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                          Carta IEDI

                          Edição 203
                          Publicado em: 14/04/2006

                          Crédito de ICMS Acumulado pelos Exportadores: Propondo uma Solução

                          Sumário

                          No momento em que as exportações brasileiras rapidamente vão perdendo rentabilidade com a apreciação cambial, as atenções se voltam para o acúmulo pelos exportadores de saldos credores, decorrente de exportações, do ICMS, de competência estadual. A devolução do estoque de créditos existentes atenuaria os efeitos adversos do câmbio sobre a atividade de exportação.

                          O ponto de partida para o desenho de uma operação de apoio financeiro pelo BNDES tendo por objetivo viabilizar o pagamento aos exportadores do estoque de saldos credores do ICMS decorrente de exportações, é conceber uma operação em que as transações sejam feitas diretamente com o setor privado, isto é, com os exportadores que acumularam os créditos.

                          O instrumento da operação aqui proposto é a securitização dos créditos tributários do ICMS em favor dos exportadores, após o seu reconhecimento pelos Estados. Os fiscos entregariam aos exportadores um título onde confessariam a dívida e estabeleceriam um cronograma de pagamento por um período (em princípio, de 2 a 5 anos), mas sendo assegurado que tenham poder liberatório contra as receitas próprias estaduais, seja ICMS, seja transferências tributárias – como o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e a Lei Kandir.

                          Como apenas a União goza de poderes constitucionais para bloquear e reter diretamente tais transferências estaria assegurada a plena eficácia da garantia do mesmo modo que hoje é lograda nos contratos de rolagem da dívida dos Estados. Mas, antes, o BNDES poderia agilizar e dar liquidez a tais créditos.

                          Para operacionalizar tal operação e dar maior segurança aos credores da autenticidade e validade dos créditos securitizados é possível registrá-los em central de custódia, o mesmo expediente adotado no passado no caso de moedas de privatização.

                          A proposta básica: no período mais curto possível, o BNDES compraria tais papéis dos exportadores, aplicando o deságio que normalmente aplicaria em uma operação financeira de antecipação de vencimento. Embora não se trate da concessão de um financiamento clássico, reconhece-se a possível necessidade das autoridades federais abrirem uma exceção na norma que exige a aplicação das reservas dos bancos oficiais no chamado extramercado.

                          O BNDES já recolhe correntemente ao Tesouro Nacional, tanto tributos federais, quanto dividendos anuais. Assim o BNDES poderia usar os créditos do ICMS adquiridos junto aos exportadores como moeda de pagamento de suas transações com o Tesouro Nacional. Caberia avaliar a necessidade de alguma mudança, via medida provisória, por exemplo, para autorizar a União a receber do BNDES tais títulos.

                          Logo, o governo federal assume o custo de desonerar os exportadores, mas o Tesouro Nacional torna-se o credor do respectivo governo estadual e deve cobrar como já o faz com outros contratos. Isto é, doravante, não haveria nova operação de adiantamento, mas o resgate do papel nos seus prazos de vencimento. Nas datas de vencimento do título, a União poderia cobrar do fisco estadual ou simplesmente exercer a garantia ao reter e automaticamente compensar contra as transferências regulares a que o Estado tem direito, inclusive do FPE.

                          Quanto mais curto o vencimento dos créditos e se este tiver como garantia o FPE ou a conta única centralizadora da arrecadação estadual, na prática, o Estado estará pagando a maior parte da conta e o efeito do esquema será diferir no tempo o custo estadual. Por outro lado, a União assumiria parcela tanto maior do custo quanto mais longo for o vencimento.

                          Uma alternativa que poderia interessar às duas partes, governo estadual e federal, seria lastrear o título nos repasses futuros da Lei Kandir – caso em que não haveria hipótese de seqüestro do FPE ou do caixa estadual. Como no presente não há garantia de continuidade de tais repasses, tal proposta poderia ser mais palatável aos governos estaduais. O governo federal, por sua vez, teria que assumir, provavelmente no âmbito de uma medida provisória, que ainda deveria assegurar no futuro os repasses da Lei Kandir aos governos estaduais, ao menos daqueles que adquirissem os créditos securitizados e pelo prazo neles previstos.

                          Por fim, é importante que tais medidas sejam aplicadas tão somente a créditos de ICMS acumulados por exportadores em data anterior ao início dos debates da proposta.

                          O governo federal também deve exigir como condição prévia para apoiar um Estado que, após esta data, o fisco estadual passe a restituir normalmente os exportadores dos fluxos futuros de créditos do ICMS. Isso também contemplaria a fixação de um prazo máximo, tanto para os exportadores requererem os créditos, quanto para o fisco auditar o pedido e emitir o certificado de reconhecimento do crédito acumulado. Tal praxe deveria ser aplicada ao exame do estoque passado de créditos, bem como se tornar regra corrente para o futuro.

                          Portanto, a função precípua do BNDES seria atuar como fonte mais imediata de funding para agilizar a realização da operação, dando aos exportadores a certeza que o caixa está disponível e sinalizando uma solução muito mais rápida do que uma alternativa que envolva todo o processo orçamentário e financeiro comum ao governo federal.

                          Ao final da operação proposta, nem o BNDES, nem o Tesouro Nacional, arcariam com o custo fiscal, mas sim os governos estaduais, à conta de suas receitas futuras. O BNDES não deve ter dificuldades para participar nessa modelagem, pois teria um papel semelhante ao que exerceu no processo recente como indutor das privatizações estaduais.

                          Havendo interesse do governo federal em criar uma alternativa como a aqui apresentada para equacionar tal parcela do Custo Brasil, poderia e caberia definir o montante global máximo do apoio financeiro. A modelagem ora proposta também requer que sejam pré-estabelecidos novos critérios para rateio dos recursos entre os Estados. Não faz sentido distribuí-los simplesmente em função direta do montante das exportações de cada unidade federada, nem mesmo em relação ao volume de créditos acumulados de ICMS. Seria um bom momento para mudar a filosofia dos repasses federais da Lei Kandir de modo que se adote como critério básico o peso proporcional das exportações na economia de cada Estado.

