Entrevista – Flávio Gurgel Rocha
Flávio Gurgel Rocha
O Freio do Copom Ameaça a Decolagem da Economia
A democratização do crédito através de vendas consignadas e o crescimento da economia em 2004 são sinais positivos, mas a política de juros pode comprometer a desejada decolagem da economia porque impede o atendimento da demanda nascente em uma proporção muito maior do que restringe o consumo. O alerta é do empresário Flávio Gurgel Rocha, vice-presidente do grupo Guararapes/Riachuelo e Conselheiro do IEDI, que questiona a isenção do Copom na fixação da taxa de juros, feita em detrimento do conjunto da sociedade.

No ano passado nós nos libertamos de uma idéia paralisante que floresceu aqui durante mais de uma década, de que a indústria e o comércio eram negócios diferentes e tinham que ser tratados de modos distintos. Esse avanço, junto com o reaquecimento da economia, foi o grande responsável pelo ótimo desempenho que tivemos em 2004. Desperdiçamos durante muito tempo a enorme sinergia que existe entre indústria e varejo que nós. Isso se deve a uma deformação presente na origem da Riachuelo. A Guararapes comprou a Riachuelo para utilizá-la como um canal de vendas auxiliar e tratava-a como uma empresa submissa, destinada apenas a escoar os seus produtos. Isso provocou problemas seriíssimos, inclusive as dificuldades que enfrentamos no final de 1988. A solução inicialmente encontrada foi separar as empresas e as operações: indústria é indústria, varejo é varejo. Cada uma foi cuidar da sua vida. A Riachuelo comprava de quem quisesse e a Guararapes utilizava os todos os seus canais de venda. Foram dez anos de total divórcio. Quando nós vimos o incrível sucesso da empresa espanhola Zara, que é completamente verticalizada, passamos a questionar essa estratégia. No ano passado começamos a descobrir a sinergia entre a indústria e o comércio, que é mais ou menos óbvia, mas que só se percebe inteiramente vivenciando os dois lados. Reconstruímos a verticalização, agora liderada pelo varejo, como tem de ser.
Quais são os resultados dessa mudança, em números?
A Riachuelo representava 8% das vendas da Guararapes, no começo de 2004. No final desse mesmo ano estava representando 30%. Houve uma interação muito maior que resultou em uma linha imbatível em preços, em maior agilidade e em uma eficiência incomparável da supply chain. A indústria passou a ser integrada eletronicamente com os scanners óticos de leitura dos códigos de barras dos produtos nas lojas, possibilitando uma eficiência que não se imaginava que pudéssemos ter. Esse foi o grande fator da melhora do nosso resultado, além do fator conjuntural.
O lado comercial do grupo ainda é uma forma de testar novos produtos da área industrial?
Sim. Se bem que as nossas fábricas são de grande porte e têm uma vocação maior para o básico. O produto mais elaborado, mais fashion, preferimos testar com fornecedores externos, até com terceiros. Quando ele se torna um clássico e entra em vôo de cruzeiro, aí sim se adapta às dimensões da nossa estrutura industrial.
O senhor disse que 2004 foi um ano excepcional, tanto no varejo quanto no comércio. Qual foi a principal causa da melhora de desempenho?
Respondo sem pestanejar que foi a democratização do crédito. Não houve um aumento de renda significativo, mas, apesar disso, o brasileiro que gastava 12 dias do seu salário mensal, passou a gastar 20 dias. A explicação é a democratização do crédito, que representou um significativo aumento do poder de compra.
Qual foi o principal mecanismo dessa democratização do crédito?
O principal fator foi o empréstimo consignado com desconto em folha, que barateou bastante o acesso ao crédito. Esse instrumento foi o grande drive do crescimento de 2004, apesar do aumento das taxas de juros. Nós, que vendíamos em até cinco vezes sem juros, reintroduzimos no ano passado a venda com juros por prazos mais longos.
Como o senhor explica que, apesar da taxa de juros ainda muito alta, houve democratização do crédito?
Eu vi muitos empreendimentos industriais serem abortados por decisão do Copom de aumentar os juros em meio ponto porcentual. Mas nunca vi ninguém desistir de comprar um DVD por causa de uma elevação dos juros de meio ponto porcentual. Portanto essa metodologia do Banco Central está sendo um tiro no pé, porque impede o atendimento da demanda nascente em uma proporção muito maior do que restringe o consumo. O brasileiro nitidamente é sensível à prestação, não a preço. Se o objetivo é controlar a inflação por essa metodologia, talvez seja necessário chegar a uma taxa de juros de 30% para atingir a meta.
