Carta IEDI
Entendendo a Crise Subprime e suas Repercussões na Economia Mundial – 1ª Parte
Nesta edição da Carta IEDI é publicada a primeira parte de um trabalho que o Instituto realizou sobre a crise do mercado subprime. Nessa primeira parte é feita uma descrição do mercado de hipotecas de alto risco, são identificadas as raízes da crise das hipotecas subprime e são descritos os produtos financeiros desenvolvidos para dar suporte a esse mercado. Na segunda parte, a ser publicada também nessa Carta, é feita uma breve cronologia da crise e de seus impactos nos sistemas bancários, é descrita e analisada a ação dos bancos centrais e são discutidas as repercussões da crise para a economia mundial.
As turbulências nos mercados financeiros globais, iniciadas em meados de 2007, atingiram um novo patamar com a divulgação dos balanços anuais dos grandes bancos americanos e europeus. As perdas dos maiores bancos do mundo com ativos associados às hipotecas subprimes já totalizam US$ 145 bilhões, mas as estimativas do mercado indicam que podem superar US$ 400 bilhões.
As hipotecas subprime representam empréstimos concedidos a tomadores com histórico de crédito ruim e/ou renda insuficiente por diversos tipos de instituições financeiras que atuam no mercado de financiamento imobiliário dos Estados Unidos, dentre os quais bancos comerciais, bancos hipotecários, companhias de crédito imobiliário, etc. Em sua grande maioria, esses financiamentos foram concedidos sob a forma de hipotecas com taxas ajustáveis após dois ou três anos iniciais dos 30 anos de duração do contrato e/ou de hipotecas não-tradicionais, que prevêem o pagamento apenas de juros nos anos iniciais do contrato.
Com a contínua elevação da taxa básica de juros pelo Federal Reserve, banco central americano, a partir de final de 2004, o efeito de elevação do custo financeiro, no período de juros flutuantes, do empréstimo para o tomador se amplificou, resultando no forte aumento da inadimplência, que atingiu 15% em 2006. A elevação da inadimplência e a ampliação do número de retomada dos imóveis dos mutuários inadimplentes redundou no desaquecimento do mercado imobiliário e na redução dos preços dos imóveis que servem de colateral para os empréstimos.
Essa crise no mercado imobiliário extravasou as fronteiras, transbordando para diversos segmentos do mercado financeiro americano e internacional, porque a ampliação desses empréstimos de alto risco foi sancionada por práticas financeiras de distribuição de risco. Ao invés de manter os financiamentos concedidos em carteira, as instituições “originadoras” das hipotecas as empacotavam e revendiam para outros agentes. Mediante complexas e sofisticadas técnicas de engenharia financeira, os ativos lastreados em hipotecas ruins (asset backed securities) se transformavam em títulos com grau de investimento, como o collaterised debt obligation (CDO) e ABS CDO e CDO de CDO, vendidos para instituições financeiras, fundos de hedge e fundos de pensão, em todo mundo. Esses ativos financeiros, conhecidos como produtos estruturados, contavam igualmente com seguro contra risco de crédito de companhias seguradoras especializadas, conhecidas como seguradoras monoline.
Com elevação das taxas de inadimplência e aumento do número de execução das hipotecas (foreclosures), os ativos lastreados em hipotecas subprime tiveram suas classificações de risco rebaixadas, desencadeando vendas com deságio e fuga para liquidez.
As incertezas quanto ao grau de exposição das instituições financeiras com o mercado de hipotecas subprime resultaram em resgates vultosos de quotas nos fundos mútuos de investimentos, na relutância dos bancos em conceder empréstimos uns aos outros, originando um empoçamento de liquidez no mercado interbancário. Igualmente, o temor quanto à magnitude real das perdas associadas à crise das hipotecas subprime e as dificuldades de precificação dos riscos acarretaram a paralisia do mercado de asset-backed commercial paper (ABCP), títulos lastreado em recebíveis comerciais, emitidos pelos bancos e outras instituições financeiras para atender necessidades de curto prazo, ocasionando problemas de iliqüidez em várias instituições americanas e européias.
