Carta IEDI
PIB em 2022: desaceleração continuada
Em 2022, o PIB do Brasil cresceu +2,9%, isto é, até mais do que se projetava no início do ano passado, mas muito aquém do que o mundo avançou. A estimativa mais recente do FMI, divulgada em jan/23, aponta para uma alta do PIB global de +3,4% e de +3,9% para o conjunto de países emergentes da América Latina.
As projeções para 2023 para a economia brasileira refletem não só um cenário externo desafiador, como também os efeitos do aumento das taxas de juros pelo Banco Central. Há ainda a “conta” das medidas anticíclicas adotadas no bojo da disputa eleitoral pelo governo, a exemplo da redução de impostos sobre combustíveis.
Em seu último cenário, o FMI aponta uma desaceleração do PIB do Brasil para +1,2% em 2023. Já as expectativas de mercado de agentes nacionais, coletadas pelo Boletim Focus do Banco Central em meados de mar/23, indicam um ritmo ainda mais fraco para nossa economia: apenas +0,88%. Com isso, nossa divergência em relação à economia mundial deve se ampliar, uma vez que o PIB global deve registrar +2,9% no presente ano, segundo o FMI.
Ao longo de 2022, a perda continuada de dinamismo fez com que o PIB brasileiro, que havia crescido +1,3% no 1º trim/22, já descontados os efeitos sazonais, tenha encerrado o ano no vermelho: -0,2% na passagem do 3º para o 4º trim/22, com ajuste. E isso a despeito da redução pontual dos preços dos combustíveis, da liberação de recursos do FGTS e do aumento do Auxílio Brasil, entre outras medidas.
Esta piora foi muito influenciada pela perda de vigor do consumo e pela marcha a ré do binômio investimento-indústria, um fator que compromete muito a trajetória futura de expansão de nossa economia. Entre os componentes da demanda, o pior resultado coube aos investimentos, que caíram -1,1% no 4º trim/22, já descontados os efeitos sazonais.
Entre os componentes da oferta, nenhum outro setor se saiu tão mal quanto a indústria, que em seu agregado registrou -0,3%, com ajuste sazonal, ante +0,3% da agropecuária e +0,2% dos serviços. Ainda mais grave foi o quadro da indústria de transformação, com queda de -1,4%, seguida pelo comércio (-0,9%). Cabe lembrar que a indústria de transformação ficou estagnada no 3º trim/22 (0%).
Se tomarmos 2022 em seu agregado, a indústria mostra igualmente uma baixa performance, crescendo menos do que o PIB total: +1,6% e +2,9%, respectivamente. Em seu interior, os resultados foram bastante assimétricos. Enquanto construção (+6,9%) e eletricidade, água e esgoto (+10,1%) cresceram fortemente, a indústria de transformação (-0,3%) e a extrativa (-1,7%) recuaram.
Como a agropecuária (-1,7%) também não cresceu, quem puxou a expansão do PIB do Brasil no ano passado foi o setor de serviços (+4,2%), o único a registrar um resultado melhor que o total da economia.
Na base deste desempenho está a recomposição dos serviços na cesta de consumo das famílias, devido à retomada das atividades presenciais e da mobilidade das pessoas com o controle da pandemia de Covid-19. O consumo das famílias, que cresceu +4,3% em 2022, foi quem dinamizou o mercado interno do país.
Este fator de dinamismo tende, entretanto, a se esgotar, à medida que a demanda reprimida por serviços seja normalizada, e porque o poder de compra das famílias também tem se estreitado, por causa da inflação, do aumento das taxas de juros e do seu elevado endividamento, ensejando níveis superiores de inadimplência. Tanto é que no 4º trim/22, na série com ajuste sazonal, o consumo das famílias (+0,3%) e os serviços (+0,2%) ficaram praticamente estagnados.
Aquele que deveria ser o principal motor do crescimento do país, o investimento, que além de demanda também introduz a necessária modernização na estrutura produtiva do país, patinou não apenas no final do ano, mas também no acumulado de 2022, quando registraram variação de apenas +0,9%. Como aponta o próprio IBGE, sem a expansão da construção este resultado teria sido muito inferior.
A parcela da formação bruta de capital fixa, isto é, do investimento, referente à aquisição de máquinas e equipamentos apresentou recuo de -7,3% em 2022. Não é um dado bom para o aumento da produtividade e da competitividade futura do país. Ademais, é provável ainda que parte relevante deste declínio esteja na indústria, já que a produção física de bens de capital para o setor vem caindo repetidamente desde o 4º trim/21.
