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                          Carta IEDI

                          Edição 903
                          Publicado em: 24/01/2019

                          Tecnologias Digitais e Comércio Internacional: Oportunidades e Desafios

                          Sumário

                          Em seu relatório World Trade Report 2018, a Organização Mundial do Comércio (OMC) examina os impactos das tecnologias digitais no comércio mundial tanto no que se refere às oportunidades de negócios para grandes e pequenas empresas como aos desafios atuais e futuros para os governos e para o sistema multilateral de comércio. 

                          Esta Carta IEDI resume os principais aspectos do capítulo dedicado à análise de como os governos e a comunidade internacional estão enfrentando a reformulação do comércio induzida pela tecnologia digital em áreas como investimento em infraestrutura digital e capital humano, política comercial, concorrência e regulamentação. 

                          De acordo com a OMC, as tecnologias digitais não apenas criam novos mercados, novas formas de comércio e novos produtos, mas também reduzem os custos e modificam os padrões de comércio. Os governos podem ter um papel ativo para garantir que as empresas possam aproveitar as oportunidades e os ganhos comerciais ensejados por essas mudanças. A OMC argumenta que:

                            •     Em primeiro lugar, os governos podem investir ou incentivar investimentos em infraestrutura digital e habilidades digitais, e podem contribuir para o desenvolvimento de serviços de infraestrutura digital. 

                            •     Em segundo lugar, também podem adotar medidas que propiciem a utilização de tecnologias digitais para facilitar as operações de comércio e para cooperação alfandegária. Igualmente, podem introduzir medidas de política comercial que reduzam o custo do comércio de bens e serviços. 

                          O relatório também ressalta que outra importante área de ação governamental é a de defesa da concorrência. Embora as tecnologias digitais criem novas oportunidades para as pequenas empresas participarem do comércio mundial, ampliando a oferta de produtos, a inovação digital resulta em uma nova dinâmica do tipo “ganhador leva tudo”. Isso devido à emergência de gigantes da tecnologia digital, como Amazon, Alibaba e Google. 

                          Por isso, muitos governos e autoridades reguladoras estão adotando medidas de política de concorrência para enfrentar os excessos percebidos de poder de mercado e / ou para assegurar condições equitativas para empresas de menor porte. 

                          Ademais, como as tecnologias digitais suscitam preocupações relacionadas à perda de privacidade, à proteção ao consumidor ou ameaças à segurança, a OMC considera que os governos devem desenvolver uma estrutura regulatória nacional para alcançar objetivos legítimos de política pública, como proteção ao consumidor, segurança cibernética e privacidade de dados. Porém, precisam ter cuidado para, no contexto de rivalidade comercial estratégica, não distorcer o comércio mais do que o necessário. 

                          Assim, para realizar plenamente os benefícios potenciais do comércio digital, a maioria dos governos vem adotando estratégias de desenvolvimento digital que se traduzem em medidas de políticas transversais destinadas a melhorar a infraestrutura, estabelecendo uma estrutura regulatória adequada, reduzindo o custo de fazer negócios e facilitando o desenvolvimento de habilidades relevantes. 

                          A OMC observa, porém, que as prioridades de política dos governos dependem do nível de desenvolvimento e extensão da digitalização em suas economias. Em geral, as economias em desenvolvimento procuram facilitar a conectividade e adotar tecnologias digitais, enquanto as economias desenvolvidas enfatizam questões regulatórias relacionadas à concorrência, proteção de dados e defesa do consumidor. 

                          O desenvolvimento de habilidades digitais e a promoção do envolvimento das micro, pequenas e médias empresas no comércio eletrônico ou digital parecem ser preocupações comuns tanto para as economias em desenvolvimento quanto para as desenvolvidas. 

                          De acordo com a OMC, a evolução da digitalização e a mudança do comércio de produtos intermediários para fluxos de dados transfronteiriços, incluindo conteúdo com direitos de propriedade intelectual, podem trazer desafios ao sistema comercial multilateral. O relatório destaca as consequências da tecnologia de manufatura aditiva, e da crescente “servicificação” da indústria de transformação. 

                          Com o avanço tecnológico, o comércio eletrônico tornou-se um aspecto cada vez mais debatido das relações comerciais internacionais. Questões relacionadas às tecnologias digitais são explicitamente abordadas em 276 dos 286 Acordos Regionais de Comércio notificados à OMC e em vigor em agosto de 2018.

                          Ainda que a regulamentação do comércio existente normalmente não se refira a inovações ou tecnologias específicas, a natureza transfronteiriça das empresas digitais reforça a necessidade de cooperação internacional e progresso em direção a normas comuns. Questões relacionadas à proteção da privacidade e à segurança cibernética, por exemplo, deverão ganhar proeminência nos debates sobre a futura governança do comércio digital.

                          Estratégias Governamentais para o Desenvolvimento Digital

                          As tecnologias digitais não apenas criam novos mercados, novas formas de comércio e novos produtos, mas também reduzem os custos e modificam os padrões de comércio. Essas mudanças oferecem novas oportunidades e ganhos comerciais, e os governos podem ter um papel a desempenhar para garantir que as empresas possam aproveitar essas oportunidades.

                          Segundo a OMC, para realizar plenamente os benefícios potenciais do comércio digital, a maioria dos governos adotou estratégias de desenvolvimento digital que se traduzem em medidas de políticas transversais, destinadas a melhorar a infraestrutura, estabelecer uma estrutura regulatória adequada, reduzir o custo de fazer negócios e facilitar o desenvolvimento de habilidades relevantes. Tais medidas consistem notadamente em:

                            •     Investir em infraestrutura relevante ou melhorar o ambiente de negócios para incentivar o investimento privado em infraestrutura de tecnologia da informação e comunicação (ICT, na sigla em inglês); 

                            •     Estabelecer um ambiente regulatório favorável ao desenvolvimento digital, mas que também assegure níveis adequados de segurança cibernética, proteção do consumidor ou privacidade dos dados; 

                            •     Utilizar tanto as políticas de comércio de mercadorias quanto de serviços para promover a economia digital e melhorar sua competitividade; e

                            •     Usar políticas de concorrência e de micro, pequenas e médias empresas (MPME) para nivelar o campo de atuação das empresas e enfrentar a nova dinâmica do “vencedor leva tudo”.

                            •     Assegurar o respeito ao direito de propriedade intelectual no comércio de conteúdo digital.