Além da concessão direta de financiamento imobiliário a tomadores de alto risco – sem histórico de crédito ou com histórico ruim –, os grandes bancos americanos tiveram igualmente que honrar as linhas de crédito que garantiam as emissões de títulos pelos veículos de investimentos estruturados (SIVs, na sigla em inglês), para os quais haviam transferido parte de suas carteiras de crédito subprime, como forma a reduzir as exigências de capital e liberar recursos para novos negócios.
Para reduzir as pressões nos mercados interbancários e evitar que a contração do crédito aprofunde a desaceleração da economia americana e mundial, os bancos centrais, em particular, o Federal Reserve e o Banco Central Europeu vêm desde agosto de 2007 injetando recurso no mercado. Além da oferta de liquidez em condições mais favoráveis que das tradicionais operações de redesconto, o Fed vem desde setembro reduzindo a taxa básica de juros, que no final de janeiro caiu a 3,0%, seu menor nível desde maio de 2005.
Em flagrante contraste, com atuação ativa do seu congênere americano, o Banco da Inglaterra demorou a atuar como prestamista em última instância e prestar socorro ao Northern Rock, provocando a primeira corrida bancária em mais de cem e quarenta anos da história do sistema monetário inglês. A gravidade da crise, contudo, levou o banco a deixar temporariamente de lado suas preocupações com a meta de inflação.
O Mercado de Hipotecas de Alto Risco. As hipotecas de alto risco ou subprime são empréstimos imobiliários concedidos a indivíduos sem histórico de crédito ou com histórico de inadimplência, em geral famílias de baixa renda ou minorias (negros e hispânicos).
Em conjunto com as hipotecas Alt A – que são os empréstimos imobiliários concedidos a indivíduos com bom histórico de crédito, mas sem comprovação de renda –, as hipotecas de alto risco integram o segmento não-prime do mercado imobiliário americano. Isto significa que não contam com garantia governamental da Federal Housing Administration (FHA).
Essa instituição pública, criada pelo governo Roosevelt na década de 1930, só concede garantia às hipotecas convencionais (hipotecas FHA), que são financiamentos imobiliários concedidos às famílias de renda baixa e média, com bom histórico de crédito, mas considerados de mais alto risco pelos credores privados tradicionais. As hipotecas FHA são realizadas com regras estritas no que se refere às condições da concessão, incluindo taxa fixa de juros e limite do valor de empréstimo (teto de US$ 427 mil por família). As hipotecas com valores superiores a esse limite, as hipotecas Jumbo, são consideradas não-conformes e, portanto, não contam com garantia governamental.
Igualmente, as hipotecas subprime não são adquiridas pelas empresas privadas patrocinadas pelo governo (government sponsored-enterprises ou GSE) – Federal National Mortgage Association (Fannie Mae) e Federal Home Loan Mortgage Corp (Freddie Mac). Desde a década de 1970, as GSE viabilizam o mercado secundário de hipotecas e a transformação das hipotecas em ativos negociáveis (mortgage backed securities).
Embora as hipotecas subprimes tenham surgido nos Estados Unidos na década de 1980, só ganharam importância na segunda metade dos anos 1990 (gráfico abaixo). A expansão desse mercado foi impulsionada, sobretudo, por inovações financeiras que viabilizaram sua negociabilidade. Dentre essas, se destacam o sistema de credit score, que facilitou a avaliação e precificação dos riscos, e os chamados derivativos de crédito (credit swap, credit option e outros), que permitem a transferência do risco de não-pagamento (default). Igualmente, ocorreram alterações na regulamentação do setor que autorizaram a concessão de empréstimos imobiliários com taxas de juros ajustáveis (ou seja, flutuantes) e viabilizaram as vendas das hipotecas pelas instituições “originadoras” dos empréstimos a vários intermediários ou “securitizadores”.
