IEDI na Imprensa - Indústria perde intensidade tecnológica nas exportações
Valor Econômico
Vendas de menor valor agregado crescem, mas déficit comercial do setor persiste
Marta Watanabe
A alta de preços das commodities contribuiu para um valor recorde de exportação de bens manufaturados de menor intensidade tecnológica neste ano, mas a ajuda não foi suficiente para evitar o avanço do déficit na balança comercial da indústria de transformação.
No acumulado do ano até setembro, o saldo negativo foi de US$ 37,3 bilhões, o maior para o período desde 2013.
A luz amarela fica principalmente para os ramos de maior intensidade tecnológica, mais sensíveis aos choques resultantes da pandemia. Dados da série histórica mostram, porém, perdas relacionadas a questões estruturais domésticas que podem dificultar a inserção da indústria no rearranjo em curso das cadeias produtivas globais e na corrida tecnológica para manter competitividade. De 2018 até este ano a exportação dos ramos de alta e média-alta tecnologia perdeu praticamente dez pontos percentuais de participação no embarque total da indústria de transformação.
Levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) mostra que a exportação de bens da indústria de transformação atingiu US$ 104,6 bilhões de janeiro a setembro deste ano, com alta de 26,6% contra igual período do ano passado e de 10,6% em relação a 2019, antes da pandemia. A recuperação, porém, se deu principalmente pelo desempenho de ramos industriais menos intensivos em tecnologia.
As indústrias de média e média-baixa tecnologia tiveram exportação recorde de toda série histórica desde 1997 considerando sempre o período de janeiro a setembro, com embarques de US$ 21,6 bilhões e de US$ 54,5 bilhões, respectivamente. Rafael Cagnin, economista-chefe do IEDI, diz que destacam-se nesses grupos os ramos de metalurgia, de alimentos e derivados de petróleo, que incorporaram a alta de preços de commodities metálicas, agrícolas e energéticas.
O risco para esses ramos, diz o economista, é a vulnerabilidade em relação ao ritmo de crescimento da economia chinesa, que impacta os preços de commodities. Ele lembra que Pequim sinaliza uma transição de modelo de crescimento mais voltado à qualidade, com compromissos como a agenda ambiental, exemplifica, que podem levar a uma desaceleração econômica.
Esse dinamismo dos ramos de menor intensidade tecnológica, diz Cagnin, faz parte de uma mudança de composição na pauta de exportação da indústria de transformação. Nela, os segmentos mais intensivos em tecnologia perderam espaço. Ainda que os embarques dos ramos da alta tecnologia tenham crescido 14,2% de janeiro a setembro deste ano em relação a iguais meses do ano passado, há ainda uma queda de 36,7% em relação a 2019.
Cagnin destaca que não há apenas um impacto da pandemia nesse conjunto de ramos de alta tecnologia. O grupo é composto por setores com comportamento volátil, como a indústria farmacêutica e o complexo eletrônico, além da fabricação de aeronaves, setor mais afetado pela crise sanitária. Desde 2018, antes da pandemia, porém, frisa o economista, esse grupo tem exportação com variação negativa sistemática nas comparações trimestrais, na margem. A única exceção, diz Cagnin, foi o segundo trimestre deste ano.
A série histórica do setor levantada pelo IEDI revela que a alta tecnologia ficou com fatia de 3,8% da exportação total da indústria de transformação de janeiro a setembro deste ano, a menor participação desde 1997. Em 2018 era de 7,8% e em 2001, de 14,1%, sempre considerando os mesmos nove meses.
“A queda de participação brutal mostra a dificuldade de assegurar competitividade desses ramos mais sensíveis à concorrência internacional”, comenta. “Estamos com participação, que já era minoritária, extremamente marginal, frente a uma revolução tecnológica de produtos e processos da qual tendemos a ficar ainda mais escanteados.” O valor exportado pela alta tecnologia de janeiro a setembro deste ano pelo país, ressalta Cagin, foi de US$ 4 bilhões, quase metade dos US$ 7,6 bilhões em igual período de três anos atrás.
A média-alta tecnologia, que inclui o setor automotivo, sofre ainda efeitos da pandemia e do estrangulamento das cadeias globais de suprimentos, aponta Cagnin. Mas os dados mostram que esse grupo também perdeu espaço ao longo do tempo. De janeiro a setembro a média-alta tecnologia exportou US$ 24,5 bilhões, o equivalente a 23,4% do embarque total da indústria de transformação. Em 2019 a fatia em iguais meses foi de 26,23% e, há dez anos, de 29,7%.
A perda de espaço dos grupos de alta e média-alta intensidade tecnológica, diz Cagnin, representa uma perda de oportunidade para dar maior dinamismo à produção industrial do país. Esses, explica, são os ramos que têm atividade com maior inserção nas cadeias globais de valor que estão em transformação.
“E hoje se discute a capacidade de resiliência dessas cadeias, já que os eventos extraeconômicos que impactam a organização da produção tendem a não se restringir à pandemia, mas se estendem a mudanças climáticas e desastres naturais”, indica. “Essa busca de resiliência se faz num primeiro momento por uma mera recomposição de estoques e flexibilização de processos, mas há indícios de tentativas de regionalização das cadeias de suprimentos e de diversificação de fornecedores”, diz o economista, destacando que esse movimento de redefinição deve demandar muitas políticas públicas.
Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), ressalta que a evolução das importações também mostra a dificuldade de manter competitividade na indústria de maior intensidade tecnológica. Apesar do câmbio e dos preços altos em dólar em razão do estrangulamento da cadeia global de suprimentos, a importação aumenta porque não há alternativa de fornecedor no mercado doméstico, diz. Parte da cadeia de fornecimento interna se perdeu ao longo dos anos, avalia. Segundo os dados do IEDI, a importação em bens da indústria de alta tecnologia somou US$ 30,6 bilhões de janeiro a setembro deste ano, com aumentou 26,7% contra iguais meses de 2020. Na média-alta tecnologia foram US$ 70,5 bilhões, com avanço foi de 36,5%.
A dinâmica das exportações, diz Welber Barral, sócio da Barral M Jorge, reflete as dificuldades de se produzir no Brasil, com condições piores de competitividade, falta de inovação e de qualificação de mão-de-obra. Para ele, ex-secretário de comércio exterior, a recuperação da exportação de setores importantes e que trazem dinamismo para a economia, como o automotivo, demanda ampliação de acordos, dada a dificuldade por que ainda passa a Argentina, tradicional parceiro comercial nesse segmento. Caso uma maior competitividade nas exportações não seja alcançada, destaca, o Brasil corre risco de perder mercado inclusive na América do Sul, dado o avanço do fornecimento de países asiáticos na região.