Carta IEDI
Constituição de um Fundo Voltado para a Modernização da Infra-Estrutura
Investe-se pouco em infra-estrutura no Brasil, tanto em termos absolutos como comparado com a experiência internacional. As necessidades não atendidas de recursos são maiores no saneamento básico, transporte de massa urbano (metroviário e ferroviário), e transporte de carga não rodoviário, segmentos cujo caráter de bem público é mais acentuado, e com forte impacto no bem-estar desta e das futuras gerações. De acordo com um estudo preparado para o IEDI, de autoria de Claudio Frischtak e Andrea Gimenes e a partir do qual apresentamos aqui um breve resumo, o financiamento desses segmentos é objeto de um eventual fundo com recursos advindos da exploração e produção do petróleo na camada do pré-sal.
Inicialmente, o estudo deixa claro que o investimento em infra-estrutura por períodos relativamente longos é condição necessária tanto ao crescimento econômico como para ganhos sustentados de competitividade, bem como salienta que o desafio que o Brasil enfrentará nos próximos anos, no que diz respeito à infra-estrutura, é multidimensional:
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Ampliar gradativamente os investimentos no setor, até atingir um patamar de cerca de 3,5% do PIB em 2012 (0,3 pontos percentuais a cada ano a partir de 2008).
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Acelerar este processo para obter uma modernização transformadora da infra-estrutura do país até 2022, quando a taxa de investimento deveria chegar a 7% do PIB.
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Garantir o aumento dos investimentos privados não apenas nos segmentos em que o caráter de bem público é limitado, a exemplo de telecomunicações, energia elétrica, transporte aeroportuário, portuário, assim como rodoviário nos troncos de elevado fluxo, mas também e principalmente para investimentos de natureza pública, que comandam elevadas externalidades e têm impacto multigeracional.
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Estabelecer novos mecanismos de financiamento particularmente voltados a segmentos de elevadas externalidades, de modo a ampliar a oferta de serviços e atender a demanda potencial.
A questão do financiamento para infra-estrutura se remete, por um lado, à natureza dos investimentos, a forma como se organizam a produção dos serviços, e suas conseqüências para a equação risco-retorno que defronta investidores e financiadores; por outro, ao custo de capital e sua dinâmica, cuja determinação se dá fundamentalmente no plano macroeconômico. Ainda que o mercado de capitais venha se ampliando e se sofisticando, é improvável que por si só seja capaz de suprir as necessidades do setor, levando principalmente em consideração o foco em investimentos de elevado retorno social.
É nesse ponto que o estudo levanta a idéia da constituição de um fundo voltado para a modernização da infra-estrutura com recursos advindos da exploração e produção do petróleo na camada do pré-sal. O fundo deverá se orientar pelos seguintes pontos:
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Um fundo cujos recursos são oriundos de um recurso não renovável, e de duração que não deve ir além de poucas décadas, deveria contemplar não apenas a geração presente, mas as gerações futuras. Este é um imperativo ético, mas também econômico.
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Não parece ser recomendável que um mesmo fundo tenha dois conjuntos de objetivos com perspectivas distintas, ainda que igualmente legítimas: estabilidade macro e solidez fiscal, por um lado, e o desenvolvimento econômico da nação e o bem-estar da população, por outro.
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Sendo que os recursos que aportam ao fundo são de toda a nação – pertencente a atual e a futuras gerações – sua alocação deve obedecer aos padrões mais elevados de transparência, competência técnica e integridade.
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A utilização do principal do fundo deve ser avaliada criteriosamente, bem como é fundamental uma ampla campanha de esclarecimento e educação quanto aos objetivos do fundo e o uso de seus recursos.
No modelo proposto pelo estudo, o fundo financiaria 60% do hiato de recursos existentes, o que corresponde a US$ 109,2 bilhões ao longo de 10 anos (2013-2022). Para os projetos de infra-estrutura com maior impacto sobre a redução da pobreza e o meio ambiente, o fundo alocaria – a fundo perdido e de forma complementar – os retornos advindos das aplicações e financiamentos realizados, e que se estimam entre US$ 40,0 bilhões a US$ 50,5 bilhões. Assim, as estimativas mostram que restariam de US$ 28,7 bilhões a US$ 65,4 bilhões para serem aplicados em títulos de governos estrangeiros ou empresas internacionais com grau de investimento.