<<20080222-01.gif|Extraído de BBC News - The US sub-prime crisis in graphics. 21 de novembro de 2007. Disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/business/7073131.stm|>>
O mercado de financiamento imobiliário americano é extremamente fragmentado. Metade dos empréstimos é concedida pelas instituições depositárias (bancos comerciais e instituições de poupança e empréstimos) ou suas subsidiárias e filiadas, enquanto a outra metade é concedida por companhias hipotecárias independentes. Além disso, na presente década, a maioria das hipotecas subprime foi obtida por meio de brokers, entidades independentes que realizam empréstimos por conta e ordem das instituições de depósito e de outros credores. Igualmente, avaliadores independentes (home appraisers) se encarregaram da avaliação dos imóveis, que são o colateral da transação, e da verificação da renda e histórico de crédito do potencial mutuário. Além de subavaliação de risco, esse modelo favoreceu inúmeras fraudes.
<<20080222-02.gif|Extraído de BBC News - The US sub-prime crisis in graphics. 21 de novembro de 2007. Disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/business/7073131.stm|>>
Nos últimos cinco anos, as instituições privadas independentes ampliaram sua participação no mercado de obrigações hipotecárias, até então dominando pelas s empresas privadas patrocinadas pelo governo, Fannie Mae e Freddie Mac. Essas instituições compravam as hipotecas não-conformes – subprime, Alt A e jumbo – originadas pelos bancos e demais credores e as transformam em obrigações hipotecárias (mortgages bonds). Como esse negócio era extremamente lucrativo para os bancos, que recebiam comissão por cada hipoteca vendida, estes passaram a estimular os brokers a gerar cada vez mais novos negócios. Assim, no contexto do forte aquecimento do mercado imobiliário americano a partir de 2003, com rápida elevação dos preços das residências, esse processo resultou numa subavaliação do risco tanto por parte dos tomadores como dos credores dos empréstimos imobiliários.
Para adequar os empréstimos às condições financeiras dos tomadores, as instituições credoras passaram a oferecer de forma crescente hipotecas com taxas ajustáveis e/ou hipotecas não-tradicionais, que prevêem o pagamento apenas de juros nos anos iniciais de duração do contrato. As hipotecas com taxas ajustáveis são, em sua maioria, produtos financeiros híbridos que combinam juros fixos com juros flutuantes. Segundo Kiff & Mill (2007)(1), cerca de dois terços das concessões de financiamento imobiliário realizados em 2005 e 2006 nos Estados Unidos combinavam taxa de juros fixa nos dois primeiros anos, que são convertidas em taxa de juros flutuante ao final do segundo ano para vigorar pelos 28 anos seguintes. Em geral, a taxa de juros fixa nos dois anos iniciais eram inferiores à taxa de mercado.
De acordo com informações levantadas pelo Center for Responsible Lending(2), uma organização não-governamental americana contra práticas financeiras abusivas, o estoque de hipotecas subprime passou de US$ 332 milhões em 2003 para US$ 1,3 trilhão em 2006, o que corresponde a um aumento da ordem de 292%. Do total de hipotecas subprime originadas entre 2004-2006 89-93% possuíam taxa de juros reajustável. Nesse mesmo período, 43-50% dos financiamentos residenciais subprimes realizados foram aprovados sem documentação completa. Em maio de 2007, 7,2 milhões de famílias possuíam uma hipoteca subprime e desse total 14,4% estavam inadimplentes. Dados mais recentes (gráfico abaixo) mostram que, no 2º trimestre de 2007, o estoque de hipotecas securitizadas totalizava US$ 6,8 trilhões, dos quais as hipotecas subprimes respondiam por 19% (US$ 1,3 trilhão).
