Introdução. Para
o IEDI, uma indústria moderna e integrada
à economia mundial tem papel relevante
como um vetor adicional e determinante para
o desenvolvimento do país. Nessa direção,
o Instituto reproduz um estudo sobre os acordos
comerciais e a posição brasileira
realizado por Vera Thorstensen (Coordenadora
do Centro do Comércio Global e do Investimento
– CCGI/FGV), Lucas Ferraz (Coordenador
do Centro de Modelagem Econômica Aplicada
– CMAE/FGV), Daniel Ramos, Carolina
Müller e Belisa Eleotério (Pesquisadores
do CCGI), intitulado “A multiplicação
dos Acordos Preferenciais de Comércio
e o Isolamento do Brasil” (que será
publicado na íntegra no site do Instituto).
A regulação do comércio
internacional encontra-se em fase de profundas
mudanças. A Rodada Doha na Organização
Mundial de Comércio (OMC), iniciada
em 2001, encontra-se em um impasse, com perspectivas
de ser concluída apenas com poucos
avanços em matérias relacionadas
à facilitação de comércio,
subsídios agrícolas e auxílio
ao comércio (aid for trade),
bem como isenção de quotas e
tarifas para os países de menor desenvolvimento
relativo (quota free duty free).
De outro lado, diante das dificuldades enfrentadas
por novas negociações no cenário
multilateral e da necessidade de se atualizar
as regras de comércio internacional,
os países vêm intensificando
a negociação de novos acordos
preferenciais de comércio (APCs)2,
por meio dos quais são estabelecidas
novas regras comerciais, que muitas vezes
ultrapassam o escopo das matérias reguladas
pela OMC, ou regulam questões não
abordadas pelo sistema multilateral, tais
como meio ambiente, cláusulas sociais,
concorrência e investimentos.
Nesse contexto, questiona-se se dificuldades
enfrentadas em Doha, combinadas à proliferação
de APCs, não resultaria no enfraquecimento
do sistema multilateral em prol do sistema
preferencial, resultando em um esvaziamento
da principal fonte reguladora do comércio
internacional na esfera multilateral para
o fortalecimento da esfera preferencial.
Nesse cenário, cabe questionar qual
é a posição em que se
encontra o Brasil e quais os impactos que
esta proliferação de APCs pode
trazer para o comércio exterior do
país.
Primeiramente será elaborado um panorama
acerca dessa proliferação dos
APCs. Em seguida, será analisada a
posição do Brasil, apresentando-se
o perfil de comércio exterior do país,
os vetores de integração regional
que foram desenvolvidos nas últimas
décadas, bem como as perspectivas do
governo de negociação de novos
APCs. A terceira seção abordará
os impactos dessa proliferação
de APCs para o Brasil, avaliando as questões
de acesso a mercados, da criação
de regras preferenciais de comércio
e da formação de cadeias globais
de valor. A quarta seção tratará
da questão da competitividade dos setores
produtivos brasileiros em face de uma potencial
liberalização comercial decorrente
da negociação de novos APCs.
Finalmente, a última seção
trará recomendações para
o Brasil.
Proliferação dos
Acordos Preferenciais de Comércio.
Os APCs se tornaram um importante
mecanismo de política comercial dos
países e, hoje, podem até mesmo
ser considerados uma característica
irreversível da regulação
do comércio internacional3.
Tradicionalmente, o estabelecimento de APCs
ocorria entre os chamados “parceiros
comerciais naturais”, ou seja, países
geograficamente conectados que já apresentavam
determinado padrão comercial e desejavam
obter um grau mais acentuado de liberalização
comercial entre si. No entanto, uma vez que
um país tenha exaurido suas perspectivas
comerciais em determinada região, é
natural que haja a busca por novos parceiros
comerciais. A partir da observação
dos acordos preferenciais em vigor ou em negociação,
pode-se afirmar que as iniciativas estão
hoje concentradas tanto em consolidar e aprofundar
os acordos preferenciais regionais já
existentes quanto em constituir novos acordos
de maneira bilateral, transregional e até
mesmo entre APCs já estabelecidos.