O estudo enfatiza que a eficácia de tal fundo para ampliar os investimentos em infra-estrutura no país não deve ser subestimada. Considerando os investimentos adicionais no setor para gradativamente atingir uma participação de 7% do PIB em 2022, haveria um hiato de US$ 476,1 bilhões, tendo por premissa que já em 2012 estará se investindo 3,5% do PIB. Deste montante, cerca de US$ 182,1 bilhões seria a necessidade adicional de investimentos nos segmentos-alvo do Fundo. Dessa forma, o Fundo estaria atendendo a cerca de 38% dos investimentos setoriais necessários para uma ampla modernização da infra-estrutura no país. Os 62% restantes seriam para segmentos rentáveis e atraentes para o setor privado, e assim financiados pelos mecanismos existentes – recursos próprios, mercado de capitais, BNDES.
Qual é o futuro do Fundo? Após 2022, a tendência seria o patrimônio expandir-se rapidamente, seja acumulando os rendimentos, seja distribuindo-os para causas meritórias, a exemplo da melhoria da educação no país. Uma simulação que “leva” o Fundo até 2050 mostra que nesse ano, o patrimônio atingiria entre US$ 888,6 bilhões, caso os rendimentos não sejam reinvestidos, ou US$ 4.123,8 bilhões, se houver re-investimento dos rendimentos.
O Histórico Recente do Investimento em Infra-estrutura no Brasil e a Experiência Internacional. Pode-se afirmar que o país nos últimos anos vem investindo cerca de 2% do PIB em infra-estrutura, um percentual relativamente modesto quando comparado à experiência internacional.
As dificuldades de uma rápida expansão dos investimentos em infra-estrutura estão, em última instância, referidas à fragilidade do Estado, que afeta o volume e qualidade tanto do investimento público quanto privado. Para o investimento público, a barreira mais aparente é a restrição fiscal que opera desde o final da década de 1970, mas que se acentuou com a crise do modelo de financiamento do Estado via endividamento externo; a Constituição de 1988, e a decorrente expansão dos gastos e transferências; e o fim do imposto inflacionário em 1994-95, com o Plano Real.

Em 2007 – ano de relativa folga fiscal – os investimentos em infra-estrutura do governo federal alcançaram apenas 0,34% do PIB. Já as demais instâncias públicas – empresas e governos estaduais, e empresas federais – contribuíram com 0,72% do PIB para estes gastos. No total, os entes públicos foram responsáveis por 1,06% do PIB, muito abaixo do patamar mínimo necessário para evitar sua degradação (estimado em 3% do). Neste sentido, o maior envolvimento do setor privado se torna imprescindível.

O investimento em infra-estrutura por períodos relativamente longos é condição necessária tanto ao crescimento econômico como para ganhos sustentados de competitividade. De modo geral, e tendo por referência a experiência dos países desenvolvidos e das economias emergentes que transitaram mais recentemente e de forma acelerada para níveis mais elevados de renda, observa-se que seria necessário:
- Uma relação investimento/PIB em infra-estrutura da ordem de 3,0% apenas para manter o estoque de capital existente (1%), acompanhar o crescimento e as necessidades da população (1,3%), e progressivamente universalizar os serviços de saneamento (0,6% em 20 anos) e eletricidade (0,1% em 5 anos).
- Uma expansão para 4-6% do PIB, investido ao longo de 20 anos, para alcançar os níveis da Coréia do Sul e outros países industrializados do Leste da Ásia, ou mesmo acompanhar o processo de modernização da infra-estrutura da China.
- Uma mobilização de 5-7% do PIB para impulsionar o crescimento econômico e se aproximar dos padrões desses países - cujas taxas de investimento em infra-estrutura se situaram nesse intervalo nos vinte anos que compreendem o final da década de 1970 e 1990.
