Carta IEDI
O Problema da Química no Brasil Não Está Dentro da Fábrica
Em entrevista para o IEDI, o Conselheiro Pedro Wongtschowski, do grupo Ultra e profundo conhecedor do setor químico brasileiro, além de especialista em desenvolvimento industrial e em inovação, aborda temas do seu setor e da economia brasileira, passando pela análise da política industrial e de desenvolvimento tecnológico do país.
Começa observando que no Brasil a produção de produtos químicos permaneceu estagnada nos últimos dez anos. Toda a demanda incremental, então, tem sido atendida por importações. “Entre 1990 e 2014”, afirma, “o consumo aparente nacional cresceu, em média, 3,6% ao ano. A produção subiu 2,1% e a importação 11,2% ao ano. Isso fez com que a participação das importações no consumo aparente doméstico de químicos aumentasse de algo como 10%, nos anos 1990, para 35% em 2014.”
Isso foi resultado do baixo investimento, dentre outros motivos, porque a rentabilidade da indústria química no Brasil não é adequada. “Para se fazer um investimento que leva 4 ou 5 anos, é preciso um horizonte, uma previsibilidade razoável do futuro em relação à demanda, disponibilidade e custo de seus insumos, custo de capital, etc.. Essa segurança e essa confiança necessárias para se realizar um grande investimento não estiveram presentes nos últimos 25 anos.”
“Ademais, há ainda grande insegurança nos contratos firmados para a realização de grandes obras. Em um país de inflação alta e instável, câmbio volátil e sujeito a greves, em condições anômalas, não existem contratos de preço fechado.”
“Existe outro fator ainda em relação ao comércio exterior. A política de fixação de tarifas de importação no Brasil também é muito instável. Não há nenhuma segurança, nenhuma forma de saber se como e quando essa tarifa será rediscutida ou renegociada.”
Não menos importante para ele, “o grau de incerteza do custo de energia do Brasil faz com que ninguém faça um investimento eletro-intensivo hoje em dia.”
Outros pontos levantados por Pedro Wongtschowski:
Competitividade: “O produto (químico) nacional é competitivo”. “O problema da química no Brasil não está dentro da fábrica. O problema está em um “custo Brasil ampliado”, isto é, no preço dos insumos, da energia, no custo de capital, etc.”
Utilização de capacidade: “A utilização média da capacidade instalada em 2007, antes da crise, foi de 87%, compatível com o mínimo de 85% exigido pelo setor que é capital intensivo.” “No primeiro bimestre de 2015 chegamos a 78%”. Isso tem menos a ver com o crescimento da demanda interna e mais com a penetração dos importados e com o fato de que está cada vez mais difícil exportar.
Câmbio: “O impacto da desvalorização cambial é imediato na indústria química. E o impacto é positivo: ganha-se mercado e competitividade. Por outro lado, a taxa de câmbio também influencia os preços de insumos, que são fixados em dólar. O problema é a instabilidade do câmbio, porque gera insegurança enorme na cadeia. O governo deveria assegurar certa estabilidade do câmbio. Instrumentos para isso ele tem.”
Desindustrialização: “A desindustrialização poder ser revertida”. “O crescimento, por sua vez, seria consequência de um programa robusto de investimentos que implicaria no reforço competitivo da indústria estabelecida no Brasil.”
Perspectivas para o gás natural e a nafta obtidos com o Pré-sal: “É possível usar o Pré-sal, mas é preciso gerar confiança institucional, garantir contratos de longo prazo de suprimento de insumos, além da estabilidade das regras de comércio exterior e a integração do Brasil ao comércio internacional.”
Tecnologia: “Eu acho que não há nenhuma restrição tecnológica para a implantação de novas indústrias químicas.” Mas, isto posto, “é preciso ressaltar, que a manutenção da competitividade dos produtos fabricados no Brasil, depende sim da capacidade da inovação da indústria estabelecida no país. O investimento em inovação, em geral, tem sido insuficiente, o que é um dos fatores que inibe a exportação e a competição com produtos importados.”
