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                          Carta IEDI

                          Edição 358
                          Publicado em: 09/04/2009

                          A Crise Internacional e a Economia Brasileira: O Efeito-contagio Sobre as Contas Externas em 2008

                          Sumário

                          A crise financeira internacional atingiu vários segmentos da economia brasileira em 2008, mas em diferentes timings e intensidades. As contas externas brasileiras foram afetadas mediante vários mecanismos de transmissão sobre as transações correntes e os fluxos de capitais que, contudo, não foram suficientes para tornar negativo o saldo do balanço de pagamentos em 2008. Este foi superavitário em US$ 2,9 bilhões, cifra muito menor que o recorde histórico de US$ 87,5 bilhões registrado em 2007, mas, em contrapartida, expressivamente superior aos registrados no biênio 1998-1999 e em 2002, quando eclodiram as crises cambiais precedentes.

                          As transações correntes apresentaram forte deterioração em 2008 – déficit de US$ 28,3 bilhões, o primeiro do governo Lula e o mais elevado desde 1998 –, em razão tanto da redução do superávit comercial (de US$ 40 bilhões para US$ 24,7 bilhões), como do aumento das remessas de serviços e rendas (de US$ 42,3 bilhões para US$ 57,3 bilhões). No âmbito do comércio exterior de bens, a queda de seu saldo decorreu, em grande parte, da interação de dois fatores macroeconômicos – a trajetória de forte e ininterrupta apreciação do real entre 2004 e julho de 2008 e a aceleração do crescimento econômico a partir de 2007 –, que tiveram um duplo efeito negativo sobre este saldo: o impulso às compras e o desestímulo às vendas externas. As primeiras tiveram excepcional evolução em 2008 (43,6%), enquanto estas ainda registraram uma taxa razoável (23,2%) de crescimento, o que atenuou a queda do superávit comercial – que, por partir de um valor muito elevado em 2007 (US$ 40 bilhões), manteve-se em um nível capaz de contribuir positivamente para a sustentação das contas externas.

                          O resultado das exportações está relacionado à interação entre o perfil da pauta exportadora brasileira e os mecanismos de transmissão da crise sobre os fluxos comerciais. Países, como o Brasil, com uma elevada participação das commodities nesta pauta, até meados de 2008 se beneficiaram da aceleração dos aumentos dos preços internacionais desses bens. No entanto, já a partir de junho e julho, as perspectivas de retração da demanda mundial afetaram negativamente esses preços, que ingressaram numa trajetória de deflação. No caso brasileiro, esta reviravolta não foi suficiente para anular os ganhos obtidos no primeiro semestre de 2008. A crise também influenciou o desempenho das transações correntes mediante seu impacto sobre as rendas de investimento, que registraram um déficit recorde em termos históricos em 2008 (US$ 41.107 milhões, 38,2% superior ao registrado em 2007). Mesmo que este resultado esteja associado, igualmente, a fatores conjunturais internos, como a maior lucratividade das empresas presentes no Brasil em 2007 e a valorização do real até julho, ele foi impulsionado pelo aumento das remessas de lucros e dividendos pelas filiais das empresas e bancos internacionais para suas matrizes com o objetivo de compensar perdas em outros mercados, bem como de atender à necessidade de “caixa” no exterior, dada a dificuldade de renovação das linhas de créditos.

                          Os investimentos diretos externos (IDE) mantiveram-se favoráveis no período. No trimestre final de 2008 o IDE somou US$ 14.205 milhões, praticamente o mesmo valor do trimestre anterior. No ano, chegou a US$ 40.060 milhões (US$ 34.585 milhões em 2007). Nesse caso, os fluxos favoráveis a despeito da crise internacional se explicam pelo perfil menos volátil dessa modalidade de capital estrangeiro, que depende de decisões passadas de produção e investimento. Essas decisões foram estimuladas, em geral, pelo maior crescimento da economia brasileira em 2007/2008 e, de forma mais particular, pelas perspectivas de lucro nos setores produtores de commodities com alta cotação internacional e nas indústrias baseadas em recursos naturais, bem como pelo dinamismo do mercado interno (que favoreceu investimentos nas indústrias automobilística e de máquinas e equipamentos).

