Carta IEDI
O Problema do Preço Relativo do Investimento Fixo no Brasil
Na última reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN), a TJLP foi reduzida em 0,25 ponto percentual, para 6,25% ao ano, a vigorar no terceiro trimestre. Em paralelo, pelas novas contas nacionais, em 2006, a formação bruta de capital fixo (FBCF) cresceu 8,7%, atingindo sua maior grandeza em valores de 2000: R$ 221 bilhões. Até então o maior valor havia sido registrado em 1980 (R$ 209 bilhões a preço de 2000). O PIB, por sua vez, cresceu 3,7% em 2006.
Apesar dessas boas notícias, um olhar mais atento mostra que, em termos reais, a taxa de investimento fixo – proporção da FBCF no PIB em percentagem – continua entre as mais baixas desde 1947. Mesmo tendo crescido pela terceira vez seguida, a taxa de FBCF de 2006 só supera as do biênio 1992-1993, além dos anos do intervalo mais recente, de 2002-2005.
Deve-se reconhecer como fator positivo que o preço de máquinas & equipamentos, instalações e construções tem crescido a taxas declinantes. Ressalve-se, contudo, que a inflação sobre os bens finais de consumo das famílias e do governo vem sendo ainda mais branda. Assim, em um contexto de elevadas taxas de juros, desestimula-se o investimento produtivo principalmente por parte dos residentes: por que imobilizar sua riqueza em máquinas e equipamentos, incorrendo em riscos inerentes a qualquer negócio, se o potencial empreendedor tem a opção de aplicar recursos em títulos do governo com taxas de juros que por vezes ultrapassam a evolução dos preços dos bens de consumo?
A evolução do preço relativo do investimento fixo do País se mostrou desfavorável principalmente de 1998 a 2004-2005, salientando que o comportamento do preço relativo de máquinas e equipamentos tem sido menos favorável do que o do conjunto da FBCF. Tomando 1970 como base (1970 = 1), em 2006 o preço relativo da inversão fixa em termos do PIB ficou em 1,29, ligeiramente abaixo do de 2005 (1,31). Considerando o preço relativo do investimento fixo em termos do consumo final, isto é contrastando o preço da inversão fixa com o preço dos bens e serviços adquiridos pelas famílias e pelo governo, o mesmo se situou em 1,22 em 2006 (1,23 em 2005). Noutras palavras, frente a 1970, o preço da FBCF em 1996 ficou 22% maior em termos dos preços bens e serviços finais.
No caso específico dos investimentos fixos em maquinaria (série até 2005, último ano disponível), houve um acréscimo de 0,5 ponto percentual entre 1998 e 2005 no preço da FBCF tanto em termos do “preço” (deflator) do PIB quanto do preço de bens e serviços às famílias e governo. Ressalte-se que o preço relativo da FBCF em máquinas em termos de PIB atingiu 1,99 em 2005 e em termos de consumo final, 1,87. Ou seja, o preço dos bens de capital cresceu vis-à-vis o preço de bens e serviços finais. Diferentemente do preço relativo do total da FBCF, que em 2005 chegou em níveis acima daqueles dos anos 1970 e do miniciclo de inversões dos anos 1990, mas abaixo do de boa parte dos anos 1980, o preço relativo do investimento em máquinas e equipamentos atingiu em 2004 e 2005 seu maior patamar de toda a série, seja em relação ao PIB, seja frente aos preços de bens e serviços adquiridos por famílias e governo.
Este último dado ganha maior relevo quando se observa que estudos apontam os investimentos em maquinaria como a parte da FBCF que mais impulsiona a economia.
A partir das observações acima cabe a indagação: para quê um residente no Brasil irá se arriscar em um negócio imobilizando seus recursos em máquinas e equipamentos visando lucros futuros se os preços dos bens finais estiverem ficando relativamente mais baratos em termos de bens de capital? Às autoridades fica a sugestão no sentido de uma atuação focada no problema tendo em vista tornar a inversão produtiva mais barata e atraente.
Estimando-se a evolução do preço relativo da formação bruta de capital fixo para um grupo razoavelmente amplo de países, com 1970 como ano-base, o Brasil está entre aqueles de maior patamar de preço relativo do investimento fixo – o terceiro maior em termos de PIB, o quarto maior em termos de preço do consumo final. Mais: se tomarmos os países com preço relativo superior ao do Brasil, como Tailândia, Índia e Polônia, os três apresentavam em 2000 um preço de investimento inferior ao do Brasil. Não é o caso da Irlanda que, porém, pratica uma taxa de juros altamente atrativa para as empresas.