A experiência internacional é bastante matizada no que diz respeito à participação relativa público-privada. Se, por um lado, a evidência é robusta que economias emergentes investem um percentual do PIB bastante superior ao observado no Brasil, por outro não há um único padrão público-privado de alocação de recursos. Países asiáticos com elevada taxa de poupança e menores restrições fiscais, assim como a Europa continental por meio de significativo esforço tributário, têm podido mobilizar recursos públicos direcionados principalmente ao transporte público metroviário e ferroviário, e saneamento em menor medida. Na América Latina, os países que mais têm investido (proporcionalmente) em infra-estrutura – Chile e Colômbia – têm sido relativamente bem sucedidos em atrair o setor privado, combinando estabilidade regulatória e razoável previsibilidade nos investimentos públicos complementares aos gastos privados.

Os EUA, que já realizaram no passado programas de investimento em escala e amplitude sem precedentes, enfrentam um problema de mobilizar recursos na magnitude necessária para atualizar sua infra-estrutura. O que se pode depreender da experiência dos EUA na segunda metade do século passado é a importância de se ter formas sustentáveis de financiar os investimentos em por longos períodos, ao risco da sua deterioração, como se observa nas duas últimas décadas. Mobilizar os recursos para o nível de gastos necessários implica numa combinação de impostos, pagamento pelo usuário dos serviços consumidos, e maior participação do setor privado; o endividamento público demonstrou ser insuficiente para manter uma oferta elástica de serviços de qualidade.
O desafio que o Brasil enfrentará nos próximos anos, no que diz respeito à infra-estrutura, é, portanto, multidimensional:
- Primeiro, ampliar gradativamente os investimentos no setor, até atingir um patamar de cerca de 3,5% do PIB. O alvo de 3,5% seria alcançado em 2012 na medida em que a taxa de investimento crescesse 0,3 pontos percentuais a cada ano a partir de 2008 – algo bastante factível frente aos planos anunciados de investimentos no setor em 2007-2008.

- Segundo, acelerar este processo para obter uma modernização transformadora da infra-estrutura do país até 2022, como foi realizado na Ásia por países como a Coréia do Sul e Taiwan, e mais recentemente, pela Tailândia e China. Calcula-se que naquele ano, a taxa de investimento deveria chegar a 7% do PIB.

- Terceiro, garantir o aumento dos investimentos privados não apenas nos segmentos em que o caráter de bem público é limitado, a exemplo de telecomunicações, energia elétrica, transporte aeroportuário, portuário, assim como rodoviário nos troncos de elevado fluxo, mas também e principalmente para investimentos de natureza pública, que comandam elevadas externalidades e têm impacto multigeracional. Para ambos, é fundamental a concessão de novos espaços de atuação para os investidores privados, e a estabilidade e previsibilidade dos marcos regulatórios e contratuais.
- Quarto, estabelecer novos mecanismos de financiamento particularmente voltados a segmentos de elevadas externalidades, de modo a ampliar a oferta de serviços e atender a demanda potencial. No setor de infra-estrutura, o saneamento básico seria um segmento que requer maiores esforços de financiamento para universalizar seu acesso, com foco em água, esgoto e lixo urbano. Da mesma forma, uma expansão substancial dos investimentos no transporte público de massa, assim como nos modais sub-representados na matriz de carga – particularmente o hidroviário e o ferroviário – teriam impacto não apenas sobre os custos privados (de deslocamento das famílias ou de carga), mas levaria a uma redução dos custos (públicos) de congestão e de poluição atmosférica, assim como na emissão dos gases que causam o efeito estufa.
Tais investimentos – ainda que possam ser executados pelo setor privado – terão, com toda probabilidade, de contar com fonte de financiamento de longo a prazo a custos compatíveis com a natureza dos investimentos em infra-estrutura pública. Pois seus benefícios são apropriados não apenas pelos que consomem os serviços, mas por terceiros; e não apenas por esta geração, mas pelas futuras gerações.
