Carta IEDI
Um guia para o relançamento industrial no Brasil
A Carta IEDI de hoje trata mais uma vez do tema de uma estratégia industrial brasileira. Nesta ocasião, aborda o estudo publicado pelos professores Antônio Carlos Diegues, José Roselino, Marcos Ferreira e Renato Garcia (2021), da UFSCAR e Unicamp, sob o título “A retomada do debate sobre Política Industrial”.
O tema é caro ao IEDI que, desde sua fundação, se debruça sobre ações e políticas que possam promover o desenvolvimento da indústria brasileira, não como um fim em si mesmo, mas porque o acúmulo de competências e capacidades produtivas na indústria funciona como destacado eixo do desenvolvimento socioeconômico dos países, como muitas publicações do Instituto já enfatizaram.
Na atualidade, cabe enfatizar ainda mais eixos e critérios para uma estratégia industrial brasileira, dada a multiplicação de iniciativas de desenvolvimento industrial no mundo, como discutido nas Cartas IEDI n. 881 “Estratégia industrial é regra e não exceção no mundo”, n. 860 “Estratégias Nacionais para a Indústria 4.0” e n. 1159 “Indicações da OCDE para Estratégias Industriais”, entre tantas outras. É este o objetivo de nossas últimas publicações: “Critérios e Missões para uma Estratégia Industrial Brasileira”, Carta IEDI n. 1174 de 02/12/22, e “Ações para a revitalização industrial do Brasil”, Carta IEDI n. 1175 de 06/12/22.
No artigo “A retomada do debate sobre Política Industrial”, os autores propõem um guia para políticas de desenvolvimento industrial tomando como ponto de partida as características atuais do setor e o conhecimento acumulado no estudo de experiências internacionais exitosas. Buscam assim reduzir discricionariedade, pretensões desmesuradas e riscos de captura por setores/empresas específicas.
O trabalho evita, ainda, o antigo recorte das políticas industriais horizontais e verticais, empregando a ideia contemporânea de “políticas industriais pervasivas”, que combinam ações horizontais a programas verticais, ou então “direcionados”, como prefere a OCDE, de maneira a serem capazes de se adequar às heterogeneidades do tecido produtivo nacional.
Como discutido na Carta IEDI n. 1159, a OCDE emprega o conceito de “políticas direcionadas” que engloba aquelas que enfatizam setores e atividades estratégicos, mas também políticas orientadas à missão, políticas centradas em tecnologia e políticas baseadas na localização, com objetivos de inclusão e igualdade.
As políticas industriais pervasivas contribuiriam, de acordo com os pesquisadores da UFSCAR e Unicamp, na construção de novos consensos quanto aos objetivos e desenhos de uma estratégia industrial contemporânea para o Brasil e na criação de uma coalização de forças políticas que oferecesse suporte a esta estratégia, não sem ajustes e adaptações, por um período suficientemente longo para que as ações surtissem efeito.
Na visão dos autores, tal consenso deveria se dar em torno da necessidade de se fomentar a produtividade e a competitividade da indústria brasileira, notadamente, por meio do imperativo inovativo, de forma responsável do ponto de vista socioambiental.
São três os critérios utilizados:
• o nível das capacitações tecnológicas, produtivas e organizacionais dos agentes locais em perspectiva comparada à fronteira internacional;
• a capacidade das políticas industriais influenciarem os mercados de maneira efetiva, de modo a fomentar o incremento da competitividade dos agentes locais;
• o grau de transversalidade / de impacto das atividades a serem fomentadas sobre as demais atividades econômicas.
Os autores apontam quatro eixos de políticas. O primeiro deles ocorre quando o nível de capacitações produtivas, tecnológicas e organizacionais dos agentes locais é alto e quando há evidências no contexto internacional de que é elevada a capacidade de as políticas industriais influenciarem os mercados de maneira efetiva.
Neste caso, haveria condições prévias para programas públicos serem ambiciosos. Os autores sugerem, então, políticas orientadas especificamente para o desenvolvimento tecnológico local, sobretudo em atividades de grande transversalidade.
No extremo oposto, quando as capacitações dos agentes locais são insuficientes e os indícios de que as políticas industriais têm efeitos efetivos, os autores sugerem que a estratégia mais adequada a ser perseguida está baseada na incorporação e difusão de tecnologias já desenvolvidas e de serviços intensivos em conhecimento com o objetivo de alavancar o aumento da produtividade da estrutura produtiva.