<<20080222-03.gif|Fonte: BBC News - The US sub-prime crisis in graphics. 21 de novembro de 2007. Disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/business/7073131.stm|>>
O desenvolvimento sem precedente desses novos tipos de hipotecas viabilizou o acesso das famílias de baixa renda ao financiamento imobiliário. Entre 1994 e 2006, o percentual de famílias proprietárias de imóveis nos Estados Unidos se ampliou de 64% para quase 69% em 2006. Porém, segundo presidente do banco central americano, Ben Bernanke, as maiores taxas de crescimento foram observadas entre as famílias de baixa renda e minorias, com fraco histórico de crédito e piores condições financeiras para absorver a elevação do custo das hipotecas quando da elevação das taxas de juros.
Com a contínua elevação da taxa básica de juros pelo Federal Reserve (Fed), a partir do final de 2004, o efeito de elevação, no período de juros flutuantes, do custo financeiro do empréstimo para o tomador se amplificou, resultando no forte aumento da inadimplência, que atingiu 15% em 2006. Com a ampliação das taxas de inadimplência, o número de execução das hipotecas (foreclosures) também aumentou, passando de uma média de 220 mil durante os últimos seis anos para 320 mil em cada um dos dois primeiros trimestres de 2007 (Bernanke, 2007)(3).
Em virtude da maior fragilidade financeira dos mutuários de hipotecas subprime, as autoridades governamentais americanas procuraram evitar a execução das hipotecas e o despejo das famílias inadimplências. Com esse propósito, o Fed em conjunto com outras agências federais de supervisão emitiram instruções para encorajar as instituições financeiras a renegociar os débitos em atraso (loan workout), de maneira prudente. Essas renegociações evitariam execuções desnecessárias, o que atende aos interesses de todos os envolvidos.
Com o crescimento do número de contratos inadimplentes levados à execução (foreclosures), os preços dos imóveis – que servem de garantia aos empréstimos – entraram em trajetória de queda, afetando seriamente o mercado imobiliário e se espraiando rapidamente para os diversos segmentos do mercado financeiro tanto americano como global.
As várias instituições financeiras e as corretoras que operam no mercado financiamento imobiliário estão subordinadas a regimes de regulamentação e supervisão distintos, com graus variados de enforcement. Essa heterogeneidade do marco regulatório dificulta o monitoramento das atividades, seja pelas autoridades de regulamentação seja pelos investidores, aumentando, com isso, a possibilidade de práticas ilícitas e/ou de altíssimo risco, em particular no segmento não-prime do mercado.
Só após a eclosão da crise em meados de 2007 é que, as autoridades federais de regulamentação, em cooperação supervisores bancários estaduais, começaram a trabalhar na harmonização das exigências e elevação da qualidade das práticas de underwriting de hipotecas não-tradicionais e/ou de alto risco. Igualmente, está em estudo a extensão para os financiamentos imobiliários dos requerimentos de informação previstos para as modalidades de crédito pessoal, como cartão de crédito e cheque especial, no Truth in Lending Act, o que garantiria maior transparência nas informações para os tomadores (Bernanke, 2007).
Raízes da Crise das Hipotecas Subprime. A crise no mercado de hipotecas subprime dos Estados Unidos que repercutiu fortemente no sistema bancário tem suas raízes no processo de securitização dos créditos e de desenvolvimento de novos instrumentos e produtos financeiros, em particular, dos derivativos de crédito.
Até o início dos anos 80, os bancos americanos mantinham em carteira até o vencimento os empréstimos que concediam. Embora algumas operações de crédito fossem vendidas uma a uma, como no caso dos empréstimos sindicados após a crise da dívida de 1982, esse mercado era pequeno e ilíquido. A maior ênfase das autoridades de regulamentação nos requisitos de liquidez e de capital – que culminou na elaboração do Acordo de Basiléia de 1988 e na definição de um coeficiente de capital mínimo de 8% dos ativos ponderados pelos riscos –, os bancos passaram a utilizar de forma crescente a securitização como instrumento de administração de balanço.
