IEDI na Imprensa - Metade do que Brasil vende à UE é produto sem tecnologia
Valor Econômico
Soja, petróleo e café turbinam exportação ao bloco, enquanto aviões, e motores perdem espaço nos negócios
Marta Watanabe e Álvaro Fagundes
O conflito entre Estados Unidos e China e os efeitos da pandemia de covid-19 e da guerra entre Rússia e Ucrânia contribuíram para que os produtos mais primários já representem metade do que o Brasil exporta para a União Europeia (UE), com perda de espaço de industrializados com maior intensidade tecnológica, que tinham no bloco um tradicional destino.
A exportação brasileira ao bloco aumentou 69,8% de 2019 a 2022. Nesse período, o Brasil embarcou mais petróleo, café e grãos como soja e milho, mas o embarque de itens mais tecnológicos, como aeronaves e turbinas, caiu ou ficou quase estacionado, com perda de participação relativa. A “reprimarização” da exportação é resultado de desafio considerado sistêmico ao Brasil, ao qual se somam os debates relativos às regras ambientais da União Europeia que devem valer a partir do fim de 2024. (ver Regra ambiental terá impacto na exportação da indústria)
De janeiro a maio deste ano, a parcela de produtos mais primários, fora da indústria de transformação, atingiu 47,7% do que o Brasil exportou ao bloco, fatia aquém dos 50,5% do que se viu em 2022, mas mais de dez pontos à frente dos 36,5% em 2019. Nessa fatia estão predominantemente produtos da agropecuária, florestais e da indústria extrativa. Perderam espaço produtos de alta e de média-alta tecnologia que, juntos, tiveram fatia reduzida de 17,1% em 2019 para 10,8% este ano, sempre nos cinco primeiros meses do ano.
No desempenho anual a tendência é a mesma. Em 2022, 50,9% do que a UE comprou do Brasil foram itens não manufaturados, contra 36,8% em 2019 e 38,2% em 2013. Os bens de alta e média-alta tecnologia caíram de 16,8% em 2019 para 9,4% em 2022. Os dados são do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e organizados pelo Valor.
Questões conjunturais acentuaram reprimarização”
A “reprimarização”, como especialistas chamam o avanço de produtos primários nos embarques, é algo geral da pauta exportadora brasileira, explica Welber Barral, sócio da consultoria BMJ e ex-secretário de Comércio Exterior. As vendas externas à União Europeia, porém, mostraram transformação maior no período mais recente.
Em razão da importante exportação de commodities agrícolas e metálicas à China e demais países do continente asiático, a exportação total brasileira já tinha maior participação de produtos mais básicos antes da pandemia. De janeiro a maio de 2019 a fatia de itens não manufaturados era de 42,2% da exportação total brasileira, 5,7 pontos percentuais acima do da pauta à UE. Em 2023, os produtos não manufaturados avançaram para 48,5%, sempre nos mesmos cinco meses.
O fenômeno decorre de fatores estruturais e não é novo, mas foi acentuado por questões conjunturais do período mais recente, aponta José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Houve uma sucessão de fatores mais recentes que afetaram o comércio com os países europeus, diz Castro. O conflito entre Estados Unidos e China, que ficou mais claro desde 2018, já começou a estimular a busca da diversificação de fornecimento, o que beneficiou as commodities brasileiras. A pandemia intensificou esse processo, além de ter resultado em aumento de cotações de produtos exportados pelo Brasil, como minério de ferro, no processo de retomada da atividade após a crise sanitária.
E, mais recentemente, a eclosão da guerra no Leste Europeu fez os países da UE procurarem por novas fontes de fornecimento de alimentos e energia como tentativa de reduzir a dependência do fornecimento russo. Todos esses fatores, diz Castro, fizeram com que a exportação brasileira aos europeus crescesse nos últimos anos baseada em produtos primários.
Ao mesmo tempo, a perda de competitividade da indústria doméstica fez os embarques de manufaturados perderem força, o que levou à redução de intensidade tecnológica nos embarques, diz Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). “É um fenômeno de reprimarização que afeta a pauta total de exportação brasileira e a União Europeia não foge desse padrão geral. O processo está ligado ao atraso tecnológico da economia brasileira, resultado de problemas sistêmicos que impedem que a atividades de maior intensidade tecnológica, com cadeias produtivas mais longas, se desenvolvam.”
Os dados de 2022 mostram que a exportação brasileira rumo aos países da UE somou US$ 50,89 bilhões no ano passado, 39,3% a mais do embarcado em 2021 e 69,8% acima do valor de 2019. O petróleo bruto, topo do ranking dos embarques, totalizou US$ 9,2 bilhões no ano passado contra US$ 1,6 bilhão quatro anos antes. Soja e farelo juntos somaram US$ 8,8 bilhões em 2022 ante US$ 4,8 bilhões em 2019. Café cresceu 97% e milho, 165%, em igual período. Todos esses itens entre os dez mais vendidos ao bloco europeu.
As compras de petróleo, soja e milho brasileiros pela Espanha somaram US$ 6,85 bilhões no ano passado, mais que o triplo dos US$ 2,1 bilhões há quatro anos. O aumento fez o país subir no período do nono ao quinto lugar no ranking global dos países que mais compram do Brasil. Em 2022, o Brasil foi o terceiro maior fornecedor de petróleo para os espanhóis e o principal de milho e soja.
Entre os itens da alta ou média-alta intensidade tecnológica, helicópteros e pequenos aviões caíram de US$ 486 milhões para US$ 266 milhões em embarques de 2019 a 2023. Turborreatores e turbopropulsores, de U$ 284 milhões para US$ 76 milhões Na 13ª e 17ª posição dos mais exportados aos europeus em 2019, esses itens caíram em 2022 para 22º e 62º lugares, respectivamente. Helicópteros e pequenos aviões foram menos demandados no período por Espanha e Alemanha e turborreatores, por alemães e portugueses.
Ainda que neste ano as exportações brasileiras para a União Europeia devam cair em razão de ajuste de preços e desaceleração da atividade no destino, o quadro de menor intensidade tecnológica nos embarques não deve mudar, avalia Castro. Segundo estimativas da AEB o valor embarcado ao bloco europeu deve cair 10% este ano contra 2022. De janeiro a maio as exportações aos europeus somaram US$ 18,9 bilhões, com queda de 6,2% em relação a igual período do ano passado. Petróleo bruto e soja, incluindo farelo e grãos, somaram 39,3% dos embarques.