Ao lado do consumo das famílias, o setor externo também foi uma fonte importante de dinamismo, apesar do enfraquecimento da economia mundial. Nossas exportações cresceram +5,5% em 2022, graças ao aumento dos embarques de alimentos e derivados de petróleo, favorecidos pela guerra na Ucrânia, da indústria automobilística e de papel e celulose.
Já nossas importações registraram alta bem menos expressiva, de +0,8% no acumulado de 2022, fazendo com que o setor externo contribuísse positivamente, com quase 1/3 da expansão do PIB no ano: 0,9 p.p. da alta de 2,9%, isto é, o oposto de 2021, quando havia retirado -0,9 p.p. do crescimento do PIB do país.
Visão geral do PIB em 2022
A economia brasileira cresceu 2,9% em 2022, menos do que havia avançado em 2021 e com desaceleração trimestre a trimestre (série livre de sazonalidade), culminando em recuo na passagem de julho-setembro para outubro-dezembro.
O PIB per capita do país aumentou 2,2%, segundo ano seguido de crescimento desse indicador que, nos últimos dez anos, sofreu retração quatro vezes.
Pela série livre de sazonalidade, no quarto trimestre de 2022, o PIB retrocedeu 0,2% em relação ao terceiro trimestre, configurando a terceira redução consecutiva da taxa de variação do indicador de volume do PIB a preços de mercado e, desta vez, com mudança de sinal.
Na comparação entre o último quarto de 2022 e igual período de 2021, a expansão foi de 1,9%, completando oito trimestres seguidos de taxa positivas, mas não sem escapar de uma desaceleração.
A expansão de 2,9% em 2022 foi puxada pelo crescimento de 3,0% no valor adicionado bruto, com os impostos líquidos sobre produtos crescendo 2,1%.
Consumo das famílias à frente, investimento fixo dando sinais de alerta
Pela série dessazonalizada, trimestre a trimestre, o Brasil encerrou 2022 com queda em outubro-dezembro, numa desaceleração ininterrupta ao longo do ano. A retração de 0,2% na passagem do terceiro para o quarto trimestre contou com forte recuo de 1,1% da formação bruta de capital fixo (FBCF).
Os acréscimos de 0,3% tanto no consumo das famílias quanto no consumo do governo não foram suficientes para compensar a redução no investimento fixo. As exportações de bens e serviços também avançaram, 3,5%, enquanto as importações retrocederam 1,9%.
No contraponto entre quartos trimestres do ano e do ano anterior, o PIB cresceu 1,9%, completando oito trimestres de expansão, após o forte impacto da pandemia da covid-19. Apesar desse crescimento, as taxas dos dois últimos trimestres de 2022 mostraram desaceleração.
Atendo-se ao último quarto de 2022, o crescimento do PIB foi puxado pela expansão do consumo das famílias, 4,3%, sendo este o componente pela ótica da demanda de maior peso. Outro destaque coube à FBCF, avançando 3,5%.
As exportações foram ampliadas em 11,7%, a maior expansão dentre os componentes do produto pelo prisma da despesa, arrefecido pelo aumento de 4,6% nas importações. Já o consumo do governo registrou incremento de apenas 0,5%.
Dessa maneira, O PIB do país avançou 2,9% em 2022. Pelo acumulado do ano, todos os trimestres de 2022 lograram expansão no produto agregado frente ao mesmo período de 2021. O mesmo se observou pelo acumulado de quatro trimestres frente aos quatro trimestres anteriores.
No ano como um todo, a expansão do PIB foi puxada pelo consumo das famílias, 4,3%. O consumo do governo cresceu 1,5%, enquanto a inversão fixa variou apenas 0,9%. As exportações avançaram 5,5%, enquanto as importações cresceram 0,8%.
Com o menor dinamismo da FBCF, a taxa de investimento fixo ficou praticamente estável, diminuindo 0,1 ponto percentual, para 18,8% do PIB. Assim, houve uma interrupção no que vinha sendo uma recuperação da taxa de FBCF de quatro anos. Além de ficar aquém do patamar de 2021, ficou abaixo também das taxas de 2008 a 2014.
Apesar dos sinais de recuperação observados em 2017 terem se convertido em ampliação dos investimentos nos dois anos seguintes, contribuindo para as taxas positivas do PIB, a produção não se mostrava pujante, mesmo antes da pandemia.