                          As diferenças de prioridades dos governos na escolha dessas medidas de políticas dependem do nível de desenvolvimento e extensão da digitalização em suas economias. Em geral, as economias em desenvolvimento procuram facilitar a conectividade e adotar tecnologias digitais, enquanto as economias desenvolvidas prestam uma atenção relativamente maior a questões regulatórias relacionadas à concorrência, proteção de dados e defesa do consumidor. O desenvolvimento de habilidades digitais e a promoção do envolvimento das MPMEs no comércio digital parecem ser preocupações comuns tanto para as economias em desenvolvimento quanto para as desenvolvidas. 

                          Investimento em infraestrutura e habilidades digitais

                          Um dos pré-requisitos-chave para obter ganhos do comércio digital é a disponibilidade de infraestrutura, física e digital, adequada para facilitar a adoção e o uso efetivo das tecnologias digitais. 

                          Nos países em desenvolvimento, a necessidade de investimento em infraestrutura é mais aguda, pois tendem a ficar para trás das economias desenvolvidas tanto em termos do ritmo da inovação digital como do nível de infraestrutura necessário. Outras medidas utilizadas pelos governos para promover e facilitar o investimento em infraestrutura de banda larga ou na indústria digital incluem: 

                            •     incentivos a investimentos estrangeiro, 

                            •     facilitação de investimentos, 

                            •     padrões digitais e clusters e 

                            •     incubadoras para o desenvolvimento de negócios digitais. 

                          Os governos também investem em outras áreas de infraestrutura (como fornecimento de eletricidade, logística comercial, sistemas de entrega, rastreamento e pagamento) que complementam a infraestrutura digital.

                          Governos de todo o mundo estão usando ou promovendo o uso de tecnologias digitais para facilitar o comércio, reduzindo os atrasos no desembaraço de mercadorias nas fronteiras, diminuindo assim os custos associados. Citando dados do relatório Doing Business 2018 do Banco Mundial, a OMC ressalta que 175 das 190 economias pesquisadas já têm sistemas de intercâmbio eletrônico de dados (EDI, na sigla em inglês) operacionais ou em andamento. 

                          Os sistemas de EDI facilitam as trocas rápidas e confiáveis de dados sem papel e, portanto, desempenham um papel importante na aceleração do procedimento de desembaraço aduaneiro ao permitir que os documentos sejam compartilhados mais facilmente entre diferentes autoridades, reduzindo assim o tempo de permanência da carga. 

                          Além disso, 117 das 190 economias pesquisadas já estabeleceram ou estão em processo de introduzir um sistema eletrônico de guichê único, ou seja, um sistema que permite que partes interessadas comerciais enviem documentação e outras informações eletronicamente por meio de um único ponto de entrada para concluir procedimentos aduaneiros.

                          Países em desenvolvimento, como China, Índia e Quênia, também estão investindo em automação como um meio de reduzir o tempo de permanência e padronizar suas operações portuárias. Ao mesmo tempo, algumas economias, tanto desenvolvidas (por exemplo, Bélgica ou Holanda) quanto em desenvolvimento (por exemplo, os Emirados Árabes Unidos) buscam tirar partido de inovações digitais mais sofisticadas, como a tecnologia blockchain, para aperfeiçoar os fluxos de carga e organizar a logística portuária com mais eficiência. Os portos de Antuérpia e Cingapura, por exemplo, já realizaram projetos piloto para testar soluções blockchain destinadas a simplificar a burocracia, reduzir os custos administrativos e limitar as tentativas de fraude.

                          Além do desenvolvimento de sua infraestrutura digital, muitos governos, tanto em países em desenvolvimento como em países desenvolvidos, estão realizando investimentos substanciais em capital humano por meio de treinamento e desenvolvimento de habilidades para facilitar o uso e o uso efetivo das tecnologias digitais. 

                          Nesse sentido, vários governos estão oferecendo programas de aprendizagem para adultos com foco no desenvolvimento de habilidades digitais e habilidades cognitivas complexas, como processamento de informações e solução de problemas. Especialmente no caso de países em desenvolvimento, esses esforços são, em geral, apoiados por organizações não governamentais (ONGs) locais que oferecem treinamento a grupos marginalizados (desempregados, mulheres, idosos, pessoas com necessidades especiais). 

                          Medidas de política comercial

                          Segundo a OMC, as políticas que limitam o comércio de serviços, restringindo, por exemplo, a entrada no mercado e o investimento estrangeiro nos mercados de serviços, ou impedindo o fornecimento transfronteiriço on-line, restringem o desenvolvimento da economia digital. 

                          Geralmente, os custos do comércio de serviços são significativamente mais altos do que os do comércio de bens, e os setores de serviços com menores custos de comércio, associados a menores barreiras ao comércio de serviços, tendem a ser mais produtivos e a apresentar maior crescimento de produtividade do que aqueles com maiores custos comerciais. 

                          Ademais, as barreiras à entrada e à concorrência nos setores de serviços reduzem o incentivo dos fornecedores a investir em tecnologias digitais (por exemplo, o uso de instalações em nuvem pelas empresas de transporte, o fornecimento de serviços on-line por empresas de serviços profissionais ou o uso da internet por varejistas). As barreiras ao comércio de serviços também podem proteger os fornecedores domésticos da concorrência, elevando preços e reduzindo incentivos para investir, inovar ou melhorar a qualidade dos serviços.

                          Segundo a OMC, apesar das evidências dos benefícios das políticas abertas e não discriminatórias e dos efeitos adversos de políticas e regulamentações restritivas, restrições comerciais ainda são mantidas e erguidas por alguns governos para proteger setores locais, incluindo plataformas digitais, da concorrência estrangeira e / ou para estimular o surgimento de “Campeões nacionais”. 

                          Requisitos para a maioria nacional de participação em empresas de ICT, cotas mínimas para emprego local, várias formas de desempenho e / ou requisitos de conteúdo local (não apenas no que diz respeito ao uso de serviços locais e / ou fornecedores de serviços, mas também em relação aos componentes de hardware produzido localmente) são alguns exemplos. Essas políticas restringem o acesso e a operação de fornecedores de serviços estrangeiros, e, de acordo com a OMC, podem também prejudicar a economia em geral.

                          No período recente, contudo, ocorreram mudanças na política comercial de serviços no sentido de maior liberalização. O Índice de Restrição do Comércio de Serviços da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) sugere que, entre 2014 e 2017, a maior liberalização líquida foi verificada em alguns dos setores que fazem parte da rede digital e da cadeia de transporte e logística. 

                          Como no caso dos serviços, as políticas de comércio de mercadorias podem ter impacto no desenvolvimento e desempenho da infraestrutura digital e no uso e aceitação de tecnologias digitais de forma mais ampla. Alguns países, como Argentina, Brasil e Suíça, reduziram ou eliminaram totalmente as tarifas de importação de certos equipamentos de informática e telecomunicações. A Índia, por outro lado, notificou um aumento de 10% no imposto de importação em certos equipamentos de telecomunicações.