Expansão da economia e a taxa de investimento. Com a decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) de reduzir ainda que modestamente a TJLP (taxa de juros de longo prazo), a vigorar a partir do terceiro trimestre do ano, cabe um olhar mais detido sobre o investimento no País. Tal esforço se justifica também porque as contas nacionais foram revistas ao se adotar 2000 como ano de referência com revisão dos dados estendendo-se no tempo para 1995, além de aprimoramentos metodológicos. A formação bruta de capital fixo (FBCF) ou simplesmente investimento fixo se constitui em componente de suma importância do PIB quando medido pelo lado da demanda.
O fato é que economias mais dinâmicas apresentam elevadas taxas de investimento em instalações, construções, máquinas e equipamentos, isto é uma elevada participação da FBCF no PIB. Ademais, estudos, como aqueles conduzidos por Bradford De Long e Summers, observaram que as inversões em máquinas e equipamentos teriam um papel ainda mais relevante, o que pode ser associado pelo menos em parte ao processo de aprendizagem decorrente desse tipo de investimento fixo.
Aliás, a própria história econômica brasileira ratifica o papel-chave da formação bruta de capital fixo. O período de maior crescimento econômico do País desde 1947, de 1968 a 1973, com taxas médias de crescimento de 11,2% (PIB) e de 8% (PIB per capita) apresentou a segundo maior taxa de investimento fixo média (medida a preços de 2000). Se as correlações entre expansão econômica e taxa de FBCF desde meados do século XX no Brasil é evidente, ganha maior contundência se observarmos a taxa de investimento fixo em máquinas e equipamentos, conforme se constata na segunda das tabulações logo abaixo.
A preocupação daí decorrente é que o Brasil não tem conseguido atingir taxas de investimento compatíveis com níveis de crescimento elevados e pujantes. Se, em termos nominais, isso já transparece, ao se medir a proporção de FBCF no PIB a preços constantes, salta aos olhos o quão baixo está o patamar de investimento no Brasil, mesmo ante sua história recente.



Pode-se falar em recuperação do investimento? Montando a série histórica do investimento fixo desde 1947 em valores do ano de 2000, só agora em 2006, com inversões de R$ 221 bilhões, é que o Brasil logrou superar o patamar alcançado em 1980 (R$ 209 bilhões) e no miniciclo de investimentos 1997-1998 (R$ 206 bilhões). Ou seja, quase uma década depois. O dado favorável é que tanto a magnitude da FBCF quanto a taxa de investimento fixo aumentaram pelo terceiro ano consecutivo. Em relação a 2003, a formação bruta de capital fixo cresceu 22,8%. A taxa de FBCF teve ampliação de 1,5 ponto percentual entre 2003 e 2006. Mesmo ao tratarmos especificamente das inversões em bens de capital (máquinas e equipamentos), estas também cresceram em 2004 e 2005, lembrando que ainda não há dados sobre FBCF em maquinaria para 2006.
Todavia não se pode deixar de lado o fato de 2003 ter sido um ano assaz ruim para a economia, inclusive com declínio de 0,3% no PIB per capita do Brasil. Nesse sentido, o investimento fixo per capita medido a preços de 2000 mostra que o nível alcançado em 2006, de R$ 1,2 mil por pessoa, ainda dista sobremaneira do ápice registrado em 1980, quando a variável em questão chegou a R$ 1,8 mil per capita.
As séries aqui apresentadas também agregam as magnitudes e taxas de investimento fixo projetadas para o período 2007-2012 pelo Project LINK vinculado à ONU, incluindo aquelas constantes do trabalho apresentado no encontro de maio último do referido projeto por Carvalho e Cavalcanti. As maiores taxas de expansão econômicas projetadas para o País a partir do presente ano estão associadas a um forte crescimento real da FBCF, seja da magnitude, seja como proporção do PIB. Assim, uma variação anual do PIB da ordem de 5% – projetada para os anos de 2010, 2011 e 2012 – atrela-se a um dinamismo maior do investimento vis-à-vis o consumo das famílias e os gastos do governo. Mesmo para 2007, cuja projeção é de acréscimo de 4,2% no PIB, é esperado um aumento substantivo da FBCF, de 8,1%.
Na hipótese de tais projeções se confirmarem, em 2012, o País teria investimento fixo de R$ 328 bilhões e finalmente (e só em 2012!) suplantaríamos o pico de FBCF per capita de 1980: R$ 1,8 mil por habitante em 2012 a preços de 2000. Para este derradeiro ano, a taxa de inversão fixa, obtida com valores de 2000, seria de 17,7%, quase 2 pontos percentuais acima da de 2006.




