IEDI na Imprensa - 'Vítimas' do tarifaço se concentram em 20 dos 506 itens mais vendidos aos EUA
Valor Econômico
Levantamento do IEDI mostra que grupo reduzido de produtos mais dependentes dos EUA representa receita anual de US$ 8,4 bilhões
Marta Watanabe
A lista de produtos brasileiros mais dependentes do mercado americano e que foram atingidos pela política tarifária do presidente dos EUA, Donald Trump, tem 506 produtos, mas apenas os 20 mais vendidos somam US$ 8,2 bilhões anuais, o equivalente a 20% de tudo o que o Brasil vende aos americanos. No total dos 20 produtos, os EUA são o maior comprador, com 78% do embarque brasileiro. O quadro mostra o desafio que é diversificar o destino de parte importante dos itens atingidos.
Os dados são de estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), com dados da Fundação Centro de Comércio Exterior (Funcex). Considerando especificidade de seis dígitos, foram levantados 3.474 itens que o Brasil exporta aos EUA.
O estudo considerou como mais dependentes do mercado americano os produtos nos quais os EUA têm fatia de pelo menos 50% da exportação brasileira, com base nos embarques em 12 meses encerrados em junho de 2025. Dentro da exportação brasileira, um total de 579 produtos têm esse maior grau de exposição ao mercado americano. Tirando da lista os que ficaram isentos das tarifas de Trump, são 506 itens que respondem por 26% de tudo o que o Brasil vende aos EUA. “São produtos que tendem a sofrer mais com o tarifaço e podem encontrar dificuldades para abrir novos mercados que absorvam integralmente as vendas ao mercado americano”, diz Rafael Cagnin, economista-chefe do IEDI.
Nesse grupo dos mais expostos aos EUA e atingidos pelas tarifas de Trump, os 20 produtos mais vendidos aos americanos, aponta, são “os casos mais graves”. “São produtos para os quais praticamente todo o mercado externo é o mercado americano." Mesmo que os valores agregados de alguns desses produtos não seja tão grande, diz, a questão é que para esses casos o Brasil praticamente não está presente em outros mercados.
E a representatividade desses produtos, observa, “não é desprezível”. Esses 20 produtos representam 20% de tudo o que o Brasil vende aos EUA. No agregado, os americanos são destino de 78% desses itens. O estudo considerou como produtos atingidos pela política tarifária de Trump não somente os alvos do tarifaço de 50% como também aqueles incluídos na chamada seção 232.
No topo da lista dos 20 itens estão “outros semimanufaturados de ferro ou aço, não ligados”, cuja exportação aos EUA em 12 meses até junho somou US$ 2,94 bilhões, o equivalente ao 83% de tudo o Brasil exportou do item no período. Em segundo e terceiro vêm semimanufaturados de outras ligas de aço e equipamentos de construção, como, carregadoras e pás carregadoras. A lista de 20 produtos contém também tratores, transformadores, fio-máquina, além de produtos alimentícios, como mel e alguns peixes, entre outros.
O levantamento também identificou quais são o segundo e terceiro maiores destinos para cada um dos 20 produtos. A ideia, diz Cagnin, foi levantar mercados que já são atendidos pelo Brasil e que poderiam receber ênfase em uma estratégia de diversificação de embarques. Para os outros semimanufaturados de ferro e aço não ligados, por exemplo, o Canadá é o segundo maior cliente externo do Brasil, com fatia de 5%, e o México vem em terceiro, com 2%. O economista ressalta que países da América Latina aparecem em nove produtos na lista dos segundo e terceiro destinos mais importantes e países europeus, em oito deles. Canadá e África do Sul também se destacam, com seis e quatro produtos, nessa ordem.
Mercosul e União Europeia, ressalta, são dois blocos que perderam fatia da exportação brasileira na última década. Levantamento do IEDI mostra que a participação da União Europeia nas vendas externas do país caiu de 16,4% para 14,3% entre 2014 e 2024. Nos produtos industrializados, que dominam a lista de bens mais expostos às tarifas americanas, a perda de fatia dos europeus é mais acentuada, aponta Cagnin, de 16,9% para 12,3%. As exportações ao Mercosul seguiram tendência semelhante, com queda de 9,2% para 6% entre 2014 e 2024 nos embarques totais. Na indústria de transformação, de 13,4% para 10,3%.
"Temos que encontrar caminhos, mercados, onde o nosso produto industrial tem penetração. E esses dados apontam para América Latina, Mercosul notadamente, e Europa, sobretudo União Europeia”, diz Cagnin. Ele lembra que, no caso do mercado europeu, o acordo comercial Mercosul-União Europeia “está pronto e no momento é preciso criar condições políticas para avançar”.
Questão, além da demnada, é a concorrência no mercado dos EUA"
— Lia Valls
Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), a pauta de exportação brasileira aos Estados Unidos, eminentemente de industrializados, oferece uma diversidade de situações com o tarifaço de Trump. Para ele, a análise de oportunidades deve considerar como as exportações brasileiras aos americanos se inserem dentro da cadeia global de fornecimento.
Chefe do Departamento de Análise Econômica da UERJ e pesquisadora associada do FGV Ibre, Lia Valls aponta outros desafios. Ela lembra que deslocar exportações de um destino para outro não é algo imediato. É preciso verificar, também, diz, produto a produto, quais são os outros países que concorrem com o Brasil no fornecimento aos EUA. "A questão não é somente a demanda nos demais destinos, mas também a concorrência no mercado americano."
Valls cita outro levantamento, do FGV Ibre, que também aponta dependência importante de certos itens ao mercado americano. O estudo selecionou os 30 principais produtos exportados aos EUA e que representaram 7,8% do total das exportações do Brasil. No grupo, aponta o estudo, 18 itens não têm isenções e, desses, em 14 os EUA absorvem de 29,7% a 96,1% das exportações brasileiras.
Para Cagnin, é muito difícil ter medidas para lidar com o tamanho das tarifas impostas pelos Estados Unidos ao Brasil. O “Brasil Soberano”, plano que traz R$ 30 bilhões entre medidas tributárias e de crédito, diz, é ajuda “momentânea” para alguns exportadores.
Além de tentar reverter o tarifaço, é preciso, diz, encontrar mercado alternativo, algo que todos os parceiros comerciais dos EUA tendem a fazer. Nesse jogo, diz, é importante a agenda de competitividade. Mas outro caminho, mais estrutural, diz, é o reforço das relações comerciais com países e blocos já tradicionais ao Brasil, ou com novos parceiros.
O estudo, diz Cagnin, focou nos produtos mais expostos aos americano porque alguns itens, embora se destaquem dentro das exportações totais do Brasil aos EUA, também são direcionados a outros destinos. Ele exemplifica com o café e as carnes bovinas, terceiro e sétimo produtos, nessa ordem, mais vendido pelo Brasil aos EUA. Mas os americanos respondem por 16% e 12% da exportação brasileira desses itens, respectivamente. A procura de novos destinos para eles não é tão desafiadora quanto para o itens mais dependentes do mercado americano, diz Cagnin.
