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                          Carta IEDI

                          Edição 390
                          Publicado em: 20/11/2009

                          Os Sistemas Tributários dos Países do BRIC: Um Foco na Competitividade Externa

                          Sumário

                          A análise de sistemas tributários tão distintos e singulares como os de Brasil, Rússia, Índia e China coloca um grande desafio no julgamento dos benefícios e malefícios desses sistemas tributários. Diferente de outros trabalhos sobre o tema, que focam nos critérios de eficiência, equidade, efetividade, simplicidade, etc. para julgarem o melhor arranjo existente, este estudo optou por utilizar dois critérios apenas: (i) influência do sistema tributário sobre a competitividade externa dos países; (ii) os efeitos dos tributos sobre a performance macroeconômica.

                          A análise dos sistemas tributários dos quatro países do BRIC mostra que Índia e China adotaram posturas distintas daquelas observadas no Brasil e Rússia. Enquanto os primeiros possuem maior dependência da tributação indireta no orçamento e adotam fortemente o expediente de concessão de incentivos tributários e econômicos, Brasil e Rússia possuem arranjos tributários mais próximos aos preceitos estabelecidos pela literatura. Paradoxalmente, China e Índia evidenciam taxas mais expressivas de crescimento econômico, sugerindo que o objetivo último de promoção das exportações como forma de alavancar o crescimento econômico, adotando um legítimo modelo de crescimento export-led-growth, é viável e eficaz, por mais que os instrumentos individuais utilizados possam à primeira vista se mostrarem ineficazes e ineficientes.

                          Do ponto de vista do sistema tributário indiano, evidenciou-se que os desafios do governo são enormes, principalmente no que diz respeito à necessidade do Estado aumentar a sua capacidade de arrecadação. Para tanto, reformas adicionais serão necessárias, especialmente aquelas que têm como objetivo aumentar a carga tributária para reequilibrar o orçamento do governo; grave problema presente na Índia. Nesse contexto, o desafio indiano é muito maior do que o brasileiro, pois reformas que conduzam à elevação da carga tributária e ampliação da base de incidência são sempre mais custosas, principalmente devido aos problemas políticos e econômicos associados.

                          Já a China encontra-se em posição de destaque no dilema arrecadação e promoção de incentivos, sendo o país com maior crescimento per capita dentre os analisados. No entanto, problemas relacionados à forte descentralização da arrecadação geram incentivos adversos, na medida em que estimula a guerra fiscal entre as províncias e, portanto, precisam ser solucionados. Além disso, a China precisa melhorar a qualidade da administração tributária e necessita aumentar a rede de proteção social para assegurar melhor qualidade de vida para seus habitantes. Problemas ambientais também estarão mais presentes na pauta de discussões do país, o que colocará fardo adicional ao sistema tributário. Contudo, a experiência chinesa mostra que, para alcançar o objetivo último do crescimento, não há solução mais direta do que crescer.

                          A Rússia, por sua vez, possui um sistema tributário eficiente, com baixas alíquotas e boa qualidade na administração tributária. O problema nesse caso é a forte dependência da receita dos recursos naturais no orçamento e a falta de incentivos à promoção das exportações, prejudicada com a forte apreciação da taxa de câmbio, deixando a dinâmica de crescimento e arrecadação do país dependente de fatores exógenos, aumentando a vulnerabilidade externa do país.

                          Por fim, o sistema tributário brasileiro mostra forte capacidade em coletar impostos, de modo que a situação fiscal do país possui posição de destaque no bloco. O problema brasileiro é que o sistema tributário atingiu o seu limite como ferramenta de promoção do desenvolvimento. A excessiva constitucionalização da matéria tributária e as inúmeras leis infa-contitucionais existentes colocam elevado custo de compliance para os investidores, encarecendo os investimentos e desestimulando o próprio desenvolvimento econômico. Além disso, a legislação brasileira possui muitas lacunas, o que confere amplo espaço para questionamentos judiciais, sonegação fiscal e mesmo artifícios administrativos para protelar o pagamento de impostos. O Brasil terá, ainda, que resolver o problema das contribuições sociais que, no atual estado da arte, estimula dois fatores adversos: a informalidade do trabalho e o menor volume exportado.

                          Impostos Diretos, Indiretos, Contribuições Sociais e Competitividade Externa. Segundo o FMI, os sistemas tributários devem apresentar algumas características desejáveis na medida em que os países se desenvolvem. Ao contrário dos trabalhos dedicados à análise ótima da tributação, os estudos do Fundo levam em consideração as experiências práticas e históricas dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Aplicadas à concepção dos sistemas tributários, as seguintes recomendações para um sistema de boa qualidade são apresentadas: (i) imposto sobre o consumo, incidente sobre o valor agregado; (ii) utilização de bases tributárias amplas e bem definidas; (iii) imposto de renda sobre pessoas físicas – com poucas deduções, alíquota moderada, alto limite de isenção e com desconto na fonte; (iv) imposto de renda sobre pessoas jurídicas com alíquotas alinhadas às da pessoa física, baixa utilização de incentivos fiscais a setores ou atividades específicos; (v) minimização dos atrasos na arrecadação e pesadas multas nos casos de atrasos de pagamentos; e (vi) adoção de impostos que sejam tão neutros quanto possível.

