparação de agosto e setembro deste ano com os mesmos meses de 2024.
O levantamento, dos 20 produtos mais exportados é da economista Lia Valls, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), em conjunto com o Valor, com base nos dados da Secex. Foram considerados como atingidos pela política tarifária de Trump não somente os itens alvos do tarifaço de 50% como também da Seção 232, que atinge produtos como aço e alumínio, com base em levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).
Os 20 produtos equivalem a praticamente 30% - 29,3% - de todos os produtos vendidos pelo Brasil aos americanos na soma de agosto e setembro, incluindo os isentos do tarifaço.
Impactos variados
Valls destaca que os dados mostram que o tarifaço atingiu de forma muito diversa os produtos exportados aos americanos. “Os dados mostram uma reconfiguração nos mercados, mas alguns produtos ainda estão em situação mais complexa”, diz.
Ainda dentro dos 20 principais produtos vendidos pelo Brasil ao mercado americano e alvos da taxação de Trump, em seis o Brasil aumentou as exportações aos EUA, mas a uma taxa menor que a elevação nos embarques para o resto do mundo.
Nos cinco itens restantes os embarques para os Estados Unidos subiram enquanto para os demais mercados houve aumento menor ou queda. Como resultado do quadro, a participação dos americanos na exportação brasileira dos 20 produtos caiu de 28% em agosto e setembro de 2024 para 21,4% no mesmo período deste ano.
Na mesma comparação, a fatia dos Estados Unidos no total das exportações brasileiras recuou de 11,6% para 9%.
A compensação e elevação de receitas não se deu em todos os itens que tiveram exportações redirecionadas, destaca Rafael Cagnin, economista-chefe do IEDI. Ele cita o item mais importante exportado para os Estados Unidos entre os atingidos pela tarifa: os semimanufaturados de ferro ou aço. Esses produtos, explica, totalizaram US$ 360,5 milhões em embarques aos americanos em agosto e setembro, com queda de 19,4% na comparação com agosto e setembro de 2024, o equivalente a US$ 86,7 milhões em queda de receita.
A mudança mais profunda com o tarifaço é que os Estados Unidos deixaram de ser um parceiro confiável”
Para o restante do mundo foram exportados US$ 127,2 milhões desses itens, com alta de 36%, um aumento que significou US$ 31,5 milhões a mais em receitas. Ou seja, um valor menor do que o que foi perdido na queda de vendas aos americanos.
A compensação de receita também foi parcial para outros itens importantes na pauta de venda para os Estados Unidos, como preparações alimentícias e conservas de bovinos e transformadores elétricos.
Carne e café
Os dados mostram que, da lista de 20 produtos, o café e a carne bovina foram os itens que mais aumentaram a venda em outros mercados e foram bem além de compensar a perda com as exportações aos americanos.
A carne bovina desossada e congelada teve queda de 58% na venda aos Estados Unidos, com perda de US$ 90,9 milhões em receitas. A redução foi compensada com folga pelas exportações para o restante do mundo, que cresceram 70% no período, com alta de US$ 1,16 bilhão.
No caso do café não torrado, a exportação aos EUA caiu 11,3%, com perda de US$ 27,52 milhões. O embarque ao resto do mundo garantiu alta de 9,1%%, com aumento de receita de US$ 155,3 milhões, sempre entre agosto e setembro deste ano ante iguais meses de 2024.
O café e a carne bovina são destaques na exportação brasileira aos Estados Unidos, mas não enfrentam tantos problemas com o tarifaço, diz Cagnin. “Porque a dependência desses produtos em relação ao mercado americano é relativamente baixa, o que possibilitou redirecionar mais do que o necessário para compensar a perda com os Estados Unidos”, afirma o economista do IEDI. “E são dois itens que atualmente estão com dinâmica favorável de preços. Os preços do café estão subindo e o de carne bovina também.” Isso, explica Cagnin, facilita a negociação de preços pelo exportador, mesmo com a necessidade de novo direcionamento no destino final das mercadorias.
Na carne bovina congelada, chama a atenção a maior venda para a China. Após o tarifaço, a fatia dos EUA na exportação total do Brasil do produto caiu de 8,6% entre agosto e setembro de 2024 para 2,3% em iguais meses de 2025. A participação da China avançou de 58,8% para 67,2%. A venda do item ao país asiático subiu 81,8% no período. Para o México, a alta ainda foi maior, de 292,7%, mas sobre uma base menor. A fatia dos mexicanos aumentou de 1,5% para 3,6%.
“Os exportadores estão testando, buscando expandir mercados alternativos aos Estados Unidos. E a China está capitalizando isso”, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). “Ao mesmo tempo em que em meio ao tarifaço procura ampliar seus mercados de exportação, a China também tem ocupado mais espaço nos embarques de outros países. Estamos batendo recorde na exportação de carnes e a China está absorvendo isso, assim como absorveu mais soja em outros momentos.”
Concentração chinesa
Para Cagnin, a concentração maior de carnes para a China é um fator de preocupação. “Porque o Brasil já depende muito do mercado chinês, considerando a exportação agregada”, afirma o economista do IEDI.
Os casos dos produtos que reduziram exportações aos EUA e no restante do mundo também preocupam, diz. Entre eles estão partes para motores a diesel, de outras madeiras compensadas ou outros açúcares de cana e beterraba.
Isso, diz, também mostra a necessidade de menor dependência dos americanos e de diversificação para outros mercados, como União Europeia e América do Sul. “A mudança mais profunda nesse cenário com o tarifaço é que os Estados Unidos deixaram de ser um parceiro confiável.”
Outro dado que chama a atenção é dos produtos que, mesmo com sobretaxa, aumentaram embarques aos Estados Unidos. Valls destaca os pneus de borracha, dos tipos usados em ônibus ou caminhões, como é descrito no código. Esse item teve alta de 417,3% nas vendas aos americanos. Carregadoras e tratores, como bulldozers e angledozers, também tiveram alta de exportação americanos, de 66,2% e 707%, nessa ordem.
Para Castro, a participação do fornecimento brasileiro em cadeias de produção ou o comércio intracompanhia podem ajudar a explicar parte dos casos de aumento de embarques aos EUA. Para Valls, há também itens que, no decreto de isenção do tarifaço, ficaram com códigos específicos utilizados pelos americanos, o que pode dar margem a discussões de classificação e também abrir brechas para a exportação aos EUA.