O sistema multilateral, desde a sua criação,
permitiu a formação de zonas
preferenciais de comércio como uma
exceção ao Artigo I do Acordo
Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio
(GATT), sobre o tratamento de Nação
Mais Favorecida, estabelecendo, em seu Artigo
XXIV, regras para a formação
desses acordos.
A liberalização do comércio,
no âmbito da OMC, ocorre a partir de
rodadas de negociação multilateral
entre os membros. A natural complexidade política
e técnica de negociações
comerciais, que envolvam diversos países,
somada à necessidade de obtenção
de consenso entre os membros da OMC para que
uma decisão seja acordada, torna o
processo moroso, o que pode incentivar os
membros a buscarem maior liberalização
comercial por meio da negociação
de acordos preferenciais.
Os primeiros acordos celebrados durante a
era GATT tiveram como foco inicial de expansão
a criação das Comunidades Europeias
em 1957, e a tendência de crescimento
foi reforçada nos anos seguintes com
a negociação de múltiplos
acordos preferenciais de comércio.
No início dos anos 1990, havia 70 APCs
em vigor. A proliferação de
acordos se intensificou nos anos seguintes.
Em 2013, 546 APCs haviam sido notificados
ao GATT/OMC4, contra apenas 123
notificações durante toda a
era GATT. Desses 546, 356 estão em
vigor. Do total de acordos notificados ao
GATT/OMC, 390 foram notificados sob o Artigo
XXIV, 38 sob a Cláusula de Habilitação,
ou seja, sob a Decisão sobre Tratamento
Diferenciado e Mais Favorecido para os Países
em Desenvolvimento de 1979, e 118 sob o Artigo
V do Acordo Geral sobre o Comércio
de Serviços (GATS).

A adoção de APCs tende a aumentar
o comércio entre as partes signatárias
do acordo devido à eliminação
de tarifas em seus mercados, mas pode reduzir
o comércio de tais países com
terceiros, impactando negativamente a economia
de países não membros de APCs
(trade creation e trade diversion).
A promoção do livre comércio
de modo preferencial pode auxiliar economias
em desenvolvimento a implementar reformas
domésticas que permitam sua abertura
a mercados competitivos, facilitando sua integração
na economia mundial. Além disso, uma
vez que os APCs geralmente contêm regimes
regulatórios que vão além
das regras estabelecidas multilateralmente,
sua proliferação poderia beneficiar
o sistema multilateral caso as regras estabelecidas
fossem multilateralizadas.
No entanto, tais acordos podem também
causar efeitos nocivos ao sistema multilateral
de comércio. Em primeiro lugar, há
a possibilidade de que dispositivos contidos
em APCs possam conter aspectos discriminatórios,
criando tensão em relação
ao sistema multilateral. Em segundo lugar,
e talvez mais importante, a proliferação
de acordos preferenciais pode prejudicar o
multilateralismo ao ameaçar a posição
da OMC como fórum principal para a
criação de novas regras de comércio.
De acordo com Baldwin5, há
quatro motivos principais que causam preocupação
ao se discutir a proliferação
de APCs. Em primeiro lugar, o autor destaca
que as regras criadas pela OMC são
aceitas e respeitadas de maneira praticamente
universal, e tal universalidade provém
primordialmente da maneira como tais normas
são promulgadas: em negociações
multilaterais onde o princípio do consenso
é respeitado. Uma vez que as novas
disciplinas estão, em sua maioria,
sendo promulgadas em um contexto de poder
assimétrico (visto que, em grande parte
dos APCs constituídos, tem-se geralmente
grandes nações desenvolvidas
e países de pequeno e médio
porte em desenvolvimento), tais regras não
possuem a mesma legitimidade proveniente do
contexto multilateral de negociações,
logo, não se pode esperar que sejam
respeitadas universalmente como as regras
acordadas em consenso.