                          O sucesso de um país na inserção do comércio internacional depende basicamente de dois fatores, a saber: (i) regime cambial adotado; (ii) sistema de tributos existente. Apenas o segundo tema será tratado neste estudo. Sendo assim, a existência de um empresariado qualificado, com indústrias eficientes capazes de colocar no mercado produtos com preços mais baixos do que os existentes nos demais países não é condição suficiente para promover às exportações de um país. Isto porque sistemas tributários onerosos distorcem os preços praticados no mercado de tal sorte que mesmo os concorrentes que produzem de maneira pouco qualificada, mas com menor incidência de tributos, podem ser mais competitivos do que aqueles que produzem de forma mais eficiente.

                          Deve um país priorizar um sistema tributário baseado em impostos diretos, indiretos ou em um mix desses dois tributos? Na esteira desse tema, é fundamental entender como a OMC o trata. Produtos exportados por países que utilizam sistemas tributários baseados em tributação sobre valor agregado (value-added tax) são passíveis de imposição de tarifas de importação para equalizar a competição entre os produtos domésticos e os produtos importados, sendo que, em alguns casos, é possível a adoção de subsídios às exportações.

                          Por outro lado, as regras internacionais aceitam que as nações que utilizam sistemas tributários baseados em tributos indiretos abatam total ou parcialmente esses tributos nas suas exportações, enquanto os demais impostos devem ser mantidos. Sendo assim, os impostos diretos, como os impostos sobre a renda, propriedade e mesmo as contribuições sociais e previdenciárias não são passíveis de compensação no sentido de garantir uma competição justa no comércio internacional. Dessa forma, é imperativo para os países harmonizar, na hipótese de conquista de espaço econômico, os aludidos tributos diretos, pelo fato de que eles influenciam o preço dos produtos no mercado internacional, impactando a performance das exportações e mesmo a rentabilidade das inversões de capital – uma vez que tributos mal desenhados distorcem a localização dos empreendimentos econômicos e são decisivos para determinar a participação do mercado que cabe aos países. Países que oferecem menores vantagens serão preteridos.

                          É importante que os países compreendam o tratamento diferenciado que as regras vigentes impõem aos tributos diretos e aos impostos sobre valor agregado. Para entender melhor esse argumento, considere o caso do Brasil, China e Índia. Enquanto o primeiro possui um complexo sistema de tributos diretos e contribuições sociais (ao menos de forma relativa), tanto a China quanto a Índia possuem sistemas tributários baseados em tributos indiretos. Sendo assim, quando um produto brasileiro é exportado para a Índia, por exemplo, um imposto IVA, de igual tarifa à praticada na Índia, é devido pelo produto brasileiro. Esse imposto é cobrado sobre o custo de desembarque da mercadoria, o que significa que todos os impostos diretos e contribuições sociais incidentes no Brasil, além de não serem passíveis de desoneração das exportações, encarecem ainda mais o produto brasileiro por constituírem custo de desembarque. Assim, o produto ou serviço brasileiro sofre incidência de dois impostos: o imposto direto e o equivalente IVA praticado no país de desembarque da mercadoria.

                          Se esse raciocínio incluir, ainda, uma terceira nação que não adota nenhum imposto do tipo IVA – ou se esse imposto tiver baixa incidência – então a situação se agrava para o país com alta incidência de impostos diretos, no caso o Brasil. A razão para esse efeito é que a alíquota do IVA imposta sobre o bem exportado para um país sem esse tributo será objeto de desconto para fins de equilibrar a concorrência. No entanto, os tributos diretos não possuem esse benefício. O resultado final é que além dos produtos brasileiros sofrerem com o incremento de preços referente ao imposto direto, ele ainda sofrerá uma concorrência adicional equivalente ao desconto oferecido por conta do IVA.  Por essas razões, se o Brasil deseja concorrer em pé de igualdade com China e Índia, é necessário levar em conta o tratamento desigual que é concedido aos tributos diretos e às contribuições sociais em relação ao IVA e aos impostos indiretos. Verifica-se, portanto, a imensa desvantagem que os produtos brasileiros enfrentam na acirrada concorrência pelo comércio internacional.

                          O Sistema Tributário da Índia. Em linhas gerais, o sistema tributário indiano é caracterizado por: (i) alta dependência de impostos indiretos; (ii) baixa efetividade tributária em termos de arrecadação; (iii) baixa produtividade e eficiência da administração tributária; (iv) base tributária restrita – apenas 40 milhões de contribuintes pagam imposto de renda de uma população de quase 1,1 bilhão; e (v) elevadas alíquotas de impostos. Todas essas características fazem do sistema tributário indiano um caso bastante peculiar. Se por um lado a carga tributária como proporção do PIB na Índia é baixa para padrões internacionais (18,14% do PIB, contra 34,2% do Brasil), as alíquotas para imposto de renda, por exemplo, podem alcançar 40%.

                          O arranjo tributário da Índia é dividido entre o Governo Federal e os Estados. O governo central é responsável pela tributação de tributos diretos como o imposto de renda de pessoas físicas, tributação das relações corporativas (espécie de IRPJ) e um imposto sobre a riqueza – este função da riqueza pessoal e da unidade familiar; e tributos indiretos sobre consumo e serviços. Aos Estados cabe a responsabilidade de tributar os veículos automotores, o consumo de energia elétrica, além de tributar as relações de consumo de bens e serviços por intermédio de um VAT estadual.