BNDES, FINEP, MEI, Embrapii: “Na área de inovação, nos últimos quatro anos, o BNDES e a Finep fizeram muito pelo setor químico. A MEI (Mobilização Empresarial pela Inovação) também foi muito importante. A MEI é uma iniciativa muito interessante...” A Embrapii “é um modelo promissor. Os projetos-piloto foram muito bem sucedidos. A Embrapii é, em grande medida, um produto da MEI”.
Aparato de apoio à inovação: “Acho que é bem razoável. O aparato institucional, inclusive. Existem, no entanto, inúmeras instituições de pesquisa no Brasil subaproveitadas e subutilizadas e, algumas vezes, subequipadas.”
Pedro Wongtschowski: O que tem ocorrido nos últimos 10 anos é que a demanda de produtos químicos no Brasil cresce acima do PIB, entre 1,5 a 2,0 vezes o crescimento no PIB. Nos países em desenvolvimento essa relação costuma ser alta devido à entrada de novos consumidores que demandam produtos cujos insumos incluem produtos químicos. No Brasil, contudo, a produção permanece estagnada. Toda a demanda incremental, então, tem sido atendida por importações. Entre 1990 e 2014, o consumo aparente nacional cresceu, em média, 3,6% ao ano. A produção subiu 2,1% e a importação 11,2% ao ano. Isso fez com que a participação das importações no consumo aparente doméstico de químicos aumentasse de algo como 10%, nos anos 1990, para 35% em 2014.
IEDI: Quais são as razões dessa evolução?
Pedro Wongtschowski: A indústria química básica, de fertilizantes e petroquímica, inclusive a de segunda geração, exige grandes investimentos e prazos longos de maturação. A implantação de um complexo químico, com as escalas de produção necessárias à sua competitividade, leva algo como 4 a 5 anos. O último grande complexo desses foi realizado no Brasil nos anos 1990; de lá para cá, vemos apenas investimentos isolados, em alguns segmentos específicos. Por esse motivo, aumentos de capacidade de produção são marginais.
IEDI: Porque essa queda dos investimentos?
Pedro Wongtschowski: Por um conjunto dos fatores. A rentabilidade da indústria química no Brasil não é adequada. Evidentemente, uma margem baixa de lucro não induz investimentos. Para se fazer um investimento que leva 4 ou 5 anos, é preciso um horizonte, uma previsibilidade razoável do futuro em relação à demanda, disponibilidade e custo de seus insumos, custo de capital, etc.. Essa segurança e essa confiança necessárias para se realizar um grande investimento não estiveram presentes nos últimos 25 anos. Existem muitos investimentos da ordem US$ 100 ou US$ 200 milhões, mas nada da ordem de US$ 1 bilhão nesse período. No momento, excluídos projetos da Petrobras na área de fertilizantes nitrogenados, há apenas um projeto relevante em construção, um complexo da Basf, em Camaçari, da ordem de US$ 800 milhões.
Ademais, há ainda grande insegurança nos contratos firmados para a realização de grandes obras. Em um país de inflação alta e instável, câmbio volátil e sujeito a greves, em condições anômalas, não existem contratos de preço fechado.
Existe outro fator ainda em relação ao comércio exterior. A política de fixação de tarifas de importação no Brasil também é muito instável. Você pode ter uma tarifa de importação de 10% ou 12% sobre seu produto, mas eu não conheço ninguém em sã consciência que faz um estudo de viabilidade com a hipótese de que essa tarifa permaneça por muito tempo. Não há nenhuma segurança, nenhuma forma de saber se como e quando essa tarifa será rediscutida ou renegociada.