Em segundo lugar, Baldwin afirma que, em um
mundo no qual a OMC passaria a ter um papel
coadjuvante, seria provável que a cooperação
multilateral em outros temas também
perca força. Ressalta ainda que o Sistema
de Solução de Controvérsias
da OMC, para que continue funcionando de maneira
eficaz, deve acompanhar a evolução
das regras comerciais. Se as regras aplicadas
pelo Órgão de Apelação
não forem atualizadas, é provável
que as decisões se tornem também
obsoletas. Por fim, uma vez que a OMC não
seja mais o fórum de negociação
de regras comerciais por excelência,
os membros da OMC deverão encontrar
uma nova maneira para negociar a atualização
das regras aplicáveis à Organização
que não as rodadas de liberalização
comercial.
Principais Atores na Negociação
de APCs. Nesse cenário
de proliferação de APCs, alguns
países se destacam como principais
atores na negociação de acordos.
A Europa possui a maior concentração
de APCs, sendo que a União Europeia
(UE) e a Associação Européia
de Livre Comércio – EFTA representam
os principais hubs do continente.
Ambos os acordos estão constantemente
expandindo sua rede de acordos preferenciais.
A UE, por exemplo, está negociando
a conclusão de APCs com Associação
de Nações do Sudeste Asiático
– ASEAN, Canadá, EUA, Japão,
Malásia, Vietnam, Geórgia, Armênia,
Moldova, Conselho de Cooperação
do Golfo - CCG, Índia, Mercosul e Grupo
de Países da África, Caribe
e Pacífico – ACP, enquanto o
EFTA está conduzindo negociações
com Argélia, Bósnia e Herzegovina,
Indonésia, Malásia, Índia,
Rússia, Bielorrússia, Cazaquistão,
Tailândia, Vietnam, Costa Rica, Guatemala,
Honduras e Panamá.
Os EUA atuaram de maneira ativa na negociação
APCs durante a última década,
tendo assinado acordos com países na
América Latina, África, Oriente
Médio e Ásia. Atualmente, estão
negociando um compreensivo APC com diversos
parceiros comerciais no Pacífico, a
chamada “Parceria Transpacífica”
(Trans-Pacific Partnership - TPP)6.
Recentemente, EUA e UE anunciaram o lançamento
de negociações comerciais para
a conclusão de ambicioso acordo envolvendo
questões comerciais, regulatórias
e sobre investimentos, a chamada “Parceria
Transatlântica de Comércio e
Investimento” (Transatlantic Trade
and Investment Partnership - TTIP). Devido
à sua complexidade e importância,
esses e outros APCs conhecidos como Mega-acordos
(Mega-regionals) serão analisados
de maneira mais profunda na parte III deste
estudo.
Os países da América Latina
possuem uma tradição de integração
regional que se diferencia da política
orientada pelo mercado adotada pelos EUA.
Pode-se dizer que há um esforço
no sentido de consolidar e aprofundar a rede
de APCs entre países da América
Central e da América do Sul, o que
não exclui a busca por parceiros comerciais
também em outras regiões do
globo. Tanto o Chile quanto o México
representam uma política que se convencionou
chamar de additive regionalism, na
qual os países se engajam em negociar,
de maneira bilateral, acordos preferenciais
de comércio com todos os seus parceiros
comerciais significativos. Atualmente, o Chile
está negociando a conclusão
de APCs com China e Tailândia, enquanto
o México possui negociações
abertas com a Coréia do Sul. Ambos
os países estão negociando também
o TPP.
No continente asiático, China, Coréia
do Sul, Japão, e Cingapura, bem como
o bloco ASEAN têm negociado um número
relevante de APCs, que envolvem a conclusão
de acordos preferenciais com países
de todos os continentes, reafirmando a busca
pela pluralidade de parceiros comerciais.