                          Outro aspecto operacional relevante: a auditoria do pedido dos exportadores para reconhecimento e transação do crédito tributário. Seria necessário um prazo mínimo para que o fisco estadual confirmasse a qualidade dos créditos reclamados, pois o prazo para exame do pedido dos contribuintes não pode permanecer tão dilatado como é hoje. Caberia ao governo federal oferecer o programa de apoio financeiro por um período pré-determinado e curto, estimulando exportadores e fazendas estaduais para que cheguem a acordos rapidamente.

                          Para definir o valor de apoio financeiro a que cada exportador poderá reclamar será necessário calcular a proporção entre as exportações e o faturamento total de cada contribuinte de modo a auferir qual a parcela do saldo credor de ICMS acumulado que decorre de exportações no passado. Afinal, o programa proposto consiste em auxílio financeiro exclusivamente voltado ao equacionamento dos impostos devidos aos exportadores por conta apenas de suas exportações.

                          A proposição aqui esboçada constitui um esforço na busca de uma alternativa que pode ser viável, eficaz e breve para equacionar um dos maiores problemas tributários que afetam as exportações brasileiras.

                          Leia mais sobre o tema no texto abaixo e no estudo completo no site do IEDI.

                          O Problema dos Créditos Acumulados pelos Exportadores. A intensa apreciação do Real nos últimos dois anos agravou sobremaneira a situação de baixa rentabilidade da atividade exportadora no Brasil. Por isso, ao lado de ações para a redução dos juros e maior intervenção no mercado cambial, é urgente a solução de problemas que se arrastam já há muito tempo, como é o caso do acúmulo pelos exportadores de saldos credores, decorrente de exportações, do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), tributo de competência estadual. A devolução do estoque de créditos existentes serviria para atenuar os efeitos adversos do câmbio sobre a atividade de exportação.

                          O governo federal já manifestou interesse em encontrar uma solução para o tema, porém as alternativas aventadas até aqui esbarraram na necessidade de reforma, seja do ICMS ou de todo o sistema tributário. Nessas questões não houve avanço até o presente e dificilmente serão obtidos avanços no curto prazo. Pelo contrário, recentemente cresceram ainda mais as tensões envolvendo os níveis federal e estadual em torno do orçamento da União para 2006 porque a proposta original do Executivo não contemplou dotação para dar continuidade aos repasses da chamada Lei Kandir (Lei Complementar n. 87 de 13/9/1996). Ademais, os vetos presidenciais à lei de diretrizes orçamentárias (LDO) do mesmo ano tendem a dificultar o remanejamento de recursos pelos Congressistas para tal finalidade.

                          Logo, faz-se mister contornar os impasses atuais, construir uma alternativa e assim compensar em parte os efeitos da apreciação cambial. Um ponto de partida é considerar a volumosa disponibilidade financeira do BNDES e, com base nisso, conceber uma alternativa eficaz que solucione, ao menos, o estoque já acumulado pelos exportadores de créditos tributários junto aos tesouros estaduais.

                          Propondo uma Solução. O ponto de partida para o desenho de uma operação de apoio financeiro pelo BNDES tendo por objetivo viabilizar o pagamento aos exportadores do estoque de saldos credores do ICMS decorrente de exportações, é a concepção de uma operação em que as transações sejam realizadas diretamente com o setor privado, ou seja, com os exportadores que acumularam os créditos.

                          Os governos estaduais devem participar das negociações e da montagem da operação, porém não devem figurar como mutuários do BNDES. No máximo, devem participar como intervenientes da operação. Esta é uma pré-condição para que sejam contornadas as barreiras que limitam o endividamento público, seja pelo lado do devedor, seja pelo lado do credor.

                          O relacionamento direto também significa a garantia de que o benefício chegará a quem se pretende atender – os exportadores. Como convém sublinhar, estes acumularam créditos do ICMS, apesar dos governos estaduais receberem do Tesouro Nacional os repasses da Lei Kandir que tinham por objetivo precisamente compensar as perdas com as desonerações.

                          O instrumento da operação é a securitização dos créditos tributários do ICMS em favor dos exportadores, após o seu reconhecimento pelos Estados. Os fiscos entregariam aos exportadores um título onde confessariam a dívida e estabeleceriam um cronograma de pagamento por um período (em princípio, de 2 a 5 anos), mas sendo assegurado que tenham poder liberatório contra as receitas próprias estaduais, seja ICMS, seja transferências tributárias – como o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e a Lei Kandir.

                          Cabe sublinhar que, de fato, apenas a União goza de poderes constitucionais para bloquear e reter diretamente tais transferências, ou seja, no momento em que os papéis sejam recebidos pelo Tesouro Nacional, estaria assegurada a plena eficácia da garantia do mesmo modo que hoje é lograda nos contratos de rolagem da dívida dos Estados. Mas, antes, o BNDES poderia agilizar e dar liquidez a tais créditos.

                          Para operacionalizar tal operação e dar maior segurança aos credores da autenticidade e validade dos créditos securitizados é possível registrá-los em central de custódia, o mesmo expediente adotado no passado no caso de moedas de privatização.