                          Vários governos revisaram o limiar de minimis, valor no qual as remessas e encomendas podem ser importadas com isenção de impostos através de procedimentos alfandegários simplificados. Alguns governos elevaram esse limite, permitindo que mais remessas e encomendas, muitas vezes enviadas por indivíduos e pequenas empresas envolvidas em comércio eletrônico transfronteiriço, sejam importadas sem problemas e com isenção de impostos. Caso, por exemplo, dos Estados Unidos, onde o limite de minimis subiu de US$ 200 para US$ 800 em 2015. Outros governos, no entanto, reduziram seu limite de minimis, em razão das pressões protecionistas dos produtores domésticos.

                          A OMC ressalta que, nos últimos dez anos, várias medidas não tarifárias que afetam os setores relacionados às ICT foram adotados pelos governos No setor de máquinas e peças de informática, por exemplo, foram adotadas cerca de 100 medidas não tarifárias prejudiciais, em comparação com 26 medidas de liberalização. Entre as medidas “prejudiciais” mais frequentemente adotadas estão aquelas relacionadas ao financiamento do comércio exterior e aos incentivos à exportação baseados em impostos, enquanto as medidas de liberalização mais frequentemente observadas dizem respeito à tributação interna das importações e aos requisitos de licenciamento de importações.

                          Segundo os autores do relatório, a cooperação internacional, tanto no âmbito da OMC como em acordos regionais, pode ajudar os governos a abrir e estimular a concorrência em seus setores de serviços de infraestrutura digital e a manter ou facilitar o acesso às tecnologias digitais, contribuindo assim para o desenvolvimento de infraestruturas de qualidade.

                          Quadro regulatório doméstico

                          Em geral, os governos aperfeiçoaram a estrutura regulatória de habilitação para promover e facilitar o investimento em infraestrutura digital ou na indústria digital. Ao mesmo tempo, no entanto, eles também introduzem regulamentações que visam alcançar objetivos de políticas públicas, como proteção ao consumidor, proteção da privacidade de dados e segurança cibernética. A presença de uma estrutura legal robusta promove a confiança do consumidor e aumenta a confiança nos mercados digitais e nas transações on-line, facilitando, assim, o engajamento nos fluxos transfronteiriços de comércio eletrônico.

                          A fim de facilitar o comércio digital, muitos países tomaram medidas para construir uma estrutura legal adequada que regule as transações eletrônicas e, em particular, estabeleça os padrões para a validade dos contratos e assinaturas eletrônicas. Segundo a Unctad, mais de 71 países adotaram legislação baseada ou influenciada pelo Modelo de Lei do Comércio Eletrônico, elaborado pela Comissão das Nações Unidas para Legislação do Comércio Internacional (UNCITRAL). 

                          A maior parte das legislações existentes relacionadas com a proteção do consumidor visa proteger os consumidores de atividades comerciais fraudulentas e enganosas on-line e de publicidade enganosa on-line. Citando levantamento realizado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), a OMC assinala que, dos 125 países para os quais existem dados, 97 (dos quais 61 estão em desenvolvimento ou economias em transição) adotaram a legislação de proteção ao consumidor relacionada ao comércio eletrônico. Vários países adotaram legislação para proteger os consumidores de mensagens eletrônicas comerciais não solicitadas, comumente conhecidas como “spam”.

                          Muitos países também adotaram ou modificaram recentemente a legislação para garantir a proteção de dados e privacidade. A falta de legislação de proteção de dados pode reduzir a confiança em uma ampla gama de atividades comerciais. Contudo, a OMC assinala que, embora os princípios de privacidade subjacentes possam ser relativamente semelhantes entre países, as interpretações e aplicações em jurisdições específicas diferem significativamente. Em alguns países, a privacidade é protegida como um direito fundamental, enquanto em outros países, a proteção da privacidade individual é baseada em outras doutrinas constitucionais ou em atos ilícitos. 

                          Na avaliação da OMC, muitas leis de proteção de dados contêm lacunas e isenções significativas. Por exemplo, isenções podem ser aplicadas a pequenas empresas (nos casos da Austrália e Canadá) ou a pequenos conjuntos de dados (no caso do Japão). Algumas leis de proteção de dados podem se aplicar apenas a setores específicos, como saúde e crédito, enquanto outras leis podem incluir isenções com base no assunto (por exemplo, dados sobre crianças versus dados de funcionários) e na fonte dos dados (por exemplo, dados coletados on-line versus off-line). 

                          Ainda que os regimes de proteção de dados não precisem ser idênticos para que sejam interoperáveis, a existência destas lacunas e isenções em diferentes regimes de proteção de dados representa um desafio para a sua interoperabilidade entre países. As isenções limitam severamente as oportunidades de os países cumprirem um “teste de adequação” para transferências internacionais. Também podem levar a reclamações complexas e disputas sobre a cobertura. 

                          Na opinião dos professores Avi Goldfarb e Dan Trefler da University of Toronto, em artigo incluído no relatório da OMC, é importante avançar na cooperação internacional em termos de padrões mínimos na regulamentação da privacidade dos dados para evitar que as restrições de uso e comercialização de dados impeçam o avanço das inovações tecnológicas baseadas em inteligência artificial (IA). Como a obtenção e uso de dados é insumo-chave no aprendizado das máquinas, as empresas com maior acesso aos dados estarão aptas a criar inteligência artificial que gere melhores predições e, por consequência, melhores produtos. 

                          Segundo Goldfarb e Trefler , “por um lado, as empresas baseadas em IA querem uma estrutura regulatória frouxa em seu próprio país que lhes permita coletar e empregar grandes quantidades de dados, o que cria o risco de uma corrida regulamentar para baixo. Por outro lado, a utilização dos dados requer, geralmente, normas industriais que, se não forem coordenadas internacionalmente, fragmentarão os mercados mundiais e impulsionarão demandas por proteção disfarçada por parte de players nacionais”.

                          O crescimento do comércio digital levanta igualmente questões relacionadas à segurança cibernética, o ato de proteger os sistemas de TI e seus conteúdos de ataques cibernéticos. Os ataques cibernéticos em geral são “tentativas deliberadas de pessoas não autorizadas para acessar sistemas de TI, geralmente com o objetivo de roubo, interrupção, danos ou outras ações ilegais”. As medidas de segurança cibernética destinam-se a proteger os países contra ameaças cibernéticas ao mesmo tempo em que tentam promover os benefícios de um mundo cibernético.