<<20080222-04.gif|Extraído de The Economist (2007). When it goes wrong... , 20 de setembro. Disponível em: http://economist.com |>>
Inspirados no modelo de transformação das hipotecas em ativos negociáveis (mortgage backed securities) das empresas patrocinadas pelo governo (Fannie Mae e Freddie Mac), os bancos desenvolveram novos instrumentos financeiros, os chamados produtos financeiros estruturados, que viabilizaram a constituição de um amplo mercado secundário para os empréstimos bancários. Ao mesmo tempo, essas instituições passaram a priorizar operações não-registradas no balanço (garantias de crédito, por exemplo) e a criar diferentes tipos de empresas de propósitos especiais (SPE, na sigla em inglês), como os veículos de investimento estruturados (SIVs, na sigla em inglês) e condutores externos (conduits). Os bancos transferiam parte de suas carteiras de crédito para esses veículos, em geral localizados em paraísos fiscais, de forma a reduzir as exigências de capital e liberar recursos para novos negócios.
Com o desenvolvimento de novos produtos e técnicas complexas de gestão de risco de crédito (tais como o CDS - credit default swap e o CDO - collateralised debt obligations) e com a proliferação de produtos financeiros estruturados, lastreados em diversos tipos de ativos de renda fixa (commercial papers, hipotecas, bônus, etc) e em recebíveis diversos, o processo de securitização atingiu o seu ápice (quadro abaixo). De um lado, a exemplo dos bancos globais, os pequenos bancos regionais americanos, que concentravam suas operações de crédito nos mercados locais, passaram também a vender suas operações de crédito para seguradoras e hedge funds, transferindo assim os riscos de crédito e de mercado. De outro lado, além reduzir o custo do endividamento tanto para as famílias como para as empresas, essas inovações financeiras, ao facilitar a avaliação e a precificação dos riscos, viabilizou a concessão de crédito para tomadores com fraco histórico de crédito, em particular, famílias de baixa renda.

A partir de 2003, com o forte aquecimento do mercado imobiliário nos Estados Unidos e a expansão da concessão de empréstimos imobiliários a tomadores de alto risco, os bancos fizeram uso intenso das transações não-registradas no balanço, transferindo aos SIVs parte de suas carteiras de empréstimos subprime, de modo a evitar os requerimentos de capital associados a esses ativos. De acordo com FMI (2007: p. 18)(4), as hipotecas subprimes representavam 25% dos ativos das SVIs e 100% dos ativos das SVIs lites, modalidade recente de SPE, que opera com alta alavancagem (40 a 70 vezes dependendo do colateral, segundo Parisi-Capone, 2008)(5).
Simultaneamente, proliferaram no mercado financeiro americano transações com instrumentos financeiros lastreados em hipotecas já securitizadas, tais como o collateralized debt obligation (CDO), o asset-backed commercial paper (ABCP), o ABS CDO, o CDO de CDO e o CDO sobre CDO, emitidos pelos SIVs e garantidos por linhas de crédito contingente fornecidas pelos bancos comerciais.
Em 2007, foram realizadas 307 emissões de CDO, com um volume total de US$ 177,6 bilhões. Os grandes bancos atuaram ativamente na subscrição desses produtos financeiros estruturados. Apenas cinco bancos – Merril Lynch, Citi, UBS, Wachovia e Goldman Sachs – foram responsáveis por 53,5% dessas transações (deals), subscrevendo emissões no valor de US$ 103 bilhões, ou seja, 58% do total (Oppenheimer, 2008: p.11)(6).