Por fim, mas não menos importante, a indústria química se apoia em dois insumos essenciais: energia e matérias-primas, como nafta, gás natural e outras de origem vegetal. Em relação a matérias-primas, temos uma imensa insegurança. Por exemplo, as alíquotas de impostos sobre a importação de insumos estão sujeitas a mudanças repentinas com negociações dentro do âmbito do Mercosul. Em relação à energia, em algumas áreas eletro intensivas ela é o maior item de custo, como na produção de soda cloro. O grau de incerteza do custo de energia do Brasil faz com que ninguém faça um investimento eletro-intensivo hoje em dia. E quem tem esse tipo de operação está fechando ou vendendo energia. Há empresas químicas que pararam de produzir e estão vendendo a energia que tinham contratado porque isso é mais rentável.
IEDI: A instabilidade de diversas naturezas pesa, então, sobre o investimento elevando seu custo?
Pedro Wongtschowski: A situação é que no Brasil o custo de capital é alto, o custo de bens de capital é muito alto, os impostos sobre investimentos são altos e não são recuperáveis integralmente ao final da obra. Por exemplo, no México, concluído o investimento, o governo devolve os tributos pagos, imediatamente e em dinheiro.
Um componente importante da indústria são as empresas internacionais. E as empresas internacionais quando vão realizar um investimento fazem uma comparação. A simples existência de um mercado grande, como o do Brasil, não é mais suficiente para atrair investimentos adicionais. Mesmo as nacionais, cada vez mais, fazem esse tipo de comparação antes de investir ainda que o objetivo seja abastecer o mercado brasileiro. Há muitas plantas de empresas brasileiras no México, Venezuela, Uruguai, EUA que, em parte, atendem ao mercado brasileiro.
IEDI: E o que podemos dizer sobre a competitividade internacional do produto brasileiro? O produto nacional é caro?
Pedro Wongtschowski: O produto nacional é competitivo, mas vai depender do nicho. Isso porque o mercado é aberto, com muita importação, que baliza os preços no mercado doméstico. Então, não tem como não ser competitivo. Em alguns setores industriais, a diferença dos preços de importação e de exportação é muito grande. No caso da indústria química a diferença, em geral, fica em torno de 20%. Esse é um bom indicador.
IEDI: Qual é o perfil do comércio internacional da nossa indústria química?
Pedro Wongtschowski: Em química existe um estereótipo de que o Brasil exporta commodities e importa especialidades. Isso sempre foi verdade, mas não é mais. Porque, hoje, além de produto caro, a gente importa produto barato também. Por isso, o preço médio de exportação, em 2014, foi US$ 960/tonelada; o de importação foi US$ 1.100/toneladas. Essa diferença há 20 anos era gigantesca, hoje não é mais. E não é pela razão errada. Não é porque passamos a importar também produtos como polietileno, polipropileno, PVC, sem falar em enxofre, soda cáustica, etc. Além de importar hoje 60,0% do etilenoglicol (produto em que o Brasil tem capacidade disponível para atender a todo o mercado) consumido no Brasil em função do custo da matéria-prima ser superior ao praticado no mercado internacional. Se olharmos o preço médio de importação de produtos com tarifa zero, isto é, de produtos não fabricados no Brasil, encontramos o valor de US$6.500/tonelada. Então é a importação de produtos que também fazemos aqui que puxa esse preço médio de US$ 6.500 para US$1.100. Passamos a importar commodities (soda cáustica, metanol, polietileno, PVC, etc); além de química fina, fármacos e outros produtos avançados, que sempre importamos. Nos últimos 15 anos, deixamos de ser autossuficientes em muitos produtos.
IEDI: A capacidade de produção do setor cresce pouco pelos desincentivos ao investimento, como discutimos, mas a sua utilização também anda baixa, não? A crise internacional teve um impacto importante?