O terceiro eixo de atuação ocorre quando o nível de capacitações produtivas, tecnológicas e organizacionais dos agentes locais é alto, mas por diversos fatores se observa baixa capacidade de influência de programas públicos de maneira efetiva. Nestes casos, o estudo indica ações voltadas ao fomento da competitividade sistêmica e à melhora das condições de financiamento.
Já no quarto eixo, quando a experiência internacional indica políticas industriais efetivas, mas internamente o nível de capacitações produtivas e tecnológicas é reduzido, os professores da UFSCAR e da Unicamp autores do estudo sugerem iniciativas de fomento a atividades industriais e de serviço de médio valor agregado.
Por uma Estratégia Industrial Pervasiva
No artigo “A retomada do debate sobre Política Industrial”, os professores da UFSCAR e Unicamp, Antônio Carlos Diegues, José Roselino, Marcos Ferreira e Renato Garcia, especializados em economia industrial e membros da ABEIN – Associação Brasileira de Economia Industrial e Inovação – sugerem critérios para uma estratégia industrial no Brasil que ultrapasse o antigo recorte de políticas horizontais e verticais.
As sugestões do trabalho partem de convergências entre diferentes matrizes teóricas e do consenso de que o objetivo fundamental da política industrial deve ser o aumento da produtividade do sistema produtivo de um país. Respeitando este princípio, seria possível, segundo os autores, incrementar a competitividade internacional da indústria brasileira e aumentar sua complexidade.
Para tanto, segundo o artigo, seria necessário construir uma estratégia industrial baseada nas melhores práticas internacionais e com ações de caráter sistêmico, não se concentrando a priori nem em programas setoriais nem em ações horizontais excessivamente generalistas. Entre os eixos horizontal e vertical, valeria mais uma postura pragmática.
Em outros termos, os autores trabalham com a ideia de “políticas pervasivas”. Ou seja, que sejam acessíveis a todos os setores e atividades econômicas – tal como as políticas horizontais – mas que, ao mesmo tempo, sejam calibradas para contemplarem objetivos específicos e os desafios derivados de uma estrutura produtiva heterogênea – tal como sugerem as políticas verticais.
Os autores propõem critérios para distintos tipos de políticas, de modo a evitar a seleção arbitrária e apriorística de setores ou mesmo de atividades em uma nova estratégia industrial. Tais critérios deveriam ser analisados em três etapas:
A primeira etapa corresponde à análise da dinâmica concorrencial e inovativa das diferentes atividades produtivas. Para tal, os autores sugerem que seja analisado um conjunto de características: determinantes empresariais da competitividade, determinantes sistêmicos de competitividade, estrutura da cadeia global de valor, tipos de atividades realizadas e estratégia de geração e apropriação do valor.
Em síntese, a proposição é identificar o nível de competitividade internacional das atividades a serem incentivadas e como elas se inserem nas cadeias globais de valor.
A segunda etapa, segundo o artigo dos pesquisadores da UFSCAR e Unicamp, deve identificar o quadro institucional que caracteriza nas experiências internacionais as políticas com maior capacidade de influência sobre os mercados. Também é fundamental, para avaliar as possibilidades de catching-up das empresas locais, ter em conta o quão concentradas em poucas empresas estão determinadas tecnologias.
A terceira etapa, por sua vez, consiste no desenho, em si, das ações das estratégias industriais. Os autores propõem que estas deveriam ser formuladas a partir de três questões:
1) Qual o nível das capacitações tecnológicas, produtivas e organizacionais dos agentes locais em relação à fronteira internacional na atividade a ser incentivada?
2) Dada a resposta à pergunta anterior, à luz das experiências internacionais, há indícios de efetividade das políticas industriais e de incremento da competitividade dos agentes locais?
3) Qual é o grau de transversalidade sobre as demais atividades econômicas?
Como caminho para a resposta a cada uma destas perguntas, o estudo sugere um conjunto de indicadores empíricos que tenham como objetivo reduzir o grau de arbitrariedade da formulação de políticas e formatá-las de modo a aumentar sua eficiência.
Para analisar o nível de capacitações, proposto na primeira questão, os autores sugerem que seja utilizada uma abordagem centralizada na inovação e em seu impacto no aumento da competitividade. Uma vez que o processo de aprendizado das empresas é cumulativo e condiciona os potenciais efeitos da política industrial, as políticas devem ser periodicamente avaliadas e recalibradas de forma a viabilizar a construção do que a literatura internacional chama de “capacitações dinâmicas”.