                          Como o tributo sobre o consumo é de competência estadual, conforme norma estabelecida pela carta constitucional, diferentes Estados possuem diferentes alíquotas de acordo com o interesse local, o que acaba gerando conflito de interesses entre os entes federados, ou seja, acarretando guerra fiscal. Para minorar esse problema, em 1999, foram estipuladas taxas mínimas para os tributos, sendo que a efetividade do sistema só ocorreu em 2002. Todavia, de forma diferente do que ocorre no Brasil, as transações interestaduais são tributadas pelo governo central, o que reduz significativamente os atritos tributários presentes no país.

                          Tal como em outros países em desenvolvimento, o expediente de concessões de incentivos tributários é bastante freqüente e constitui uma importante ferramenta de gestão tributária. Tais incentivos são essenciais para alavancar a competitividade externa indiana uma vez que fornecem os estímulos necessários aos investimentos empresariais e compensam, em grande medida, a precária infra-estrutura pública e a restritiva legislação trabalhista. O grande problema atrelado a esse tipo de política é justamente o incentivo adverso à sonegação e evasão fiscal, além de ser bastante discricionário e poder, inclusive, se transformar em instrumento político de manobra.

                          Devem ser destacados os incentivos fiscais para investimento em infra-estrutura, isenção de imposto de renda para produção de softwares, isenção total de imposto para investimentos em energia e telecomunicações por cinco anos, sendo que após esse período a isenção passa para 30%. Acrescenta-se que investimentos em estradas, pontes e aeroportos recebem incentivos de dez a vinte anos. Em relação à agricultura (19,4% do PIB 2007-2008), cabe mencionar que o imposto de renda não incide sobre a renda agrícola. O setor de serviços apresenta uma forte importância na economia indiana (54,2% do PIB 2007-2008), com destaque para o setor de tecnologia da informação.

                          Os incentivos na Índia procuram estimular o desenvolvimento de novas indústrias, encorajam o investimento em infra-estrutura e promovem as exportações, claramente à luz de um regime de crescimento do tipo export-led-growth. Acrescenta-se que, para evitar pressões cambiais, é permitido aos exportadores reterem 25% dos ganhos em moeda estrangeira, sendo que nas áreas classificadas especificamente para esse fim, o valor sobe para 50%. Os incentivos fiscais estão fortemente presentes nas chamadas Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), sendo possíveis isenções de diversas naturezas, como imposto sobre serviço, sobre os direitos aduaneiros, e, inclusive, a adoção de tratamento tributário especial sobre consumo – em certos casos, até mesmo isenção total do imposto de renda se a empresa possui sua produção voltada exclusivamente para a exportação. Alem disso, há infra-estruturas integradas nessas áreas, o que reduz o custo de logística das exportações e sistemas governamentais centralizados de concessão de licenças, de modo a minimizar o custo burocrático.

                          Do ponto de vista dos incentivos diretos concedidos pelo governo indiano às ZEEs, destaca-se a possibilidade de dedução de 100% do imposto de renda dos lucros de exportação para os cinco primeiros anos de atividade da empresa (incentivo disponível para as empresas instaladas a partir de 1 de abril de 2005), sendo que, nos anos seguintes, essa isenção é reduzida para 50%. Chama a atenção o fato de que, inclusive os bancos estrangeiros instalados nessas zonas especiais também possuem incentivos, de tal sorte a criar todo um ambiente de negócios voltado para o comércio exterior, com externalidades positivas sobre toda a economia. Outros benefícios adicionais são possíveis nos chamados parques tecnológicos de softwares (SPTI, da sigla em inglês – Software Technology Park of India).

                          Quando o assunto é pesquisa e desenvolvimento, um dos principais incentivos é a possibilidade de dedução de até 150% dos gastos efetuados em P&D. Esse benefício está em operação desde 1998 e possui abrangência em mais de dez diferentes tipos de indústria – farmacêutica, biotecnologia, química, equipamentos eletrônicos, equipamentos de telecomunicações, automobilística, autopeças, sementes e implementos agrícolas. Como resultado dessa política, o número de patentes concedidas pelo USPTO para a Índia subiu 581% de 1997 a 2008, muito superior ao incremento de 37% evidenciado pelo Brasil. Destaca-se ainda que grande parte das patentes concedidas está concentrada nas indústrias farmacêuticas e de telecomunicações, setores que reconhecidamente apresentam economias de escala.

                          Como resultado, as empresas indianas ganharam respeito e são reconhecidas internacionalmente pelos seus resultados em qualidade, tornando-se referência na exportação de serviços de tecnologia da informação. Em termos de segurança da informação, 508 empresas indianas foram certificadas com o selo ISO/IEC 27001:2005, número muito superior às 25 certificações concedidas para empresas brasileiras no mesmo período. Acrescenta-se que o país detém a terceira colocação mundial nessa certificação. Não há dúvidas de que esse salto qualitativo em direção a setores intensivos em tecnologia resulta de políticas públicas e reformas estruturais ocorridas ao longo da década de 90, dentre as quais as reformas tributárias de 1991-1993.

                          Outro ponto importante do sistema tributário indiano diz respeito aos tributos de renda corporativos, em especial aqueles incidentes nas indústrias com incentivos em P&D. Em tese, a alíquota de imposto incidente sobre os lucros das empresas indianas com capital doméstico é de aproximadamente 35%, sendo que para empresas estrangeiras, com filiais na Índia, essa alíquota sobe para algo em torno de 45%. No entanto, na prática, a realidade é bastante diferente.