A Importância da Constituição de um Fundo Voltado para o Financiamento de Infra-estrutura. A questão do financiamento para infra-estrutura se remete por um lado, à natureza dos investimentos, a forma como se organizam a produção dos serviços, e suas conseqüências para a equação risco-retorno que defronta investidores e financiadores; por outro, ao custo de capital e sua dinâmica, cuja determinação se dá fundamentalmente no plano macroeconômico. Ainda que o mercado de capitais venha se ampliando e se sofisticando, como se verá abaixo, é improvável que por si só seja capaz de suprir as necessidades do setor, levando principalmente em consideração o foco em investimentos de elevado retorno social.
Ainda que haja diferenças marcantes entre setores de infra-estrutura, há certos traços de comunalidade nas suas características econômicas. Primeiro, os setores em que os provedores geralmente operam são caracterizados por retornos crescentes à escala (e por vezes escopo); barreiras à entrada e competição limitada no mercado (ainda que possa haver intensa competição pelo mercado); relação de dependência do consumidor com provedor, inclusive pela natureza de essencialidade do serviço; e preços de equilíbrio acima de daqueles resultantes de condições competitivas. Se o investidor teme a expropriação pelo Estado, o consumidor o teme pelo provedor de serviços, pois na sua perspectiva haveria um claro risco de preço excessivo pela ausência de alternativas. O resultado é forte demanda por regulação nas sociedades democráticas, e interação recorrente com o Estado na sua dimensão de regulador.
Segundo, os investimentos nestes setores tendem a ser de considerável magnitude e longa duração, intensivos em capital, e compostos de ativos duráveis com elementos de indivisibilidade e irreversibilidade, inclusive pelo seu caráter geralmente inamovível.
O país tem possivelmente o sistema financeiro e mercado de capitais mais sofisticados na América Latina, e certamente se posiciona no topo das economias emergentes. Do lado da demanda, conta um grupo amplo e diversificado de investidores institucionais (fundos de pensão, seguradoras), além de fundos de investimento que tiveram rápido crescimento em tempos recentes. Do lado da oferta, há um conjunto significativo de instrumentos de participação no capital de empresas, de dívida pública e privada, inclusive mais recentemente bônus de longa duração, além de juros, moedas, commodities e outras obrigações reais e sintéticas (derivativos), transacionadas tanto no presente quanto no mercado futuro. Em conjunto, dão liquidez e profundidade ao mercado.
Apesar do tamanho e sofisticação do mercado financeiro, até recentemente seu papel no financiamento da infra-estrutura no país era limitado e indireto – pela via do financiamento do governo. O BNDES, embora não tenha sido originalmente constituído para financiar projetos privados da área, se tornou nos últimos anos o principal supridor de recursos, chegando a 59,1% do financiamento (via empréstimos, participação e debêntures, dentre outros instrumentos) da área em 2007.

Há fortes indicações que a expansão do mercado de capitais vem favorecendo de forma substantiva certos investimentos em infra-estrutura, inclusive diretamente por meio de emissão de ações primárias das próprias empresas do setor, e por meio de apoio de Fundos de Investimento em Participações (FIPs), que – em número crescente – incluem o setor entre suas prioridades.
É verdade que fora do círculo estrito do mercado de capitais há uma ampla institucionalidade com recursos disponíveis para aportá-los em infra-estrutura. Os fundos de private equity (com captação privada) estão bastante ativos no país, alguns dedicados à infra-estrutura, e mesmo os não dedicados estão também aí investindo. Companhias de investimento têm emergido com foco no setor. O país conta ainda com entidades de previdência complementar lideradas por instituições profissionalizadas, e impelidas – por força da queda das taxas de juros dos papéis de governo – a procurarem alternativas rentáveis para suas aplicações na economia “real”, inclusive em infra-estrutura.
Contudo, no seu conjunto, estes novos instrumentos, assim como o maior influxo de recursos para o setor, são insuficientes para garantir a expansão acelerada dos investimentos principalmente nas áreas com maiores externalidades:
Saneamento. O país tem um considerável déficit em saneamento básico, principalmente em esgotamento sanitário e no manejo dos resíduos sólidos no âmbito urbano, e um conseqüente impacto adverso sobre os índices de mortalidade e morbidade associados às doenças transmitidas pela poluição das águas.