                          Por outro lado, é importante preservar a natureza tributária de tais créditos. Isto para evitar que sejam denominados como dívida mobiliária estadual. Neste último caso, teriam que ser contabilizados no passivo dos governos, aplicando-se as condições e limites que regulam o processo de endividamento público bancário e mobiliário. Se passarem a ser identificados e mensurados como uma dívida pública em título, isto terá um impacto deficitário nas contas públicas nacionais – ou seja, logo após o reconhecimento dos créditos, aumentará a dívida líquida dos Estados e, por conseqüência, será reduzido o superávit primário estadual no mesmo montante. Não há porque incorrer em tais prejuízos para as contas fiscais, bastando manter o tratamento de créditos tributários: estes já existiam, quando criados não causavam déficit e os saldos acumulados pelos governos estaduais não constavam de seus balanços. De direito e de fato, a situação continuará a mesma – o fisco estadual devendo um crédito de ICMS, porém, na proposta, o contribuinte do Estado poderá repassar tal direito ao BNDES e, depois, como será visto a seguir, o repasse poderá ocorrer deste para o Tesouro Nacional.

                          A proposta básica é que, no período mais curto possível, o BNDES compre tais papéis dos exportadores, aplicando o devido deságio que normalmente aplicaria em uma operação financeira de antecipação de vencimento. A idéia é que tal transação constitua mais uma modalidade de aplicação financeira das disponibilidades do banco. É bom reforçar que não se trata da concessão de um financiamento clássico. Além das normas internas e outras cláusulas ou condições da legislação bancária, é possível que seja necessário que as autoridades econômicas federais abram uma exceção na norma que exige a aplicação das reservas dos bancos oficiais no chamado extramercado.

                          Cabe ressaltar que o BNDES recolhe correntemente ao Tesouro Nacional, tanto tributos federais (como impostos que têm impacto em fundos do FPE/FPM, ou contribuições sociais, como a COFINS ou a CSLL, que constituem receita exclusiva da União), quanto dividendos anuais (por seus resultados operacionais). A proposta é que o BNDES possa utilizar os créditos do ICMS adquiridos junto aos exportadores como moeda de pagamento de suas transações com o Tesouro Nacional. Mais uma vez, caberia avaliar se seria necessária alguma mudança, talvez por intermédio de medida provisória, para autorizar a União a receber do BNDES tais títulos no lugar de espécie.

                          Na prática, até este ponto, o governo federal assume o custo de desonerar os exportadores. Porém, o Tesouro Nacional torna-se o credor do respectivo governo estadual e deve cobrar como já o faz com outros contratos, como no caso da rolagem da dívida dos Estados. Ou seja, doravante, não haveria nova operação de adiantamento, mas o resgate do papel nos seus prazos de vencimento. Nas datas de vencimento do título, a União poderia cobrar do fisco estadual ou simplesmente exercer a garantia ao reter e compensar automaticamente contra as transferências regulares a que o Estado tem direito, inclusive do FPE.

                          Quanto mais curto o vencimento dos créditos e se este tiver como garantia o FPE ou a conta única centralizadora da arrecadação estadual, na prática, o Estado estará pagando a maior parte da conta e o efeito do esquema ora proposto será apenas diferir no tempo o custo estadual. Por certo, alguns Estados podem preferir manter a situação atual na qual simplesmente não se paga o que é devido aos exportadores.

                          Por outro lado, a União assumiria parcela tanto maior do custo quanto mais longo for o vencimento – numa situação extrema, poderia assumir todo o custo se fosse anistiada tal dívida ou aceita sua conversão em projetos de investimentos, que já seriam tocados pelos Estados com recursos próprios.

                          Uma alternativa que poderia interessar às duas partes, governo estadual e federal, seria lastrear o título nos repasses futuros da Lei Kandir – caso em que não haveria hipótese de seqüestro do FPE ou do caixa estadual. Como no presente não há garantia de continuidade de tais repasses, tal proposta poderia ser mais palatável aos governos estaduais. O governo federal, por sua vez, teria que assumir, provavelmente no âmbito de uma medida provisória, que ainda deveria assegurar no futuro os repasses da Lei Kandir aos governos estaduais, ao menos daqueles que adquirissem os créditos securitizados e pelo prazo neles previstos.

                          Por fim, é importante que tais medidas sejam aplicadas tão somente a créditos de ICMS acumulados por exportadores em data anterior ao início dos debates da proposta.

                          De qualquer forma, o governo federal também deve exigir como condição prévia para apoiar um Estado que, após esta data, o fisco estadual passe a restituir normalmente os exportadores dos fluxos futuros de créditos do ICMS. Isso também contemplaria a fixação de um prazo máximo, tanto para os exportadores requererem os créditos, quanto para o fisco auditar o pedido e emitir o certificado de reconhecimento do crédito acumulado. Tal praxe deveria ser aplicada ao exame do estoque passado de créditos, mas também se tornar regra corrente para o futuro.

                          Não é demais mencionar que, nesse desenho, a função precípua do BNDES seria atuar como fonte mais imediata de funding para agilizar a realização da operação, dando aos exportadores a certeza que o caixa está disponível (pois é notória a sobra de recursos daquela instituição) e sinalizando uma solução muito mais rápida do que uma alternativa que envolva todo o processo orçamentário e financeiro comum ao governo federal.

                          Também cabe insistir que ao final da operação proposta, nem o BNDES, nem o Tesouro Nacional, arcariam com o custo fiscal, mas sim os governos estaduais, à conta de suas receitas futuras. O BNDES não deve ter dificuldades para participar nessa modelagem porque teria um papel semelhante ao que exerceu no processo recente como indutor das privatizações estaduais, especialmente das concessionárias elétricas.

                          A maior de todas as incógnitas é referente ao montante a ser envolvido nesta engenharia financeira. Ainda que venha a atender apenas a saldos credores de ICMS já acumulados e escriturados, não se sabe ao certo qual o seu montante total. Nem da parte dos fiscos, nem dos exportadores existem informações seguras acerca de valores, de forma que as avaliações sobre o total de créditos acumulados vão de um montante como R$ 2 bilhões até R$ 10 bilhões.