Como indicadores de input para se mensurar empiricamente os níveis de capacitações produtivas e tecnológicas, Diegues e seus coautores apontam para: os esforços inovativos com ênfase para os gastos em P&D, o percentual de pessoal em ocupações nas áreas STEM (Science, Technology, Engineering, and Mathematics), os gastos em capital (aquisição de máquinas e equipamentos etc.).
Já entre indicadores de output, os autores sugerem: número de patentes, receitas com propriedade intelectual, nível de vantagem comparativa revelada, percentual de exportações em relação a receitas líquidas, taxa de inovação, entre outros.
A reposta à segunda questão, alertam os autores, demanda análises mais complexas, que levem em consideração a correlação de forças políticas, estrutura empresarial e burocrática, bem como a eficiência e a produtividade de ambas.
Na dimensão empírica, são sugeridos alguns indicadores: existência de infraestrutura institucional sólida para concepção, aplicação e avaliação da política, capacidade de enforcement institucional das condicionalidades impostas, presença ou não de empresas nacionais estatais na estrutura do mercado sob influência da política, relevância alta ou baixa do mercado local para as empresas, capacidade uso de compras públicas e financiamento de bancos de desenvolvimento com impacto na dinâmica de aprendizado e de acumulação da atividade incentivada, entre outros.
Por fim, para contemplar a terceira questão, o trabalho sugere que poderiam ser utilizados indicadores como os de Rasmussen-Hirschman e outros relacionados à análise de redes de interação entre atividades, tecnologias incentivadas e / ou de famílias patentes, entre outros.
Como resultado da combinação das respostas às perguntas propostas anteriormente, os pesquisadores da UFSCAR e Unicamp indicam quatro grandes diretrizes de política, sintetizadas no quadro a seguir.
Ações Orientadas ao Desenvolvimento Tecnológico
Quando o nível de capacitações produtivas, tecnológicas e organizacionais dos agentes locais é alto e quando a capacidade de as políticas industriais influenciarem os mercados de maneira efetiva também é elevada, os autores sugerem ações orientadas especificamente para o desenvolvimento tecnológico local.
Referências internacionais indicam que as iniciativas bem sucedidas neste bloco estão estreitamente associadas a esforços sistêmicos de fomento à inovação, segundo os autores. Dentre iniciativas recentes nesse sentido pode-se citar esforços dos EUA em direção à construção de capacitações inovativas em áreas industriais e de serviços relacionadas à indústria 4.0. Estas poderiam servir de guias para a formatação local de instrumentos que tenham como objetivo incrementar a digitalização da estrutura produtiva brasileira.
A primeira delas é o estabelecimento de uma rede nacional de laboratórios de pesquisa (nos EUA, a National Network for Manufacturing Innovation) dedicada ao desenvolvimento de aplicações voltadas principalmente à manufatura inteligente, que, em seguida, serão transferidas às empresas por meio de relações de parcerias e por efeito demonstração.
Outra iniciativa é o aumento dos recursos para o financiamento de pesquisas via National Science Foundation (por meio do The Endless Frontier Act), para formação de recursos humanos em áreas STEM – Science, Technology, Engineering and Math.
Na Alemanha, a plataforma Industrie 4.0 desempenha papel semelhante, ao buscar sistematizar, coordenar e integrar os esforços de desenvolvimento de novos padrões e arquiteturas de produção baseadas na digitalização, a partir do estabelecimento de grupos de trabalhos conjuntos entre empresas, instituições de pesquisa, associações, governo, entre outros.
Uma das primeiras ações da iniciativa alemã é o estabelecimento da Reference Architecture Model for Industrie 4.0 (RAMI4.0). Esta, como o próprio nome diz, busca sintetizar avanços em diversas áreas na indústria 4.0 e fornece diretrizes para integrá-las em arquiteturas padronizadas, inclusive como forma de orientação aos stakeholders.
Ainda neste quadrante de políticas, outra iniciativa internacional que merece destaque é o esforço da Israel Innovation Authority no sentido de fomentar as startups principalmente em áreas com grande dinamismo tecnológico. Em 2020, o país registrava 70 unicórnios – dentre as mais famosos o Waze e a Moovit – e teve US$ 10 bilhões em investimentos em startups.
Uma vez que a disputa pela liderança tecnológica nas atividades mais dinâmicas e com maior rentabilidade exige capacitações que muitas vezes estão concentradas em um número muito restrito de empresas multinacionais localizadas em ecossistemas de inovação completos como de EUA, Alemanha, Japão e China, políticas de fomento à startups em inúmeros nichos podem ser uma estratégia bastante adequada a uma estrutura heterogênea como a brasileira.