                          De acordo com a OMC, relativamente poucos países têm uma estratégia publicada de segurança cibernética: apenas 73 entre 193. As estratégias de segurança cibernética envolvem vários tipos de políticas que podem ter impacto no comércio. Os governos têm um forte interesse em proteger seus próprios sistemas de TI e muitos propuseram padrões de segurança ou requisitos para seus sistemas de compras. Em alguns casos, toda a participação estrangeira nos sistemas do governo é proibida. Em outros, componentes de um único país são explicitamente proibidos. 

                          Alguns governos também veem como interesse do Estado garantir que os sistemas de TI usados por seus cidadãos estejam seguros, em particular em sua infraestrutura crítica. Eles podem incentivar ou exigir que as operadoras de TI domésticas protejam melhor seus sistemas por meio de padrões de segurança nacional. Mesmo nos casos em que não impõem esses padrões de segurança nacional, os governos podem ter interesse em verificar se os produtos de TI vendidos em seu mercado doméstico estão protegidos. Isso envolveria testes e certificações que podem ser onerosos, especialmente quando os processos diferem entre os países. Finalmente, vários países veem riscos de segurança no uso de sistemas de criptografia e podem exigir um processo de certificação específico para a tecnologia criptográfica, ou podem até tomar medidas mais restritivas.

                          De acordo com a OMC, vários países têm igualmente adotados políticas relativas à localização de dados, com base em preocupação com privacidade e/ou segurança. Tais políticas envolvem restrições à capacidade das empresas de transmitir dados de usuários domésticos para países estrangeiros. Contudo, segundo a OMC, o argumento de que os requisitos de localização de dados podem ser justificados em termos de privacidade ou de segurança cibernética não é consensual. Para alguns especialistas, os mandatos de localização de dados não aumentam nem a privacidade comercial nem a segurança de dados. A confidencialidade dos dados geralmente não depende do país em que os dados são armazenados, mas sim das medidas usadas para armazená-los com segurança.

                          Na avaliação da OMC, a discussão se a localização de dados é ou não um meio apropriado de abordar a privacidade de dados ou questões de segurança é importante, em grande parte porque os requisitos de localização de dados podem impor um custo significativo às empresas estrangeiras que desejam coletar dados e fazer negócios, com impacto sobre o comércio. A localização de dados pode forçar as empresas estrangeiras a estabelecer presença comercial em todos os países onde essa regra e a gastar mais em serviços de TI, armazenamento de dados e atividades de compliance do que gastariam sem medidas de localização de dados. 

                          Esses custos adicionais podem prejudicar a competitividade de uma empresa estrangeira, reduzindo suas margens de lucro. Dependendo de como eles são projetados e introduzidos, os requisitos de localização de dados também podem impedir que alguns serviços de armazenamento de dados ou processamento de dados sejam fornecidos em uma base internacional.

                          Política de concorrência

                          A digitalização, embora possa ter importantes efeitos competitivos, pode também trazer comportamentos excludentes e / ou colusivos e restrições à competição. A inovação digital resultou no surgimento de uma nova dinâmica de “ganhador leva tudo”, com a emergência de gigantes da tecnologia digital, como Amazon, Alibaba e Google, que, em razão do seu poder de monopólio, pode prejudicar o bom funcionamento dos mercados digitais tanto no interesse dos consumidores, bem como dos produtores. 

                          Muitos governos e autoridades reguladoras estão adotando medidas de política de concorrência para enfrentar os excessos percebidos de poder de mercado e / ou para assegurar condições equitativas para empresas menores. Por exemplo, para combater a concorrência, considerada desleal, da Amazon no comércio de livros on-line, a França aprovou uma lei estabelecendo um limite máximo de desconto que os varejistas (estrangeiros ou nacionais) podem oferecer para os preços dos livros publicados pelas editoras nacionais. A lei, que ficou conhecida como Lei Anti-Amazon, também proibiu o envio dos livros com frete grátis. Também na China, para evitar que os gigantes do comércio eletrônico obstruam a concorrência justa, a Administração Estatal da Indústria e Comércio da China (SAIC) introduziu, em outubro de 2015, um regulamento que proíbe explicitamente as plataformas de comércio eletrônico de impedir que os comerciantes participem de promoções em outros sites. 

                          Segundo a OMC, a proliferação de casos e iniciativas por parte das autoridades nacionais da concorrência tem, todavia, o potencial de acarretar falhas de coordenação. As atividades transfronteiriças das empresas digitais podem resultar em transbordamentos, por exemplo, no caso de diferentes posições em diferentes jurisdições relativamente a acordos anticoncorrenciais, abusos de posição dominante e fusões.

                          Políticas específicas para MPME

                          O advento da internet e das tecnologias digitais avançadas facilitou a participação das micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) no comércio e proporcionou-lhes acesso aos consumidores nos mercados internacionais. Constatando o potencial de exportação das MPMEs, muitos governos empreendem esforços especiais para aumentar a participação dessas empresas no comércio digital.

                          O relatório da OMC destaca alguns exemplos. Na Malásia, o governo, em parceria com o Alibaba Group e a Malásia Digital Economy Corporation (MDEC), lançou a Zona de Comércio Livre Digital, combinando uma zona física e uma plataforma virtual para conectar as MPMEs com potenciais mercados de exportação e facilitar as atividades de comércio eletrônico transfronteiriço. Já Cingapura anunciou, em 2017, o programa “PME Go Digital”, que oferece serviços de consultoria especializada para ajudar as MPMEs com seus requisitos de digitalização e promove o desenvolvimento de habilidades e aprendizagem contínua para os seus funcionários.

                          Outros governos, como Brasil, Canadá, Chile e Suíça, estão realizando programas para ajudar as MPMEs locais a explorar os mercados internacionais, simplificando seus processos de negócios, desenvolvendo estratégias de marketing digital e melhorando seus serviços de atendimento ao cliente. Na mesma linha, muitos governos, além de oferecer serviços de consultoria em mercados eletrônicos, também estão facilitando programas de treinamento sob medida para as MPMEs para ajudar a melhorar suas capacidades de exportação online.

                          Proteção da Propriedade Intelectual

                          Desde os primórdios da internet, a resposta dos governos aos desafios do mundo on-line tem sido a adaptação sucessiva das ferramentas de imposição de proteção aos direitos de propriedade intelectual. Segundo a OMC, os países tiveram de enfrentar o desafio de manter os objetivos da política de proteção dos direitos de propriedade intelectual (IP) e de transpor os conceitos jurídicos concebidos para um mundo analógico ao mundo digital. As exceções e limitações tradicionais à proteção de IP, que permitem o equilíbrio adequado dos interesses dos usuários e dos detentores de direitos de propriedade intelectual, tiveram de ser revistos à luz da escala e da natureza do uso de IP no mundo digital e os novos modelos de negócios que ele desencadeou.