                          Tema também bastante importante para determinar a competitividade externa de um país deriva do ambiente e da segurança jurídicos e de como as relações sociais impactam as relações econômicas em termos de custo e bem-estar. Nesses quesitos, a Índia não possui uma posição de destaque no BRIC. As contribuições sociais na índia são inexistentes. Soma-se, ainda, uma deficiente rede de proteção social, o que faz da índia um país de fortes contrastes com elevados índices de pobreza.  Acrescenta-se que, segundo o Banco Mundial, fazer negócios na Índia é tão difícil como no Brasil, com um agravante: maiores custos envolvidos para solução de problemas comerciais.

                          Para assegurar maior competitividade e possibilitar maior dinamismo às exportações, algumas modificações pontuais estão ocorrendo. Dentre elas, pode-se citar a flexibilização das relações trabalhistas para as ZEEs, que podem ser consideradas pelos entes estaduais como instrumentos de utilidade pública, ao possibilitar a contratação temporária de trabalhadores, além de isentar o cumprimento da rígida lei trabalhista estabelecida no Contract Labor Act de 1970.

                          Em termos de eficiência, pode-se dizer que o desafio da Índia é ainda imenso. É preciso equalizar o desequilíbrio entre responsabilidades de arrecadação e de dispêndio entre os entes federal e estaduais, além de ser imperativo corrigir o desequilíbrio fiscal, uma vez que o déficit nominal situa-se entre 9% e 10% do PIB e a relação dívida/PIB em torno de 80%. Além disso, o fisco do país precisa ser reformulado e informatizado, de modo a gerar o montante de recursos necessários para a criação de uma maior rede de proteção social. De toda sorte, um aspecto importante merece ser destacado: apesar de o sistema tributário indiano não se enquadrar nas diretrizes propostas pelo FMI e não estar alinhado às melhores práticas em termos de eficiência e equidade como preconiza a literatura, todos os incentivos tributários efetuados pelo governo indiano em conjunto com um sistema cambial voltado para a minimização da volatilidade cambial podem sim explicar o sucesso da performance macroeconômica da Índia na última década.  Como resultado, a taxa de crescimento do PIB indiano saltou de 1,5% em 1991-1992 para 9,1% em 2007-2008.

                          O Sistema Tributário Chinês. Do ponto de vista tributário, a China, tal como a Índia, apostou em um modelo de crescimento alavancado para a promoção de exportações em bens manufaturados e aliado a uma rígida política de controle cambial e acumulação de grandes volumes de reservas cambiais. Nesse contexto, a reforma de 1994 foi de suma importância. Em primeiro lugar porque foi o sistema que emergiu de um conjunto de medidas adotadas pela China para transformar a economia do país em economia de mercado. Além disso, minimizou os problemas relacionados à responsabilidade de arrecadação e dispêndio entre o governo federal e as províncias, proporcionando maior equilíbrio entre os entes governamentais e maior participação do governo central na arrecadação. Somam-se, ainda, o aprofundamento da liberalização econômica em direção a uma economia de mercado, com abandono do planejamento econômico e controle das State-Owned Enterprises (SOE’s), dando maior autonomia ao mercado. Esse movimento inclui, ainda, o fim dos sistemas de controles compulsórios sobre a produção.

                          Não há dúvidas de que a política fiscal chinesa não apenas contribuiu para a elevação da arrecadação, como também tem sido um importante instrumento amplamente utilizado pelo governo chinês para a promoção do desenvolvimento econômico. No que diz respeito à divisão das competências tributárias, cabe ao governo central tributar as relações de consumo, o comércio exterior, as aquisições de veículos, o faturamento de empresas nos setores de ferrovias, bancos e instituições financeiras não-bancárias. As províncias, por sua vez, têm competência na tributação sobre os veículos automotores (em geral, aplica-se uma taxa de 10% sobre o preço do veículo e os recursos arrecadados constituem fonte de financiamento para a construção de estradas, rodovias, etc..), sobre a propriedade, escriturações, ocupação da terra e extração dos recursos naturais (exploração/extração de matérias-primas como óleo, carvão, gás natural, metais ferrosos e não ferrosos).

                          Outros impostos, por sua vez, possuem competência compartilhada: imposto de renda pessoa física (60% governo central, 40% local); imposto de renda pessoa jurídica (60% governo central, 40% local) – a Assembléia Popular Nacional, órgão legislativo supremo do país, aprovou em março de 2009 a unificação das alíquotas de imposto de renda tanto para empresas estrangeiras quanto para as nacionais. Até então, as empresas estrangeiras tinham tratamento tributário preferencial. Cabe destacar que as empresas de alta tecnologia continuam com tratamento especial, sendo tributadas com alíquotas de 15%, enquanto as pequenas empresas possuem alíquota de 20%. –; imposto sobre valor agregado (75% governo central, 25% local) e imposto sobre negociação de valores mobiliários e câmbio (50% para cada nível de governo).

                          Tal como ocorre no sistema tributário indiano, prevalece na China a tributação indireta, responsável por 67% do total arrecadado (1994-2007), seguida da tributação direta com participação de 26% da carga tributária, sendo que 7% é o valor referente aos demais impostos. O imposto sobre valor adicionado na China é aplicável apenas sobre os produtos, bens tangíveis. Existem duas alíquotas preferenciais incidentes sobre os produtos chineses, além da alíquota base de 17%. As pequenas empresas são contempladas, ainda, com uma tributação diferenciada como forma de incentivo a ampliação do emprego.