Pedro Wongtschowski: A utilização média da capacidade instalada em 2007, antes da crise, foi de 87%. Então veio a crise. Em 2009, que foi o pior ano, caiu para 80%, subindo de novo em 2010. Em 2014, contudo, a utilização média da capacidade instalada foi de 79%. A indústria química de processo contínuo perde dinheiro se trabalhar abaixo de 85% de utilização da capacidade, porque é capital-intensiva: a maior parte do custo variável é matéria-prima e o custo-fixo desembolsado é relativamente baixo por tonelada instalada. Mas, no Brasil a utilização da capacidade instalada não tem atingido esse patamar. No primeiro bimestre de 2015 chegamos a 78%. Isso tem menos a ver com o crescimento da demanda interna e mais com a penetração dos importados e com o fato de que está cada vez mais difícil exportar. Entre 2005 e 2014, enquanto as importações triplicaram (de US$ 15,0 bilhões para US$ 45,0 bilhões), as exportações apenas dobraram (de US$ 7,0 bilhões para US$ 14 bilhões). Entre 2011 e 2014, por outro lado, as exportações caíram. Por quê? Falta de competitividade do produto nacional. E isso ocorre com vários outros setores, que estão passando por um processo de desverticalização, como o farmacêutico e a têxtil, afetando também a indústria química nacional. A situação da indústria química, enquanto bem intermediário, reflete a situação das outras cadeias da indústria nacional.
IEDI: A forte expansão da produção chinesa de químicos tem um papel nessa evolução?
Pedro Wongtschowski: A China está avançando pouco a pouco ao longo da cadeia, produzindo produtos cada vez mais sofisticados. Mas para o Brasil acredito que os efeitos disso são muito mais indiretos do que diretos. A China ainda é um grande importador de produtos químicos, mas como sua produção tem crescido dramaticamente, sobram cada vez mais produtos na Europa e nos EUA. Com isso, há pressão de queda dos preços internacionais e maior interesse em canalizar esses produtos para o Brasil. A China tem avançado muito sobre mercados tradicionais de exportação da indústria química brasileira, especialmente na América Latina.
IEDI: Os mercados latino-americanos poderiam absorver produção nacional, de forma a contribuir para uma maior utilização da capacidade do setor?
Pedro Wongtschowski: Tradicionalmente, o mercado argentino é importante para a indústria brasileira. Mas esse é um mercado que tem passado por uma crise profunda. O Chile recebe uma influência muito maior da Ásia, por razões logísticas. Mesmo assim, o mercado chileno é muito pequeno, bem como os mercados dos demais países latino-americanos. O México é muito conectado aos Estados Unidos, ali a relação é direta, dentro do Nafta (North America Free Trade Agreement). A Colômbia também está muito mais sobre influência da indústria americana do que da indústria brasileira, igualmente por razões logísticas. É muito mais fácil chegar à Colômbia de Houston do que de Santos. Em resinas termoplásticas a análise da balança comercial Brasil/Mercosul, mostra que estamos deficitários a partir de 2014.
IEDI: A desvalorização do real desde dezembro de 2014 ajudaria a reverter o avanço das importações brasileiras de químicos?
Pedro Wongtschowski: O impacto da desvalorização é imediato na indústria química. E o impacto é positivo: ganha-se mercado, competitividade. Por outro lado, a taxa de câmbio também influencia os preços de insumos, que são fixados em dólar. O problema é a instabilidade do câmbio, porque gera insegurança enorme na cadeia. O governo deveria assegurar certa estabilidade do câmbio. Instrumentos para isso ele tem. Ao invés disso, o governo já usou as intervenções no câmbio para segurar a taxa de câmbio, por causa da inflação, do ano eleitoral, etc. Deve-se, ainda, observar que houve uma valorização global do dólar, inclusive em relação ao euro.
IEDI: E quais os efeitos sobre o setor da queda do preço do petróleo?