                          Os governos estaduais não divulgam o valor devido porque, antes de tudo, esta é uma forma de endividamento público, disfarçada, imune aos controles e que depende em grande parte apenas da ação e vontade do devedor. Retardar ou negar a devolução ou aproveitamento de crédito do ICMS ao exportador, como a qualquer contribuinte do imposto, é um meio de se endividar junto a ele sem se submeter aos controles, condições e limites impostos à contratação e ao estoque de dívidas bancárias, mobiliária ou externa, ainda mais após os rigores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

                          A falta de transparência é total. Na contabilidade pública, em se tratando dos valores envolvidos nesta questão, absolutamente nada é escriturado no passivo e nada aparece no balanço patrimonial, nem mesmo nas compensações. Em princípio, constitui uma forma de risco fiscal de um Estado que deveria estar registrado no anexo de riscos criado pela LRF e que deve acompanhar a LDO anual. Não se tem notícia de que isso seja feito – sem contar que falta um padrão ou recomendação sobre o conteúdo dessa peça. Numa pesquisa nos sítios das fazendas estaduais na internet é encontrada uma única referência, de anos atrás, relativa ao Espírito Santo, reconhecendo um estoque acumulado de R$ 700 milhões em créditos.

                          Pelo lado dos empresários, é desconhecido qualquer levantamento mais abrangente sobre o total acumulado de créditos. Há cerca de dois anos atrás, a CNI chegou a distribuir um questionário para milhares de grandes exportadores nacionais, indagando, dentre outras questões, os valores dos créditos acumulados junto ao ICMS e a outros tributos, porém, não teve retorno. É possível que algumas empresas tomem o caso como uma espécie de segredo de negócio. Por vezes, na divulgação de balanços, algumas empresas fazem referência a provisões vinculadas ao ICMS, ou mesmo a sua conversão em perda.

                          Se é desconhecido o montante nacional dos créditos acumulados de ICMS, por outro lado, se houvesse interesse do governo federal em criar uma alternativa como a aqui apresentada para equacionar tal parcela do Custo Brasil, poderia e caberia definir o montante global máximo do apoio financeiro. A modelagem ora proposta também requer que sejam pré-estabelecidos novos critérios para rateio dos recursos entre os Estados. Não faz sentido distribuí-los simplesmente em função direta do montante das exportações de cada unidade federada, nem mesmo em relação ao volume de créditos acumulados de ICMS. Seria um bom momento para mudar a filosofia que tem marcado os repasses federais da Lei Kandir de modo que finalmente seja adotado como critério básico o peso proporcional das exportações na economia de cada Estado.

                          Uma hipótese seria adotar uma linha de corte e contemplar no programa apenas os Estados cuja razão entre exportações e PIB superasse a média nacional. Caso não se quisesse adotar tal regra de exclusão, poder-se-ia definir o valor de apoio a cada Estado como uma função direta da razão entre exportações/PIB.

                          De qualquer forma, nos dois casos, seria dada preferência àqueles Estados que mais precisam de ajuda federal para honrar os compromissos com seus exportadores. É o caso daquelas unidades que tem uma base tributária proporcionalmente menor por conta de sua maior abertura comercial – como será exemplificado a seguir. Por outro lado, se a fórmula de rateio excluir ou pouco atender os Estados mais ricos do país também seria menor a necessidade global de recursos para a nova forma de ajuda financeira federal.

                          Já foi observado que a União também deveria exigir como condição prévia para apoiar um Estado que, após a data referida, o fisco passasse a restituir normalmente os exportadores dos fluxos futuros de créditos do ICMS. Isso contemplaria a fixação de um prazo máximo, quer para os exportadores requererem os créditos, quer para o fisco auditar o pedido e emitir o certificado de reconhecimento do crédito acumulado. Tal procedimento deveria ser aplicado ao exame do estoque passado de créditos, mas deveria se tornar também regra para o futuro.

                          Outro aspecto operacional relevante diz respeito à auditoria do pedido dos exportadores para reconhecimento e transação do crédito tributário. Obviamente, seria necessário um prazo mínimo para que o fisco estadual confirmasse a qualidade dos créditos reclamados. De fato, o prazo para exame do pedido dos contribuintes não pode continuar sendo tão dilatado como é hoje. Caberia ao governo federal oferecer o programa de apoio financeiro por um período pré-determinado e relativamente curto, de modo a estimular os exportadores e as fazendas estaduais no sentido de que cheguem a acordos rapidamente.

                          Cabe observar que o governo federal deveria interligar o seu sistema de controle de exportações (o SISCOMEX) com os sistemas de informações fiscais das fazendas estaduais. O objetivo é confirmar, automaticamente, o registro no sistema nacional do exportador e dos montantes que alega ter exportado do qual resultou o acúmulo de crédito do ICMS.

                          Para definição do valor de apoio financeiro a que cada exportador poderá reclamar será necessário calcular a proporção entre as exportações e o faturamento total de cada contribuinte de modo a auferir qual a parcela do saldo credor de ICMS acumulado que decorre das vendas que efetuou para o exterior no passado. Afinal, o programa proposto consiste em um auxílio financeiro exclusivamente voltado ao equacionamento dos impostos devidos aos exportadores por conta apenas de suas exportações. Já os saldos credores de ICMS acumulados por conta de vendas para o mercado interno devem ser resolvidos entre os contribuintes e o respectivo fisco de cada Estado, sem qualquer apoio do governo federal. Não é demais mencionar que, num exemplo extremo, um contribuinte que exporte apenas 1% ou 10% de suas vendas não poderia reclamar que 100% do seu saldo credor do ICMS seja ressarcido através do programa aqui proposto, após este saldo ser reconhecido pela fazenda estadual.

                          Por último, é importante reafirmar que a proposição aqui esboçada constitui um esforço na busca de uma alternativa que pode ser viável, eficaz e breve para equacionar um dos maiores problemas tributários que afetam as exportações brasileiras. É forçoso reconhecer que para que programa venha de fato cumprir seu objetivo de viabilizar o mais rápido possível uma solução para os créditos de ICMS dos exportadores será necessário um adicional esforço de análise fiscal, financeira e jurídica, além de grande determinação das autoridades governamentais em prol desta meta.

