4 de Novembro de 2011 - nº 492

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Uma Comparação Entre a Agenda de Inovação da China e do Brasil
 

Sumário

Este texto faz um sumário das características dos sistemas e políticas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) da China e do Brasil, buscando salientar diferenças que expliquem a melhor performance chinesa recente e indicar aspectos que poderiam servir de referência ou de debate para as opções brasileiras de políticas de inovação.

Evidentemente, como acontecem com vários fenômenos da sociedade e da economia chinesa, comparações pontuais nem sempre são o melhor indicador do que passa naquele país. Para além dos surpreendentes números absolutos que a China tem revelado, é inconteste que a velocidade da mudança é um dos aspectos que mais desperta curiosidade, admiração e medo em todo o mundo. Isso também é verdade para os indicares aqui reproduzidos, que poderiam ser sintetizados num único dado: desde 1999, os investimentos chineses em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) crescem, em média, 20% ao ano.

O quadro descrito a seguir está fundamentado em "A Transformação da China em Economia Orientada à Inovação", publicada pelo IEDI, na qual se faz um exaustivo exame das políticas recentes de inovação na China. Em complemento àquela publicação, busca-se aqui compreender aspectos da economia e das políticas chinesas que sirvam de contraponto com a situação brasileira, no que diz respeito às diretrizes para inovação e ao ambiente econômico em que se funda a trajetória da China.

Para sintetizar as diferenças entre Brasil e China, seria conveniente pontuar os seguintes cinco aspectos:

  • O crescimento acelerado. O crescimento da China faz uma grande diferença, quando ela é comparada com qualquer outro país. Não apenas porque cria oportunidades de novos negócios, mas porque o crescimento implica em forte investimento. E é o novo investimento que difunde produtividade e abre possibilidade de incorporar novas tecnologias. E, como foi dito aqui, o dinamismo cria outro ambiente, muda culturas e comportamentos, induz o risco, coloca a economia em contato com o mundo e premia o sucesso. O crescimento, essa é uma lição da China, faz muita diferença, se o objetivo é ter uma economia mais inovadora.
     
  • A escala da indústria e o ambiente econômico. Uma segunda diferença fundamental da China é sua escala de produção industrial. Isso abre uma possibilidade que poucos países têm: permitir custos muito menores e operações de natureza global. Mas, isso se combina com um ambiente econômico que favorece a indústria: infra-estrutura, salários, tributos e câmbio estão todos alinhados de forma a favorecer um desempenho cada vez mais competitivo da China. A segunda lição que se pode apreender da China é que a inovação é parte de uma estratégia de desenvolvimento, mas ela sozinha não pode compensar diferenciais muito grandes de competitividade. A inovação e o esforço tecnológico prosperam e podem prosperar ainda mais, se encontram um terreno sólido de competitividade. Podem ser um diferencial para o futuro, mas não são uma compensação para diferenciais sistêmicos de competitividade elevados.
     
  • O planejamento, a capacidade de organização de interesses e de intervenção estatal. Este é um terceiro aspecto que chama muita atenção na China, comparada ao Brasil: sua natureza sistemática e continuada do planejamento chinês e a capacidade de fazer políticas efetivas de seu Estado nacional. Grande parte desta diferença, evidentemente, tem relação com a trajetória histórica dos dois países: a tradição de planos quinquenais, o peso do setor estatal na economia, o grau de centralização das decisões, etc. Mas parte também se explica pela eficiência das medias tomadas, pela persistência e pela capacidade de tomar decisões de grande envergadura, correndo riscos de errar.
     
  • O diferencial de recursos humanos. Uma quarta enorme diferença, e que talvez seja um dos aspectos que ficará cada vez mais evidente na próxima década, é a enorme ênfase na capacitação em larga escala de recursos humanos na China, comparativamente ao Brasil. Há aqui, é claro, um diferencial de tamanho. Mas, independente do tamanho, o que chama a atenção é como a China se prepara com uma velocidade espantosa para abastecer em larga escala o mercado de trabalho com recursos humanos qualificados, notadamente em engenharia.
     
  • A inovação como estratégia e como parte da agenda de desenvolvimento. Um último aspecto merece ser enfatizado: a inovação e o desenvolvimento tecnológico são, na China, um componente de uma estratégia nacional de desenvolvimento, são parte de uma agenda econômica clara e são tratadas como tal. Isso é um grande diferencial em relação à trajetória rotineira do Brasil, em que a agenda de inovação é encarada como parte anexa de uma agenda de ciência e tecnologia, com seus interlocutores tradicionais, e não como parte da agenda de política econômica.
 
 

Veja também
no
site do IEDI

A Transformação da China em Economia Orientada à Inovação

A China planeja se tornar um dos países-líderes mundiais em tecnologia e inovação até 2020.

Veículos e Autopeças: o Dinamismo do Mercado Interno e as Importações

Mercado consumidor doméstico de veículos cresceu de 1,74 milhão de veículos em 2005 para mais de 3,5 milhões em 2010. Isso equivale dizer que a demanda interna de automóveis mais do que dobrou em um espaço de cinco anos, com alta de exatos 105%, tendência que pode ser observada no primeiro semestre de 2011.