Os autores argumentam que, apesar de o fomento ao aprendizado ser central a todas iniciativas, apenas em casos específicos é possível ter como objetivo alçar os agentes locais a posições de liderança no desenvolvimento tecnológico nacional e internacional em suas respectivas áreas de atuação.
Difusão de tecnologias e serviços intensivos em conhecimento
No extremo oposto, o segundo bloco de diretrizes de políticas industriais sugeridas no quadro acima ocorre quando se verifica baixa capacidade de as políticas industriais influenciarem os mercados de maneira efetiva e baixo nível de desenvolvimento das capacitações produtivas, organizacionais e tecnológicas locais. Neste caso, estratégia mais adequada de política industrial seria aquela baseada na incorporação de tecnologias, de serviços intensivos em conhecimento e no fomento a sua difusão com vistas a aumentar a produtividade da estrutura produtiva.
Assim, os autores apresentam as limitações de se realizar esforços de política industrial com relativo sucesso em segmentos com virtuais monopólios globais, com elevadíssimas barreiras à entrada e que possuem grandes impactos transversais na economia. Exemplos seriam os segmentos de fronteira tecnológica em semicondutores, de robôs habilitados por inteligência artificial e alguns outros bens de capital extremamente complexos tecnologicamente, além das plataformas digitais de escala global, entre outros.
No caso da combinação destes elementos, a classificação proposta pelos pesquisadores sugere que a redução das tarifas de importação e outras políticas que estimulem sua difusão na economia poderiam ter impactos positivos no aumento da produtividade quando combinadas com as demais políticas citadas anteriormente. Ao contrário, políticas que restrinjam a disseminação destas tecnologias poderiam ser contraproducentes.
Um exemplo internacional que reforça a perspectiva dos autores refere-se a indústria de chips semicondutores de última geração. É amplamente conhecido e debatido o conjunto de incentivos que tal indústria recebe nas principais nações industriais globais como EUA, Japão, China, Coréia do Sul etc. Por outro lado, mesmo nestes países que se concentram na fronteira tecnológica global, tais políticas coexistem com baixas tarifas de importação destes chips.
Isso porque as características específicas do segmento como altíssima escala mínima de eficiência e mercado internacional extremamente concentrado fazem com que uma política industrial que restrinja as importações tenha impactos negativos sobre a produtividade e a competitividade dos demais setores da economia.
Assim, ao mesmo tempo que as políticas industriais destes países procuram incentivar o desenvolvimento da nova geração de semicondutores, ela não impõe restrições à importação de chips de última geração produzidos virtualmente de forma monopolista pela taiwanesa TSMC e em menor escala na coreana Samsung. Isso porque qualquer política que se utilize da restrição para a proteção à indústria doméstica implicaria em uma virtual indisponibilidade deste insumo altamente transversal no complexo eletrônico.
Para os autores, tal afirmação não significa que medidas de incentivo ao desenvolvimento da indústria de semicondutores devam necessariamente ser abandonadas. O que se sugere é que tal política seja calibrada para segmentos ou nichos desta indústria nos quais a capacidade de as políticas influenciarem os mercados seja mais efetiva, em paralelo ao incentivo a difusão daquelas tecnologias estratégicas, mas que são virtualmente inviáveis de serem dominadas por empresas nacionais.
Fomento da competitividade sistêmica e financiamento do desenvolvimento tecnológico
O terceiro bloco de políticas industriais sugeridas ocorre quando o nível de capacitações produtivas, tecnológicas e organizacionais dos agentes locais é alto e se observa baixa capacidade de as políticas industriais influenciarem os mercados de maneira efetiva.
Essa efetividade pode ser relativamente baixa devido a fatores como: existência de um sistema setorial de inovação incompleto, elevadas barreiras tecnológicas, as atividades alvo serem altamente oligopolizadas internacionalmente, entre outros.
Nestes casos, as diretrizes sugeridas são aquelas voltadas ao fomento da competitividade sistêmica e ao financiamento de empresas de base tecnológica, tanto aquelas de caráter industrial quanto as de serviço intensivo em conhecimento com o intuito de se criar capacitações até então não estabelecidas.
Uma experiência internacional interessante neste sentido é a atuação dos institutos Fraunhofer na disseminação de tecnologia entre agentes do setor produtivo alemão. O estabelecimento de parcerias para a transferência de conhecimento para os agentes locais requer uma capacidade de absorção prévia e, portanto, um grau de capacitação relativamente elevado.