Qual é a sua avaliação sobre o processo de definição da taxa de juros?
Eu acredito que está na hora de se rever a relação incestuosa entre banqueiro do Copom e banqueiro de fora do Copom. É uma troca de gentilezas. Toda relação pressupõe um conflito, uma corda esticada, em que o comprador quer comprar pelo menor preço e o vendedor quer vender pelo maior preço. Na relação entre o Copom e o sistema financeiro não existe conflito. Quem perde é a sociedade. Eu não me atreveria a enveredar pelos argumentos econômicos. Não sou economista. Mas eu questiono a isenção do Copom. Ele não é isento. Os seus integrantes, até inconscientemente, estão favorecendo os seus pares. Deveríamos ter um mecanismo como o do Federal Reserve, dos Estados Unidos, representativo de todos os segmentos econômicos – agricultura, varejo, serviços, sistema financeiro, etc. – e de todas as regiões do país. No Brasil, não. Só está presente o setor que ganha. Meio por cento a mais de taxa de juros representa uma injeção nos bancos de quatro a cinco bilhões de reais por mês.
A democratização do crédito foi feita a partir da ampliação do prazo pelo comerciante?
Certamente o varejo formal, em especial as cadeias de varejo, teve um papel importante de complementaridade e de correção de uma grave falha do sistema financeiro brasileiro. Banco brasileiro só sabia emprestar para o governo, o que atrofiou a sua capilaridade e comprometeu a sua razão de existir, que é emprestar recursos para a população. Os bancos puseram o povo para fora das agências, instalaram portas blindadas, guardas armados e só queriam saber de emprestar para grandes empresas e para o governo. O varejo organizado supriu essa demanda e fez parcerias extremamente bem sucedidas entre cadeias de lojas e grandes bancos. O que está dando mais certo no governo Lula é esse novo mecanismo de concessão de crédito.
Houve um reaprendizado de parte a parte entre comércio, banco e indústria?
O banco, quando se deu conta de que tinha se afastado do povo, usou com muita competência, em uma relação simbiótica, a capilaridade e o know-how do varejo de analisar e aprovar crédito. Banco não sabe emprestar pra quem ganha de dois a três salários mínimos e está utilizando este conhecimento que o varejo tem. Então o varejo teve esse importante papel de levar os serviços financeiros a uma legião de órfãos bancários. Isso foi muito nítido em 2004. Através das redes de varejo os serviços financeiros chegaram a uma grande massa de excluídos bancários, pessoas que tinham medo de entrar em uma agência suntuosa, de granito, na avenida Paulista. Hoje elas entram nas Casas Bahia, na Riachuelo, na C&A e fazem um empréstimo pessoal, num ambiente familiar e amistoso.
É bom para o comerciante que uma pequena prestação seja paga na loja?
Fazemos um sacrifício de margem em troca de fluxo, o que é um bom negócio. Os clientes visitam a loja cinco vezes para pagar as prestações mensais. E 30% dessas visitas se convertem em novas vendas. Então é um processo que vai se alimentando.
Esse processo é apenas conjuntural ou representa uma nova relação entre o comércio varejista e o sistema financeiro e que veio para ficar?
Acho que veio para ficar porque o varejo tem essa vocação. Acreditávamos que a nossa missão era produzir calça e camisa, roupas, moda. Descobrimos que essa idéia, a do foco de negócios, era paralisante. É necessário desenvolver múltiplos canais de acesso ao consumidor. É isso que garante a fidelização. Quando o cliente não está ativo (com algum débito no cartão) na coleção da estação, o está no crédito pessoal, ou comprou minutos do seu celular pré-pago, etc. É isso o que estreita o relacionamento. Nós somos uma empresa de relacionamento. A primeira venda é sempre deficitária. O principal investimento que estamos fazendo neste ano, e que se repete a cada novo exercício, é a aquisição de novas contas. Agregaremos mais 2,5 milhões de contas, correspondentes a novos cartões da Riachuelo. Terminamos 2004 com cerca de 9 milhões de contas. Cada conta destas custa R$ 20 para adquirir, por correntista.
Esse custo é seu ou do cliente?