                          A segunda classe de imposto indireto mais importante na China, responsável por aproximadamente 14% da receita tributária, é aquela aplicada sobre os negócios relacionados à prestação de serviços, serviços bancários, transporte, à venda de empreendimentos imobiliários, transferência de imóveis ou construção civil, etc.. A base desse tributo é o total de vendas ou volume de receita obtida com a atividade. É digno de nota o fato de que, no sistema tributário chinês, quando uma mesma empresa possui em seu portfólio de vendas produtos tangíveis e serviços, então uma única classe de tributos é aplicada na atividade, a saber: imposto sobre valor agregado ou imposto sobre serviços.

                          O imposto de renda na China é responsável por aproximadamente 22% do total da arrecadação e incide sobre todos os empreendimentos com fins lucrativos. Existem basicamente três alíquotas de imposto: básica (25%); pequenas empresas (20%); empresas de alta tecnologia e voltadas para o desenvolvimento da ciência (15%). É permitido a dedução (os custos e despesas relacionados à folha de pagamento, bônus pagos, além das contribuições sociais, planos de saúde, etc. são passíveis de dedução) dos custos, despesas, impostos e perdas relacionadas à atividade do cálculo tributável.

                          Ou seja, na China, a renda é um conceito líquido e não bruto. Segundo as normas do país (State Administration of Taxation – SAT) para que um item seja dedutível, ele precisa ser “verdadeiro”, “real”, “legal” e razoável e os desembolsos devem ser evidenciados. O sistema de deduções encoraja e estimula desembolsos em pesquisa e desenvolvimento, melhoria de equipamentos e modernização do parque tecnológico, etc..  As empresas de alta tecnologia são isentas, ainda, de imposto de renda sobre a transferência de tecnologia (Art. 27 EIT), possuem a faculdade de deduzir as despesas com pesquisa e desenvolvimento no montante de 150% do desembolso (Art. 30 EIT) e podem acelerar a depreciação dos equipamentos (Art. 32 EIT) e proceder com deduções especiais para investidores “especialmente” qualificados.

                          Em virtude dessa série de incentivos e deduções, a tributação da renda dos empreendimentos empresariais estão sujeitas a uma tributação muito inferior a praticada no Brasil, independente da alíquota do imposto.

                          O incentivo fiscal primordial presente no sistema tributário chinês está localizado nas chamadas Zonas Econômicas Especiais – as Zonas Econômicas Especiais. Inicialmente criadas para funcionar como laboratórios de política econômica, com o objetivo de testar novas medidas tributárias, mecanismos de incentivos e mesmo para avaliar o real impacto de uma ação econômica, passaram a receber maciços investimentos estrangeiros e foram o veículo de abertura da economia chinesa para o mundo. A filosofia por trás desse negócio é a criação de um ambiente propício ao investimento, municiado de mecanismos institucionais orientados para ampliação da infra-estrutura, de modo a atrair os investimentos estrangeiros necessários para reforçar a política de promoção das exportações.

                          Para conciliar todos esses objetivos, essas zonas foram estabelecidas próximas ao litoral, em regiões com condições geográficas (as primeiras Zonas Econômicas Especiais foram localizadas nas áreas geográficas próximas de Hong-Kong e Taiwan) e econômicas privilegiadas para se tornarem vetores do novo modelo de crescimento chinês.  As zonas econômicas especiais da China constituem uma experiência única para o desenvolvimento econômico, para a atratividade do capital estrangeiro e para o desenvolvimento do comércio exterior.

                          Esse sucesso só foi possível a partir do tratamento preferencial concedido pelo governo aos investimentos estrangeiros, oferecendo não apenas tratamento tributário especial, tanto em termos do imposto de renda, do tributo aplicado sobre o uso da terra, sobre a venda dos produtos, dos serviços, como também concessão de fortes incentivos para transferências de tecnologia. O típico pacote de incentivos concedidos pela China para uma indústria-nascente inclui, dentre outros benefícios: (i) ausência de tributação nos primeiros anos – até que algum lucro seja auferido; (ii) ausência de tributação ao lucro nos dois a três anos subseqüentes; (iii) ausência de taxas de importação sobre equipamentos para estimular os empreendedores; (iv) ausência de tributos para as compras das empresas de alta tecnologia.

                          Esses elementos podem explicar, em grande parte, a posição de destaque da China frente aos demais países do BRIC, ostentando a primeira posição no índice do Banco Mundial em relação à facilidade em se fazer negócios, terceira posição em termos de tempo para se abrir um negócio (40 dias, contra 29 da Rússia, primeiro lugar, e muito inferior ao do Brasil, 152 dias), primeira posição em termos de recuperação de crédito por parte dos credores, país com maior número de patentes concedidas pelo USTPO, período de 2006-2008, país com o maior número de empresas, dentre os países analisados, com certificações ISO 9001, ISO 13485 e ISO 14001.

                          Em síntese, pode-se afirmar que o sistema tributário chinês é baseado na tributação indireta, sendo crescente a participação do imposto de renda no total arrecadado. Merece destaque o grande número de incentivos e benefícios concedidos pelo governo, tal como ocorre na Índia, evidenciando, mais uma vez, que estímulos dessa natureza possuem importantes efeitos sobre a produção, emprego e são capazes de desencadear externalizades positivas para todos os setores da economia. O motor do crescimento chinês é amparado mais em princípios do que em planos detalhados, ou seja, é um sistema baseado na intuição e a vontade do empresário em produzir e expandir a capacidade econômica do país. Dentre esses princípios dois elementos parecem determinantes: (i) controle de capitais amplos para garantir a estabilidade cambial; (ii) concessão de incentivos tributários e de outras naturezas ao investimento produtivo, estimulando fortemente o desenvolvimento tecnológico do país.