Um pouco mais sobre o preço relativo do investimento fixo. Um empresário só aceita o risco de imobilizar sua renda ou riqueza em máquinas, equipamentos e instalações caso anteveja retornos futuros que lhe propiciem maior poder aquisitivo amanhã do que hoje, isto é, podendo adquirir mais bens e serviços do que no presente. Assim, se os preços de bens de capital ascendem mais do que os preços de bens finais, há um claro desestímulo para os investimentos. Caso haja tal comportamento no sistema de preços e as taxas de juros sejam elevadas, está criado um ambiente pouco propício para a ampliação da capacidade produtiva instalada.
Tomando-se tais apontamentos e considerando a hipótese de certa superestimação na evolução dos preços relativos da FBCF (razão entre os deflatores da FBCF e do PIB) em fins dos anos 1980, o preço relativo do investimento não mais retornou aos níveis do início dos anos 1970, período de altas taxas de expansão econômica. Mesmo atendo-se a um período mais recente, desde meados dos anos 1990, abarcando os dados das contas nacionais revistos pelo IBGE, observa-se um aumento quase ininterrupto da relação entre preço do investimento fixo e o do PIB, atingindo 1,31 em 2005 (1970 = 1).
Comportamento similar também é registrado no preço da FBCF em termos do consumo final (preço ou deflator do consumo das famílias e do governo) – ver o segundo dos gráficos abaixo, representado pela linha laranja. Ou seja, frente a 1998, os preços do investimento fixo cresceram com mais força do que os preços dos bens e serviços adquiridos pelas famílias e governo, conforme mostra a ilustração logo abaixo em barras. Menos mal que o preço da FBCF em termos de consumo final começou a recuar ligeiramente já em 2005, continuando em 2006 – o preço relativo da FBCF em termos do PIB (linha azul do segundo gráfico a seguir) só começou a recuar em 2006. De qualquer modo, comparativamente ao começo dos anos 1970, os investimentos ficaram relativamente mais caros do que os bens e serviços para famílias e governo.
No caso dos investimentos fixos específicos em maquinaria (série até 2005, último ano disponível), houve um acréscimo de 0,5 ponto percentual entre 1998 e 2005 no preço da FBCF tanto em termos do “preço” (deflator) do PIB quanto do preço de bens e serviços às famílias e governo. Ressalte-se que o preço relativo da FBCF em máquinas em termos de PIB atingiu 1,99 em 2005 e em termos de consumo final, 1,87. Ou seja, o preço dos bens de capital cresceu vis-à-vis o preço de bens e serviços finais. Diferentemente do preço relativo do total da FBCF, que em 2005 chegou em níveis acima daqueles dos anos 1970 e do miniciclo de inversões dos anos 1990 mas abaixo do de boa parte dos anos 1980, o preço relativo do investimento em máquinas e equipamentos atingiu em 2004 e 2005 seu maior patamar de toda a série, seja em relação ao PIB, seja em relação a bens e serviços adquiridos por famílias e governo.
Um dado favorável é que, embora os preços relativos do investimento fixo estejam maiores, os deflatores tanto do PIB quanto da FBCF têm declinado, mitigando os efeitos negativos dos preços relativos crescentes.
Retomando as projeções do projeto LINK (nesse caso apenas para o total da FBCF), as mesmas permitiram o cálculo do preço relativo do investimento fixo tanto em termos do PIB quanto do consumo final. A expansão projetada da formação bruta de capital fixo, em ritmo maior do que a do consumo final, está associada a uma queda discreta no preço relativo da FBCF ao longo de 2007 a 2012, com o deflator do consumo final crescendo a taxas ligeiramente maiores do que as da FBCF.
<<20070713-08.gif|Fonte: Elaboração própria a partir de dados de IBGE/SCN, referência 2000 (exceto 2006: IBGE/CNT, referência 2000), apud Ipeadata e das projeções para 2007-2012 do Project LINK e L. Carvalho e Marco Cavalcanti. Outlook for the Brazilian Economy – 2007-2008 (texto apresentado no encontro de maio/2007 do Project LINK).