                          A retração dos fluxos de capitais exerceu pressões sobre a taxa de câmbio do real, que se depreciou 27,25% entre 15 de setembro e 31 de dezembro de 2008. Considerando as médias de cotações mensais do dólar entre julho (mês de menor cotação no ano, R$ 1,57) e dezembro (R$ 2,34), a variação chegou a 49,2%. Contudo, ao contrário dos episódios anteriores de crises cambiais, a economia brasileira desta feita se encontrava numa posição menos vulnerável, em função do estoque recorde de US$ 207,5 bilhões de reservas internacionais (superior à dívida externa pública, de US$ 78,4 bilhões) e da posição ativa em dólares nas operações de swaps cambiais, que tornaram o governo credor líquido em moeda estrangeira. Nessa situação inédita, o setor público obteve lucros com a desvalorização cambial, que contribuíram para que a sua dívida líquida atingisse o menor patamar em termos históricos (36% do PIB em dezembro de 2008). Ademais, o BCB contava com um leque bem mais amplo e poderoso de instrumentos para conter os efeitos da crise e do desarme das operações que antes promoviam a valorização da moeda nacional.

                          A atuação do Banco Central se pautou, entre setembro e dezembro, pela venda de US$ 23,5 bilhões no mercado de câmbio à vista mediante as intervenções tradicionais e duas novas modalidades (os leilões de dólares com compromisso de recompra e as linhas de empréstimos em moeda estrangeira destinadas ao financiamento do comércio exterior, instituídos em setembro e outubro, respectivamente). Por outro lado, interrompeu a rolagem dos contratos de swaps reversos e voltou a realizar leilões de swaps cambiais, nos quais assume uma posição passiva em dólar. Todavia, a autoridade monetária brasileira poderia ter sido mais ativa no sentido de conter a desvalorização cambial (já que instrumentos para isso não lhe faltavam, ao contrário de episódios de crises anteriores), o que teria amenizado o problema que a impediu, segundo sua própria avaliação, de promover reduções da taxa básica de juros nos meses de crise, qual seja, o impacto dessa desvalorização sobre a inflação. A desaceleração muito forte no crescimento da economia devido à crise internacional restringiu a gravidade desse problema no presente contexto, o que libera a política monetária dos juros extraordinariamente altos praticados no país.

                          O Efeito-contágio Sobre as Contas Externas. As contas externas brasileiras foram afetadas mediante vários mecanismos de transmissão sobre as transações correntes e os fluxos de capitais. Isso, contudo, não foi suficiente para tornar negativo o saldo do balanço de pagamentos em 2008. Este foi superavitário em US$ 2,9 bilhões, cifra muito menor que o recorde histórico de US$ 87,5 bilhões registrado em 2007 – associado ao pico do ciclo de liquidez internacional iniciado em 2003, que entrou na sua fase descendente em 2008.

                          O resultado de 2008 foi, todavia, expressivamente superior aos registrados no biênio 1998-1999 e em 2002, quando eclodiram as crises cambiais precedentes. Se excluirmos os empréstimos com o FMI e, assim, considerarmos somente o balanço de pagamentos voluntário, os déficits daqueles anos foram de, respectivamente, US$ 17.299 milhões, US$ 10.788 milhões e US$ 11.178 milhões.  Incluindo esses empréstimos, somente em 2002 as contas externas tiveram saldo positivo de apenas US$ 302 milhões.

                          Assim, é importante examinar a evolução das principais contas do balanço de pagamentos em 2008 para identificar os fatores subjacentes à sua deterioração em relação a 2007, bem como aqueles que atuaram no sentido de amenizá-la, possibilitando um resultado ainda positivo e mais favorável que os observados em 1998, 1999 e 2002, a despeito da profundidade da crise financeira internacional.

                          As transações correntes apresentaram forte deterioração em 2008 – déficit de US$ 28,3 bilhões, o primeiro do governo Lula e o mais elevado desde 1998 –, em razão tanto da redução do superávit comercial (de US$ 40 bilhões para US$ 24,7 bilhões, queda de 38,2%), como do aumento das remessas de serviços e rendas (de US$ 42,3 bilhões para US$ 57,3 bilhões, alta de 36%). Na análise desse resultado, é importante diferenciar seus determinantes macroeconômicos e estruturais dos fatores associados ao efeito-contágio da crise.