Entretanto, uma vez que tal iniciativa por si só é incapaz de fomentar grandes transformações tecnológicas em área mercados oligopolizados internacionalmente, tendem a apresentar menor grau de efetividade quando comparadas às diretrizes do primeiro bloco de políticas.
Fundado em 1949, o instituto Fraunhofer possui 57 unidades e cerca de 18.000 colaboradores, com orçamento anual de cerca de US$ 2,35 bilhões, sendo cerca de 30% dos recursos de origem pública. Em essência, os institutos concentram-se em tecnológicas avançadas (como TIC, robótica, nanotecnologia, sensores, materiais etc.) as quais, via projetos de cooperação, podem ser disponibilizadas às empresas alemãs.
Uma iniciativa bastante interessante no Brasil é o SENAI/CIMATEC, com unidades localizadas em Salvador e Camaçari. Tal instituição atua no espraiamento de capacitações em diversas dimensões: na formação de recursos humanos (desde técnico até a pós graduação), na incubação de empresas de base tecnológica, ofertando serviços de TI de alta qualidade e principalmente desenvolvendo soluções em diversas áreas – com destaque para manufatura 4.0 – a partir da demanda de empresas parceiras.
Por envolver um conjunto amplo de agentes do sistema de política industrial brasileiro (Sistema S, Federação de Indústrias, INPI, Universidades, Embrapii etc.), pode ser considerado um ponto de partida bastante interessante tanto em termos de eficiência quanto de apoio político de entidades chaves na definição dos rumos da política industrial brasileira.
Outro caso internacional digno de nota é o America’s Seed Fund, a partir do Small Business Innovation Research (SBIR) e do Small Business Technology Transfer (STTR). Esses programas combinam empréstimos, subsídios de P&D e contratos públicos pré-comerciais para apoiar pequenas empresas no desenvolvimento e ampliação de sistemas ou componentes tecnológicos (às vezes para segmentos de nicho).
O primeiro deles financia os estágios iniciais de P&D em empresas de base tecnológica, garantindo-lhes propriedade total dos direitos intelectuais advindos dos resultados dos projetos apoiados. Para serem elegíveis as empresas devem ser de propriedade de americanos e terem menos de 500 empregados. Já o segundo programa financia P&D a partir de relações de interação entre universidades, empresas e institutos de pesquisa.
A partir das lições destas experiências, pode-se citar um conjunto de políticas com potenciais impactos e razoável grau de consenso entre os agentes locais:
a) Formação de recursos humanos qualificados (em nível técnico e superior) principalmente em áreas STEM e com ênfase em Inteligência Artificial.
b) Programas de promoção e facilitação da aquisição de máquinas, equipamentos e sistemas de TI que tenham como objetivo promover o aumento da produtividade e a inovação.
c) Programa focalizado de equiparação das taxas de juros locais àquelas vigentes em programas internacionais equivalentes para o financiamento de pequenas e médias empresas exclusivamente de base tecnológica com competitividade internacional em seus segmentos de atuação.
d) Políticas horizontais de reforço ao funcionamento do sistema institucional de fomento à ciência, tecnologia e inovação.
Ampliação da produtividade em atividades de maior valor agregado
Por fim, o quarto bloco de diretrizes de políticas industriais sugere iniciativas no sentido de se fomentar a realização de atividades industriais e de serviço de médio valor agregado. Esse bloco é mais adequado quando a capacidade de as políticas industriais influenciarem os mercados de maneira efetiva é alta e o nível de capacitações produtivas e tecnológicas é reduzido.
Os autores do trabalho sugerem que uma maneira de se fomentar tais atividades é por meio de sua diversificação a partir do atendimento das demandas de setores dinâmicos da estrutura produtiva doméstica.
As experiências internacionais mostram que programas de extensionismo / difusão de técnicas de gestão e de produção modernas entre as pequenas e médias empresas são importantes instrumentos para alcançar tais objetivos. Quando ofertados de maneira contínua e com grande penetração no tecido produtivo, podem contribuir para o incremento da produtividade das empresas que concentram suas atividades em áreas de médio valor agregado, onde o domínio de técnicas de engenharia de produção é fundamental para a competitividade.