Nota: Consumo Final se refere à soma do Consumo das Famílias e da Administração Pública.|>>
<<20070713-09.gif|Fonte: Elaboração própria a partir de dados de IBGE/SCN, referência 2000 (exceto 2006: IBGE/CNT, referência 2000), apud Ipeadata e das projeções para 2007-2012 do Project LINK e L. Carvalho e Marco Cavalcanti. Outlook for the Brazilian Economy – 2007-2008 (texto apresentado no encontro de maio/2007 do Project LINK).
Nota: Consumo Final se refere à soma do Consumo das Famílias e da Administração Pública.|>>
<<20070713-10.gif|Fonte: Elaboração própria a partir de dados de IBGE/SCN, referência 2000 (exceto 2006: IBGE/CNT, referência 2000), apud Ipeadata e das projeções para 2007-2012 do Project LINK e L. Carvalho e Marco Cavalcanti. Outlook for the Brazilian Economy – 2007-2008 (texto apresentado no encontro de maio/2007 do Project LINK).
Nota: Consumo Final se refere à soma do Consumo das Famílias e da Administração Pública.|>>
Evolução do preço relativo do investimento no plano internacional. Como visto até então, uma análise que comece em 1998 ou 2000, ao invés de 1970, o preço relativo da inversão fixa brasileira também terá comportamento ascendente até 2005. O ideal é que o recuo registrado em 2006 se converta em tendência, seguindo as projeções do Projeto LINK da ONU. Ademais, é interessante que um menor preço relativo da FBCF ocorra com baixo acréscimo nos preços absolutos.
Cabe notar que, no plano internacional, não são muitos os países com comportamento ascendente nos preços relativos do investimento. Obviamente que contrapor os países pelo simples cotejo das séries de preço relativo pode ser um exercício enganoso. Porém é possível obter um parâmetro mínimo através das Penn World Tables 6.1 (PWT 6.1). Tais tabulações trazem os preços do investimento (no caso inversão fixa mais variação de estoques) e do PIB para uma grande quantidade de países, medidos pela paridade do poder de compra. O nível dos preços é dado em relação ao preço do PIB dos EUA (igual a 100 para todos os anos). Logo, os preços para as séries do PIB e de outros agregados dos outros países são confrontados com o preço do produto agregado norte-americano.
A comparação salienta o fato do Brasil, no ano de 2000, ainda dispor de preços vantajosos frente a várias economias, particularmente as avançadas, integrantes do G-7. No âmbito latino-americano, havia, em 2000, países com investimento “custando” menos do que no Brasil, a exemplo do Chile e da Colômbia, mas México e Argentina apresentavam patamar maior. Note-se que, no caso da Hungria, Polônia e da Rússia, as três detinham preços menores do que o do Brasil. Ademais, embora o preço do investimento brasileiro estivesse abaixo daqueles da Irlanda, Tigres Asiáticos e da África do Sul, mostrou-se mais elevado do que os preços para outros países asiáticos, China, Índia, Indonésia, Malásia, Tailândia e Filipinas.
<<20070713-11.gif|Fonte: Elaboração própria a partir de Heston, Summers e Aten Penn World Table Version 6.1. Pensilvânia: Center for International Comparisons at the University of Pennsylvania (CICUP), out. 2002.|>>
Visto isto, pode-se passar para as duas próximas tabelas que estimam a evolução do preço relativo da formação bruta de capital fixo para um grupo razoavelmente amplo de países. O ano-base adotado foi 1970. A primeira tabela mostra os dados para o preço da FBCF em termos do PIB, enquanto a segunda traz o preço da FBCF em termos dos preços de bens e serviços comprados por famílias e governo (consumo final).
Em ambas as tabelas, o Brasil está entre aqueles de maior patamar de preço relativo do investimento fixo – o terceiro maior em termos de PIB, o quarto maior em termos de preço do consumo final. Mais: se tomarmos os países com preço relativo superior ao do Brasil, como Tailândia, Índia e Polônia, os três apresentavam em 2000 um preço de investimento inferior ao do Brasil, conforme o gráfico acima. Não é o caso da Irlanda que, porém, pratica uma taxa de juros altamente atrativa para as empresas.
Para o Brasil, aparecem como óbice as elevadas taxas de juros. Como dado positivo, há de se ressaltar que, se os preços relativos da inversão fixa registraram acréscimos até 2005, tais aumentos ocorreram com os preços absolutos crescendo a taxas declinantes. Isso pode colocar o País em melhor situação frente àqueles com inflação maior.
De qualquer forma, para quê um residente no Brasil irá se arriscar em um negócio imobilizando seus recursos em máquinas e equipamentos visando lucros futuros se os preços dos bens finais estiverem ficando relativamente mais baratos em termos de bens de capital?