                          No âmbito do comércio exterior de bens, a queda de seu saldo decorreu, em grande parte, da interação de dois fatores macroeconômicos – a trajetória de forte e ininterrupta apreciação do real entre 2004 e julho de 2008 e a aceleração do crescimento econômico a partir de 2007 –, que tiveram um duplo efeito negativo sobre este saldo: o impulso às compras e o desestímulo às vendas externas. As primeiras tiveram excepcional evolução em 2008 (43,6%), enquanto estas ainda registraram uma taxa razoável de crescimento (23,2%), embora bem inferior às observadas nos anos anteriores, o que atenuou a queda do superávit comercial. Tal superávit caiu, mas, por partir de um valor muito elevado em 2007 (US$ 40 bilhões), manteve-se em um nível (US$ 24,8 bilhões) capaz de contribuir positivamente para a sustentação das contas externas em um contexto de crescente adversidade da economia internacional.

                          O resultado das exportações está relacionado à interação entre o perfil da pauta exportadora brasileira (fator estrutural) e os mecanismos de transmissão da crise sobre os fluxos comerciais. Países, como o Brasil, com uma elevada participação das commodities nas vendas externas, até meados de 2008 se beneficiaram da aceleração dos aumentos dos preços de bens agrícolas, minerais, energéticos e commodities industriais no mercado internacional. Tal aceleração já podia ser interpretada como um dos primeiros efeitos colaterais da crise financeira internacional, na medida em que os fundos de investimento de perfil mais especulativo, em um contexto de queda da taxa de juros nos países centrais, como os EUA, ampliaram suas aplicações nos mercados futuros de commodities no segundo semestre de 2007 e primeiro de 2008 no afã de obter lucros e atenuar suas perdas nas aplicações vinculadas às hipotecas subprime, o que elevou as cotações. No entanto, mesmo antes do agravamento em setembro da crise internacional, ou seja, já a partir de junho e julho, as perspectivas de retração da demanda mundial de bens e serviços afetaram negativamente os preços desses bens, que ingressaram numa trajetória oposta, de deflação.

                          No caso brasileiro, essa reviravolta nos mercados de commodities não foi suficiente para anular os ganhos obtidos no primeiro semestre de 2008. No acumulado de janeiro a dezembro (frente ao mesmo período do ano anterior), os preços das exportações cresceram 26,3% e garantiram para o ano uma expansão superior a 20% (23,2%) das vendas ao exterior em valor, a despeito de uma queda de 2,5% das quantidades vendidas. Esta queda, por sua vez, não deve ser atribuída somente aos efeitos da crise sobre o volume de exportações, já que era um processo que se desenvolvia com antecedência, motivado pela valorização da moeda nacional. Dois canais adicionais de transmissão da crise agravaram a intensidade desse processo nos últimos três meses do ano: a retração da demanda externa e a contração dos créditos comerciais a partir de setembro. Devido aos novos fatores associados à crise, a redução do quantum de exportação no último trimestre de 2008 alcançou uma taxa muito maior do que a média do ano: 8,7%.

                          A crise também influenciou o desempenho das transações correntes mediante seu impacto sobre as rendas de investimento, que registraram um déficit recorde em termos históricos em 2008 (US$ 41.107 milhões, 38,2% superior ao registrado em 2007). Mesmo que esse resultado esteja associado, igualmente, a fatores conjunturais internos, como a maior lucratividade das empresas presentes no Brasil em 2007 e primeira metade de 2008 e a valorização do real até julho, ele foi impulsionado pelas maiores remessas de lucros e dividendos por parte das filiais das empresas e bancos internacionais para suas matrizes, com o objetivo de compensar perdas em outros mercados e para atender à necessidade de “caixa” no exterior, dada a dificuldade de renovação das linhas de crédito.