                          Os avanços nas tecnologias digitais viabilizaram a rápida distribuição não autorizada de filmes, músicas e outros conteúdos comerciais em todo o ambiente digital e também o surgimento de muitos novos modelos de negócios on-line que se concentram em novas maneiras de pesquisar, localizar e apresentar grande quantidade de conteúdo, principalmente protegido por direitos autorais, na internet. A partir de 1996, com a edição do Acordo sobre Direitos Autorais da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), vários países introduziram graus variados de proteção legal contra a violação de medidas de proteção tecnológica ou a remoção de informação sobre o gerenciamento de direitos digitais (DRM, na sigla em inglês). 

                          Em alguns países, a legislação instituiu responsabilidade civil, e algumas vezes criminal, tanto para a transgressão das técnicas (por exemplo, bloqueios digitais, senhas ou criptografia) usadas para controlar o acesso a conteúdo protegido por direitos autorais na internet como para a comercialização de ferramentas digitais que possam ser usadas com essa mesma finalidade. Vários países limitam, contudo, sob condições específicas, a responsabilidade legal do provedor de serviço, que apenas atua como intermediário na transmissão ou armazenamento de conteúdo digital que infringe direitos de IP. 

                          Comércio digital e o Sistema Multilateral de Comércio

                          A OMC mantém desde 1998 um Programa de Trabalho sobre Comércio Eletrônico, que envolve quatro distintos órgãos da OMC em razão da sua natureza transversal: Conselho para o Comércio de Serviços, o Conselho para o Comércio de Bens, o Conselho para TRIPS e o Comitê de Comércio e Desenvolvimento. Esse programa explora a relação entre os acordos existentes da OMC e o comércio eletrônico. 

                          Desde o final de 2015, a OMC constata o interesse crescente dos ministros dos países membros em aprofundar a discussão sobre as implicações do comércio digital. Uma ampla gama de questões foi levanta por alguns membros, incluindo, entre outras, a definição de e-commerce, a aplicabilidade dos direitos alfandegários aos bens, a transparência, o marco regulatório e as lacunas de infraestrutura para viabilizar o comércio eletrônico.

                          De acordo com os autores do relatório, os efeitos da digitalização nas regras do comércio internacional são de natureza horizontal e transversal. O comércio eletrônico está, em princípio, coberto pelas regras e disposições dos acordos internacionais de comércio no âmbito da OMC: Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS), que cobre a oferta, em sentido amplo, de serviço, incluindo produção, distribuição, marketing, venda e entrega, e Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), que estabelece padrões mínimos abrangentes para a proteção e aplicação dos direitos de PI, incorporando, no marco legal da OMC, as convenções de propriedade intelectual, administradas pela OMPI. As regras e disposições desses tratados são neutras em termos da tecnologia, dado que se aplicam ao comércio de bens, serviços e propriedade intelectual, independentemente do modo particular de entrega do bem ou serviço. 

                          Há relativo consenso de que as regras da OMC sobre comércio de serviços já se aplicam serviços prestados por via eletrônica e abrangem, em especial, as principais medidas que afetam o investimento estrangeiro e as condições de concorrência em setores de telecomunicações. Diversos estudos enfatizam a importância das obrigações do GATS, bem como a ampliação dos compromissos de acesso a mercados e tratamento nacional dos membros para melhorar o comércio digital. 

                          De acordo com a OMC, estudos sugerem que o comércio digital pode ser apoiado por ações no âmbito do GATS, inclusive por grupos de membros que melhoram os compromissos em suas agendas na base da nação mais favorecida, sem exigir a criação de um novo conjunto de regras, como foi feito para o Acordo de Tecnologia da Informação.

                          Porém, a evolução das tecnologias digitais e a mudança do comércio de produtos intermediários para fluxos de dados transfronteiriços, incluindo conteúdo com direitos de propriedade intelectual, podem trazer desafios ao sistema comercial multilateral. 

                          No relatório da OMC, as possíveis implicações dos avanços da digitalização para as regras do comércio internacional são discutidas por especialistas em artigos de opinião: professor Robert W. Staiger do Departamento de Economia do Dartmouth College, professor Anupan Chander da Georgetown University Law Center, Patrik Tingvall e Magnus Rentzhog, membros da Direção Nacional de Comércio da Suécia.

                          De acordo com o professor Staiger, ainda há pouca pesquisa formal sobre as implicações das tecnologias digitais para o sistema multilateral de comércio e o papel da OMC. No entanto, a literatura sobre a economia dos acordos comerciais oferece uma abordagem possível para pensar sobre esse tema. Na opinião do autor, dado que os acordos comerciais abordarem as externalidades internacionais associadas às decisões unilaterais de políticas comercial domésticas, “duas perguntas podem ser feitas: 1) Como as tecnologias digitais podem interagir com as externalidades tradicionais de política internacional que são tratadas pela OMC; e / ou 2) essas tecnologias poderiam criar novas formas de externalidades internacionais que a OMC poderia abordar?” 

                          Para o professor Staiger, responder a essas questões é importante, em parte devido à natureza diferente das abordagens da liberalização no GATT e no GATS. Segundo o autor, a abordagem do GATT pode ser denominada "integração superficial", baseada na "tarifação" de medidas de proteção e no enfoque subsequente dos esforços de liberalização nas tarifas, enquanto a abordagem do GATS pode ser caracterizada como "integração profunda", pois se concentra em uma variedade de medidas regulamentares de setores específicos por detrás das fronteiras. 

                          A importância crescente das tecnologias digitais e a distorção associada à diferenciação entre bens e serviços, que tornam a distinção entre o GATT e o GATS cada vez mais insustentável, podem exigir a reestruturação e unificação desses acordos dentro da OMC. Uma maior harmonização da abordagem da OMC às regras do comércio de bens e serviços poderia ser ainda mais benéfica à luz da indefinição da distinção entre comércio de bens e comércio de serviços.

                          No que se refere à possibilidade concreta das tecnologias digitais criarem novas formas de externalidades internacionais que possam ser abordadas pelo sistema multilateral de comércio, o professor Staiger aponta para o problema de privacidade associado aos fluxos transfronteiriços de dados. Segundo ele, assim como os direitos de propriedade intelectual (DPI) das empresas podem ter efeitos comerciais, a proteção dos dados dos consumidores também pode ter impactos comerciais. Porém, tal como a proteção dos DPI, questões de privacidade transfronteiriças não são questões de acesso ao mercado, ou seja, não geram externalidade internacional nos termos de comércio. Desse modo, as soluções para as questões de proteção à privacidade, levantadas pelas tecnologias digitais, devem ser buscadas fora do GATT e do GATS. 