A Índia também merece destaque
pela multiplicidade de APCs negociados nos
últimos anos. Atualmente, está
em negociação com países
como Austrália, Nova Zelândia,
Paquistão, Rússia, SACU, UE,
Canadá, Indonésia, EFTA, Israel.
A Austrália e a Nova Zelândia
também aparecem como importantes atores
na região do Pacífico. Atualmente
há a negociação de acordos
entre Austrália e China, CCG, Índia,
Japão, Coréia do Sul e Indonésia,
enquanto a Nova Zelândia pretende concluir
acordos preferenciais com Índia, Japão,
Coreia do Sul, Rússia, Bielorrússia,
Cazaquistão.

A Política de Comércio Externo
do Brasil. Frente à proliferação
de novos APCs identificada nas últimas
décadas, cabe verificar qual a posição
adotada pela Política de Comércio
Externo do Brasil. Em primeiro lugar, o perfil
de comércio exterior brasileiro será
brevemente identificado, de modo a fornecer
substrato para as análises subsequentes
em relação a seus interesses
e oportunidades potenciais. Em seguida, caberá
analisar os vetores de integração
regional que foram desenvolvidos nas últimas
décadas, identificando o direcionamento
dado pela Política Externa Brasileira
em relação a mercados privilegiados
e à obtenção de acessos
preferenciais de mercado.
Finalmente, serão identificadas as
perspectivas de negociação de
novos APCs pelo Brasil e seu potencial impacto
para a inserção internacional
do comércio brasileiro.
Perfil do comércio exterior. O
Brasil, apesar de constituir uma das maiores
economias do mundo, com um PIB de US$ 2.477
trilhões, ainda é um país
fechado comercialmente. As exportações
de comércios e serviços representam
12% do PIB, enquanto as importações
representam 13% do PIB7, colocando
o país na 22ª posição
dentre os maiores exportadores mundiais, com
1,4% de participação no total
de exportações, e na 21ª
posição dentre os importadores,
com uma participação no total
das importações mundiais de
1,3%8.
Os principais parceiros comerciais do Brasil
são: União Europeia, China,
Estados Unidos e Argentina, enquanto principais
destinos das exportações brasileiras;
e União Europeia, Estados Unidos, China,
Argentina e Coreia do Sul enquanto origens
das importações do Brasil9.
A pauta exportadora do Brasil é constituída
por 33,8% de produtos agrícolas, 30,4%
de combustíveis e minérios e
32,8% de manufaturas. A pauta de importações
é constituída por 6% de produtos
agrícolas, 22% de combustíveis
e minérios e 72% de manufaturas10.
A tabela abaixo apresenta os volumes de exportação
para os dez principais países parceiros
comerciais do Brasil e os principais produtos
exportados a cada um, em 2012:

Privilégio ao Multilateralismo.
O Brasil sempre privilegiou a esfera multilateral
como principal foro de negociações.
Na visão brasileira, as negociações
internacionais ofereciam melhores condições
para os países em desenvolvimento coordenarem
suas posições, fortalecendo
seu posicionamento em face das pressões
exercidas pelos países desenvolvidos.
Enquanto as negociações bilaterais
do tipo norte-sul garantiriam aos países
como o Brasil pouca força para impor
seus interesses, o que resultaria em um acordo
no qual haveria um desequilíbrio em
prol do norte, nas negociações
multilaterais, os países em desenvolvimento,
em maior número, encontravam-se em
uma melhor posição negociadora,
que lhes permitiria atingir resultados mais
substantivos nas áreas de seus interesses11.
Em razão desse posicionamento, o Brasil
pouco investiu na negociação
de APCs durante as décadas de 1990
e 2000. O governo brasileiro optou por privilegiar
as negociações da Rodada Doha,
o que foi feito por meio de uma importante
coordenação do G-20 Agrícola,
coordenado por Brasil e Índia, pela
posição conciliadora adotada
pelo país nas negociações
e pela grande contribuição das
propostas brasileiras ao Pacote Lamy, apresentado
em 2008. Diante dessa estratégia, as
negociações preferenciais foram
relegadas a um segundo plano
Entretanto a estratégia brasileira
foi prejudicada pelo impasse da Rodada Doha.