                          Tal aumento se manifestou desde o primeiro trimestre de 2008, ou seja, também antes do aprofundamento da crise após a quebra do Lehman Brothers. Somente no último trimestre, o volume dessas remessas não superou o registrado em igual período de 2007. A forte desvalorização do real no período foi um fator que concorreu para reduzir o montante em dólar das remessas. No ano como um todo, seu crescimento foi de 53,1% em relação a 2007, sendo responsáveis por 82,5% do aumento do déficit da conta de rendas de investimento. O restante dessa alta é explicado pela expansão das rendas de investimento de portfólio em ações (lucros e dividendos, que cresceram quase 50% frente ao ano anterior), também para cobrir prejuízos financeiros.

                          O crescimento das remessas de lucros e dividendos pelas filiais das empresas transnacionais e das remessas de dividendos pelos investidores de portfólio em ações se revelou um importante mecanismo de transmissão da crise sobre as contas externas brasileiras, devido ao elevado estoque de passivo externo do país, reflexo de características estruturais (grau de internacionalização da estrutura produtiva e de abertura financeira) e da sua forte expansão nos últimos anos (112,3% entre dezembro de 2005 e junho de 2008), em especial em 2007 (50,7% frente a dezembro de 2006). Essa expansão decorreu, por sua vez, do aumento das aplicações de portfólio de não-residentes e, em menor medida, dos investimentos diretos estrangeiros (respectivamente, 142,9% e 94,9% no período como um todo e 67,9% e 39,1% em 2007).

                          A dimensão e a composição do passivo externo brasileiro (com destaque para a alta participação dos investimentos estrangeiros de portfólio) também condicionaram os efeitos da crise sobre o ingresso líquido de recursos externos e, assim, sobre a conta financeira do balanço de pagamentos (que registra o fluxo líquido de capitais entre o país e o exterior). Esse ingresso tornou-se negativo no último trimestre do ano (ou seja, após o aprofundamento da crise), resultando em déficits mensais. No acumulado de outubro a dezembro de 2008, a conta financeira registrou déficit de US$ 21.536 milhões, enquanto no ano como um todo seu valor foi positivo em US$ 31.895 milhões.

                          O efeito-contágio da crise sobre o ingresso líquido de capitais externos nos três últimos meses de 2008, associado ao contexto de crescente aversão ao risco e preferência pela liquidez em âmbito global, deu-se mediante dois principais mecanismos de transmissão – a liquidação das aplicações de portfólio no mercado financeiro doméstico e a contração dos créditos externos, inclusive daqueles direcionados ao comércio exterior –, que contaminaram as duas modalidades de fluxos financeiros, “investimentos de portfólio” e “outros investimentos” (os quais englobam diversas modalidades de créditos, financiamentos e empréstimos), que se tornaram deficitárias, respectivamente, a partir de outubro e de novembro. Nesse contexto, o governo adotou um conjunto de medidas para atenuar a escassez de liquidez no mercado de câmbio e as pressões em prol da depreciação do real.

                          Antes de detalhar esses fluxos, é importante mencionar que os investimentos diretos externos (IDE) mantiveram-se favoráveis nesse período, mesmo se excluirmos a operação de venda pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) de parte de uma das suas subsidiárias no exterior, no valor de US$ 3 bilhões, que inflou o resultado do IDE para dezembro. No trimestre final de 2008, o IDE somou US$ 14.205 milhões, praticamente o mesmo valor do trimestre anterior, US$ 14.145 milhões. No ano, chegou a US$ 40.060 milhões (US$ 34.585 milhões em 2007). Nesse caso, os fluxos favoráveis a despeito da crise internacional se explicam porque essa modalidade de capital estrangeiro tem um perfil menos volátil e um comportamento menos dependente das mudanças de conjuntura, em razão das decisões passadas de produção e investimento.