                          Na opinião desse autor, o Acordo TRIPS da OMC parece ser um fórum natural para abordar as questões de privacidade transfronteiriças levantadas pelas tecnologias digitais. TRIPS é um acordo sobre normas mínimas para a proteção e a observância dos direitos de propriedade intelectual, que são explicitamente reconhecidos no preâmbulo TRIPS como "direitos privados". As questões de privacidade levantadas pelas tecnologias digitais podem ser vistas como questões transfronteiriças de direitos de propriedade privada sobre os próprios dados digitais. 

                          Também na avaliação do professor Chander, para quem a “internet é a Rota da Seda do século XXI, impulsionando o comércio em todo o mundo de maneiras até então impossíveis”, os acordos fundamentais da OMC, mesmo tendo sido concebidos na aurora da era da internet, abordavam as telecomunicações e outras redes eletrônicas, inclusive a internet. Em particular, o GATS reconhece quatro modos de comercialização de serviços, incluindo o comércio transfronteiriço, em que o fornecedor e o consumidor realizam transações de suas respectivas economias nacionais através de uma fronteira. Muitos membros firmaram compromissos específicos para liberalizar o comércio transfronteiriço de serviços de banco de dados, serviços de processamento de dados, serviços de informática, serviços de telecomunicações e outros serviços, que podem ser prestados eletronicamente. 

                          O avanço da economia digital trouxe, no entanto, novas preocupações que resultam em desenvolvimento no quadro regulatório tanto a nível internacional como nacional. Esse é o caso, segundo o professor Chander, da computação em nuvem, na qual o armazenamento e o processamento de informações são fornecidos como um serviço a partir de computadores remotos, cujo surgimento aumentou as complexidades jurisdicionais do comércio digital transfronteiriço. 

                          Na opinião desse autor, a privacidade, a segurança cibernética e a proteção tradicional ao consumidor tornaram-se componentes críticos do comércio internacional, e os acordos comerciais terão que garantir esses valores. Todavia, o marco regulatório encontrará novos desafios nas últimas inovações tecnológicas, como realidade virtual e aumentada, inteligência artificial e robótica, que exigirá tanto intervenções facilitadoras quanto reguladoras no âmbito do sistema multilateral de comércio bem como no âmbito nacional. 

                          O relatório destaca que, não obstante a capacidade dos acordos existentes da OMC para se adaptarem às novas tecnologias, também houve situações em que os membros da OMC decidiram desenvolver novas disposições para resolver problemas específicos ou tomar medidas com vista a responder às tecnologias digitais emergentes. O exemplo mais recente de como as regras multilaterais de comércio que estão sendo atualizadas para levar em conta as novas tecnologias digitais é o Acordo de Facilitação de Comércio (TFA) da OMC, que entrou em vigor em 22 de fevereiro de 2017. 

                          Esse acordo TFA requer que os membros disponibilizem “através da Internet” várias categorias de informações relacionadas ao comércio. Também estabelece que os membros devem, na medida do possível, permitir a opção de “pagamento eletrônico” de taxas, impostos, taxas e encargos cobrados pela alfândega e incentiva os membros a adotar um guichê único, com uso da “tecnologia da informação” para apoiá-lo.

                          Implicações da Impressão 3D e da Servicificação de produção industrial

                          De acordo com a OMC, as novas tecnologias levam a diferenças de opinião sobre como as regras atuais dos tratados multilaterais devem ser interpretadas e entendidas. Em particular, tem se discutido como as regras se aplicam ao comércio de produtos impressos em 3D e como lidar com os efeitos da “servicificação” da indústria de transformação.

                          Como se sabe a impressão 3D refere-se a processos de fabricação em que um material (moléculas líquidas ou grãos em pó) é amalgamado para criar, sob o controle de computador, um objeto tridimensional baseado em um modelo digital. Na avaliação da OMC, apesar da tecnologia avançada, os objetos “impressos” usando essa técnica não são significativamente diferentes daqueles produzidos usando técnicas de produção tradicionais que dependem de trabalhos de design, planos ou esboços. Se um objeto é projetado em um país e as instruções para sua fabricação são transmitidas para outro país, é evidente que o que está sendo transmitido não é o objeto em si, mas um projeto ou plano que permite que uma empresa produza um ou mais unidades desse modelo em particular. 

                          Mas o que acontece se o bem impresso em 3D for exportado para um terceiro país? De acordo com as regras existentes, essas mercadorias não seriam tratadas de maneira diferente das mercadorias fabricadas com base em projetos desenvolvidos em outro país ou no mesmo país de exportação. Há, no entanto, dois conjuntos de regras que podem se tornar cada vez mais relevantes na determinação desse tratamento.

                          O primeiro diz respeito ao artigo 8 do Acordo de Valoração Aduaneira (CVA) da OMC. Esse artigo exige expressamente que as autoridades alfandegárias incluam no valor aduaneiro os pagamentos para “engenharia, desenvolvimento, ilustrações, trabalho de projeto, planos e esboços, realizados fora do país de importação e necessários para a produção das mercadorias importadas”. Isso significa que o país onde tais “engenharia, desenvolvimento, ilustrações, trabalho de design, planos e esboços” são produzidos tem um impacto sobre o valor aduaneiro das mercadorias importadas. No entanto, se as mercadorias são impressas para exportação, poderá ser cada vez mais difícil para as alfândegas levarem em conta esses custos, particularmente nos casos em que estes não são declarados pelo importador, dado a inexistência de procedimentos adequados de auditoria pós-importação.

                          O segundo diz respeito às regras de origem, ou seja, os critérios necessários para determinar a fonte nacional de um produto, que variam dependendo da metodologia específica usada para determinar a “transformação substancial” em um caso particular. Como os membros da OMC ainda não concluíram o programa de trabalho de harmonização, atualmente não há regras de origem não preferenciais específicas do produto na OMC, de modo que cada membro pode determinar suas próprias regras. No contexto dos esquemas preferenciais, há também uma grande diversidade nos tipos de regras de origem aplicadas pelos membros, o que pode tornar cada vez mais difícil determinar qual regra aplicar no caso de objetos impressos em 3D.