Com o fracasso das negociações
e a clara preferência de grandes economias,
especialmente União Européia
e Estados Unidos, pelos APCs como principal
fonte regulatória do comércio
internacional, os esforços brasileiros
promovidos nas negociações da
OMC dificilmente trarão avanços
significativos.
Em contrapartida, ao privilegiar o sistema
multilateral em detrimento dos APCs, o Brasil
encontra-se, atualmente, distante de outras
economias relevantes tanto pelo pequeno número
de acordos do qual o Brasil é parte,
quanto ao que tange a elaboração
de um modelo de acordo com as regras de interesse
brasileiro, o que pode implicar em impactos
importantes para as exportações
brasileiras nesse novo cenário de regulação
do comércio internacional por meio
dos APCs.
Apesar do pequeno número de APCs assinados
pelo Brasil, pode-se identificar dois vetores
de integração: um regional e
um extra-regional.
A Integração Regional.
A prioridade da Política de Comércio
Internacional do Brasil tem sido a integração
regional, que vem obtendo alguns avanços.
Mercosul. O principal projeto de
integração comercial brasileira,
nas últimas décadas, foi a criação
e consolidação do Mercosul.
O bloco, criado pelo Tratado de Assunção,
em 1991, pretendia ser um projeto ambicioso
de estabelecimento de um mercado comum.
Ademais, o Mercosul previa no artigo 20º
do Tratado de Assunção que a
adesão ao bloco estaria aberta a todos
os países membros da Associação
Latino-Americana de Integração
(ALADI), o que demonstra a intenção
inicial do bloco em expandir o processo de
integração para além
da Bacia do Prata.
Em seus primeiros anos, o Mercosul obteve
relevante sucesso: as exportações
intrabloco aumentaram substancialmente, Bolívia,
Chile e Venezuela tornaram-se membros associados
com intenção de futuramente
integrar o bloco e uma tarifa externa comum
(TEC) foi instituída, transformando
o Mercosul em uma união aduaneira.
Entretanto, já no final da década
de 1990 o Mercosul passou a enfrentar uma
série de crises: a desvalorização
da moeda brasileira, em conjunto com a crise
Argentina de 2001 resultaram em um ambiente
pouco propício à negociações
e concessões, dificultando o desenvolvimento
do processo de integração.
Uma série de atrasos no cronograma
de liberalização do comércio
intrabloco, a manutenção de
uma série de exceções
à TEC, a imposição de
barreiras ao comércio como licenças
não automáticas de importação,
a não internalização
dos compromissos negociados, entre outros
fatores, contribuíram para a crise
na integração do cone sul.
Nesse cenário, e considerando a ascensão
da China, a participação das
exportações intrabloco perdeu
importância relativa. No caso do Brasil,
por exemplo, as exportações
para os demais membros do bloco passaram de
17% do total de exportações
brasileiras, obtidos em 1997 e 1998, para
apenas 9,4% em 201212.

A situação atual do Mercosul
é sensível: o projeto ambicioso
de um mercado comum está longe de ser
atingido. O livre comércio intrabloco
não se dá de maneira completa,
em razão das barreiras mantidas pelos
membros, tais como exceções
às preferências tarifárias
outorgadas e licenças não automáticas
de importação. Como exemplo,
tem-se a recente disputa entre Brasil e Argentina,
na qual a Argentina impôs barreiras
à importação de têxteis,
calçados, máquinas e alimentos
brasileiros e o Brasil, em retaliação,
retardou a emissão de licenças
de importação para automóveis
argentinos13.
