IEDI na Imprensa - Indústria de transformação piora déficit e vendas perdem sofisticação
Valor Econômico
Segmento tem saldo negativo de US$ 53 bilhões, o maior desde 2014
Marta Watanabe
Enquanto a balança comercial como um todo fechou 2021 com superávit recorde, a indústria de transformação viu seu déficit se aprofundar para US$ 53,3 bilhões, o pior resultado desde 2015. No pré-pandemia, em 2019, o saldo negativo foi de US$ 42 bilhões, segundo dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).
Em outro tipo de cálculo, por classe de produtos, levantamento da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) mostra que o déficit em manufaturados chegou a US$ 111 bilhões em 2021, o pior desde 2000, pelo menos. A diferença é de quase US$ 40 bilhões em relação a 2019, quando o déficit nesse critério foi de US$ 82,7 bilhões.
O déficit da indústria de transformação em 2021 se aprofundou mesmo com o aumento de 26,3% das exportações do setor em relação a 2020. Na comparação com 2019 também houve alta: de 14%. A importação, porém, cresceu em ritmo maior. De 2020 para o ano passado o avanço foi de 35,1%.
“É preciso destacar também que há uma base baixa de comparação”, aponta Rafael Cagnin, economista do IEDI. Mesmo antes da pandemia, lembra, em 2019, a exportação da indústria de tranformação caiu 5,2% contra o ano anterior, sob efeitos do conflito comercial entre EUA e China e da já combalida economia argentina.
Mais que o tamanho do déficit, diz Cagnin, o que preocupa mais é a acentuada deterioração em setores com maior intensidade tecnológica, importantes não só por propiciar dinamismo econômico como também pela maior inserção nas cadeias globais de produção.
A série histórica desde 1997 do IEDI mostra que em 2013 a indústria de transformação teve o pior déficit (US$ 65,3 bilhões). Naquele ano, os ramos de média-alta e alta tecnologia somavam 36,1% da exportação total da indústria de transformação. No ano passado a fatia foi de 27,6%. Nessas duas faixas tecnológicas estão as indústrias de aeronaves, farmacêutica, automobilística e de máquinas e material elétrico, entre outras.
A alta tecnologia, especificamente, destaca Cagnin, caiu de 6,4% para 3,9% em igual período. Nesse grupo, diz, a indústria de aeronaves passa ainda pelos efeitos conjunturais da pandemia de covid-19. O cenário mostra, porém que a perda de espaço na balança já vinha acontecendo antes.
Cagnin chama atenção para uma espécie de “espelhamento” nos dados relacionados à composição da pauta de importação e exportação segundo a intensidade tecnológica. Enquanto 72,4% das exportações da indústria de transformação são de bens de baixa e média-baixa intensidade tecnológica e menos de 30% são de alta e média-alta tecnologia, na importação acontece o inverso. Na pauta de desembarques 71,6% são bens típicos da indústria de média-alta e alta tecnologia e o restante é de média-baixa e baixa tecnologia.
“Esse padrão reflete defasagens em tecnologia e inovação que se acentuaram nos últimos anos e que podem se acentuar ainda mais”, alerta. Ele lembra que atualmente o mundo passa por um processo de transformação, como a digitalização, que redefinem os padrões tecnológicos que são utilizados no resto do mundo e resultam em maior competitividade.
Para Cagnin, integrar-se às cadeias globais de valor é crucial para se manter em linha com essa evolução. Para isso, diz ele, é preciso um ambiente de modernização e inovação tecnológica, além de condições para essa inserção. É necessário, defende, um avanço na agenda de competitividade e de integração comercial, o que passa pela discussão de questões antigas e não resolvidas (reforma tributária, por exemplo), como também por novos debates relacionados à corrida tecnológica e as políticas voltadas para isso.
A integração comercial, diz, demanda uma abertura comercial que deve gerar não somente importação, mas também exportação. Uma abertura, acrescenta ele, que vá além de questões tarifárias, mas que permita ao país estar em harmonia com regulações diversas, como fitossanitárias, normas técnicas, mecanismos de rastreabilidade, selos e certificações. “Há oportunidade de avançar nessa integração e fincar pé no mundo em transformação.”
Para Livio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e sócio da consultoria BRCG, os dados do IEDI mostram que a posição brasileira estratégica em termos de setores, de vantagens comparativas e de agregação de valor em P&D é muito limitada a segmentos específicos que têm alcance mais global. “Para além disso, no agregado a nossa indústria manufatureira voltada para exportação tem um tom excessivamente regional. Além disso, há uma indústria de meio de cadeia que não é competitiva no mundo e é cada vez menos competitiva na nossa região.” Um reflexo disso, diz, é a perda de mercado na América do Sul para os asiáticos.
Para Ribeiro, é preciso avaliar quais setores que podem ter condições de competir e poderiam ser alvo de uma política nesse sentido. Isso, porém, diz ele, precisa ser feito de forma cuidadosa, que permita ao setor caminhar com suas próprias formas. A avaliação, defende, deve considerar a indústria de forma ampla, com vista ao melhor custo-benefício ao país.
Os dados compilados pela AEB com base em levantamento da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) também mostram que a perda de participação dos manufaturados na exportação total brasileira é um fenômeno de longa data. Em 2011, eles representavam 36,1% dos embarques e no ano passado, 27,4%. Foram os básicos que avançaram no período, de 47,8% para 59,4% da exportação brasileira, quase sete pontos percentuais a mais que em 2019. Os semimanufaturados ficaram com fatia muito parecida, de 14,1% em 2011 para 13,2% em 2021.
José Augusto de Castro, presidente da AEB, destaca que a participação dos manufaturados foi a menor desde 2000. O embarque maior de básicos, classe integrada principalmente por commodities agrícolas e metálicas, se deve à alta produtividade brasileira nesses setores, o que tem propiciado robustos superávits comerciais para o país. Ele defende, porém, que é preciso condições melhores de competitividade para estimular a exportação de manufaturados, que contribuiria também para a criação de mais empregos no país.
Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Abicalçados, diz que a exportação contribuiu para a recuperação do setor calçadista no ano passado. O embarque de calçados brasileiros subiu 32% em volume entre 2021 e 2020. Em valores, a alta foi de 36%. O maior mercado externo foi o americano.
Daiane Santos, economista da Funcex, diz que é preciso olhar para os principais destinos de exportação de manufaturados. A China, apesar de ser o principal parceiro comercial do Brasil, com 31% dos embarques brasileiros em 2021, consumiu apenas 2,3% dos manufaturados brasileiros exportados. Os EUA são o principal comprador de bens dessa classe foram: absorveram 21,6% dos manufaturados. A Argentina ficou com 12,9%. Na exportação total brasileira de 2021 os dois países ficaram com fatia de 11% e 4%, respectivamente.