É nosso, é custo de processamento, de correio, de distribuição do cartão, de consulta para a aprovação do crédito. Na melhor das hipóteses, caso o cartão seja ativado, isso pode levar a uma compra de R$ 70. São cinco prestações de R$ 14. Isso representa uma margem de contribuição de R$ 14, ou seja, paguei R$ 6 para conquistar essa conta. Ou seja, nós não vivemos de vendas isoladas. O objetivo é transformá-las em relacionamentos duradouros. O índice de retenção de clientes é o indicador mais importante do nosso sucesso ou fracasso, muito mais do que os indicadores de crescimento de vendas ou de inadimplência. E o nosso índice de retenção tem sido de mais de 80%.
Do total de contas, quantas se devem à democratização do crédito?
O plano novo, de vendas em sete a oito vezes com juros, representa 15% das vendas totais, mas o crescimento de contas tem sido maior do que isso. Estamos estudando a destinação de um maior volume de recursos para a expansão.
Quais são os usos do cartão? Ele cobre vendas com juros e sem juros?
O cartão permite comprar a prazo e fazer empréstimo pessoal. Cobre vendas com juros e sem juros e representa 80% do total das vendas.
Esse modelo é uma arma do comércio formal contra a informalidade? É válido para outros segmentos?
Sem sombra de dúvida o crédito organizado, formal é um dos fatores que nos possibilita resistir heroicamente ao assédio da informalidade, que chega a 80% no nosso setor. No segmento de não duráveis pesa menos, porque o índice de vendas financiadas é bem menor. Já no de duráveis pesa muito mais, porque os prazos são mais longos e o porcentual de vendas financiadas, maior. Essa prática do cartão private label não se justifica em redes de eletroeletrônicos, por exemplo, cujos clientes fazem compras a cada dois anos.
As redes de varejo que disponibilizam crédito para os seus clientes financiam-se junto aos bancos?
Até o ano passado só tínhamos planos sem juros e bancávamos toda a nossa carteira. Agora estamos repassando os planos com juros para os bancos. Isso nos dará uma folga de caixa maior para equacionar a questão física.
Quais foram os principais fatores do aumento da sinergia entre a Riachuelo e a Guararapes?
Nós criamos um grupo de desenvolvimento de produto da Riachuelo dentro da Guararapes. Antes a Riachuelo apenas olhava a coleção da nossa parte industrial e escolhia as peças que queria dentre as que eram produzidas para todos os clientes. Agora, há unidades destinadas a produzir produtos desenvolvidos apenas para a Riachuelo.
As margens dos produtos mais populares têm sido compensadoras? Quais são as perspectivas?
As margens têm sido estáveis, sem grandes oscilações. O que tem havido são receitas complementares, como as oriundas de serviços financeiros. Há uma forte pressão da informalidade. Em um setor onde a carga tributária varia de 38% a 40%, tirar essa diferença na base da escala, da eficiência, da tecnologia não é fácil. A grande limitação à nossa competitividade é essa concorrência informal. Mais recentemente temos notado um maior assédio de importações subfaturadas e ilegais, sinais de contrabando.
O chamado “importabando” é um problema que já incomoda a indústria e o comércio?
Sem dúvida. Há itens nitidamente subfaturados. Mas há algumas providências recentes positivas, como as listas de preços mínimos. Embora haja exagero em algumas dessas listas, vai-se chegar a um ajuste e é um mecanismo que deve funcionar. O que não pode é continuar como estava. A mesma calça que é vendida para os Estados Unidos e a Europa por US$ 20 vinha para cá por US$ 1 ou US$ 2.
Normalmente da China?
Sim. Além de praticar o dumping, ela faz o velho jogo do subfaturamento, do pagamento por fora, o que fere bastante o varejo formal.
O reconhecimento da China como economia de mercado pelo governo brasileiro está atingindo a empresa nacional?
Sem dúvida. Isso, aliado ao fim das quotas para os Estados Unidos, deu um aumento de agressividade muito grande para a China, que vem comprando, nos últimos três ou quatro anos, 70% de todo o equipamento têxtil produzido no mundo. Pensando no nosso universo, há um efeito bom e um ruim. O efeito ruim é a maior concorrência que a nossa parte industrial vem sofrendo. O efeito bom é sobre a nossa operação de varejo, que no passado já teve estreitas ligações com a maior trading de têxteis do mundo, a chinesa Li & Fung. Nós chegamos a importar 30% da venda da operação de varejo na Riachuelo da Li & Fung, que escoa a produção de cinco mil fábricas asiáticas.