Um exemplo interessante é o programa de extensionismo produtivo dos EUA (Manufacturing Extension Partnership, criado nos anos 1980 e coordenado pelo National Institute of Standards and Technology). Segundo avaliações empíricas, os investimentos no programa resultam em um incremento de US$ 3,6 bilhões anuais em vendas das empresas apoiadas. Além disso, para cada US$ 1.570 de investimento Federal, é criado ou mantido 1 emprego manufatureiro (uma das maiores taxas de retorno entre os programas federais dos EUA).
Tal eficiência também se repete no programa congênere vigente no Reino Unido, o Manufacturing Advisory Service. Aliás, essa elevada eficiência parece ser um padrão em programas do tipo em países desenvolvidos, como Alemanha e Japão, além dos exemplos já citados.
No caso do Brasil, vale destacar a iniciativa recente, relativamente bem sucedida “Brasil Mais Produtivo” (Carta IEDI n. 918). Entre 2016 e 2018 o programa procurou incrementar a produtividade intrafirma principalmente de empresas de pequeno e médio porte por meio da adoção de técnicas de manufatura enxuta.
Com custo fiscal bastante reduzido (R$ 50 milhões), coordenação do MDIC e participação de ABDI, SENAI, ApexBrasil, Sebrae e BNDES, o programa atendeu 3.000 empresas. O aumento médio da produtividade das linhas de produção que foram objeto do programa foi de 52,11%, percentual muito superior à meta de ao menos 20%. Assim, o programa poderia servir de ponto de partida para o estabelecimento de iniciativas mais amplas e contínuas.
Para além das atividades de extensionismo, o artigo de Diegues e seus coaoutores lembra que algumas das políticas industriais historicamente mais relevantes no Brasil se concentraram neste quadrante da tipologia proposta (e com ênfase no incentivo ao conteúdo local), com destaque para as coordenadas via sistema BNDES. Os autores identificam pontos positivos e limitações destas políticas.
Por um lado, historicamente estas apresentaram efetividade para fomentar o adensamento das cadeias produtivas locais, como contrapartida das condicionalidades para acesso ao crédito subsidiado. Exemplos destes resultados podem ser verificados em inúmeras atividades, com destaque para metalmecânica, algumas áreas de máquinas e equipamentos, o complexo automobilístico e a indústria de máquinas e equipamentos agrícolas.
Por outro lado, os autores lembram que como esses são setores dominados por empresas multinacionais, a inserção de empresas locais ocorre em elos de menor valor agregado das cadeias de produção. Enfatizam ainda que tais políticas, ao se concentrarem principalmente em metas estanques e físicas de conteúdo local, não incentivaram de maneira suficiente e adequada o incremento de capacitações inovativas domésticas.
Isso porque tais políticas foram forjadas a partir de uma percepção característica da 2ª Revolução Industrial, onde o paradigma da formulação de políticas assumia o desenvolvimento tecnológico como resultado quase automático do adensamento produtivo e do aumento da intensidade de capital.
Apesar destas limitações inerentes, há iniciativas de sucesso, dentre as quais se destaca aquela direcionada a energias renováveis de fonte eólica, como aponta avaliação de técnicos do BNDES no documento “Reflexões críticas sobre a experiência brasileira de política industrial no setor eólico”.
Por meio de um esforço coordenado entre BNDES e Ministério de Minas e Energia, foram estabelecidos incentivos específicos e metas gradativas para o incremento da oferta desta fonte de energia na matriz por meio de cotas nos leilões do PROINFA - Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica.
Em paralelo, o BNDES fomentou o desenvolvimento de uma cadeia produtiva no segmento de energia eólica, formada por empresas locais como WEG e Tecsis, e transnacionais com a alemã Wobben.
Tais política, vale ressaltar, avançaram para além das métricas tradicionais de conteúdo local e envolveram objetivos de desenvolvimento de etapas específicas do processo produtivo, além de aprimoramento tecnológico.
Neste sentido, os pesquisadores da UFSCAR e Unicamp sugerem:
a) Um aperfeiçoamento das políticas de conteúdo nacional, onde métricas e metas relacionadas à realização de atividades que incrementem o nível de competências produtivas e tecnológicas sejam complementares – e até mais importantes – àquelas de conteúdo físico local. Para tal, indicadores de esforços inovativos e relacionados ao percentual de profissionais alocados em atividades STEM podem ser bons indicadores proxies.
b) Dada a alta efetividade das políticas e a deficiência nas capacitações no atual paradigma produtivo, sugere-se políticas que tenham como objetivo o fomento a atividades vinculadas a nichos que estejam associados a mudanças estruturais futuras no atual paradigma tecno-produtivo. Assim, se contornaria parcialmente as desvantagens competitivas no atual paradigma.