Em 2020, a taxa de FBCF maior se deveu em larga medida à queda do PIB agregado, inerente às medidas de distanciamento adotadas para enfrentamento da covid-2019. A taxa de inversão fixa cresceu também em 2021, com expansão da FBCF em máquinas e equipamentos. Todavia em 2022, embora tenha ficado bem próxima da registrada no ano anterior, os investimentos em máquinas e equipamentos retrocederam 7,3%.
O desempenho por setor econômico
Como antes mencionado, a expansão de 2,9% do PIB a preços de mercado foi puxada pelo incremento de 3,0% no valor adicionado (VA), com os impostos sobre produtos líquidos de subsídios também crescendo, 2,1%. O aumento do VA foi puxado pelos serviços e pela indústria.
Pelos dados dessazonalizados, a retração de 0,2% do PIB no quarto trimestre vis-à-vis o trimestre imediatamente anterior, com queda de 0,3% do VA, teve à frente a indústria, caindo 0,3%, após três períodos sem recuos. Por outro lado, a agropecuária e os serviços apresentaram taxas positivas, embora tímidas: 0,3% e 0,2%, respectivamente.
No confronto entre o último trimestre de 2022 e seu equivalente do ano anterior, o valor adicionado cresceu 1,8%. Tal expansão decorreu do crescimento do VA industrial, 2,6%, e do VA dos serviços, 3,3%. Nessa base de comparação, a indústria cresceu pela terceira vez seguida, enquanto os serviços pela sétima vez. A agropecuária, a seu turno, declinou 2,9%.
Já ao se contrapor 2022 como um todo e o ano anterior, o crescimento de 3,0% do VA foi puxado pelos serviços, 4,2%, setor mais afetado pela pandemia. Contou também com o crescimento de 1,6% da indústria. Somente a agropecuária se retraiu em 2022, -1,7%, tendo sido justamente o único dos três grandes setores a crescer no pandêmico 2020.
A indústria em detalhe
Atendo-se à indústria, na passagem de julho-setembro para outubro-dezembro pelos dados dessazonalizados, seu valor adicionado retrocedeu 0,3%. Tal declínio decorreu principalmente do desempenho da indústria de transformação, com queda de 1,4%.
A produção e distribuição de eletricidade, gás e água, esgoto e atividades de gestão de resíduos – os chamados serviços industriais de utilidade pública (SIUP) – e a construção também retrocederam, quedas de 0,4% e de 0,7%, respectivamente. A extração mineral, por sua vez, arrefeceu tal movimento descendente, crescendo 2,5%.
Comparando último quarto de 2022 e o mesmo período do ano anterior, o VA industrial cresceu 2,6%, completando três períodos consecutivos de taxas positivas. Tal avanço foi puxado pelos SIUP, 10,8%, e pela construção, 3,2%. As duas outras divisões industriais também lograram incremento: a indústria extrativa cresceu 1,4%, enquanto a indústria de transformação, a de maior participação no setor, teve aumentou de 1,0%.
No acumulado do ano, como antes visto, o setor industrial avançou 1,6%. Nessa base de comparação, os SIUP também foram o segmento industrial que mais cresceu: 10,1%. A construção foi novamente o segundo ramo em termos de taxa de expansão: 6,9%. Os demais sofreram retração em 2022: a extração mineral recuou 1,7%, enquanto a indústria de transformação retrocedeu 0,3%, ficando praticamente estável.
O Brasil frente a outras economias
Conforme estimativas do FMI, a economia mundial cresceu 3,4% em 2022. O crescimento do Brasil, como visto, não chegou a tanto. Até pelo fato de a economia do país vir crescendo muito timidamente antes da pandemia, após a crise de 2015-2016. Assim, vale contrastar a performance brasileira com a de outros países.
O contraponto frente a países membros da OCDE pela variação trimestre contra trimestre imediatamente anterior (dados dessazonalizados) mostra que, na passagem de julho-setembro para o último quarto de 2022, os produtos agregados dos países mais ao norte da América, cresceram, contrastando com o recuo do Brasil: EUA, taxa de 0,7%; México e Canadá registrando a mesma taxa, de 0,4%. Outro destaque positivo foi a Holanda, 0,6%. O Japão também logrou expansão. Por outro lado, registram queda a Coreia do Sul (-0,4%), Alemanha (-0,2%) e Itália (-0,1%).
Passando para o investimento fixo, após dois trimestres de crescimento, a FBCF do Brasil retrocedeu 1,1% em outubro-dezembro. Vale notar que, com exceção da Alemanha, cujos investimentos recuaram, além de Chile e México, sem dados disponíveis, os demais lograram expansão de suas respectivas FBCF.