                          É evidente também que o sistema tributário chinês necessita de reformas. É preciso corrigir as relações tributárias entre as províncias e o governo federal, melhorar a qualidade da administração tributária, além de aumentar a rede de proteção social para assegurar melhor qualidade de vida para os trabalhadores. Contudo, a experiência chinesa mostra que, para alcançar esse último objetivo, não há solução mais direta do que crescer.

                          O Sistema Tributário Russo. Da mesma forma que a economia russa sofreu profundas transformações na mudança do socialismo para o capitalismo, o sistema tributário foi também profundamente modificado – foi criado do zero a em 1992. Assim, impostos que antes não existiam – como o imposto sobre o lucro, sobre valor adicionado, sobre importações e exportações – foram introduzidos com base no Basic Law on Tax System, dando início à cobrança de impostos. Em tese, o desenvolvimento do sistema tributário russo teve como princípio utilizar as melhores práticas de tributação existentes no mundo, de modo a constituir um arcabouço regulatório simples, eficiente e capaz de abrir as portas do capitalismo para Rússia. O grande problema com essa medida foi que o governo se preocupou demais com problemas teóricos de tributação e deixou os aspectos práticos de coleta de imposto de lado.

                          Como era de se esperar, a transição pela qual a economia russa passou foi extremamente custosa. Entre os anos de 1991 e 1992, a receita orçamentária do governo caiu cerca de 20%, e se a comparação se estender até 1997, verifica-se uma redução da arrecadação de 18% do PIB em 1992 para 10% em 1997. Obviamente, todas as desestruturações do estado russo e das finanças do país acabaram culminando com a crise de 1998, acarretando a necessidade de novas reformas e ajustes estruturais.

                          No atual estado da arte, a classificação da arrecadação na Rússia é dividida entre as três esferas de governo: governo central, estados e municípios. Segundo a legislação vigente, é de competência do governo central o imposto sobre valor adicionado, o imposto de renda dos indivíduos e das empresas, as contribuições sociais (unified social tax), a tributações dos recursos naturais e outros impostos especiais sobre o consumo – os principais impostos dessa natureza incidem sobre o tabaco, produtos alcoólicos, derivados de petróleo e automóveis. Cabe ao governo dos estados tributar os ativo das empresas, o jogo, o transporte e a venda de bens e serviços. Aos municípios fica a incumbência de tributar a terra e a propriedade individual. Segundo o orçamento de 2008, a distribuição dos recursos arrecadados entre os diversos impostos está fortemente concentrada no tripé Imposto de Renda PF, Imposto de Renda PJ e IVA, alcançando o montante aproximado de 62% da arrecadação do país.

                          Pode-se observar que a carga tributária russa agregada está fortemente concentrada em impostos diretos, sendo que a soma dos impostos de renda pessoa física (o imposto de renda pessoa física faz parte do orçamento dos governos estaduais e municipais; não compõe fonte de renda do governo central) e jurídica com as contribuições sociais alcança a marca de 56% do orçamento. Esse valor faz com que a Rússia tenha a maior participação dos impostos diretos no total arrecadado de todos os países do BRIC, superando, inclusive, os 40% evidenciados pelo Brasil.

                          Obviamente, esse arranjo tributário a favor dos tributos diretos possui impactos sobre a competitividade, conforme já discutido anteriormente. Por sua vez, se apenas a ótica do governo federal é analisada, então o cenário se altera radicalmente, evidenciando-se ampla participação do IVA (atividades bancárias e relacionadas a seguros não fazem parte do escopo do IVA) a da tributação dos recursos naturais, como petróleo e gás natural, resultando em uma proporção de 70%/30% dos impostos indiretos sobre os diretos no orçamento. Esses fatores colocam um forte comportamento cíclico das receitas à disposição do executivo federal, o que limita fortemente o uso de instrumentos macroeconômicos de política fiscal em momento de recessão. Não por acaso, estima-se uma queda de 9,4% na queda da arrecadação como percentual do PIB para o ano de 2009.

                          Apesar das fragilidades do sistema tributário russo, em especial aquelas relacionadas a aspectos administrativos e culturais associados à coleta de impostos, do uso da administração fazendária para intimidar inimigos políticos do governo, as reformas efetuadas tiveram sucesso em proporcionar maior justiça e neutralidade dos impostos, simplificando as inúmeras alíquotas existentes, extinguindo taxas desnecessárias e ineficientes como aquelas incidentes sobre o uso de rodovias, além de eliminar incentivos sem um propósito econômico que os justificassem. Além disso, após 2001, as alíquotas incidentes sobre os lucros das empresas foram simplificadas e reduzidas, assim como as incidentes sobre o trabalho – alíquota linear de 13% sobre a renda e simplificação das contribuições sociais.

