Carta IEDI
O Investimento Estrangeiro no Brasil e Seu Impacto Sobre o Setor Externo
O impacto do último ciclo de IDE (investimento direto estrangeiro) para o Brasil tem sido um tema com presença destacada nos estudos realizados pelo IEDI e no debate econômico nacional dos últimos anos.
A questão tem implicações amplas, mas é particularmente relevante em termos do resultado em transações correntes do balanço de pagamentos brasileiro, que nos últimos anos foi fonte de constrangimentos à evolução da economia.
É sabido que o Brasil necessita consolidar e ampliar um superávit comercial que, em 2002, foi obtido mediante uma grande queda das importações, que, por seu turno, resultou da estagnação da economia e da elevadíssima desvalorização da moeda.
Também é conhecido o fato de que o comércio internacional representa pouco na economia brasileira e que seria vantajoso elevar o envolvimento do país no comércio exterior.
Os resultados do Censo de Capitais Estrangeiros de 2000, realizado pelo Banco Central, auxiliam em mostrar que a retomada em larga escala dos investimentos estrangeiros para o Brasil a partir de meados da década passada trouxe, relativamente, pouca contribuição para setores com maior saldo e maior corrente de comércio, dirigindo-se, em sua maioria, para segmentos tipicamente deficitários no comércio ou de baixo envolvimento de comércio exterior.
Isso fez com que a empresa controlada pelo capital estrangeiro gerasse um significativo déficit comercial.
Além desse efeito, os maiores gastos com juros, remessas de lucros e pagamentos de royalties tornaram a empresa com participação majoritária do capital estrangeiro a principal responsável pelo volumoso déficit em transações correntes do país.
A empresa estrangeira passou a responder por 61% do déficit em transações correntes brasileiro no ano 2000 (31,8% em 1995) e por cerca de 2/3 (66,9%) do aumento da dívida externa do país entre 1995 e 2000.
Isso não significa dizer que no recente ciclo de investimentos o capital estrangeiro não contribuiu para ampliar as exportações brasileiras e enobrecê-las, como já o fizera em outras épocas, mas, sim, que uma política francamente desfavorecedora dos investimentos voltados à exportação, como foi a política cambial do período 1994/98, aliada à ausência de uma política de atração de investimentos para o desenvolvimento de setores criteriosamente selecionados como estratégicos ao objetivo de fortalecer o comércio exterior deixou como resultado direto do recente ciclo de IDE o agravamento do desequilíbrio externo do país.
Não deriva das conclusões acima a recomendação de qualquer tipo de restrição ao capital produtivo estrangeiro, mas, sim, que convém ao país adotar políticas, como, a propósito, outros países de economia emergente fazem, para estimular e atrair o capital estrangeiro para setores exportadores e/ou para segmentos que permitam uma maior integração do país nos fluxos internacionais de comércio.
A recomendação de políticas com esse objetivo foi encaminhada pelo IEDI ao novo governo.
Leia mais sobre o tema no texto a seguir
O Investimento Estrangeiro: Trajetória e Relevância para o Brasil. A economia brasileira tem como uma de suas principais características o elevado grau de internacionalização da estrutura produtiva, com ampla presença de empresas de capital estrangeiro exercendo papel de liderança em diversos setores industrias e, sobretudo após a privatização de empresas e bancos estatais nos anos 1990, também em setores não industriais.
Esse não é um fenômeno novo. O investimento direto estrangeiro (IDE) na indústria e o papel das empresas transnacionais (ETs) em setores dinâmicos da economia são aspectos constitutivos da industrialização brasileira. Juntamente com as empresas de capital nacional privado e público, as filiais das ETs foram fundamentais para o desenvolvimento e a consolidação de uma estrutura produtiva diversificada e convergente com a dos países mais desenvolvidos, ao menos no que tange ao peso dos diferentes setores na estrutura industrial.
Embora tivessem importância no crescimento e diversificação da pauta de exportações ocorrida ao longo da década de 1970, o mercado externo era atividade relativamente marginal no conjunto de operações das ETs, em dimensão inferior, por exemplo, ao das grandes empresas nacionais.
Essa situação se alterou um pouco na década de 80, quando as ETs destacaram-se na elevação das exportações e na geração de superávits comerciais, aumentando sua participação nas exportações brasileiras.
Enquanto as exportações de manufaturados do Brasil cresceram a uma taxa média anual de 3,2% entre 1980 e 1989, para as empresas classificadas como estrangeiras entre as 1.000 maiores exportadoras, o crescimento foi de 5%.
Nesses anos, os fluxos de IDE tiveram redução acentuada, combinada com o aumento das remessas de lucros para o exterior.
Somente na década de 90, em especial em sua segunda metade, é que a economia brasileira voltaria a ser receptora de vultosos fluxos de IDE. Além da abertura financeira e do processo de privatização, ambos inaugurados no começo da década, a estabilização a partir de 1994 e a reativação da demanda estimularam novamente o ingresso de investimentos estrangeiros.
A fragilidade das empresas nacionais em conseqüência do elevado custo de capital e de tributação internos foi outro fator que impulsionou o ingresso de investimentos estrangeiros, levando à desnacionalização. Assim, a presença das ETs na estrutura industrial, que já era vasta, cresceu ainda mais.
Partindo de um nível médio de US$ 2 bilhões na primeira metade da década de 1990, o IDE atingiu o auge em 2000, quando mais de U$S 32 bilhões líquidos ingressaram no país. Em 2001/2002, o investimento estrangeiro para a economia brasileira diminuiu em razão de uma substancial contração mundial de IDE e da instabilidade interna da economia.
Nos fluxos mundiais, a participação brasileira que era inferior a 1% na primeira metade da década, alcançou 4,2% em 1998. Entre 1999 e 2001, a participação do Brasil caiu, porém mantendo volumes absolutos elevados.