Os efeitos das barreiras impostas foram refletidos
nos resultados da balança comercial
de 2012. Segundo dados da Secex, enquanto
as exportações gerais brasileiras
caíram 5,3% em 2012, as vendas ao país
vizinho tiveram queda de 20,8%. Vale frisar
que do total de produtos manufaturados vendidos
pelo Brasil ao exterior 18,1% vão para
os argentinos, intensificando o efeito negativo
da queda nas exportações ao
vizinho.
Esses fatores dificultam a liberalização
comercial e o aumento dos fluxos de comércio
na região. A entrada da Venezuela pode
trazer avanços ao volume dos fluxos
de comércio do bloco. Entretanto, as
condições que precederam a acessão
do país – após a suspensão
do Paraguai – podem trazer dificuldades
à sua plena integração
ao Mercosul.
Apesar das dificuldades enfrentadas, o bloco
ainda é de grande relevância
para as exportações brasileiras,
a Argentina figurando como um dos principais
parceiros comerciais do Brasil, tanto nas
importações quanto exportações.
Desse modo, é essencial envidar esforços
políticos e econômicos para superar
as crises que acompanham o bloco ao longo
da última década, permitindo
a liberalização comercial e
o aprofundamento da integração
regional.
ACEs. Tanto o Brasil quanto o Mercosul
estão inseridos no âmbito da
ALADI, que visa promover a integração
econômica de toda a América Latina.
Nesse contexto, o Mercosul é apenas
parte do processo de integração,
que seria promovido paulatinamente, através
da celebração de uma série
de acordos de cooperação econômica
(ACE) entre os países da região.
O próprio Mercosul foi subscrito na
ALADI como o ACE n. 18 e outros acordos foram
celebrados entre os membros do bloco e outros
países da região, a fim de aprofundar
a integração econômica
regional. Cabe apontar que, em razão
do status de união aduaneira do bloco,
nos termos da Decisão do Conselho do
Mercado Comum n. 32/2000, os Estados integrantes
do Mercosul deverão negociar de forma
conjunta acordos comerciais que impliquem
na outorga de preferências tarifárias.
Nesse sentido, a negociação
de novos APCs que incluam preferências
tarifárias, objeto de análise
nesse estudo, devem ter sob perspectiva o
fator Mercosul e os interesses de seus membros.
Atualmente estão em vigor os seguintes
ACEs assinados pelo Brasil:

De maneira geral, os acordos prevêem
uma ampla margem de preferências tarifárias
a ser outorgada às partes a um número
significativo de produtos, concedendo ao Brasil
maior acesso a mercado para as suas exportações.
A Tabela abaixo apresenta os dados referentes
à média tarifária enfrentada
pelas exportações brasileiras
nos mercados sul-americanos, a margem de preferência
obtida em relação à média
das tarifas normalmente aplicadas e o número
de setores abrangidos pela preferência.

É importante ressaltar que o quadro
apresenta médias simples, que podem
ocultar uma maior proteção conferida
a determinados setores sensíveis em
cada país, dificultando o acesso a
mercado de certas indústrias brasileiras.
Ainda assim, o quadro aponta que o Brasil
dispõe de uma margem de preferência
bastante ampla para os mercados sul-americanos,
o que lhe permitiria uma vantagem competitiva
em face de outros países para os quais
é aplicada a tarifa NMF. Esse acesso
é relevante especialmente em razão
da importância dos mercados da América
Latina para a pauta exportadora brasileira.

Em relação ao quadro regulatório
presente nesses ACEs, não se percebe
inovações frente às regras
contidas nos acordos da OMC, com referência
aos temas clássicos, nem a abordagem
de novos temas. Ademais, apenas o acordo com
o Chile prevê uma liberalização
de serviços14.
Integração Extra-regional.
O segundo vetor de integração
ultrapassa as fronteiras da América
do Sul, mas mantém-se focado, prioritariamente,
nas relações sul-sul. Esse segundo
movimento de integração intensificou-se
apenas na década de 2000 e se dá
de maneira bastante lenta.