                          Quando se analisa a competitividade da Rússia no plano internacional, fica claro que o país não obtém uma posição de destaque no grupo BRIC, ocupando a 63ª posição em uma análise com 134 países, com destaque negativo no plano do indicador de inovação. Talvez, por esse motivo, em 2005 foram estabelecidas as chamadas Zonas Econômicas Especiais de segunda geração na Rússia – as Zonas Especiais na Rússia existem desde o tempo da perestroika. De 1989 a 2000, 18 zonas especiais foram estabelecidas e são conhecidas como de “primeira geração”. No entanto, apenas em julho de 2005, com a promulgação de uma nova legislação sobre o tema, com início em janeiro de 2006, os incentivos fiscais, em conjunto com os estímulos ao desenvolvimento de indústrias intensivas em tecnologia, ganharam força. Desde então, o número de ZEE cresceu. De acordo com o Ministry of Economic Development and Trade, os benefícios e privilégios concedidos pelo governo a essas áreas são de 20% a 30% superiores aos verificados nas demais regiões. Além disso, colocando foco apenas em questões tributárias, então é possível observar ampla vantagem da China e Índia em relação à Rússia e ao Brasil, sendo que esse último se encontra em pior colocação nesse quesito.

                          Outro fator de perturbação para a Rússia decorre da sua forte dependência dos preços do petróleo tanto em termos da receita orçamentária do governo, quanto em relação à performance macroeconômica do país. Pode-se observar uma forte valorização do preço da commodity no período do ano de 1999-2008. Não por acaso, conduzida pelo crescimento vertiginoso do preço do petróleo, a economia russa teve um crescimento real próximo de 6% durante 1999-2004, alcançando a marca de 7,5 % nesse último ano.

                          Em decorrência das especificidades da economia russa, da forte dependência das exportações dos produtos derivados de petróleo, gás e metais em geral, totalizando algo em torno de 2/3 da pauta, a pergunta relevante é se a elevação do preço das commodities pode danificar o setor industrial e manufaturado do país. Estudos mostram que o setor petrolífero acarreta efeitos positivos sobre a apreciação cambial sendo que, sob o efeito cambial, o setor de serviços cresce a uma taxa mais elevada do que o setor industrial. A  desse tema é fundamental por diversos aspectos. Em primeiro lugar porque países industrializados que possuem pauta de exportação baseada em commodities podem sofrer o problema da doença holandesa. Além disso, o diagnóstico desse problema é fundamental para escolher um adequado sistema tributário para neutralizar os efeitos adversos da doença. A experiência Russa pode ser importante para o desenho do arranjo institucional que o Brasil dará ao pré-sal e como as receitas cambiais serão administradas pelo governo, sob pena de a indústria não conseguir competir no mercado internacional em decorrência da excessiva apreciação cambial.

                          Em síntese, pode-se afirmar que a Rússia tem caminhado para um sistema de boa qualidade, eficiente e com baixas taxas e alíquotas e em consonância com as melhores práticas de tributação, ao menos no plano teórico. Soma-se, ainda, que de todos os países analisados, a legislação russa parece ser a mais simples e transparente e tem contribuído para atrair investimentos externos, especialmente dos países europeus. O fisco do país é considerado de boa qualidade, com boa capacidade de arrecadação, de modo que a carga tributária russa é a mais elevada dentro do BRIC, com 36,6 % do PIB.

                          Todavia duas ressalvas precisam ser feitas. A primeira decorre da forte dependência do orçamento do governo em relação aos preços internacionais do petróleo e gás, e de como a situação fiscal do país pode se deteriorar rapidamente em razão de mudanças exógenas nos preços internacionais das commodities, constituindo fator de instabilidade para o país. A segunda decorre da utilização da máquina tributária para atingir objetivos distintos daqueles propostos pela legislação, como os de ordem política. Obviamente, esse expediente abre uma lacuna, desestimulando os investimentos no país e prejudicando, em última análise, o próprio crescimento econômico.

                          O Sistema Tributário do Brasil. O atual sistema tributário brasileiro foi reformulado pela Constituição Federal de 1988, a qual conferiu poderes aos governos Federal, Estaduais e Municipais de tributar os indivíduos, as empresas, os bens e os serviços. O grande problema em termos de competitividade e padronização do sistema tributário, aqui estabelecido, decorre do direito que todos os entes federativos têm de legislar sobre os tributos de sua competência. Com isso, as mercadorias e os serviços são tributados de forma diferenciada em função do local estabelecido pela atividade econômica, de modo que empresas que operam em todo o território nacional precisam se adequar a cada uma das diversas legislações estabelecidas, colocando um alto custo de compliance às empresas.

                          De forma distinta dos demais países do BRIC, o Brasil possui não apenas um, mas três impostos do tipo IVA, sendo que o principal é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cuja competência é declinada aos Estados e ao Distrito Federal, nos termos do art. 155 da Constituição Federal – a receita do ICMS é distribuída em 75% para o Estado e 25% para os municípios. Esse imposto constitui na principal fonte de arrecadação no país e incide sobre todas as etapas da produção de bens e sobre a circulação de mercadorias, sendo responsável por até 90% da receita dos Estados.

                          A grande diferença do ICMS com o IVA adotado nos demais países é que a competência de se legislar sobre o tributo é descentralizada, delegada aos estados, o que obviamente constitui importante indutor de guerra fiscal entre os entes federativos. Além disso, no Brasil os serviços de telecomunicações e transporte são alcançados pelo tributo, sendo que os demais serviços sofrem incidência de ISS (Imposto sobre Serviços, de competência municipal e está sujeito à legislação dos municípios sob certos limites definidos em Lei Complementar Federal).