                          De acordo com a OMC, embora a questão não tenha sido especificamente discutida pelos seus membros, não parece haver, à primeira vista, razão para o tratamento de modelos de impressão 3D, projeto de design auxiliado por computador (CADs) ou arquivos de manufatura aditiva (AMF) de forma diferente do desenvolvimento, das ilustrações, do trabalho de design, dos planos e esboços da engenharia tradicional. Esses últimos foram rotineiramente desenvolvidos e transmitidos digitalmente nas últimas décadas. 

                          Alguns especialistas consideram que a impressão 3D não apresenta nada essencialmente novo em termos de regras e procedimentos alfandegários atuais, sugerindo que não há necessidade de ajustes. Essa não é, todavia, uma interpretação consensual. Os especialistas suecos Tingvall e Rentzhog, por exemplo, consideram que alguns ajustes podem sim ser necessários para garantir que os regulamentos da OMC não atrapalhem o progresso liderado pelas novas tecnologias. 

                          Na visão de Tingvall e Rentzhog, a impressão 3D ou manufatura aditiva, é um exemplo perfeito de como as novas tecnologias disruptivas estão remodelando os padrões globais de comércio e investimento. Do ponto de vista da política comercial, é possível afirmar que certas etapas da produção industrial são incorporadas ao processo de impressão 3D, o que, por sua vez, substitui o comércio de bens intermediários. Na avaliação dos autores, o cenário futuro de comércio e produção parece apontar para o aumento do comércio de serviços de fluxos de dados transfronteiriços, incluindo o conteúdo IP. A velocidade e a magnitude dessa transmissão dependerão, em parte, do ambiente regulador que rege o comércio e a localização das atividades de impressão em 3D. As diferenças nos direitos de propriedade intelectual entre os países tornar-se-ão cada vez mais importantes comparativamente ao local onde a produção real ocorrerá. 

                          Na opinião desses autores, o fato de muitas das regras da OMC serem flexíveis e tecnologicamente neutras, contribuiu para os regulamentos atuais funcionem bem na transição em curso do comércio de bens para o comércio de serviços. Todavia, a aplicação das regras atuais à impressão 3D pode ser muito difícil. Segundo Tingvall e Rentzhog, a evolução da impressão 3D pode desafiar o sistema comercial multilateral em três maneiras: 

                            1.     As regras do GATT sobre bens não se aplicam se não houver comércio transfronteiriço. Além disso, acordos como o Acordo Antidumping tornam-se menos relevantes com a impressão 3D, dado que, como não há passagem de bens pela fronteira, será difícil de provar. 

                            2.     Alguns acordos, ou partes deles, ganham importância à custa de outros. Mais notavelmente, os serviços ocupam o centro do palco, tornando o GATS relativamente mais importante. 

                            3.     Algumas regras podem precisar de atualização. Exemplos: o GATS não possui detalhamento sobre questões como subsídios. Isso torna os membros da OMC menos vinculados às regulamentações comerciais, o que significa que as empresas que adotam a impressão 3D também se movem para um território menos regulamentado. Também não existe uma regra horizontal sobre o direito de transferir dados, o que abre a possibilidade de protecionismo e barreiras às transferências digitais. 

                          No que se refere à “servicificação” da manufatura, situação na qual a indústria manufatureira está cada vez mais se integrando com os serviços, empregados como insumos no processo de produção, bem como produzindo e exportando mais serviços junto com os bens físicos industriais, a OMC considera que as regras existentes se aplicam ao comércio de todos os bens, sem distinguir se incluem serviços incorporados ou integrados. 

                          Todavia, alguns acordos levam em conta se serviços são comercializados indiretamente ao serem incorporados ou integrados nas exportações de bens. Por exemplo, o Acordo de Valoração Aduaneira (CVA) já prescreve os tipos de serviços que podem ou não podem ser levados em conta ao determinar o valor aduaneiro de um bem. As regras de origem preferenciais e não preferenciais baseadas no acréscimo de valor também levam em consideração certos serviços para determinar a “transformação substancial” de um bem.

                          O relatório destaca que os membros do Comitê Técnico sobre Valoração Aduaneira, criado pelo CVA, têm discutido essas questões. Porém, ainda não conseguiram chegar a um consenso. Em consequência, se surgirem tais circunstâncias, as autoridades aduaneiras nacionais deverão interpretar as regras da CVA caso a caso, como entenderem. 

                          No caso das exportações de produtos impressos em 3D, os membros da OMC parecem ainda não enfrentar grandes desafios na interpretação e aplicação das regras. No entanto, isso pode mudar à medida que a importância da tecnologia aumenta. No caso das “funções bloqueadas” nos aparelhos, os membros da OMC ainda não conseguiram chegar a uma decisão comum que harmonizasse a interpretação das regras.

                          Litígios envolvendo tecnologias digitais

                          O extraordinário desenvolvimento e diversificação das tecnologias digitais ao longo das duas últimas décadas se fez sentir na arena do sistema de solução de controvérsias da OMC, que tem se encontrado cada vez mais encarregada de resolver disputas relacionadas a produtos digitais e métodos digitais de transmissão e entrega. 

                          Como já mencionado, a maioria das regras da OMC foi elaborada antes da atual revolução digital, e sua aplicação a produtos novos e inovadores e sistemas de entrega pode ser, portanto, ser um desafio. Os painéis de solução de controvérsias e o Órgão de Apelação tiveram, portanto, que resolver, dentro do quadro legal existente, as disputas relativas a tecnologias que, em alguns casos, não existiam quando os acordos da OMC estavam sendo redigidos.

                          Segundo a OMC, uma questão importante relacionada à economia digital que surgiu na solução de controvérsias relacionada ao GATT diz respeito ao tratamento tarifário de novas tecnologias. Todos os membros da OMC têm “cronogramas” de concessões, instrumentos legais que estabelecem em forma de lista as tarifas máximas de importação (isto é, obrigações consolidadas) que podem ser cobradas pelos membros em diferentes produtos. Em relação ao GATS, os membros da OMC têm cronogramas de compromissos que detalham os níveis vinculados de acesso a mercados e tratamento nacional. Os cronogramas do GATT e do GATS são “obrigatórios”, o que significa que os membros são legalmente proibidos de impor tarifas ou limitações acima de seus níveis programados. Os problemas podem surgir, por exemplo, quando as novas tecnologias não se encaixam claramente em nenhuma das categorias de produtos. 

                          Outras questões relacionadas à tecnologia também surgiram na resolução de controvérsias da OMC relacionadas a métodos digitais de transmissão ou entrega no comércio de serviços. À medida que a Internet supera cada vez mais as barreiras físicas de tempo e distância e possibilita comunicação, engajamento e transações internacionais com facilidade e velocidade sem precedentes, e através de uma gama cada vez maior de dispositivos, surgiram controvérsias sobre a extensão da prestação de serviços na internet, em oposição a tecnologias de telecomunicações mais tradicionais, como o telefone ou o aparelho de fax, que são cobertas pelo cronograma de concessões em serviços dos membros da OMC.