Pedro Wongtschowski: O preço do petróleo só influencia à medida em que impacta os preços dos petroquímicos. A queda recente do petróleo só se transmitiu em parte aos produtos petroquímicos. A queda, contudo, não foi na mesma proporção; mesmo porque a petroquímica utiliza outros insumos, têm outros custos, como energia, custo de capital, etc. Então, nunca é na mesma proporção. Além disso, quanto mais se avança ao longo da cadeia, menos os preços dos produtos químicos dependem do preço do petróleo. Então, por exemplo, se o preço do petróleo cai 50%, o produto da primeira geração deve baixar 30%, o da segunda geração, 15%, e o produto da química fina baixa 7% ou 8%. E é quase isso mesmo, a cada elo da cadeia o efeito cai pela metade. Tanto é que o impacto do preço do petróleo sobre um brinquedo feito quase inteiramente de plástico é marginal.
IEDI: Voltando à taxa de câmbio, mas agora olhando para a indústria nacional como um todo. Se o câmbio ficar em um nível razoável, dá para voltar a industrializar o país?
Pedro Wongtschowski: Dá. A desindustrialização poder ser revertida. Eu escrevi um artigo no Estadão em 2012 onde dizia basicamente que a indústria brasileira passava por um período de inflexão onde dois caminhos se abriam: estagnação ou crescimento. A estagnação como consequência de um programa de investimento marginal implicava na progressiva perda de participação de mercado e na redução da posição competitiva da indústria. O crescimento, por sua vez, seria consequência de um programa robusto de investimentos que implicaria no reforço competitivo da indústria estabelecida no Brasil. O que defendi nessa época era o seguinte: O Brasil achou o petróleo do Pré-sal. Deveria separar uma parte desse petróleo e dizer que vai destinar à indústria química, mas seria preciso fazer algo de longo prazo. O governo ou a Petrobras deve dizer que oferece, para quem quiser, certa quantidade de nafta ou gas natural, para daqui a 5 anos e garantir o seu suprimento pelos 20 anos seguintes, segundo determinadas regras de preço, vinculadas ao mercado internacional. Que apareçam os interessados e ofereçam um ágio, como em um leilão de rodovias. Existem vários mecanismos de leilão conhecidos. Viria gente do mundo todo. Se tivessem feito isso naquela ocasião, estou convencido de que haveria um conjunto de investimentos que pavimentariam novos investimentos, para os outros elos da cadeira.
IEDI: Ainda é possível fazer algo parecido?
Pedro Wongtschowski: Acho que ainda dá, mas hoje não há clima para isso. Eu confio na recuperação da Petrobras, mas vai levar até o final do mandato Dilma. É preciso remontar a cultura da empresa, restabelecer sua saúde financeira, e para isso terá que vender ativos, o que é um processo demorado. Veja o exemplo da Liquigás. A Petrobras já declarou sua intenção de vendê-la. Todavia, há um movimento interno da empresa para incorporá-la à BR e, então, vender 49% da BR. Quer dizer, é uma forma disfarçada de manter a Liquigás dentro da Petrobras. E por que a Petrobras teria que ser proprietária de uma empresa de distribuição de gás liquefeito de petróleo?
IEDI: Quais as possibilidades que o gás natural e a nafta obtidos com o Pré-sal abrem ao setor?
Pedro Wongtschowski: A separação de insumos químicos (metano, etano e propano) a partir do gás natural é relativamente simples, feito em uma unidade de processamento de gás natural. Então é fácil incentivar a indústria química a partir da exploração do gás do Pré-sal. Para o emprego da nafta, entretanto, é preciso ter capacidade de refino de petróleo, o que exige investimentos. No mundo, uma refinaria com capacidade de refinar 300 mil barris custa US$ 15 bilhões. Agora, a refinaria Abreu e Lima, que tem capacidade de 260 mil barris, vai custar US$ 27 ou US$ 28 bilhões. Isso é resultado de mismanagement, overdesign, corrupção, mudança de projeto ao longo do caminho, dezenas de greves; uma combinação infernal. Então, é possível usar o Pré-sal, mas é preciso gerar confiança institucional, garantir contratos de longo prazo de suprimento de insumos, além da estabilidade das regras de comércio exterior e a integração do Brasil ao comércio internacional.