Nesse sentido, o Brasil, em conjunto com o
Mercosul, é signatário de cinco
APCs, dos quais apenas dois estão em
vigor:

A quantidade de linhas tarifárias abrangidas
pelos acordos varia amplamente. Enquanto o
acordo com a Índia prevê preferências
tarifárias em cerca de 450 linhas tarifárias
(SH – 8 dígitos) para cada parte,
com reduções de 20% nas tarifas
NMF, o acordo com Israel abrange eliminação
das tarifas por Israel em cerca de oito mil
linhas e em cerca de 9.400 linhas pelos membros
do Mercosul.
A participação desses países
na pauta exportadora brasileira é variável.
Enquanto Índia e Egito têm uma
participação relevante, Israel
e Palestina representam um percentual ínfimo
das exportações do Brasil.

Assim como os ACEs, as regras desses acordos
sobre o comércio de bens também
se mostram pouco elaboradas. Em grande parte
dos casos, os acordos apresentam regras sobre
medidas de defesa comercial, barreiras técnicas
e barreiras sanitárias e fitossanitárias
que apenas invocam e retomam o disposto nos
acordos da OMC, sem propor nenhuma inovação15.
Em temas como propriedade intelectual, compras
governamentais e os chamados novos temas,
quais sejam: concorrência, meio ambiente,
cláusulas sociais e investimentos;
a regulação dos acordos do Mercosul
é quase inexistente, havendo, quando
muito, apenas cláusulas estabelecendo
a cooperação entre as partes
em algumas dessas áreas.
Além dos acordos assinados, alguns
outros projetos de APCs foram lançados,
alguns dentre os quais as negociações
permanecem em andamento e outros que não
apresentaram nenhum avanço recente:

Percebe-se pelo conjunto de acordos assinados
e em negociação a preferência
pela integração sul-sul, apenas
Israel, UE e Canadá constando como
exceções.
Novamente, a importância dos parceiros
comerciais com os quais o Brasil negocia novos
acordos varia bastante. Enquanto a União
Europeia figura como uma das principais importadoras
de produtos brasileiros, países como
Jordânia e Paquistão têm
pequena relevância para o comércio
exterior do país.

A Inserção Comercial do Brasil.
A partir desse cenário,
a posição que o Brasil ocupa
atualmente no comércio internacional
é preocupante. A estratégia
multilateral dá sinais de exaustão,
a integração no âmbito
do Mercosul se mostra cambaleante e o conjunto
de países com os quais foram celebrados
APCs ainda representa uma parcela pequena
do total das exportações brasileiras.
Especialmente no que tange à integração
extra-regional, a inserção comercial
brasileira por meio de APCs ainda é
bastante restrita. Ademais, os acordos, à
exceção do acordo com o Chile,
abrangem unicamente a liberalização
do comércio de bens, o comércio
de serviços não sendo objeto
de preferências.
Os acordos celebrados pelo Brasil também
se mostram pouco ambiciosos no que concerne
a elaboração de um quadro regulatório
do comércio mais avançado que
busque desenvolver as regras multilaterais
já existentes. Estas, no cenário
de impasse da Rodada Doha, correm o risco
de tornarem-se insuficientes para atender
às necessidades do comércio
internacional no século XXI.
Em um discurso à Câmara de Deputados,
o Ministro das Relações Exteriores,
Antônio Patriota, afirmou a necessidade
de o Brasil firmar novos APCs a fim de garantir
o acesso a mercados estrangeiros16.
A mudança de posicionamento é
bem vinda. É fundamental que o país
modifique sua política de comércio
exterior a fim de adaptar-se ao cenário
que se desenhou a partir de meados dos anos
2000, com a estagnação da Rodada
Doha e a proliferação de APCs,
privilegiando essa última fonte de
regras e garantindo seu acesso a mercados,
tanto por meio de preferências tarifárias
quanto pela negociação de regras
de comércio internacionais favoráveis
aos interesses brasileiros.
