IEDI na Imprensa - Reindustrialização do país volta ao debate
Valor Econômico
Empresários, economistas e governo veem oportunidade na crise das cadeias de produção
Rafael Vazquez
Após o estrago que a pandemia de covid-19 causou nas cadeias globais de produção, a palavra reindustrialização voltou ao vocabulário nacional. O ex-ministro da Economia Paulo Guedes já falava da “oportunidade” que a crise das cadeias trouxe para o país. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez campanha prometendo a “reindustrialização” e lança seu programa com esse objetivo nesta quinta-feira, 25, em São Paulo.
Diante do consenso de que não há condições atualmente para repetir o mesmo modelo do século passado, dentro do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), os funcionários preferem usar o termo “neoindustrialização”. O que está no radar é uma série de iniciativas com o objetivo de, inicialmente, dar credibilidade macroeconômica e incentivar investimentos na indústria de transformação, que é essencialmente o setor que vem perdendo participação no PIB desde meados da década de 1980.
Economistas e empresários ouvidos pelo Valor apontam a necessidade de o Estado voltar a participar ativamente da construção de um parque industrial moderno e digitalizado, usando o BNDES como uma das ferramentas.
Segundo Pedro Wongtchowski, presidente do conselho de administração do grupo Ultra e líder do conselho de inovação e competitividade da Fiesp, a atual agenda do setor evita polêmicas do passado, pois o que está colocado à mesa não envolve, por exemplo, aumentos de tarifas para importações, característica marcante da antiga política de industrialização.
“O que estamos pedindo é a melhoria do ambiente de negócios. Isso implica uma reforma tributária bem feita, redução do contencioso jurídico, diminuição de custos logísticos. Essas circunstâncias macroeconômicas que cercam a indústria são as mais importantes e elas beneficiam o país como um todo. Portanto, não vejo nenhuma razão para que uma agenda pró-reindustrialização não seja levada adiante”, diz o Wongtchowski.
Economistas ligados ao mercado financeiro também acreditam que o país deve se movimentar para aproveitar o seu potencial no momento em que as rupturas na cadeia global estimula redes de produção menos fragmentadas e mais regionalizadas.
“O Brasil tem muito a se beneficiar. Os choques que nos empurram para uma reconfiguração das cadeias de valor incentivam países com grande potencial em recursos naturais a renovarem seus processos industriais, principalmente se não estiverem totalmente alinhados geopoliticamente a um lado [EUA e Europa] ou a outro [China e Rússia], diz o economista-chefe para América Latina do Citi, Ernesto Revilla.
Para o economista Luiz Gonzaga Belluzo, professor da Unicamp, o importante é entender que uma nova industrialização exige ações diferentes das adotadas no passado. “Tem que ser um processo ligado às novas tecnologias, incluindo robotização, inteligência artificial. Indústria não é um conjunto de fábricas. É uma forma de produzir”, diz.
Belluzzo destaca a transição energética como elemento central e sugere que a Petrobras inicie um movimento para deixar de ser petroleira para se tornar uma companhia de energia, a exemplo de multinacionais como a britânica BP, a francesa Total e a anglo-holandesa Shell. Discussão nesse sentido ganhou força nos últimos dias, quando a empresa viu o Ibama negar licença ambiental para a perfuração de poços de petróleo próximos à foz do rio Amazonas. “Não se pode pensar em indústria sem ter um padrão energético eficiente”, comenta Belluzzo.
Na visão do consultor em planejamento estratégico Thiago de Moraes Moreira, professor do Ibmec, caberá ao BNDES reassumir um papel ativo na reindustrialização oferecendo taxas de financiamento vantajosas para a formação de um parque industrial ligado à economia verde. “Nesse mundo de transição energética, o Brasil desponta com vantagens enormes pela abundância de recursos naturais. Reservas de lítio, cobalto e níquel, minerais importantes para a produção de baterias, por exemplo. E, com certeza, o hidrogênio verde, que tende a se tornar uma commodity de escala mundial nas próximas décadas.”
Ele teme que o país demore demais para acionar o processo, que inevitavelmente será lento e gradual pela complexidade e necessidade de envolver diversas áreas. “O sucesso passará pela capacidade técnica de diferentes ministérios. Mdic, Planejamento, Casa Civil. Já estamos atrasados em transformar tudo isso em uma política industrial bem definida, com metas e resultados desejados.”
Dentro das medidas que precisam ser executadas para a retomada da indústria no país, a simplificação dos impostos é citada como a mais importante. “Há vários fatores que, se não resolvermos, será difícil reverter a desindustrialização do Brasil. O primeiro é a reforma tributária”, aponta o economista-chefe da Fiesp, Igor Rocha. “Não dá para continuar sendo esse pandemônio tributário no qual a indústria de transformação é exageradamente onerada.”
A indústria de transformação representa 12,9% do PIB, segundo o IBGE, mas responde por 29,5% da arrecadação tributária - a maior carga entre todos os setores. “A reivindicação é por isonomia, equiparação, e não vantagens ou regimes especiais”, esclarece Rocha.
O segundo fator é a taxa de juros, hoje em 13,75%. “Entendemos e apoiamos a missão de ter a inflação sob controle, mas o mesmo remédio que cura também mata, de acordo com a intensidade da dose”, diz. “A taxa de juros, caso não esteja em patamares razoáveis, bloqueia o acesso à tecnologia de fronteira e deixa o setor obsoleto perante a concorrência global, o que impacta na produtividade.”
IEDI e a CNI também apostam na melhoria do ambiente de negócios para impulsionar competitividade e poder de atração de fábricas para o país em meio ao processo de reconfiguração das cadeias globais. Destacam, nesse contexto, a importância de modernizar a infraestrutura e a logística em todas as regiões, corrigindo a concentração industrial de Sul e Sudeste.
“Nas últimas décadas, não investimos sequer para repor a depreciação da nossa infraestrutura existente. Por isso que, com alguma frequência, vemos pontes caindo, buracos abrindo em rodovias. E, com os eventos climáticos extremos, a estrutura física estará ainda mais sob pressão”, diz Rafael Cagnin, economista do IEDI, “Precisamos eliminar gargalos para escoar melhor a produção. Falo de infraestrutura de portos e ferrovias, principalmente.”
De acordo com diagnóstico da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), a modernização da infraestrutura exige a construção de 35 mil quilômetros de malha ferroviária, além da revitalização de parte dos 28 mil quilômetros existentes - a mesma extensão que o Brasil tinha em 1922, sendo que cerca de 30% dos trilhos estão sem condição de uso.
“O Estado tem que fazer a manutenção dos ativos de infraestrutura. Foi um investimento feito no passado e é riqueza do país. Se a logística permanece cara e ineficiente, causa riscos para as pessoas, prejudica o fluxo de mercadorias e atrapalha a competitividade das empresas”, comenta a diretora de desenvolvimento industrial e economia da CNI, Lytha Spíndola.
A executiva lamenta que o debate sobre o papel do Estado no desenvolvimento econômico tenha sido criminalizado nos últimos anos e defende que o governo deve se responsabilizar em conduzir a reindustrialização com a devida transparência. “Não há tudo ou nada nesse debate. O Estado tem mecanismos de subsídios que, em alguns casos, são absolutamente necessários. Outros países já estão incentivando suas indústrias com objetivos inclusive de segurança nacional, alimentar e sanitária. Estamos atrasados”, afirma.