Nos últimos anos, os investimentos no setor se situaram num patamar de 0,22 - 0,38 % do PIB (versus um requisito de 0,6% por cerca de duas décadas para universalização dos serviços). Os investimentos vêm sendo direcionados pelas companhias estaduais de saneamento, com uma modesta participação privada que regrediu a 0,02% do PIB em 2004-07.

Qual o hiato de recursos para a universalização dos serviços de saneamento básico? Ainda que não se possa fazer um cálculo preciso, estima-se que haveria necessidade de aproximadamente R$ 541,8 bilhões, com base na premissa de que a universalização – incluindo a coleta e disposição adequada de resíduos sólidos nas áreas urbanas, bem como drenagem de águas pluviais – supõe gastos sustentados de 0,6% do PIB por um período de 20 anos. Ao mesmo tempo, o fluxo de investimentos públicos e privados neste período seria da ordem de R$ 312,4 bilhões. Desta forma, calcula-se um hiato de recursos da ordem de R$ 229,4 bilhões.
Transporte público metropolitano e urbano. A expansão do uso do transporte individual veicular nas regiões metropolitanas e grandes cidades é, com toda a probabilidade, insustentável sob dois aspectos distintos: primeiro, pela piora do grau de congestão e à ineficiência no deslocamento de pessoas e cargas, com a redução da acessibilidade e mobilidade urbana, o que acarreta custos crescentes tanto privados quanto públicos. Segundo, pela deterioração da qualidade do ar e elevada concentração de poluentes nas cidades brasileiras, com conseqüências adversas em termos de doenças respiratórias e outras, maior pressão no sistema médico-hospitalar, e cujos custos se refletem ainda na redução da capacidade de trabalho dos indivíduos.
O país sub-investiu de forma flagrante em sistemas de transporte de massa, principalmente no que diz respeito às modalidades metroviárias e ferroviárias (e suas variantes). Estima-se que seriam necessários R$ 28,9 bilhões nos próximos anos para construir ou ampliar sistemas metroviários abrangendo as cidades de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Recife. Projeta-se neste caso gastos de apenas R$ 1,4 bilhão referentes aos recursos do PAC. Conseqüentemente, a defasagem de recursos para a implantação e extensão apenas desses sistemas é de R$ 27,5 bilhões. Aí, contudo, não se incluem os investimentos para a modernização e ampliação dos sistemas de trens urbanos nas regiões metropolitanas e grandes cidades.
Transporte de carga ferroviário e hidroviário. A matriz de transporte de carga no país é fortemente enviesada para o modal rodoviário. O reequilíbrio da matriz – objetivo fundamental para dotar de maior eficiência econômica e energética o sistema de transporte, além de reduzir a poluição do ar – se calca numa maior participação (principalmente) dos modais ferroviário e hidroviário.
No caso das ferrovias, o PLNT (Plano Nacional de Logística de Transportes) estima que seriam necessários R$ 50,6 bilhões (no período 2008-2023) para construir, assim como recuperar e remodelar 20.256 km de malha, não incluindo os substanciais recursos alocados pelo setor privado em material rodante e na modernização das ferrovias sob concessão. Até 2012, os investimentos na Nova Transnordestina, Norte-Sul e no prolongamento da Ferronorte, assim como o tramo norte do Ferroanel de São Paulo, devem somar cerca de R$ 7,9 bilhões. Conseqüentemente, a partir de 2013 haverá uma brecha de recursos de R$ 42,7 bilhões, levando em consideração um “investimento base” em extensão da rede da ordem de R$ 1,57 bilhões por ano, no período 2008-12.
O modal hidroviário é, com toda a probabilidade, o mais frágil e subutilizado da matriz. Historicamente, os investimentos têm sido diminutos frente ao potencial e às necessidades do país, sendo o menor de todos os modais – cerca de 0,005% do PIB em anos recentes. Em 2008, a dotação autorizada do OGU foi de apenas R$ 337 milhões, ou 0,035% do orçamento de investimento do Ministério dos Transportes.