                          Essas decisões foram estimuladas, de um ponto de vista geral, pelo maior crescimento da economia brasileira em 2007/2008. De forma mais particular, foram favorecidas pelas perspectivas de lucro nos setores produtores de commodities com alta cotação internacional (principalmente extrativa mineral e biocombustíveis) e nas indústrias baseadas em recursos naturais (como metalurgia e produtos alimentícios), dada a trajetória altista dos preços desses bens até meados de 2008, bem como pelo dinamismo do mercado interno (que favoreceu investimentos nas indústrias automobilística e de máquinas e equipamentos). Todavia, em 2009 o efeito-contágio da crise certamente atingirá adversamente os fluxos de IDE para o Brasil, devido a três fatores: contração da atividade econômica nos países de origem das matrizes, menor crescimento econômico doméstico e preços mais baixos das commodities.

                          No caso dos investimentos estrangeiros de portfólio, a crise mundial teve impacto contrário. Esses investimentos haviam experimentado, desde 2007, um grande aumento em decorrência da crescente percepção externa da melhora do risco brasileiro, um processo que culminou com a obtenção do “grau de investimento” pelo país no final de abril de 2008. Em 2007, a entrada líquida nessa modalidade de capital externo chegou a US$ 48.104 milhões (US$ 9.076 milhões em 2006) e a US$ 18.122 milhões de janeiro a agosto de 2008, mas mudaria de sinal nos quatro últimos meses do ano (–US$ 18.979 milhões), concorrendo para o valor final também negativo de US$ 767 milhões no ano como um todo. Cabe sublinhar que a fuga de recursos do país pela via dos investimentos estrangeiros em carteira corresponde a um montante que, pelo menos por enquanto, é perfeitamente suportável pelas reservas cambiais do país e, além disso, em grande medida foi neutralizada pela outra modalidade de inversão estrangeira, ou seja, o IDE. Certamente, o contágio das contas externas brasileiras teria tido proporções muito maiores não fora o “atraso” com que o país se aproximou do fluxo mundial de investimentos em carteira, cuja progressão em larga escala constituía uma das faces mais reveladoras da excepcional liquidez internacional do período que antecedeu a crise.

                          O Timing e a Intensidade do Efeito-contágio da Crise Internacional. O timing e a intensidade do efeito-contágio da crise internacional diferenciaram-se entre as quatro principais modalidades das inversões estrangeiras em carteira. Os investimentos em ações no país foram os primeiros a serem contaminados, tornando-se negativos a partir de julho de 2008, em função da liquidação de posições dos investidores estrangeiros induzidas pela deflação dos preços das commodities. No entanto, naquele mês, a forte saída de capitais da Bovespa foi praticamente compensada pelo aumento dos investimentos em ações no exterior (pelo mecanismo de Depositary Receipts – DRs), o que pode estar associado meramente à troca de posições no país por aplicações no exterior nas mesmas ações, induzida pelo aumento da percepção de risco cambial.

                          Em contrapartida, as modalidades de investimento em renda fixa foram afetadas somente após o aprofundamento da crise, com destaque para a emissão de títulos no exterior, que registrou uma saída de US$ 7,4 bilhões no quarto trimestre, decorrente da não-renovação dos empréstimos no exterior na forma de notes e commercial papers e de títulos de curto prazo (papéis emitidos, respectivamente, pelas empresas não-financeiras e pelos bancos) no contexto de virtual paralisia dos fluxos de crédito no mercado internacional. Já as aplicações em renda fixa no país foram responsáveis pela saída de US$ 2 bilhões no bimestre outubro-novembro, tornando-se novamente positivas em dezembro (US$ 462 milhões); assim, no último trimestre seu fluxo foi deficitário em US$ 1,5 bilhão.

                          No acumulado de 2008, as modalidades “Ações no exterior” e “Renda fixa no país” também tiveram melhores desempenhos relativos, registrando saldos positivos de, respectivamente, US$ 3,3 bilhões e US$ 15,3 bilhões. O superávit ainda expressivo dos investimentos estrangeiros em títulos públicos no mercado doméstico (apenas 25% inferior ao recorde histórico de 2007) foi estimulado pelo aumento do diferencial entre os juros internos e externos – num contexto de reduções sucessivas da taxa de juros básica nos Estados Unidos e de elevação da taxa básica de juros brasileira – e pela evolução favorável do risco-país até agosto, antes do agravamento da crise internacional.