                          O ICMS e Seus Problemas. O ICMS é o maior imposto cobrado no Brasil, sendo sua arrecadação de quase 8% do PIB ou cerca de 20,9% da carga tributária global (calculada em 37% do PIB).

                          O ICMS estadual é um tributo do tipo valor adicionado, tendo sido o Brasil um dos primeiros países a adotá-lo no mundo, em meados dos anos 1960, antes mesmo da Europa. Por isso, de certa forma, paga um preço elevado por seu pioneirismo. Dentre os problemas atinentes a este tributo, caberia mencionar:

                          Primeiro, o imposto foi atribuído à competência estadual, o que foge a sua natureza (de tributo nacional sobre o consumo) e a experiência internacional (nenhum outro país repetiu o mesmo procedimento). Não haveria maiores problemas derivado disto se fosse preservada a primeira forma de cobrança do imposto sobre as transações interestaduais: inteiramente devido na origem. Porém, a reação contrária a esta norma foi imediata, pois a medida inegavelmente concentrava a arrecadação do ICMS nos Estados mais ricos. Num país organizado como uma federação e com profundas disparidades regionais, mesmo no auge da centralização promovida pelo regime militar, o procedimento não se sustentou e logo o ICMS foi alterado para que uma parcela do imposto coubesse ao estado de origem.

                          Segundo, a construção lógica do imposto foi montada em cima do regime físico   isto é, em torno da entrada e saída de mercadorias. Este conceito foi preservado por décadas. Desde o início, os serviços foram deixados de lado, num imposto específico municipal (ISS). A Constituição de 1988 se limitou a incorporar os serviços de comunicações e de transporte intermunicipal, apesar da crescente expansão dos serviços na economia moderna e da dificuldade cada vez maior na delimitação das fronteiras entre estes e as mercadorias.

                          Terceiro, o imposto estadual continuou incluindo as exportações sobre a sua base de cálculo, um resquício dos tempos coloniais. A Constituição de 1988 não apenas manteve a incidência do ICMS sobre as exportações de produtos primários, como ampliou seu alcance para os produtos semi-elaborados, conforme a legislação infraconstitucional. Esta falhou ao deixar a especificação para as próprias autoridades fazendárias, reunidas no colegiado do CONFAZ, que levaram ao limite as interpretações e a taxação sobre as exportações para alcançar até mesmo a exportação de celulose e aço.

                          Em 1996, o governo federal apoiou uma lei complementar (que veio a ser conhecida como Lei Kandir) que reformou parcialmente o imposto e, aproveitando uma alternativa aberta pela própria Constituição, isentou todas as exportações da cobrança do ICMS. Em troca, foram previstos repasses temporários aos Estados para compensar as eventuais perdas. Essa desoneração foi sacramentada no texto constitucional a partir de emenda proposta pelo Presidente Lula e aprovada ao final de 2003 (Emenda Constitucional n. 42 de 19/12/2003).

                          No corpo original da lei, tais transferências foram criadas na forma do que se chamou de “seguro-receita” – o governo federal só repassaria aos Estados que acusassem queda de arrecadação após a edição da lei e os valores seriam proporcionais a tais perdas. Poucos meses depois, como a arrecadação crescera e os repasses diminuíram, os governos estaduais conseguiram do Executivo Federal a mudança da fórmula. Aliás, a carga do ICMS representava 7,3% do PIB no biênio 1995/96, antes da implantação plena da Lei Kandir, e chega hoje perto de 8% do PIB. Isto mostra que, mesmo após as exportações serem retiradas da base de cálculo direta do tributo, a arrecadação cresceu mais do que o produto interno da economia.

                          O repasse vinculado à Lei Kandir passou a ser realizado segundo uma tabela com valores fixos imputados a cada unidade federada, totalizando R$ 3,7 bilhões, tomando por base a formatação inicial da Lei Kandir a qual constituía os valores máximos das possíveis perdas esperadas (até para evitar que um fisco diminuísse ou até mesmo parasse de arrecadar o ICMS e substituísse sua receita pela nova transferência federal).

                          Em 2003, o governo federal repassou complementarmente um montante de R$ 900 milhões com uma distribuição acordada com os fiscos estaduais em que foi privilegiado o saldo da balança comercial e o volume das exportações. Em conjunto, atualmente, os repasses da Lei Kandir compreendem um valor anual de R$ 4,3 bilhões. Embora gere grandes disputas políticas no orçamento federal, tal volume de repasse representou apenas 3,1% do ICMS arrecadado no País em 2004.

                          Voltando à desoneração das exportações, convém ressaltar que esta foi sacramentada no texto constitucional a partir de emenda proposta pelo Presidente Lula e aprovada ao final de 2003 (Emenda Constitucional n. 42 de 19/12/2003).

                          Convém também observar que a tributação do ICMS sobre as exportações ainda tem vigência indiretamente, por conta da incidência nas operações anteriores, de compra de insumos ou mesmo de bens de capital utilizados na fabricação dos produtos exportados. O exportador aproveita tais créditos contra débitos do ICMS resultantes de sua incidência sobre produtos vendidos no mercado interno. Logo, o problema é localizado em contribuintes exclusiva ou predominantemente exportadores e, como tal, não conseguem aproveitar os créditos.

                          Nos casos em que saldos credores do ICMS são acumulados por um período razoável, a mesma Lei Kandir já prevê hipóteses para seu aproveitamento, a começar pela transferência para outros estabelecimentos do mesmo contribuinte (lembrando que o imposto é tradicionalmente apurado por estabelecimento e não pela pessoa jurídica ou grupo empresarial). Ainda remanescendo saldo, é prevista a possibilidade de transferência para terceiros ou a simples restituição em dinheiro.