Bibliografia
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SCHOTT, Jeffrey, CIMINO, Cathleen, “Crafting a Transatlantic Trade and Investment Partnership: What Can Be Done”, Policy Brief No. 13-8, Peterson Institute for International Economics, março de 2013
Notas
1 - África do Sul, Botsuana, Lesoto,
Namíbia e Suazilândia
2 - O termo inicialmente utilizado pela OMC
para se referir a esse tipo de acordo era
“Acordo Regional de Comércio”,
que abrangia todo acordo bilateral, regional
ou plurilateral de natureza preferencial.
No entanto, com o crescente número
de países interessados em aberturas
comerciais recíprocas, observou-se
que os acordos celebrados não mais
refletiam características estritamente
“regionais”, passando a representar
escopo geográfico mais amplo para a
negociação de preferências
comerciais. Para que a nomenclatura representasse
adequadamente a abrangência de tais
acordos, a OMC passou a denominá-los
“Acordos Preferenciais de Comércio”
(APCs). World Trade Report 2011, p. 58.
3 - CRAWFORD, J.; FIORENTINO, R. The Changing
Landscape of Regional Trade Agreements. WTO,
Discussion Paper No. 8, 2005, p.1.
4 - No caso de APCs que incluam bens e serviços,
são contabilizadas duas notificações,
uma para bens e outra para serviços,
ainda que se trate de apenas um acordo preferencial.
WTO, Regional Trade Agreements. Disponível
em http://www.wto.org/english/tratop_e/region_e/region_e.htm.
5 - BALDWIN, Richard. 21st century Regionalism:
Filling the gap between 21st century trade
and 20th century trade rules. WTO, Staff Working
Paper ERSD-2011-08, May 2011.
6 - Atualmente participam das negociações
do TPP, em conjunto com os EUA, Austrália,
Brunei, Canadá, Chile, Cingapura, Malásia,
México, Nova Zelândia, Peru e
Vietnam. Japão e Coreia do Sul são
outros países cuja participação
nas negociações está
sendo avaliada. Vide ICTSD, “Japão
anuncia objetivo de ingressar na TPP”,
Pontes Quinzenal, Vol. 8, n. 3, março,
2013, disponível em http://ictsd.org/i/news/pontesquinzenal/158616/
7 - World Bank Database, 2011
8 - Dados de 2011. Fonte: OMC, International
Trade Statistics 2012
9 - OMC, Trade Profiles 2011
10 - OMC, Trade Profiles 2011
11 LAFER, Celso. “Brasil: dilemas e
desafios da política externa”,
Revista do Instituto de Estudos Avançados
da USP, n. 39, 2000, p. 265
12 - Fonte: Secex. Cabe apontar que a Venezuela
acedeu ao bloco em 2012, o que deve influenciar
de forma positiva a participação
das exportações brasileiras
ao Mercosul.
13 - O Estado de São Paulo, “Brasil
atrasa importação de carro argentino”,
25 de junho de 2012 (disponível em
http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,brasil-atrasa-importacao-de-carro-argentino,117211,0.htm)
14 - Os acordos com Bolívia; Colômbia,
Equador e Venezuela, Israel e Egito (apresentados
abaixo) prevêem apenas a negociação
de uma liberalização do comércio
de serviços a ser promovida no futuro.
15 - À exceção de cláusulas
de salvaguardas especiais, que se diferenciam
das salvaguardas gerais previstas pela OMC,
mas são bastante comuns nos APCs e
são encontradas nos acordos com Bolívia,
Chile, Israel, Palestina, SACU, Índia,
Peru, Cuba e Colômbia, Equador e Venezuela.
16 - O Estado de São Paulo, Em busca
dos acordos perdidos, 20 de setembro de 2012
(disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,em-busca-dos-acordos-perdidos-,933084,0.htm).
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