Em função da vulnerabilidade externa brasileira, os impactos desses novos investimentos sobre o comércio exterior do país e sobre o déficit em transações correntes passaram a ser temas centrais do debate sobre as possibilidades de crescimento sustentado da economia brasileira.
A Empresa Estrangeira e o Déficit Externo. Essas questões foram tratadas no estudo que o IEDI acaba de publicar (“O Investimento Estrangeiro na Economia Brasileira e o Investimento de Empresas Brasileiras no Exterior”, disponível no site IEDI, www.iedi.org.br) com base nos resultados dos Censos de Capitais Estrangeiros de 1995 e de 2000. Foram estimados os impactos do ciclo de IDE dos anos 1990 sobre o déficit em transações correntes e sobre o comércio exterior brasileiro.
A conclusão, no primeiro caso, foi que as empresas com controle estrangeiro passaram a responder por parcela maior do grande déficit externo gerado pelo país. Em 2000, para um déficit total em transações correntes de US$ 24,3 bilhões (US$ 18,4 bilhões em 1995), o déficit das empresas controladas pelo capital estrangeiro atingiu US$ 14,9 bilhões (US$ 6,2 bilhões em 1995), o correspondente a 61,4% (33,8% em 1995).

O maior desequilíbrio dessas empresas decorreu de um substancial aumento de seu déficit comercial ao lado de maiores pagamentos líquidos de juros e royalties, como mostram os dados a seguir.

Note-se que as empresas com participação estrangeira minoritária (participação entre 10% e 50%, que se aproxima conceito de joint venture) deram contribuição positiva (foram geradoras de saldo) ao resultado das contas externas brasileiras.
Uma outra constatação importante do estudo é que as empresas com participação estrangeira majoritária foram responsáveis por mais de 2/3 (66,9%) do aumento de US$ 76,9 bilhões da dívida externa brasileira nesse mesmo período. As posições de cada um dos agentes na formação da dívida externa (incluindo as dívidas intercompanhias) do Brasil é mostrada a seguir.