                          Não é demais recordar que procedimento semelhante é adotado no resto do mundo. A devolução de créditos acumulados por exportadores (assim como por investidores que compram grandes lotes de bens de capital) constitui um dos problemas clássicos e mais comuns dos chamados impostos sobre valor adicionado (IVA) em todo o mundo. Ainda assim, é prática generalizada a simples devolução em espécie dos saldos credores acumulados, desde que, naturalmente, seja apurada a sua veracidade.

                          O problema do ICMS não era tão grave quando o país tinha um reduzido coeficiente de abertura ao exterior e as empresas locais tendiam a exportar sobras ou parcelas de sua produção. Mas, na medida em que a economia brasileira se abriu, a globalização avançou e as exportações passaram a ser decisivas para o crescimento econômico e para a redução da vulnerabilidade externa, tornou-se cada vez mais relevante.

                          A legislação tributária brasileira, como regra geral, é adequada. O problema reside muito mais na prática. As fazendas estaduais resistem a reconhecer e, depois, a devolver os saldos credores. Muito raramente restituem em espécie. A resistência decorre de vários fatores.

                          Em termos estruturais, o principal obstáculo reside na cobrança de ICMS sobre as saídas interestaduais – com a alíquota de 7% no Centro-Sul e 12% no resto do País. Isto significa que o problema é tanto maior quanto mais o exportador adquira insumos fora do Estado em que está localizado seu estabelecimento. Na prática, isto significa que a Fazenda do respectivo Estado terá que lhe restituir um valor que ela não recebeu (foi arrecadado ao governo no qual estava o fornecedor de outro Estado). A solução é muito conhecida e debatida, qual seja, a implantação do chamado princípio de destino na transação interestadual, mas não se consegue avançar nesta direção porque uma reforma abrangente do ICMS que instituísse o princípio de destino exigiria em paralelo que se equacionasse a fiscalização (para evitar fraudes no caso da isenção da venda para outros Estados). Também seria necessário atenuar ou compensar as grandes perdas dos Estados exportadores líquidos (no comércio interestadual), como São Paulo e Amazonas.

                          A fiscalização do ICMS também é sempre lembrada como outro motivo para dificultar a recuperação dos créditos pelos exportadores. Os fiscais estaduais alegam que os créditos podem ser falsos ou manipulados e reclamam tempo e condições para verificar sua autenticidade (com a agravante que, por vezes, precisam checar sua procedência em outros Estados). Isto quando não duvidam do próprio volume declarado das exportações. Na verdade, a sonegação não é um problema específico das exportações, podendo afetar também as transações realizadas no mercado interno. No caso específico da fiscalização das exportações, cabe uma integração de cadastro e ações das fazendas estaduais com a federal, que dispõe de um sistema eletrônico nacional (SISCOMEX) para registro das exportações e importações. Já no controle dos créditos, deve ser dispensado aos produtos utilizados na fabricação de produtos exportados o mesmo tratamento dado aos produtos destinados ao mercado interno – afinal, quando um crédito é abatido de um débito do ICMS e reduz a arrecadação nesse valor é produzido o mesmo efeito financeiro da restituição em espécie de outro crédito.

                          As dúvidas sobre a qualidade dos créditos tributários em muitos casos constituem medidas protelatórias para retardar uma redução de recursos, na visão do fisco, ou para aumentar a arrecadação, na visão do contribuinte. Não são apenas pequenos contribuintes, mas também grandes empresas nacionais e estrangeiras, às vezes até mesmo em Estados ricos, que encontram dificuldades junto a agentes do fisco estadual para reconhecimento de seus créditos.

                          Cabe a observação de que, depois de reconhecidos formalmente pelos fiscos estaduais, os créditos do ICMS são apropriados pelos contribuintes e se transformam numa espécie de quase-moeda. Nos Estados mais ricos, e em muitas das outras regiões, desde que seja atestada legalmente a existência dos créditos, o contribuinte, aceitando pagar um certo deságio, consegue transacioná-los com outros contribuintes com relativa facilidade, pois há uma grande demanda.

                          Um caso peculiar diz respeito ao Estado de São Paulo, que chegou a criar um regime especial (por alguns, chamado de “fast track”) em que grandes contribuintes pré-selecionados agilizavam o reconhecimento e aproveitamento dos créditos desde que oferecessem como garantia uma fiança bancária ou uma apólice de seguro de valor superior a 50% do crédito, com a auditoria das contas sendo realizada posteriormente ao ato de reconhecimento pelo fisco. Mesmo em um esquema como esse, em que o fisco praticamente não corre riscos, pois os valores transferidos estão garantidos, aparentemente São Paulo deixou de oferecer este esquema aos exportadores. No final de 2004, entretanto, anunciou um novo esquema para os grandes créditos acumulados (nos outros casos, alega restituir até R$ 450 mil/mês por empresa): créditos acumulados a partir de R$ 25 milhões podem ser liberados para projetos de investimento de valor igual ou superior a R$ 50 milhões que visem à modernização, ampliação ou construção de novas fábricas no Estado.

                          O nó da questão não está tanto do lado do aproveitamento do crédito reconhecido, mas, sim, antes, na enorme dificuldade e atraso para seu reconhecimento. A visão financeira mais imediatista possível tem imperado na maioria dos fiscos estaduais. Sempre e quanto mais for possível negar ou retardar um reconhecimento de crédito, tanto melhor para acumular disponibilidades de caixa. A má vontade com os exportadores é ainda maior, pois estes são vistos como contribuintes que embora nada arrecadem, demandam gastos vultosos como os de manutenção ou ampliação da infra-estrutura.