O Brasil frente a outras economias – projeções
As expectativas de mercado para a economia brasileira, apuradas no relatório Focus do Banco Central em 03/03/2023 e publicadas em 17/03/2023, eram de incremento de 0,88% em 2023 e de 1,47% em 2024.
Vale registrar que, quanto menos recente é a projeção/ expectativa tabulada acima, mostra-se mais positiva, principalmente para 2023. A grade de projeções usada pelo Ministério da Economia em dezembro do ano passado projetava expansão de 2,1% em 2023 e de 2,5% no ano seguinte, contrastando com as expectativas de levantamento Focus. Aliás, em relação a tais expectativas, a projeção do World Economic Situation Prospects da ONU para 2023 foi a que mais se aproximação destas.
Já a atualização (update) do World Economic Outlook do FMI, de janeiro último, trouxe uma projeção de 1,2% para 2023 e de 1,5% para 2024. Ou seja, mais otimista para 2023 em relação às expectativas constantes do Focus mais recente, mas igual às mesmas em se tratando de 2024. A diferença para 2023 tende a refletir mudanças desde janeiro, incluindo a persistência do quadro inflacionário em âmbito internacional e a guerra na Ucrânia ter completado um ano sem perspectivas concretas de fim do conflito por parte da Rússia.
No caso da atualização de janeiro último do World Economic Outlook do FMI, estas trazem também projeções para outros países, além de estimativas para 2022. Cabe considerar que tais projeções são passíveis de revisão, em especial com o delicado quadro geopolítico atual e as decorrências dos anos mais duros da pandemia da covid-19.
Observa-se que a expansão brasileira de 2,9% em 2022, embora tenha superado o que dela se esperava no início do ano passado, teve desempenho aquém de algumas economias avançadas, de PIB per capita bem superior ao brasileiro. Canadá, Espanha, Itália e Reino Unido se encaixam nessa descrição. Ademais, para Canadá e Espanha, é projetada expansão média para 2023-2024 superior a do Brasil.
Apesar de, pelo segundo gráfico a seguir, o conjunto dos países avançados terem crescido menos que o Brasil em 2022, com projeção de expansão médio para o biênio subsequente também ligeiramente abaixo, o desempenho do Brasil tem deixado a desejar ao ser contrastado com o avanço mundial: crescimento de 3,4% em 2022, projetando taxa média de 3,0% para 2023-2024.
Na mesma figura, o grupo dos países emergentes ou em desenvolvimento, mais equiparáveis ao Brasil, avançou mais, 3,9%, após incremento de 6,7% em 2021. Dentro desse agrupamento, a performance dos asiáticos emergentes e em desenvolvimento se sobressai: expansão de 4,3% em 2022, com crescimento projetado de mais de 5,0% nos dois anos seguintes. Já a América Latina e Caribe cresceu 3,9% no ano passado, projetando-se avanço de 1,8% em 2023 e 2,1% em 2024.
No âmbito dos BRICS, a China, mesmo desacelerando, logrou crescimento de 3,0%, em 2022, com avanço projetado de 5,2% e 4,5% para 2023 e 2024. Mas o destaque maior cabe à Índia, com crescimento estimado para 2022 e projetado para os dois anos seguintes na faixa de 6%.
Fora do continente asiático, a África do Sul avançou ligeiramente menos do que o Brasil em 2022, devendo assim permanecer pelas projeções do FMI. A Rússia, em guerra com a Ucrânia, sofreu retração em 2022, devendo ficar praticamente estável em 2023 e crescer de fato em 2023. Fora dos BRICS, o México, cresceu 3,1% em 2022, com projeções de expansão para o biênio seguinte também um pouco acima daquelas para o Brasil.
O fato de o Brasil ter crescido em 2022 mais do que se projetava quando o mesmo estava ainda no primeiro trimestre é indissociável das medidas de caráter eleitoral de uma forma ainda não vista em nível federal desde a redemocratização, injetando recursos, mas às custas de programas estruturados.
Ou seja, o Brasil cresceu tomando emprestado dos anos vindouros sem apontar para um futuro, camuflando gastos eleitoreiros na dívida social histórica que o país carrega consigo. Como agravante há o quadro internacional, com inflação persistindo em economias avançadas, China sem o mesmo dinamismo e a guerra na Ucrânia tendo completado um ano sem perspectiva de término por parte da Rússia.