                          A exemplo do IVA, o ICMS é um imposto plurifásico que atende aos princípios da não-cumulatividade e da neutralidade de modo a não provocar distorções na atividade econômica. A não-cumulatividade do tributo é garantida por meio da compensação do que foi pago de imposto nas operações anteriores de circulação de mercadorias ou prestação de serviços. Assim, no integral cumprimento de sua natureza não-cumulativa deve gerar créditos utilizáveis para o abatimento do débito decorrente de sua incidência na etapa subseqüente do processo econômico. A neutralidade do imposto, por sua vez, deve assegurar a não interferência nos preços relativos, minimizando os efeitos sobre as decisões econômicas.

                          Contudo, como na prática diversos Estados da Federação não viabilizam a recuperação dos créditos de ICMS, isso faz com que as empresas arquem com um custo fiscal mais elevado em decorrência da elevação artificial do seu lucro, eliminando a expectativa de neutralidade. Créditos de imposto não devolvidos prontamente são equivalente ao pagamento do imposto e acarretam em comprometimento da competitividade dos produtos brasileiros. Acrescenta-se que o próprio método de restituição no Brasil carrega um arranjo institucional extremamente complexo e por vezes moroso, onerando ainda mais a atividade econômica nacional. Deve ser mencionado, ainda, que o ICMS incide sobre ele mesmo, sendo que a alíquota é aplicada “por dentro” de modo que o real ônus do imposto é maior.

                          Pode-se observar, tomando-se o estado de São Paulo como proxy, que as alíquotas cobradas aos serviços no Brasil estão em linha com as observadas nos demais países do BRIC. A exceção fica por conta dos serviços de energia elétrica e telecomunicações, que sofrem incidência do IMCS. Obviamente, por constituírem insumos indispensáveis em toda a cadeia produtiva, inclusive na produção de metais como o alumínio, acabam acarretando aumento do custo de produção, o que prejudica a competitividade das exportações.

                          No Brasil existem quatro formas de se tributar a renda da pessoa jurídica, seja por opção ou por determinação expressa em lei, a saber: (i) Simples; (ii) Lucro Presumido; (iii) Lucro Real; (iv) Lucro Arbitrado. Este imposto é de competência do Governo Federal e segue padrão internacional, sendo que a regra geral que integra a base de cálculo é dada por: “todos os ganhos e rendimentos de capital, qualquer que seja a denominação que lhes seja dada, independentemente da natureza, da espécie ou da existência de título ou contrato escrito, bastando que decorram de ato ou negócio que, pela sua finalidade, tenha os mesmos efeitos do previsto na norma específica de incidência do imposto”.

                          Um ponto importante de análise do imposto de renda da pessoa jurídica no Brasil, especialmente quando se compara as diferentes alíquotas aplicadas pelos membros do BRIC, fica a impressão, pelo menos à primeira vista, de que o Brasil possui a menor alíquota tributária. No entanto, o peso desse imposto para as empresas não pode, de forma alguma, ser analisado apenas sob a ótica da alíquota base. Como se viu, países como China e Índia permitem uma série de deduções no cálculo do imposto, sem falar no tratamento especial conferido a certos setores e atividade, de modo que a comparação pormenorizada fica prejudicada. De toda sorte, o imposto brasileiro segue as recomendações da literatura sobre o tema de ter uma alíquota baixa, como poucas deduções.

                          Com efeito, analisar apenas o imposto de renda como indicador de competitividade no Brasil pode ser ainda mais enganoso, pois a pessoa jurídica está sujeita a outros impostos como o PIS (Programa de Integração Social), a COFINS (Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social) e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), sem mencionar as chamadas contribuições ao “Sistema S”.

                          O perfil da distribuição do ônus da tributação guarda uma relação íntima com a distribuição da carga tributária por modalidade de incidência. Segundo dados das Contas Nacionais de 2005, os impostos relacionados à produção e importação são responsáveis por 46% da arrecadação. As taxas e contribuições sociais, por seu turno, respondem por 26% da carga global, enquanto a tributação sobre a renda e propriedade alcança a soma de 24,5% da incidência tributária. A despeito das bases de incidência da tributação da renda serem detentoras de alto potencial de progressividade, são pouco aproveitadas para esse fim, enquanto a expansão da participação das contribuições sociais sobre a arrecadação sofrem pressões constantes de elevação desencadeadas pelas necessidades e requerimentos impostos pela Constituição.

                          Com efeito, a multiplicação das contribuições sociais é nociva à competitividade dos produtos brasileiros e acaba atuando contra os próprios objetivos gerais que as pontuam, maior distribuição de renda, aumento do emprego e da renda do trabalhador. Em termos de competitividade externa, o Brasil está em tremenda desvantagem na concorrência com os demais países do BRIC, ao menos no que diz respeito à estrutura tributária. Se por um lado o Brasil possui uma carga tributária em impostos diretos inferior à observada na Rússia, o que confere ao país vantagens no âmbito da OIT, conforme já discutido, por outro possui excessiva tributação dos serviços, da produção e da renda das empresas o que coloca o país em uma posição desconfortável frente à China e Índia. De toda sorte, o papel do fisco brasileiro e a capacidade do Estado brasileiro em tributar e arrecadar impostos confere ao país uma condição fiscal invejável em relação aos demais países.

                          Para possibilitar maior competitividade aos produtos brasileiros seria necessário reduzir das contribuições para a previdência social, uma vez que essa fonte de receita não é passível de compensações (tax rebate), onerando as exportações. Como o trabalho é insumo para todas as atividades, encargos sobre a folha de salários caros desestimulam a produção, o crescimento econômico e o próprio emprego, sem falar no incentivo concedido à informalidade.

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