O PNLT recomenda que os investimentos hidroviários tenham uma participação da ordem de 7,4% ou R$ 12,8 bilhões em 2008-23. Esses recursos seriam gastos na implantação de hidrovias, construção de eclusas, derrocação e melhoria da navegabilidade, dentre outros, para uma extensão de 14.489 km. Na medida em que pouco se contempla no âmbito do PAC em termos de investimentos hidroviários (apenas R$ 604 milhões), e dado o histórico de escassos recursos alocados ao modal, estima-se que a defasagem entre o necessário para ampliar de forma material a sua participação e o que seria alocado em condições normais, monte cerca de R$ 9,9 bilhões.

Em síntese, as necessidades de investimentos nos setores selecionados somam R$ 634 bilhões e, dada a trajetória de investimento que aponta para uma alocação de R$ 325 bilhões, tem-se cerca de R$ 310 bilhões (US$ 182,1 bilhões – taxa de câmbio estimada de R$ 1,70 / US$) de necessidades não atendidas.

Cobrir este hiato num período de uma década seria o principal objetivo de um Fundo de Modernização de Infra-Estrutura a ser criado com recursos provenientes da extração de petróleo e gás dos campos do pré-sal. Conceitualmente, pode-se vislumbrar esse como um objetivo transitório; a maior parte dos recursos arrecadados nas próximas décadas poderia ser alocada para garantir o bem-estar das futuras gerações. Contudo, num período que cobriria o início das operações comerciais dos campos do pré-sal (2013) até 2022, parte considerável dos recursos seria direcionada para dotar o país de uma infra-estrutura de saneamento, transporte urbano e de cargas, aproximado aos padrões dos países industrializados.
O Fundo de Modernização da Infra-Estrutura. Inicialmente, deve-se indagar: como seria o desenho um fundo constituído na fronteira das boas práticas? Que aspectos seriam dominantes?
Primeiro, um fundo cujos recursos são oriundos de um recurso não renovável, e de duração que não deve ir além de poucas décadas, deveria contemplar não apenas a geração presente, mas as gerações futuras. Este é um imperativo ético, mas também econômico.
Segundo, não parece ser recomendável que um mesmo fundo tenha dois conjuntos de objetivos com perspectivas distintas, ainda que igualmente legítimas: estabilidade macro e solidez fiscal, por um lado, e o desenvolvimento econômico da nação e o bem-estar da população, por outro. Países sobre-dependentes do petróleo ou de algum outro recurso natural têm necessidade de se proteger contra a volatilidade dos preços; neste sentido, é comum a constituição de um fundo anticíclico, cuja função maior é assegurar a capacidade de pagamento do governo, evitando fortes variações nas receitas. Muitos países assim o fizeram. Uma vez acumulado recursos suficientes, porém, o fundo passaria a contemplar outros objetivos e é o momento de uma clivagem: de um lado, um fundo de reserva para conjunturas difíceis ou mesmo de crise; de outro, um fundo voltado ao desenvolvimento do país e o bem estar da população.
Terceiro, sendo os recursos que aportam ao fundo de toda a nação, pertencente a essa e a futuras gerações, sua alocação deve obedecer aos padrões mais elevados de transparência, competência técnica e integridade. Nesta perspectiva, a administração do fundo deve ser estritamente profissional, voltada à aplicação judiciosa dos recursos. Ao mesmo tempo, o fundo deve estar legalmente dentro da alçada do governo, sob supervisão do Congresso.
Quarto, a utilização do principal do fundo deve ser avaliada criteriosamente. Em princípio, o correto seria o fundo realizar investimentos que garantam a manutenção de seu valor real; os retornos acima deste valor poderiam ser alocados – isoladamente ou em conjunto com outros recursos – para projetos com elevadas externalidades positivas ou de alto retorno social.
Finalmente, é fundamental uma ampla campanha de esclarecimento e educação quanto aos objetivos do fundo e o uso de seus recursos. A população – inclusive e particularmente os mais jovens – deve entender que a riqueza que está sendo retirada do solo lhes pertence e deve ser poupada para as gerações futuras.
