IEDI na Imprensa - Incertezas reduzem interesse dos investidores externos
Valor Econômico
A cautela em relação ao mercado brasileiro aumentou com as decepções em relação aos ajustes e reformas econômicos
Mais uma gigante entre as multinacionais está deixando o Brasil. A maior fabricante global de cimento, a suíça Holcim, vendeu suas operações no país para a CSN Cimento, na semana passada. A Holcim era a terceira maior do país, desde que comprou a francesa Lafarge em 2014, e sai em um momento de aumento do consumo. Após amargar uma crise de 2014 a 2018, o mercado interno de cimento voltou a crescer: 11% em 2020, em plena pandemia, com expectativa de crescer mais 6% neste ano.
As justificativas oficiais da Holcim não são claras. O grupo fala em reduzir o endividamento e diversificar os negócios. Mas seguirá com operações em outros países da América Latina -Argentina, México e Equador. A intenção de deixar o Brasil havia sido externada já em abril e agora o grupo arrumou um comprador por US$ 1,025 bilhão. A intenção era conseguir até US$ 1,5 bilhão.
Em janeiro, outra multinacional, a Ford, anunciou a saída do Brasil. Antes dela a também emblemática Mercedes Benz revelou a retirada. É inegável que a cautela em relação ao mercado brasileiro aumentou com as decepções em relação aos ajustes e reformas econômicos. Agora, o sentimento é intensificado com a antecipação da disputa eleitoral de 2022 desencadeada pelo presidente Jair Bolsonaro. Como analisou o ex-presidente do Banco Central (BC) Pérsio Arida, “estamos com um mundo com taxas de juros baixíssimas, com excesso de capitais, com um volume enorme de recursos destináveis a infraestrutura e a políticas ambientais adequadas. [Esse fluxo de investimentos] não se materializa no Brasil porque o Brasil é visto como um pária” (Valor, 13/9).
Os dados mais recentes do BC registram que os investimentos estrangeiros diretos no país (IDP) somaram US$ 31,8 bilhões até julho neste ano, dos quais US$ 27,1 bilhões são participação no capital. Compõem o restante operações intercompanhias, que embutem na maioria das vezes empréstimos de matriz para filiais, devolvidos depois na forma de remessas de lucros e dividendos. Essas remessas atingiram US$ 3,1 bilhões em julho, surpreendendo o BC. No acumulado até julho, somam US$ 12,7 bilhões, quase o dobro dos US$ 7,8 bilhões do mesmo período de 2020.
Dos US$ 27,1 bilhões em participação do capital registrados no ano até agora, US$ 20,3 bilhões ingressaram efetivamente no país (a conta inclui reinvestimento de resultados). Chama a atenção detalhamento do BC mostrando que esses investimentos novos são pulverizados. Até agora, não há ingressos acima de US$ 1 bilhão. A maior parte (30,4%) varia de US$ 100 milhões a US$ 500 milhões; percentual expressivo de 18% envolve operações até US$ 10 milhões; e 15% vão de US$ 20 milhões a US$ 50 milhões.
Ainda assim, o Brasil deve superar o resultado de 2020, quando teve o pior volume de investimento estrangeiro em duas décadas. Foram US$ 25 bilhões, de acordo com levantamento da Unctad, compilados pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). O desempenho fraco foi principalmente atribuído à pandemia, mas o investimento estrangeiro caiu muito mais no Brasil do que na média mundial: 62% em comparação com 35%. Em consequência, o Brasil também recuou no ranking da Unctad, do sexto lugar entre países mais atraentes para o capital externo para o 11º lugar, atrás de emergentes como o México (9º) e da Índia (5º).
Se tem alguém vendendo, tem alguém comprando, diz o consenso popular. As instalações da Mercedes Benz em Iracemápolis (SP) foram adquiridas pela jovem montadora chinesa Great Wall, atraída por incentivos fiscais não tão generosos quanto os oferecidos a sua antecessora, mas ainda sedutores. A iniciativa da Great Wall pode ser considerada uma exceção. Os investimentos chineses no Brasil mostraram recuo desde 2020, movimento atribuído inicialmente à pandemia, mas que podem também ter sido afetados pelas críticas do governo Bolsonaro a Pequim. Em 2020, os investimentos no país caíram 74% em relação a 2019, somando US$ 1,9 bilhão, menor valor desde 2014.
A cautela do investidor estrangeiro abre espaço para a expansão das empresas brasileiras. Levantamento da Dealogic mostrou recorde de US$ 59,4 bilhões em fusões e aquisições no mercado brasileiro no ano até o início de agosto, volume superior aos US$ 52,7 bilhões, de 2017. Muitas delas saíram às compras após terem fortalecido o caixa em operações de abertura de capital ou oferta de ações neste ano. Além disso, já estão acostumadas às turbulências domésticas.