                          Esse superávit compensou, em grande parte, o saldo negativo das modalidades “Ações no país” e “Renda fixa no exterior” (US$ 7,5 bilhões e US$ 8,5 bilhões, respectivamente), atenuando a saída líquida de recursos externos do país, que atingiu US$ 7,5 bilhões em 2008. O resultado dessas modalidades no último trimestre e no ano de 2008 como um todo revela que os principais canais de irradiação da crise sobre os investimentos estrangeiros de portfólio para o Brasil foram a liquidação de posições na Bovespa para compensar ou cobrir perdas em outros mercados e a forte retração do crédito securitizado (aquele captado mediante a colocação de títulos no exterior), que somente atingiu o Brasil e os demais países emergentes no último trimestre de 2008. Segundo o Bank of Internacional Settlement – BIS, no terceiro trimestre, as captações totais no mercado internacional de títulos de dívida já tinham apresentado uma forte redução na comparação com o trimestre anterior (de cerca de US$ 1 bilhão para US$ 247 milhões), associada às emissões líquidas negativas por parte dos residentes nos países desenvolvidos (liderados pelos norte-americanos).

                          O contexto de maior preferência pela liquidez e da aversão ao risco no mercado financeiro internacional após a falência do Lehman Brothers também afetou o resultado dos “Outros investimentos estrangeiros” (no qual predominam os desembolsos de empréstimos e financiamentos), que foram deficitários em US$ 18.186 milhões no último trimestre de 2008, (+US$ 8.456 milhões no terceiro trimestre e +US$ 10.638 milhões no ano como um todo). Isso porque esse contexto provocou uma virtual paralisia do mercado financeiro internacional e contaminou as demais formas de crédito externo de curto prazo.

                          Os “Empréstimos e financiamentos – demais setores curto prazo”, que se referem à captação de linhas externas pelos bancos seja para realizar operações de arbitragem de juros, seja para conceder empréstimos ao comércio exterior, registrou um déficit de US$ 14,25 bilhões no quarto trimestre de 2008, pior resultado em termos trimestrais da série histórica do Banco Central do Brasil (BCB), associado à impossibilidade de renovação dessas linhas. Já a modalidade “Crédito comercial, fornecedores de curto prazo” – que, como o próprio nome diz, envolve empréstimos contratados no exterior por empresas exportadoras ou importadoras junto a fornecedores – tornou-se deficitária somente em dezembro, quando apresentou um saldo negativo de US$ 4,8 bilhões, uma vez que esses fornecedores foram igualmente afetados pelo congelamento do mercado internacional de crédito.

                          No acumulado de 2008, enquanto a modalidade “Empréstimos e financiamentos – demais setores curto prazo” foi deficitária em US$ 2,9 bilhões, a modalidade “Crédito comercial, fornecedores CP” registrou um saldo positivo de US$ 3,6 bilhões. Esse resultado, somado à captação líquida de 13,3 bilhões em empréstimos de longo prazo, foram os principais determinantes do ingresso líquido de US$ 16 bilhões em “Outros investimentos”, que, assim, ao contrário dos investimentos estrangeiros de portfólio, ainda registrou um resultado positivo em 2008 (apesar de corresponder a apenas 1/3 dos US$ 31,9 bilhões de 2007).

                          A retração dos fluxos de capitais exerceu pressões sobre a taxa de câmbio do real, que se depreciou 27,25% entre 15 de setembro e 31 de dezembro de 2008. Considerando as médias de cotações mensais do dólar entre julho (mês de menor cotação no ano, R$ 1,57) e dezembro (R$ 2,34), a variação chegou a 49,2%. Todavia, ao contrário dos episódios anteriores de crises cambiais, a economia brasileira desta feita se encontrava numa posição menos vulnerável, em razão do estoque recorde de US$ 207,5 bilhões de reservas internacionais (superior à dívida externa pública, de US$ 78,4 bilhões) e da posição ativa em dólares nas operações de swaps cambiais, que tornaram o governo credor líquido em moeda estrangeira.