Observa-se no gráfico abaixo, que as novas emissões se aceleraram a partir de 2002, com crescimento médio superior a 40% ao ano entre 2003 e 2006. Em 2007, pela primeira na presente década, houve decréscimo no volume de novas emissões (-5,0%) em relação ao ano precedente. Com a eclosão da crise subprime, o volume de novas emissões caiu drasticamente (gráfico mais abaixo), desde o quarto trimestre de 2007 esse mercado se encontra virtualmente paralisado. Vários analistas financeiros são céticos quanto à possibilidade de recuperação do dinamismo no médio prazo, sobretudo, porque em 30 janeiro de 2008, “a agência de risco Standard & Poor’s rebaixou a classificação ou ameaçou de rebaixamento 8000 CDO e bônus” (The Economist, 2008)(7).
<<20080222-06.gif|Fonte: Oppenheimer – Industry Up to Date, 29 de janeiro de 2008. p. 9. Elaboração Própria.
Nota: 1. Posição em 28 de janeiro de 2008.|>>
<<20080222-07.gif|Extraído de Oppenheimer – Industry Up to Date, 29 de janeiro de 2008. p. 10. |>>
De acordo com estimativas do FMI (2007: p. 19), no início de setembro de 2007, o estoque mundial de asset-backed commercial paper, emitido pelos diversos tipos de SPE, totalizava US$ 1,4 trilhões. Desse total, US$ 1,3 trilhões havia sido emitido por condutores externos, que contam com 100% de garantia de crédito dos seus bancos patrocinadores, e US$ 100 bilhões pelos veículos especiais de investimento, que contam com linhas de crédito contingente fornecidas pelos bancos no montante correspondente a 10% das emissões. Em termos da distribuição, US$ 1,0 trilhão do estoque de ACBP era de responsabilidade dos bancos americanos, US$ 300 bilhões de bancos europeus e US$ 100 bilhões de bancos canadenses. Os americanos Citi, JP Morgan, Bank of América e os europeus HSBO, ABN Amro, HSBC e ING foram os que se envolveram na subscrição de ABCP pelos SIVs e conduits.


Esses vários títulos derivados de hipotecas securitizadas – adquiridos por bancos, fundos de investimento e seguradoras tanto nos Estados Unidos como no exterior (Europa e Ásia) – foram classificados pelas agências internacionais de rating de acordo com o risco dos ativos incluídos em sua composição. Porém, a utilização de técnicas sofisticada de engenharia financeira que promovem combinações de títulos de natureza distinta e riscos diversos, permitiu que inúmeros desses títulos lastreados em hipotecas subprime fossem classificados como de excelente risco ou com grau de investimento. As tranches de maior risco foram adquiridas, principalmente, pelos hedge funds, que são fundos de investimento altamente especulativos, e com alto grau de alavancagem. As tranches de melhor risco foram adquiridas pelos investidores mais avessos a risco e pelos investidores institucionais que observam regras de prudência, como os fundos de pensão e as seguradoras.
<<20080222-10.gif|Fonte: Citigroup. Extraído do FMI (2007), Global Financial Stability Report, Washington, DC: International Monetary Fund, September p. 15.
Nota: Equity representa o risco mais elevado, Mezzanine representa risco intermediário e Senior representa baixo risco. |>>
<<20080222-11.gif| Fonte: Citigroup. Extraído do FMI (2007), Global Financial Stability Report, Washington, DC: International Monetary Fund, September p. 15.
Nota: Equity representa o risco mais elevado, Mezzanine representa risco intermediário e Senior representa baixo risco. |>>
Embora tenham viabilizado a ampliação da liquidez no mercado de crédito e do endividamento de famílias, empresas e instituições financeiras, essas inovações financeiras potencializaram o risco de crise sistêmica. Isto porque, os contratos são amplamente interconectados, envolvendo diversos participantes e segmentos do mercado financeiro, configurando uma verdadeira pirâmide de crédito. Igualmente, afetaram a qualidade da avaliação e o monitoramento dos devedores pelas instituições originadoras dos empréstimos, pois essas ao transferir o risco de crédito deixam de realizar o monitoramento e acompanhamento efetivo do devedor (Partnoy e Skeel Jr., 2006)(8).