                          As Tecnologias digitais nos Acordos Regionais de Comércio (RTA)

                          O comércio digital está se tornando um aspecto mais complexo e debatido das relações comerciais internacionais, notadamente como uma consequência do possível escopo para a rivalidade comercial estratégica e maiores preocupações com relação a vários aspectos da política, incluindo a segurança.

                          Segundo a OMC, vários governos responderam aos desafios da digitalização por meio de Tratados Regionais de Comércio (RTAs). Esses RTAs de serviços foram utilizados, em uma extensão muito maior em média do que os compromissos do GATS, para vincular as oferta transfronteiriça de serviços (incluindo, em alguns casos, fornecimento digital), bem como garantir níveis de acesso ao mercado e tratamento nacional para o estabelecimento e operação de entidades estrangeiras que desejam fornecer, por exemplo, serviços de infraestrutura digital.

                          Segundo os autores do relatório, questões relacionadas às tecnologias digitais são explicitamente abordadas em 276 dos 286 RTAs notificados à OMC e em vigor em agosto de 2018. Nesses tratados regionais, algumas disposições específicas relacionadas à tecnologia digital esclarecem certas disposições e / ou compromissos existentes estabelecidos no âmbito da OMC, enquanto outras disposições ampliam os compromissos ou estabelecem novos compromissos. Embora a inclusão de tais disposições não seja um fenômeno recente, o número de RTAs que incorporam provisões relacionadas às tecnologias digitais aumentou nos últimos anos, conforme destacado na Figura abaixo.

                          A OMC assinala ainda que a estrutura, escopo e linguagem dos RTAs evoluíram ao longo dos anos, com disposições recentes muitas vezes mais abrangentes e detalhadas. Um amplo conjunto de disposições sobre tecnologias digitais encontradas nos RTAs está explicitamente relacionado às regras comerciais e ao acesso a mercados. Como mostra a Figura abaixo, o escopo dessas disposições abrange desde a aplicabilidade das regras da OMC e da RTA ao comércio eletrônico, ao tratamento não discriminatório de produtos digitais semelhantes, bem como a compromissos de não impor tarifas alfandegárias aos produtos digitais e liberalizar o comércio digital de serviços. Outras disposições relativamente mais recentes tratam da transferência transfronteiriça de informações por meios eletrônicos, do uso e localização das instalações de computação e da transferência e acesso ao código-fonte do software.

                          Considerações finais

                          Para a OMC, o comércio digital está se tornando um aspecto mais complexo e debatido das relações comerciais internacionais, notadamente como uma consequência do possível escopo para a rivalidade comercial estratégica e maiores preocupações com relação a vários aspectos da política, incluindo a segurança. Por um lado, levanta questões na interseção da governança comercial, como acesso a mercados e não discriminação, e, por outro lado, em certos aspectos da governança da internet, como privacidade on-line e proteção ao consumidor, entre outros. 

                          Na avaliação da OMC, questões relacionadas à proteção da privacidade e à segurança cibernética deverão ganhar proeminência nos debates sobre a futura governança do comércio digital. Porém, ainda não há consenso em torno do próprio significado do conceito de segurança cibernética ou segurança da informação.

                          A OMC também ressalta que embora a estrutura do sistema multilateral de comércio, e em particular o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços, seja relevante para o comércio digital e já estão sendo adotadas certas medidas para promover o comércio digital dentro da estrutura existente, os países membros terão que considerar como querem reagir às mudanças contínuas na economia e na forma de realização dos negócios. Ainda que a regulamentação do comércio existente normalmente não se refira a inovações ou tecnologias específicas, os efeitos da digitalização nas regras do comércio internacional são de natureza horizontal e transversal. A natureza transfronteiriça das empresas digitais reforça a necessidade de cooperação internacional e progresso em direção a normas comuns. 

                          Finalmente, os autores do relatório levantam algumas questões normativas com relação a futuras iniciativas internacionais para promover a expansão do comércio digital e como essas iniciativas contribuirão para tornar o comércio mais inclusivo. Uma primeira questão diz respeito ao fosso digital, suas consequências e as medidas que podem ser tomadas para reduzi-lo. Isso inclui o uso de acordos internacionais, como o GATS, para assumir compromissos que aumentam a credibilidade da política e, assim, ajudam a atrair investimentos diretos estrangeiros. 

                          Uma segunda questão diz respeito à participação das MPMEs e à extensão na qual a inovação digital nivelará o campo de comércio. Uma terceira questão, relacionada à anterior, é se a digitalização trará consigo mais ou menos concorrência. Caso prevaleça a dinâmica do “vencedor leva tudo”, as autoridades nacionais de concorrência provavelmente desempenharão um papel proeminente, tornando necessária uma maior cooperação internacional.

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                          Carta IEDI n. 1306 - A Indústria por Intensidade Tecnológica: especificidades de 2024
                          Publicado em: 14/03/2025

                          A indústria de transformação ampliou sua produção em 2024, apresentando especificidades em relação à última década, o que também inclui a distribuição deste dinamismo entre suas diferentes faixas de intensidade tecnológica.

                           

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                          Carta IEDI n. 1305 - O Brasil e a guerra comercial entre EUA e China
                          Publicado em: 10/03/2025

                          Há muitos produtos coincidentes que Brasil e China exportam para os EUA e nossos embarques poderiam ser favorecidos com a imposição de alíquotas sobre as exportações chinesas.

                           

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                          Carta IEDI n. 1304 - Ano de crescimento, mas com inflexão à vista
                          Publicado em: 28/02/2025

                          Em 2024, todos os grandes setores econômicos se expandiram e a um ritmo superior ao de 2023, mas uma desaceleração já se avizinha, como resultado do aumento da Selic.

                           

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                          Carta IEDI n. 1303 - O aumento dos juros e o crédito no final 2024
                          Publicado em: 24/02/2025

                          No último trimestre de 2024, embora a inadimplência tenha continuado a cair, as taxas médias de juros já apontam elevação, na esteira da alta da Selic. O dinamismo creditício ainda se mostrou resiliente.

                           

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                          Carta IEDI n. 1302 - Melhora do saldo comercial em 2024 apenas na indústria de média-baixa tecnologia
                          Publicado em: 12/02/2025

                          Em 2024, embora as exportações de bens industriais de alta tecnologia e de média-baixa tenham aumentado, apenas este último grupo melhorou seu saldo de balança.

                           

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