As evidências acima resumidas não autorizam concluir que no recente ciclo de investimentos o capital estrangeiro não contribuiu para ampliar as exportações brasileiras e enobrecê-las, como já o fizera em outras épocas, mas, sim, que uma política francamente desfavorecedora dos investimentos voltados à exportação, como foi a política cambial do período 1994/98, aliada à ausência de uma política de atração de investimentos voltada ao desenvolvimento de setores criteriosamente selecionados como estratégicos ao objetivo de fortalecer o comércio exterior (além de objetivos como os do desenvolvimento tecnológico e da diversificação industrial) deixou como resultado direto do recente ciclo de IDE o agravamento do desequilíbrio externo do país.
Sabemos que o programa de privatização de empresas foi um forte condicionante da atração e orientação dos investimentos estrangeiros no período. Mas a observação pertinente é que as conclusões acima se mantêm, mesmo sendo levado em conta esse fator.
O Impacto do IDE no Comércio Exterior. Para analisar o impacto do IDE sobre os fluxos de comércio, as empresas com participação estrangeira (que engloba as empresas com participação majoritária e minoritária) foram classificadas em 4 grupos, de acordo com a importância das exportações e importações para as suas operações.
No primeiro grupo, composto por setores com propensão a exportar (relação entre exportações e receita operacional líquida) acima da média e propensão a importar (relação entre importações e receita operacional líquida) abaixo da média (Setores de Exportação – Superávit) predominam os setores primários ou industriais que utilizam intensamente recursos naturais e em geral apresentam valores elevados de exportação e importações bastante baixas. A propensão a exportar era de 35,7% em 2000, contra 8% de propensão a importar. São, portanto, setores que contribuem fortemente para a geração de saldos comerciais positivos. Em 2000, o superávit do grupo foi de US$ 10 bilhões.
O segundo (Setores Deficitários), formado pelos setores com propensão a exportar e a importar respectivamente abaixo e acima da média, tem importações muito superiores às importações. É composto em grande parte por setores industriais demandantes de insumos importados como o setor químico, material eletrônico e de comunicações e equipamentos de informática. Em conjunto, o grupo teve déficit de US$ 8,1 bilhões no ano 2000.
O terceiro grupo conta com os setores de baixos volumes de exportação e importação, tanto em termos absolutos quanto em relação à receita (Setores de Baixo Comércio). A propensão a exportar é de 3,3% e a importar, de 5%. Em geral, são setores de serviços, tipicamente non-tradables. O grupo era deficitário em US$ 1,6 bilhões em 2000.
O grupo 4 reúne os setores que apresentam um grau maior de integração ao comércio exterior, tanto pelo lado das exportações quanto pelo lado das importações (Setores de Elevado Comércio). Em sua grande maioria são setores industriais com volumes significativos de comércio, embora com saldos comerciais, positivos ou negativos, relativamente reduzidos. O saldo comercial do grupo era de US$ 1,5 bilhões.
Ao verificar o quanto cada grupo recebeu de fluxos de investimento no período 1996-2001, pode-se ter uma idéia mais clara do impacto do IDE recente sobre o comércio exterior brasileiro.
De todo o IDE acumulado entre 1996 e 2001, 60,2% foi direcionado para o grupo 3 (Setores de Baixo Comércio), cuja participação no total das exportações das empresas estrangeiras é de 9,1% e de 14,7% nas importações.

Cerca de ¼ do total do fluxo de IDE foi para o grupo 2 (Setores Deficitários), o grupo de importações elevadas e saldo comercial negativo. Enquanto esse grupo responde por 41,9% das importações, participa com apenas 15,1% das exportações.
O grupo 1 (Setores de Exportação – Superávit), que tem maior propensão a exportar do que a importar, recebeu o equivalente a apenas 6,9% do IDE acumulado entre 1996 e 2001. O grupo participa com 38,8% no total exportado e de 9,2% das importações das empresas estrangeiras.
O menor volume de investimento coube ao grupo 4 (Setores de Elevado Comércio), cujo envolvimento comercial é maior tanto através das exportações quanto das importações. Esse grupo teve uma participação de 6,5% no total dos fluxos, contra uma participação de 36,8% no total exportado e 34,1% no total importado.


Resumindo, em seu último ciclo iniciado em meados dos anos 1990, o investimento estrangeiro no Brasil dirigiu-se muito mais para os setores com baixa expressão direta em exportações e importações ou setores altamente deficitários no comércio exterior. Nada menos do que 87% dos US$ 125 bilhões de ingressos de investimentos diretos estrangeiros entre os anos de 1996 e 2001, ou quase US$ 110 bilhões foi para esses setores. Correspondeu a apenas 13%, ou US$ 16 bilhões, os investimentos em setores de maior corrente de comércio (exportações e importações) ou setores superavitários.
Tendência Após a Mudança da Política Cambial. Os dados mais recentes mostram que, na margem, o destino do investimento estrangeiro vem dando sinais de mudança após a introdução do câmbio flutuante. A alteração, que é perceptível nos anos 20001/2002, é ainda tímida, tanto porque coincide com a retração econômica mundial e dos fluxos mundiais de investimento, além da estagnação e do agravamento da instabilidade no plano interno. Mas já denota uma maior participação dos investimentos estrangeiros em setores exportadores e com maior corrente de comércio.

Não deriva das conclusões acima a recomendação de qualquer tipo de restrição ao capital produtivo estrangeiro, mas, sim, que convém ao país adotar políticas, como, a propósito outros países de economia emergente fazem, para estimular e atrair o capital estrangeiro para setores exportadores e/ou para segmentos que permitam uma maior integração do país nos fluxos internacionais de comércio.