Dada a integração dos diferentes segmentos dos mercados, a crise iniciada no mercado hipotecário se espalhou. Em um cenário de forte incerteza em relação ao risco de contraparte, os bancos passaram a exercer preferência pela liquidez, contraindo os empréstimos no mercado interbancário. Igualmente, reduziram a concessão de crédito aos clientes, mesmo os de excelente risco. As novas emissões de dívida de maiores rendimento e mais alto risco se contraíram fortemente nos meses de julho e agosto em comparação com a média do primeiro semestre de 2007.
<<20080222-12.gif|Fonte: Bloomberg L.P.; Citigroup e JP Morgan Chase & Co. Extraído do FMI (2007), Global Financial Stability Report, Washington, DC: International Monetary Fund, September p. 6.
Nota: ABS – asset backed securities, CDO – obrigações com dívidas subjacentes, CLO – obrigações com empréstimos subjacentes, CMBS – ativos lastreados em hipotecas comerciais.|>>
Houve brutal retração, por exemplo, do mercado o mercado asset-backed commercial papers (ABCP), títulos lastreados em recebíveis comerciais com maturidade de 90 a 180 dias, emitidos pelos bancos e outras instituições financeiras para atender necessidades de curto prazo. O entrave desse mercado ocasionou o empoçamento de liquidez, culminando na dramática iliqüidez nos mercados interbancários, expressa na forte volatilidade da federal funds rate e do TED spread (gráficos seguintes) o que exigiu a pronta intervenção dos bancos centrais, sobretudo, o Federal Reserve e o Banco Central Europeu, que injetaram US$ 3,2 trilhões nos mercados monetários entre os dias 27 de julho e 12 de setembro (Lucchesi, 2007)(9). Para limitar os efeitos da contração do crédito, Federal Reserve também reduziu em agosto a taxa do redesconto.


Embora essas ações tenham acalmado temporariamente os mercados, promovendo a redução das taxas de juros interbancárias a um nível mais adequado, não tiveram o efeito de conter o aprofundamento da crise, em razão da dimensão da pirâmide de crédito construída em cima dos empréstimos de hipotecas de alto risco. Desde o último trimestre de 2007, os sucessivos anúncios de contabilização de perdas têm dado origem a novas rodadas de desvalorização dos ativos financeiros. As estimativas realizadas por analistas do Bank of America e divulgadas pela imprensa no dia 15 de fevereiro indicam que US$ 7,7 trilhões já evaporaram desde o mês de outubro nos mercados acionários dos quatro cantos do mundo em um processo de deflação de ativos recorde.
Notas:
1 - KIFF, John & MILLS, Paul (2007) Money for nothing and checks for free: recent development in U.S. subprime mortgage markets. IMF Working Paper nº07/188, Washington, DC: International Monetary Fund, July.
2 - Center for Responsible Lending (2007). A snapshot of the subprime market. 28 de novembro. Disponivel em http://www.responsiblelending.org
3 - BERNANKE, Ben (2007). Subprime mortgage lending and mitigating foreclosures. Testimony before the Committee on Financial Services, U.S. House of Representatives, September 20th.
4 - FMI (2007) Global Financial Stability Report, Washington, DC: International Monetary Fund, September.
5 - PARISI-CAPONE, Elisa, Structured Finance Glossary, RGE Monitor, 7 de janeiro, 2008.
6 - OPPENHEIMER (2008) Industry Up to Date, 29 de janeiro.
7 - THE ECONOMIST (2008), Financial engine failure. Edição Impressa de 8 de fevereiro. Disponível em http://Economist.com
8 - PARTNOY, Frank; SKEEL JR., David (2006). The Promise and perils of credit derivatives, Working Paper n.º 125, University of Pennsylvania Law School. Disponível em http://lsr.nellco.org/upenn/wps/papers/125
9 - LUCCHESI, Cristiane Perini (2007). Injeção de liquidez soma US$ 3,2 tri. Valor Econômico, Caderno Finanças, 24 de setembro.