O senhor foi deputado por dois mandatos e defendeu o imposto único. Seria pertinente, hoje, uma linha mais heterodoxa de tributação?
Eu sou absolutamente cético quanto à possibilidade de recuperar o nosso sistema tributário pelos instrumentos clássicos. Não concordo com quem diz que imposto bom é imposto velho. A tecnologia muda as coisas, surgem novos fatos geradores. Hoje é possível utilizar a melhor base tributária que existe, a mais ampla, universal, que é o volume de débitos e créditos bancários. Nós estamos aí quebrando a cabeça com uma base de vinte, trinta, cinqüenta bilhões de reais, quando temos ao alcance da mão – e a famigerada CPMF é prova disso – uma base que, na época em que eu tinha esses números na cabeça, correspondia a 15 vezes o PIB. Nos Estados Unidos, é 100 vezes o PIB. Essa é uma base que anexa todo esse oceano de informalidade – contas fantasma, doleiros, traficantes, contrabandistas, sonegadores, etc. O que nós precisamos hoje é anexar ao universo tributário esse vasto e crescente setor que está completamente fora do alcance de qualquer uma das bases tributárias tradicionais. Quando se discute esse assunto sempre se levanta a questão de progressividade ou regressividade da tributação, como se isso fosse apenas função da cobrança do imposto. A eficiência da progressividade requer, antes de mais nada, a sua implementação do ponto de vista fiscal, não apenas do tributário. O modelo ideal seria neutro do ponto de vista da arrecadação, e progressivo do lado do gasto. Um sistema tributário neutro já seria uma enorme evolução em relação ao sistema tributário escandalosamente regressivo que temos hoje. Porque a carga tributária não está distribuída em função da capacidade contributiva, mas da facilidade de se tributar. Quem é facilmente tributável, paga muito. Quem é difícil de tributar, paga pouco. E o alvo mais indefeso da sanha arrecadadora é o trabalhador com carteira assinada, que não tem para onde correr. Desconta na fonte e paga uma carga tributária exorbitante, tanto do lado do salário quanto do lado do gasto. Outro fator de regressividade é a predominância dos impostos embutidos nos preços dos produtos. Um trabalhador que recebe salário mínimo poupa muito pouco ou nada da sua renda, porque consome quase tudo, mas paga em impostos, em média, 40% do pouco que consumiu. Ao passo que alguém de alta renda, que poupa 99% e consome 1% do que ganha, paga esses 40% sobre o 1% que está consumindo.
Um dos efeitos da redução do número impostos seria a diminuição da burocracia tributária.
O Brasil gastava 8% do PIB em burocracia tributária, hoje deve estar gastando mais. A estrutura tributária que uma empresa precisa ter no Brasil representa um ônus significativo, se comparada com a contabilidade das empresas de outros países. O imposto sobre operações bancárias é o imposto do futuro, é compatível com a realidade da moeda eletrônica e iria realmente soltar o freio de mão da economia, permitindo que o empresário voltasse a cuidar da sua tarefa maior, que é gerar emprego, farejar oportunidades, abrir fronteiras empresariais. Há 15 anos a carga tributária era de 20% do PIB e praticamente duplicou. Acho que naquela época perdemos uma grande oportunidade de construir uma forma barata e simples de financiamento do Estado.
Como é no mundo essa questão da tributação das operações bancárias?
Os países desenvolvidos resolveram os seus problemas tributários muito antes da existência dessa base, que é relativamente recente. Uma tributação desse tipo só se tornou exeqüível depois que a vida econômica do país passou a estar representada, no caso brasileiro, em computadores de 200 bancos. Aqui estão reunidas todas as condições necessárias para a implementação de um sistema desses.
Como está o recém-criado Instituto para o Desenvolvimento do Varejo, presidido pelo senhor?
