IEDI na Imprensa - Com auxílio emergencial, número de beneficiários de transferência de renda dobra no país
O Globo
Em alguns municípios, parcela da população que recebe o benefício chega a 90%. Em média, são 25%. No Bolsa Família, eram 13,2%
Pedro Capetti e Geralda Doca
Terminar o mês sem dever nada. Esta é uma nova realidade na vida de Vanuzia Silva Oliveira, de 46 anos, moradora de Maetinga, no interior da Bahia, que viu o benefício do Bolsa Família dobrar com o auxílio emergencial por ser chefe de família.
Desempregada, recebendo R$ 1.200 por mês do governo federal e com oito filhos e um neto para cuidar, ela agora consegue não apenas fazer a compra do mercado, como pagar as contas atrasadas sem fazer novas dívidas.
— Com as escolas paradas, as crianças em casa comem o tempo todo. Aqui é muita gente, e ninguém tem emprego — diz ela, que já trabalhou como gari na prefeitura.
Vanuzia está entre os 50 milhões de brasileiros que foram beneficiados pelo auxílio emergencial. A injeção de mais de R$ 150 bilhões na proteção dos mais vulneráveis por causa da pandemia do novo coronavírus mudou não apenas a geografia das transferências de renda nos municípios brasileiros, como, em algumas cidades, aqueceu o consumo, em uma economia que deverá terminar o ano com a maior retração em 120 anos.
Levantamento feito pelo GLOBO com base em dados do Ministério da Cidadania mostra que o auxílio emergencial atingia, no fim de abril, em média, 25% da população dos 5.570 municípios brasileiros. Em algumas cidades, como Maetinga, a parcela da população que recebe o benefício chega a 90%.
Antes, somente com o Bolsa Família, a média de beneficiários era de 13,2% nas cidades brasileiras.
O crescimento da base de atendidos foi registrado em todas as regiões do país, mas não mudou a lógica da distribuição que ocorria com o Bolsa Família: quanto mais pobre o município, maior a cobertura. O auxílio, contudo, ganhou peso também em cidades mais desenvolvidas.
Municípios ricos, como São Paulo, hoje têm um percentual de beneficiários similar ao que era observado em cidades pobres do país quando só havia o Bolsa Família.
Especialistas explicam que esse aumento generalizado é consequência dos efeitos da pandemia e também da crise prolongada no mercado de trabalho. Antes da Covid-19, 12,3 milhões estavam desempregados e mais de 1,4 milhão de brasileiros aguardavam na fila do Bolsa Família.
Veto se valor for mantido
Com a expansão da cobertura social e o anúncio da prorrogação do pagamento do auxílio, o programa começa a ser visto como um mecanismo de aquecimento da economia no segundo trimestre do ano, quando as previsões são de um tombo de mais de 10% no PIB.
Na quinta, em transmissão em rede social, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que pretende vetar a prorrogação do auxílio se o Congresso decidir pela manutenção do valor atual, de R$ 600. O Ministério da Economia pretende pagar mais duas parcelas de R$ 300, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defende a manutenção dos R$ 600.
Economistas destacam o chamado efeito multiplicador do benefício: com mais dinheiro, há mais consumo, o que gera arrecadação para o estado. Mesmo com o desemprego e a queda da renda, são os mais pobres que têm maior propensão ao consumo.
— Quanto mais para o pobre for a transferência, maior o ganho para a macroeconomia, se você tem uma capacidade ociosa — explica o pesquisador Marcelo Neri, diretor da FGV Social, ressaltando que cada R$ 1 gasto com Bolsa Família adiciona R$ 1,78 ao PIB.
Neri afirma que, apesar do efeito do auxílio ser menor no PIB, o recurso fará diferença nas cidades menores, onde já há grande dependência dos programas de transferência de renda. A média do Bolsa Família, de R$ 190 por mês, deu lugar a R$ 1.200 por pelo menos três meses a muitos beneficiários do programa, por serem chefes de família com crianças.
Em tese, são 20 meses de Bolsa Família recebidos em apenas três. Com garantia de dinheiro no bolso, mesmo com a impossibilidade de fazer bicos, aumenta o incentivo ao consumo, afirma o pesquisador.
Em Maetinga, no interior da Bahia, andar na rua e não esbarrar com um beneficiário do auxílio emergencial é um desafio. No município, 2.919 dos pouco mais de 3.100 habitantes recebem o benefício, que deve injetar em três meses o equivalente a cerca de 11% do PIB da cidade. Entre março e abril, apenas um emprego com carteira assinada foi perdido na cidade, segundo dados do Caged, cadastro do Ministério da Economia.
— O auxílio emergencial ajudou muito no aquecimento do comércio local. Podemos dizer que o consumo aumentou muito. Os supermercados estão vendendo mais, assim como as lojas de material de construção e de eletroeletrônicos — destaca o prefeito Edcarlos de Oliveira (PT).
Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter, explica que o efeito do auxílio é potencializado nas cidades menores e mais pobres, porque a economia nesses municípios gira em torno do comércio e de serviços às famílias.
Em Fartura do Piauí (PI), cerca de 42% dos moradores recebem a ajuda. Segundo o prefeito Laênio Macêdo (PSD), o auxílio chegou a quadruplicar a renda das famílias, a maioria dependente do Bolsa Família e que vive de subsistência. É o caso do ajudante de pedreiro Genivaldo dos Santos. Com filho recém-nascido, ele ficou impossibilitado de fazer bicos:
— Esses R$ 600 vieram na hora certa. Recebi no dia em que meu filho nasceu.
Reação em cadeia
Estudo feito por pesquisadores do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar/UFMG) mostrou que, caso o auxílio emergencial fosse estendido até dezembro, o PIB seria beneficiado em 0,55%, contra 0,44% se o programa durar apenas até junho.
Segundo a pesquisa, a extensão do benefício aumentaria inicialmente o consumo das famílias, mas causaria uma reação em cadeia na economia.
A pesquisa mostra ainda que, se o auxílio for retirado em junho, a arrecadação de tributos será de R$ 22,3 bilhões, menos de um quinto dos R$ 128 bilhões que seriam registrados caso a política fosse estendida até o fim de 2020.
— No momento de recessão iminente, manter a renda da base é importante para você gerar efeitos multiplicadores, pois estamos falando da maior parte da população, que consome a maior parte da sua renda — explica Débora Freire Cardoso, pesquisadora do Cedeplar/UFMG.
Segundo o estudo, os setores mais impactados seriam os de eletrodomésticos, perfumaria, higiene e limpeza. A pesquisa também mostra que as classes mais altas também seriam beneficiadas, embora não recebam o benefício. Os efeitos advêm dos impactos indiretos que as transferências geram na economia.
Para o segmento da indústria, que vive seu pior momento desde 2002, a permanência do auxílio poderá gerar maior previsibilidade sobre a demanda existente, principalmente nas camadas mais pobres.
— Ajuda como o colchão de amortecedor na demanda. Não quer dizer que o setor vá crescer em cima disso, mas amortece a queda e estabiliza. Pode ser algo necessário — explica o economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).
No entanto, a falta de focalização do auxílio, com sucessivas fraudes, pode acabar penalizando a economia, alerta Neri, da FGV Social.
— Você pode perder nos dois lados, na capacidade de fazer chegar o benefício aos mais pobres e na capacidade de fazer a economia girar.