                          O problema do reconhecimento dos créditos tende a ser mais grave naquelas unidades federadas em que é maior o esforço exportador. É o caso de estados que tem uma forte base exportadora, por vezes com unidades fabris, agropecuárias ou extrativistas voltadas quase que exclusivamente para o exterior e que muito compram fora do Estado. Nesta situação, podem ser citados os Estados do Pará, Espírito Santo, Maranhão, assim como as regiões Sul e Centro-Oeste que têm crescente vocação exportadora.

                          É importante destacar também que, numa comparação regional, os Estados que proporcionalmente muito exportam levam desvantagem na cobrança dos impostos próprios relativamente àqueles Estados que menos exportam e tem uma parcela maior do PIB regional submetida ao ICMS. Um levantamento realizado em 2003 mostrou que o volume de exportações de produtos primários e semimanufaturados equivalia a cerca de 6% do PIB nacional, mas essa proporção subia para 32% no Mato Grosso, 25% no Espírito Santo e Pará, 16% no Maranhão, 11% no Paraná e 10% em Minas Gerais; no outro extremo, em São Paulo, não chegava a 2% do PIB estadual.

                          Recomenda a teoria e a experiência internacional que esse descompasso federativo deveria ser objeto de uma política compensatória do governo federal. Até se passou perto de uma providência como esta quando foi elaborada a Lei Kandir e houve um acordo político entre o governo federal e os estaduais para que fosse criado um esquema de apoio financeiro, porém, esse seria transitório e seria destinado a compensar as perdas das receitas antes obtidas, não apenas com exportações, como também com bens de capital e de uso e consumo (aliás, o benefício do ICMS deste último caso foi anulado por lei complementar posterior e a tributação mantida). Ou seja, o volume dos repasses e a fórmula de rateio dos repasses não contemplavam apenas as exportações e o esforço exportador de cada unidade federada.

                          Os repasses federais decorrentes da Lei Kandir, portanto, não foram concebidos e desenhados com a finalidade clara de equalizar o poder tributário próprio dos Estados. Como tal, a ajuda federal deveria ser permanente e bastante diferenciada entre as unidades federadas, para levar em conta e apoiar tanto mais aqueles Estados que exportam uma parcela proporcionalmente maior do PIB estadual do que a média nacional.

                          Infelizmente, os projetos e os debates da reforma tributária nos últimos aos passaram ao largo dessas questões. Em casos relevantes, a Lei Kandir se tornou um pretexto para que os Estados obtenham uma transferência federal nos mesmos moldes do FPE. O aumento das exportações nacionais é sempre mencionado como motivo de perda e justificativa para se manter e ampliar os repasses. Porém, raramente são levantadas questões sobre o conceito e a finalidade das transferências. O rateio do fundo entre os Estados nunca foi alterado; seguem os mesmos valores fixos imputados a cada unidade federada em 1996, como uma estimativa da perda potencial com a chamada Lei Kandir.

                          Finalmente, dentre outros agravantes do problema que devem ser mencionados, destacamos que sempre que o governo federal acena com a possibilidade de ajudar ou assumir os custos com os créditos acumulados pelos exportadores, num primeiro momento isso induz um agravamento do problema. A reação de muitas autoridades estaduais, que antes vinham reconhecendo os créditos, é também no sentido de represar a devolução. Nesse caso, seguem o exemplo daqueles Estados em que é muito maior o esforço exportador e onde o problema é até compreensível – nos casos mais acentuados, pode-se até dizer que é praticamente impossível encontrar uma solução local.

                          Outro agravante é a prática orçamentária recente do Executivo federal de não incluir na proposta anual enviada ao Congresso uma dotação específica para os repasses da Lei Kandir. Nos últimos anos, tal iniciativa tem sido deixada ao Congresso, que, por sua vez, acaba recorrendo à reestimativa para cima da arrecadação tributária federal, alocando parte dos recursos adicionais como fonte dos repasses da Lei Kandir. A instabilidade de regras aumentou ainda mais em 2006 e não se tem previsão de repasses da Lei Kandir. Se recebendo regularmente o aporte da Lei Kandir, ainda que fixos em valores nominais, os Estados já atrasavam e dificultavam o reconhecimento e aproveitamento dos créditos de ICMS acumulados pelos exportadores, não havendo aquela transferência federal certamente o problema se agravará no corrente ano.

                          O Apoio do BNDES. É importante reconhecer desde logo que o apoio financeiro do BNDES à proposta de solução do estoque de créditos de ICMS dos exportadores deverá implicar em uma adaptação das operações desta instituição.

                          Em uma hipótese mais simplista, na qual o BNDES viesse a conceder um financiamento direto aos governos estaduais para que estes devolvessem os créditos acumulados pelos exportadores, a dificuldade já começaria pela conceituação do próprio objetivo da operação. Não se trata de financiar a realização de uma despesa pública clássica – como contratar e pagar uma obra ou salários de servidores. O objetivo seria renunciar a uma parcela da receita – ou, para ser mais exato, o fisco deixaria de recolher o que nem deveria estar recebendo.

                          Na prática, o que está em jogo é uma forma de capital de giro. A alternativa do recurso ao BNDES seria que ele assumisse o papel do provedor do funding estadual que hoje, indiretamente, é realizado pelo exportador, que deixa de aproveitar ou receber os créditos de ICMS que acumula contra o Estado.

                          Em suma, nesta hipótese – a do crédito direto do BNDES aos Estados – haveria uma dificuldade em se conceber a participação do Banco já que a instituição financia projetos de investimentos e não capital de giro, ainda mais para administrações públicas.

                          Note-se que um preceito semelhante passou a ser aplicado aos governos após a edição da LRF: receitas de capital, seja com operações de crédito, seja com a alienação de bens, devem ser destinadas a financiar despesas de capital. Até podem atender um gasto corrente, mas é preciso que o governo aloque valor semelhante de recursos próprios para despesas de capital. Ora, por principio, se os fiscos estaduais que mais represam os créditos de ICMS tivessem disponibilidades financeiras volumosas para uma eventual substituição de fonte por um projeto apoiado pelo BNDES, quiçá já tivessem atendido os exportadores.