O IDV se orgulha muito da sua origem genética. Ele é o irmão mais novo do IEDI, que é uma forma moderna, brilhante e eficiente de representação empresarial. É também uma arma do empresário, que não tem vocação para ocupar a Praça dos Três Poderes, nem para formar caravanas. A timidez natural o impede de ter essa atuação política mais explícita. E o IEDI faz isso com muita competência no plano das idéias, do debate. Essa é a maneira de colaborar. O varejo, apesar das dezenas de entidades muito competentes, caracteriza-se por uma extrema heterogeneidade. Vai do camelô à maior empregadora do mundo, que é a Wal-Mart. E os conflitos são inevitáveis. O conflito que nos fez ver a necessidade do IDV foi o da formalidade versus informalidade. Isso ficou muito nítido na última agressão tributária que o varejo sofreu, com o aumento do Cofins, que representou, num setor em que a margem média é 3%, um aumento de carga média de 3,5% do PIB. Ou seja, não fosse a retomada da economia, a maioria das empresas do varejo teria se tornado deficitária só com esse aumento tributário. Nós fomos analisar o porquê do eloqüente silêncio das entidades de varejo diante dessa situação e vimos que as suas direções têm dificuldade de pacificar as suas bases de associados, compostas, em sua maioria, por estabelecimentos informais. Ou seja, enquanto uns poucos sofriam com o aumento da carga tributária, uma maioria comemorava. Então resolvemos passar o varejo no filtro. Não pretendemos ser uma representação exaustiva. Limitamos a associação a 30 empresas de todos os setores, sendo que todas registram funcionários e vendem com nota. Isso fez com que esse saco de gatos do varejo, esse universo extremamente diversificado e heterogêneo convergisse para uma surpreendente unidade de opiniões. Praticamente tudo que é proposto pelo IDV é consensual. O IDV, como o IEDI, é uma entidade monolítica nas suas posições. Não há temas que nos dividam. Algumas entidades do comércio racham no meio quando surgem temas como o da abertura das lojas aos domingos. A cisão acontece porque, para o lojista individual, abrir no domingo significa não ter o descanso semanal, enquanto que para as cadeias de lojas o funcionamento durante o fim de semana é fundamental. Os meses recentes têm sido muito enriquecedores para todos nós do IDV. Estamos redescobrindo um novo patamar de cidadania. Hoje o entusiasmo é geral.
A política econômica atual não favorece a criação de empregos formais. O senhor acha que isso dificulta a tomada de posição oficial, por parte do governo, contra o comércio informal?
A informalidade não resolve o problema do emprego. O que resolve é a eficiência, a competitividade. E nós temos um país ferido de morte na sua competitividade. A empresa ética, que age dentro da lei, carrega a maior cruz tributária do mundo, que é o custo Brasil. A visão romântica de que a informalidade é o pai de família que perdeu o emprego e tornou-se camelô para sobreviver não corresponde à realidade. A informalidade hoje é integrada por algumas estruturas poderosíssimas com ramificações em todo tipo de criminalidade, do contrabando à pirataria, ao roubo de carga, à sonegação pura e simples. Isso está tudo interligado. Hoje o estereótipo do vendedor informal não é mais o camelozinho do Viaduto do Chá, é o chinês da Galeria Pajé. O resultado dessa situação é um Brasil que, no todo, é pouco competitivo. Uma pesquisa recente mostra a estreita correlação entre o varejo clandestino e o desenvolvimento do país. Os Estados Unidos, por exemplo, tem 99% de varejo formal enquanto que no Paquistão a situação é inversa. As alternativas do Brasil são aumentar as alíquotas dos que já pagam automaticamente e deixar a sonegação crescer, ou tornar mais rigorosa a fiscalização da cobrança dos impostos já existentes. É necessário que se crie junto à opinião pública essa consciência, em contraposição à quase simpatia que existe em relação à formalidade. Acho que nós temos que dar o respaldo político ao governo para que ele alargue a fronteira da legalidade e faça um combate efetivo à ilegalidade. O método de fazer isso no varejo é o combate ao varejo ilegal. É no varejo que a ilegalidade, eufemísticamente chamada de informalidade, coloca a cabeça na superfície para respirar. Ao se reprimir o comércio ilegal está-se matando tudo o que há por trás. O roubo de cargas, a pirataria existem porque têm canais de escoamento. Coibir o varejo é fácil porque ele tem que se expor, se apresentar ao mercado.
Como mudar a política de juros no sentido que o senhor apontou?
Acho que um bom começo seria mudar a composição do Conselho Monetário Nacional, de acordo com essa moção do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, no sentido de representar os diferentes setores da economia. Acreditamos que a tendência de crescimento da economia brasileira é maior que o abismo, mas é necessário um mecanismo que tenha os freios e os contrapesos necessários. A falta desses freios e contrapesos pode nos levar à maior taxa de juros pelo maior prazo possível. Eles vão arrastar essas taxas por quanto tempo eles puderem, em detrimento de todo o resto da sociedade brasileira. Nós estamos perdendo o momento da decolagem por causa desse freio de mão puxado do Copom.