IEDI: Nesses últimos 25 anos, as dificuldades da indústria química nacional não envolvem nenhuma questão tecnológica?
Pedro Wongtschowski: Eu acho que não há nenhuma restrição tecnológica para a implantação de novas indústrias químicas. Nos segmentos mais próximos da base e comoditizados, da indústria mais pesada, a tecnologia está amplamente disponível no mundo todo via licenciamento. Se você quiser fazer uma fábrica de polietileno, de estireno, óxido de eteno, de qualquer um desses produtos de primeira ou segunda geração, você pega o telefone e no dia seguinte haverá cinco estrangeiros aqui lhe oferecendo diferentes tecnologias em condições razoáveis. É assim no mundo todo. Nos segmentos de especialidades, existem as multinacionais, que vêm para cá com suas próprias tecnologias e certas empresas nacionais que dominam algumas das tecnologias desses segmentos. Isto posto, é preciso ressaltar, que a manutenção da competitividade dos produtos fabricados no Brasil, depende sim da capacidade da inovação da indústria estabelecida no país. Os processos e os produtos precisam ser continuamente adaptados às matérias-primas disponíveis e às demandas mutantes do consumidor. O investimento em inovação, em geral, tem sido insuficiente, o que é um dos fatores que inibe a exportação e a competição com produtos importados.
IEDI: O fato de a indústria nacional, como um todo, ter acesso a produtos químicos produzidos domesticamente é estratégico?
Pedro Wongtschowski: Esta é a pergunta importante. Para uma empresa de cosméticos, por exemplo, faz alguma diferença que ela compre seus insumos no Brasil? Eu acho que faz. Por quê? Primeiro, o brasileiro não é igual aos outros, os hábitos de consumo são diferentes e, neste exemplo, a pele do brasileiro é diferente. Segundo, as demandas técnicas de produção também não são as mesmas em todos os lugares. A água do Brasil é diferente. Ou, então, veja o caso de defensivos agrícolas em que a forma do brasileiro de aplicá-lo não é igual a de outros países; as pragas e o clima não são os mesmos. Então, a formulação de um defensivo agrícola não é igual em todos os países. O princípio ativo pode ser o mesmo, mas a formulação é distinta. E eu posso falar a mesma coisa para outros setores, como o setor têxtil e o farmacêutico. A presença de uma indústria química no Brasil é importante para viabilizar e garantir a performance dos produtos dos seus clientes. Eu acho que isso é uma particularidade da indústria química. Ademais, o Brasil tem um potencial grande em termos de produção de recursos naturais, que são base da química, e que podem ser transformados internamente.
IEDI: Como avalia a política industrial para o setor?
Pedro Wongtschowski: Na área de inovação, nos últimos quatro anos, o BNDES e a Finep fizeram muito pelo setor químico. A MEI (Mobilização Empresarial pela Inovação) também foi muito importante. A MEI é uma iniciativa muito interessante e têm tido prestígio junto ao governo, cujas reuniões contam com a presença de ministros, além dos presidentes do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), FINEP, do BNDES, entre outros.
IEDI: O nosso aparato para inovação é razoável?