                          Além destas dificuldades conceituais, o financiamento tradicional esbarraria ainda nos obstáculos que limitam e estão reduzindo a quase zero a concessão de crédito ao setor público brasileiro. De um lado, estão as restrições a quem toma o crédito. Após a rolagem das dívidas estaduais com o Tesouro Nacional e a edição da LRF, tornou-se bastante eficaz o controle do endividamento público no País. Dentre outros critérios, só podem contrair novos créditos os Estados que reduziram o estoque de sua dívida, segundo o Senado, a duas vezes o valor de sua receita corrente, e, para o Tesouro Nacional, a uma vez a receita líquida (os critérios se sobrepõem; não são excludentes).

                          Em que pese a adimplência de todos os contratos de rolagem, bem como o vigoroso ajuste fiscal promovido por todos Estados brasileiros, a maioria das unidades federadas ainda não atende àquelas condições para voltar a tomar novo crédito. Isto é, mesmo que o BNDES aprovasse operações de financiamento aos Estados vinculadas ao programa em tela, pela legislação atual não poderia contratá-las sem que fossem aprovadas mudanças legais significativas. Não bastaria o Senado Federal elevar o limite. Nos casos em que não se atende ao critério fixado no contrato da rolagem, esta precisaria ser mudada e, para tanto, seria necessário alterar a LRF.

                          O outro lado das restrições ao endividamento diz respeito ao limite para o setor bancário conceder crédito ao setor público. O Conselho Monetário Nacional (CMN) estabeleceu um novo sistema de controle (Resolução do Banco Central n. 2.827), passando a exigir o registro prévio das operações em sistema eletrônico (CADIP) e reformulando e impondo diferentes limites para novas concessões. Um deles é específico para cada instituição financeira (percentual do patrimônio de referência) e procura limitar o grau de exposição ao setor público.

                          Outro é global para todo o sistema bancário. É calibrado de forma a assegurar o cumprimento das metas nacionais de geração de superávit primário. Na prática, o CMN criou uma fila global de operações à espera do descontingenciamento, fila esta que não tem andado. Mais recentemente foram descontingenciados recursos para saneamento ambiental (Res. 3.153) e drenagem urbana (Res. 3.173), criando duas filas paralelas, que também já pararam de andar. Este histórico está na Res. 2.827 consolidada, e no site do Ministério das Cidades são encontradas as operações em detalhes.

                          No caso do primeiro critério mencionado, a respeito do controle do grau de exposição do banco credor, não haveria problema, pois ao final de agosto do corrente ano, o BNDES dispunha de uma margem de R$ 2,1 bilhões para contratar novas operações com o setor público. Porém, tal espaço desaparece quando considerado o contingenciamento global de crédito, que se tornou imprevisível. As operações contratadas recentemente pelo BNDES foram objeto de exceções concedidas a programas de saneamento e drenagem (ainda assim com limites) ou foram excepcionalizadas no passado, no âmbito de acordos prévios à contratação de renegociação de dívidas.

                          Portanto, o impedimento para realizar uma operação de crédito tradicional não reside tanto no limite individual do BNDES para concessão de crédito ao setor público, mas, sim, no limite global de crédito bancário, que é muito baixo e, mesmo no caso das exceções já abertas para alguns projetos na área social, na demanda muito maior que a oferta de recursos.

                          Já numa operação direta do BNDES com os Estados, a maior limitação que poderia ocorrer por parte do BNDES, seria de natureza interna   a dificuldade para justificar uma operação que, na prática, é de giro para o governo estadual à luz de suas políticas operacionais, voltadas para projetos de investimentos (o giro consta apenas como parcela associada).

                          Não bastassem essas limitações e restrições pelo lado da oferta, ainda há problemas pelo lado da demanda. A maioria dos governos estaduais não teria capacidade para tomar crédito novo, por não se enquadrar nos limites máximos de endividamento fixados pelo Senado Federal e/ou previstos nos contratos de rolagem da dívida com o Tesouro Nacional.

                          A conclusão é que o eventual apoio financeiro do BNDES para viabilizar o equacionamento dos créditos de ICMS acumulados pelos exportadores não deve passar pela concessão de um financiamento bancário clássico. Exige uma engenharia financeira, capaz de viabilizar o objetivo de resolver o problema dos créditos de ICMS acumulados pelos exportadores.

                          Note-se que modelagens alternativas envolvendo operações do BNDES e Estados já foram realizadas, como nas operações financeiras de antecipação de receita de privatização e, mais recentemente, de futuras rendas de royalties. No primeiro caso, o BNDES já tem expertise de negociação e contratação junto aos governos estaduais. O Tesouro Nacional, por sua vez, já apoiou governos estaduais tomando por base as receitas futuras decorrentes da exploração de royalties de petróleo. De fato, antes da LRF, antecipou receitas de longo prazo, sendo a operação mais notória a do Estado do Rio de Janeiro; mais recentemente, comprou o direito aos fluxos futuros de tais rendas, com o devido desconto e usando como instrumento certificados emitidos especialmente para tal finalidade.

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                          Publicado em: 24/02/2025

                          No último trimestre de 2024, embora a inadimplência tenha continuado a cair, as taxas médias de juros já apontam elevação, na esteira da alta da Selic. O dinamismo creditício ainda se mostrou resiliente.

                           

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                          Carta IEDI n. 1302 - Melhora do saldo comercial em 2024 apenas na indústria de média-baixa tecnologia
                          Publicado em: 12/02/2025

                          Em 2024, embora as exportações de bens industriais de alta tecnologia e de média-baixa tenham aumentado, apenas este último grupo melhorou seu saldo de balança.

                           

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