                          Atuação do Banco Central Brasileiro. Nessa situação inédita, o setor público obteve lucros com a desvalorização cambial, que contribuíram para que a sua dívida líquida atingisse o menor patamar em termos históricos (36% do PIB em dezembro de 2008). Ademais, o Banco Central contava com um leque bem mais amplo e poderoso de instrumentos para conter os efeitos da crise e do desarme das operações que antes promoviam a valorização da moeda nacional. Cabe observar que, devido a esses novos condicionantes na história econômica recente do país – reservas avolumadas e posição credora do setor público em moeda estrangeira –, o Brasil não sofreu propriamente um ataque especulativo contra o real com o agravamento da crise financeira mundial. A desvalorização do real a partir de setembro de 2008, que pode ser considerada elevada, poderia ter sido menor se o Banco Central tivesse adotado uma política mais francamente ativa nos mercados cambiais, já que instrumentos para isso não lhe faltavam, ao contrário de episódios de crises anteriores. Em fins de dezembro de 2008, as reservas cambiais do país chegaram a US$ 206,8 bilhões e a US$ 200,8 bilhões em janeiro de 2009.

                          A atuação do Banco Central se pautou, entre setembro e dezembro, pela venda de US$ 23,5 bilhões no mercado de câmbio à vista mediante intervenções tradicionais (denominadas de “pronto”) e duas novas modalidades (os leilões de dólares com compromisso de recompra e as linhas de empréstimos em moeda estrangeira destinadas ao financiamento do comércio exterior, instituídos em setembro e outubro, respectivamente). Por outro lado, interrompeu a rolagem dos contratos de swaps reversos e voltou a realizar leilões de swaps cambiais, nos quais assume uma posição passiva em dólar.

                          A atuação do BCB nos segmentos à vista e futuro do mercado de câmbio não foi suficiente para conter a depreciação do real devido, em especial, à presença de uma fonte adicional de demanda de dólares, que se somou à saída de recursos externos, qual seja: a desmontagem dos complexos contratos de derivativos cambiais realizados por várias empresas nos mercados de balcão doméstico e internacional num contexto de forte apreciação cambial. Essas empresas tinham assumido as posições vendidas nesses contratos, que realizam lucros neste contexto e, consequentemente, prejuízos com a desvalorização do real.

                          Como já se observou, o Banco Central brasileiro poderia ter sido mais ativo se entendesse como correta tal linha de atuação. Com isso, teria amenizado o problema que tanto o paralisou em promover reduções da taxa básica de juros nos meses de crise (a taxa permaneceu constante até janeiro de 2009, quando caiu de 13,75% ao ano para 12,75% ao ano, tendo nova queda em março para 11,25% a.a.), qual seja, o impacto da desvalorização cambial sobre a inflação. A desaceleração muito forte no crescimento da economia devido à crise internacional restringiu a gravidade desse problema no presente contexto, o que libera a política monetária dos juros extraordinariamente altos praticados no país.

                          Em suma, ao contrário de outras oportunidades, o Brasil se valeu de mecanismos para se proteger dos impactos da crise internacional sobre suas contas externas. Em parte, esses mecanismos resultaram de ações de governo, que agora revelam sua serventia como amortecedores do contágio da crise externa. São os seguintes: a) o saldo comercial elevado, na faixa de US$ 40 bilhões no ano que precedeu a crise internacional, ou seja, 2007; b) a atratividade que o maior crescimento econômico nos anos de 2007 e 2008 deu ao IDE, uma fonte de financiamento externo mais estável e que foi relevante como compensação da saída líquida de recursos em outras modalidades de capital estrangeiro no último trimestre de 2008; c) as reservas cambiais superiores a US$ 200 bilhões que, por si só, inibem “ataques especulativos” contra a moeda nacional; e d) a posição credora líquida em moeda estrangeira conquistada pelo setor público brasileiro, um fator de estabilidade fiscal e das expectativas na economia. Esses condicionantes, aliados ao atraso relativo com que o Brasil se aproximou da farta liquidez internacional que precedeu a crise internacional, impediram que esta desencadeasse uma corrida contra o real e se traduzisse em uma crise de balanço de pagamentos.

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                          Em 2024, todos os grandes setores econômicos se expandiram e a um ritmo superior ao de 2023, mas uma desaceleração já se avizinha, como resultado do aumento da Selic.

                           

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