O crescimento do país nos próximos anos deve possibilitar que se alcance um superávit orçamentário nominal e a redução da dívida líquida do setor público para menos de 30% do PIB. Dado o tamanho esperado do setor petróleo, não se vislumbra a necessidade de se constituir em meados da próxima década um fundo de reserva exclusivamente anticíclico com recursos do pré-sal. Sua alocação poderá ser voltada num primeiro momento para modernizar a infra-estrutura do país, solucionar a questão previdenciária de maneira definitiva e sustentável, assegurando que o principal continue a acumular e ser gerido de forma a obter um retorno real médio de 8% a.a.
Fez-se uma simulação da evolução do patrimônio e dos rendimentos anuais de um Fundo de Modernização de Infra-Estrutura para o Brasil. Tendo por premissa um rendimento anual real de 8%, a simulação considera que os royalties seriam mantidos em 10%, a alíquota máxima da participação especial em 40%, e alternativamente 55%; o preço do petróleo de US$ 80/ barril; e custos (totais) de US$ 20/ barril. Deve-se enfatizar que, por premissa, os rendimentos do Fundo não são reinvestidos, mas alocados – como especificado abaixo – a fundo perdido nos projetos de maior impacto sócio-ambiental.

A alocação do principal desse Fundo seria um mix entre o financiamento de projetos nos setores considerados críticos – saneamento, transporte urbano de massa e transporte de carga (ferrovias e hidrovias) –, e investimento em títulos de baixo risco no exterior, de modo a garantir uma rentabilidade real mínima de 8% a.a. Assim, o fundo exigiria um retorno real de 8% tanto sobre o componente investido em infra-estrutura, como em relação aos investimentos externos puramente financeiros.
No modelo aqui proposto, o fundo financiaria 60% do hiato de recursos, o que corresponde a US$ 109,2 bilhões ao longo de 10 anos (2013-2022). Para os projetos de infra-estrutura com maior impacto sobre a redução da pobreza e o meio ambiente, o fundo alocaria – a fundo perdido e de forma complementar – os retornos advindos das aplicações e financiamentos realizados, e que se estimam entre US$ 40,0 bilhões a US$ 50,5 bilhões. Assim, restariam de US$ 28,7 bilhões a US$ 65,4 bilhões (dependendo da alíquota de PE utilizada) para serem aplicados em títulos de governos estrangeiros ou empresas internacionais com grau de investimento.

A eficácia do fundo para ampliar os investimentos em infra-estrutura no país não deve ser subestimada. Considerando os investimentos adicionais no setor para gradativamente atingir uma participação de 7% do PIB em 2022, haveria um hiato de US$ 476,1 bilhões, tendo por premissa que já em 2012 estará se investindo 3,5% do PIB. Deste montante, cerca de US$ 182,1 bilhões seria a necessidade adicional de investimentos nos segmentos-alvo do Fundo. Desta forma, o Fundo estaria atendendo a cerca de 38% dos investimentos setoriais necessários para uma ampla modernização da infra-estrutura no país. Os 62% restantes seriam para segmentos rentáveis e atraentes para o setor privado, e assim financiados pelos mecanismos existentes – recursos próprios, mercado de capitais, BNDES.
Qual é o futuro do Fundo? Após 2022, a tendência seria o patrimônio expandir-se rapidamente, seja acumulando os rendimentos, seja distribuindo-os para causas meritórias, a exemplo da melhoria da educação no país. Uma simulação que “leva” o Fundo até 2050 mostra que nesse ano, o patrimônio atingiria entre US$ 888,6 bilhões, caso os rendimentos não sejam reinvestidos, ou US$ 4.123,8 bilhões, se houver re-investimento dos rendimentos (com uma PE de 55%).
Deve-se ter em conta que ainda se trabalha sobre hipóteses no que diz respeito às reservas recuperáveis do pré-sal, os custos de extração e produção, assim como a estrutura fiscal ótima no plano intertemporal. Ademais, a premissa aqui adotada é que haveria uma decisão política que modificasse a legislação e a estrutura de arrecadação de tributos, assim como sua distribuição entre os entes federados. O sentido básico da mudança é o tratamento diferenciado dos recursos do pré-sal. Neste sentido, as magnitudes aqui trabalhadas devem ser consideradas como aproximações ou ordens de magnitude, se as premissas se aproximarem da realidade.