Pedro Wongtschowski: Acho que é bem razoável. O aparato institucional, inclusive. Existem, no entanto, inúmeras instituições de pesquisa no Brasil subaproveitadas e subutilizadas e, algumas vezes, subequipadas. As organizações sociais na área de ciência e tecnologia, tem prestado excelentes serviços ao país. Muitos defenderam a criação de uma nova instituição para financiar pesquisas aplicadas em instituições credenciadas para esse fim. Essa é a história da Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), cujo conselho conta com quatro integrantes indicados pela CNI. Fizemos um edital com o qual conseguimos qualificar 13 de 50 instituições de pesquisa avaliadas. O credenciamento não ocorre para as instituições como um todo, mas algumas áreas específicas de atuação. Por exemplo, o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) em nanotecnologia; COPPE em engenharia submarina; CNPEM em processamento de biomassa. É preciso que as instituições tenham um plano de marketing, encontrem demanda na indústria. A indústria paga 1/3 da conta, 1/3 é overhead, que a própria instituição banca para incentivar o processo, e a Embrapii cobre o 1/3 restante. A expectativa é injetar R$ 1,5 bilhão em seis anos. Se der certo, serão R$ 4,5 bilhões em pesquisa aplicada. É um modelo promissor. Os projetos-piloto foram muito bem sucedidos. A Embrapii é, em grande medida, um produto da MEI.
IEDI: Comentamos que o custo de investimento no Brasil é elevado. O setor de bens de capital doméstico consegue atender a contento a indústria química nacional?
Pedro Wongtschowski: A situação da indústria nacional de bens de capital é complicada. Todo setor precisa evidentemente de bens de capital. Bens de capital são máquinas e sou obrigado a reconhecer que máquina no Brasil é caro. É caro porque o aço é caro e porque a escala é pequena. Como a escala é pequena, é baixa a especialização. Mas existe uma terceira razão: porque o Estado é um mau comprador. Veja a Petrobras, mas vale também para a Eletrobrás e outras. A Petrobrás compra mal, compra nominalmente caro e não paga nos prazos. Então, é uma combinação infernal. Por isso que, à exceção das multinacionais, não existem muitas empresas saudáveis de bens de capital no país. Dessa forma, poderíamos pensar que para a indústria de bens de capital continuar existindo no Brasil seria preciso um esquema de proteção; mas ao fazer isso a indústria se torna ineficiente, contaminando todos os setores industriais. É difícil, então, visualizar uma saída. A única certeza é que não deve passar por um sistema de superproteção. Talvez alguma política de indução de especialização.
IEDI: Diante de todas essas dificuldades, como poderíamos melhorar a situação da indústria química nacional? Há algo que possa ser feito do ponto de vista microeconômico?
Pedro Wongtschowski: Veja, há empresas químicas nacionais modernas com investimentos contínuos em tecnologia e inovação e tão competitivas quanto quaisquer outras. O problema da química no Brasil não está dentro da fábrica. O problema está em um “custo Brasil ampliado”, isto é, no preço dos insumos, da energia, no custo de capital, etc.
IEDI: Em outros setores observa-se muito o peso excessivo nos custos dos impostos cumulativos. Também existe essa dimensão na química? E o custo do trabalho é um item importante no setor?
Pedro Wongtschowski: A estimativa mais precisa indica que os impostos embutidos nos produtos químicos exportados representam entre 5 e 7% do valor do produto; esta deveria então ser a compensação do REINTEGRA. Impostos sobre investimentos agravam a situação, mas impostos nas operações domésticas não são um fator relevante a impactar negativamente a competitividade específica da indústria química. Existe também a questão da complexidade tributária que é um problema em si de ordem horizontal, porque é um fator de custo. Em relação ao trabalho, que também é um fator horizontal e afeta todos os setores, a Abiquim calcula que o custo para a empresa representa algo como 120% daquilo que o trabalhador efetivamente recebe. O peso do custo do trabalho é grande na indústria química para segmentos de especialidades, onde é preciso mais mão de obra, onde existem processos de produção descontínuos, e um grande esforço de desenvolvimento de produto e aplicação e de assistência técnica. Note que a parcela do valor adicionado pela indústria química que vai para o governo ficou em torno de 40% entre 1998 e 2013, sem grandes variações. Neste período, o sistema financeiro abocanha, em média, 25% do valor adicionado, e a remuneração do trabalho leva outros 21%. Sobra pouco para remunerar o capital e permitir novos investimentos.