Indústria e Política Industrial no Brasil e em Outros Países

Estudo que avalia a importância do setor industrial na promoção do desenvolvimento nos países desenvolvidos, nas economias emergentes e no Brasil.

Contribuições para uma Agenda de Desenvolvimento do Brasil

Trabalho em que o IEDI apresenta ao novo governo suas sugestões de política para ampliar o desenvolvimento do País.

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Diante do quadro extremamente negativo da balança comercial brasileira de produtos da indústria manufatureira, a política industrial ganha maior relevo enquanto um conjunto de ações capaz de reverter tal quadro.

Políticas para a Promoção da Economia Verde

É apresentado um conjunto de sugestões com foco em energias renováveis e eficiência energética tendo em vista uma agenda de desenvolvimento sustentável para o Brasil.

 
China e Brasil: As Velocidades de Mudanças dos Sistemas de Inovação. Tanto a China, como o Brasil têm buscado adaptar suas políticas de CT&I ao novo contexto da economia mundial e aos chamados desafios da sociedade do conhecimento. Os documentos oficiais deixam claro uma crescente ênfase na inovação, a busca de apoio às empresas como protagonistas principais dos sistemas de inovação, a introdução de políticas de estímulo ao esforço tecnológico empresarial, uma indução à maior cooperação entre universidades e empresas, etc. Mas é preciso, antes de qualquer comparação pontual, salientar uma diferença marcante entre a China e o Brasil: a velocidade da mudança.

Qualquer indicador de desempenho da China pode resumir isso. Entre 2000 e 2009, o gasto da China em P&D passou de 0,9% do PIB para 1,7%, um desempenho impressionante, frente, por exemplo, ao Brasil, cuju gasto passou de 1,0% para 1,2% do PIB. Mas, esse número conta apenas parte da história. Como o PIB da China multiplicou-se por três naquele período e o do Brasil cresceu pouco mais de 60%, o crescimento do gasto da China foi, de fato, muito maior. No ano 2000, embora gastasse quase o mesmo em relação ao PIB (0,9% na China e 1,0% no Brasil), a economia chinesa já era mais de duas vezes (2,4) a brasileira e o seu gasto cerca de 2,2 vezes o do Brasil. Em 2009, o gasto em P&D da China comparado com o do Brasil era 6,5 vezes maior.

O dinamismo da economia chinesa é um fato marcante. Mantido esse diferencial, é possível estimar que o gasto em P&D da China seja cerca de dez vezes maior que o do Brasil em 2020. O ritmo da mudança não se reflete apenas no gasto. O dinamismo cria outro ambiente, estimula o investimento privado, muda culturas e comportamentos, induz o risco, coloca a economia em contato com o mundo e premia o sucesso. Entender as diferenças entre a China e o Brasil passa pela comparação de seus indicadores, mas passa também por entender a diferença notável entre uma economia de crescimento acelerado e uma de crescimento moderado.

 

 

 
Características Gerais dos Sistemas Nacionais de C, T & I no Brasil e na China.
É possível identificar as características básicas dos sistemas nacionais de CT&I da China e do Brasil. Um primeiro fato que chama atenção é como evoluíram esses sistemas nas últimas décadas. Há trinta anos, quer em termos de patentes depositadas no escritório norte-americano (USPTO), quer em termos de publicações científicas internacionais, o Brasil apresentava números bem melhores que a China: depositava sete vezes mais patentes e sua produção científica era sessenta por cento maior que a chinesa. Hoje esses números mais que se inverteram: a produção científica chinesa, medida por publicações internacionais, é quase quatro vezes a brasileira e o número de patentes da China depositadas no USPT é quase quinze vezes maior que o correspondente do Brasil.

Atualmente, e isso é central para compreender as peculiaridades dos dois países, há que se evidenciar as diferenças entre o Brasil e a China em termos das dimensões absolutas de seus sistemas nacionais de CT&I. Nesse sentido, vale atentar para:

  • O gasto em P&D da China, em relação ao PIB, é hoje cerca de 40% maior que o do Brasil e tem crescido a taxas muito elevadas, comparativamente ao gasto brasileiro. Mas, em razão da diferença de tamanho entre as duas economias, isso implica dispêndios anuais em CT&I, como foi dito, seis vezes e meia maior na China que no Brasil – quando medido em dólares americanos pelo poder de paridade de compra, PPC. (Medido em dólares correntes, o gasto em P&D da China era, em 2009, equivalente a 4,5 vezes o gasto do Brasil).
     
  • As maiores diferenças entre China e Brasil não estão, contudo, nos investimentos, mas na área de recursos humanos formados e alocados no seu sistema de CT&I. Na China, o pessoal em atividades relacionadas à P&D é quinze vezes o contingente equivalente do Brasil. As matrículas em cursos de pós-graduação nas áreas de ciência, tecnologia e engenharia são doze vezes maiores. Esses números são significativos, pois a população chinesa é “apenas” sete vezes maior que a brasileira. Em que pese os indicadores de escolaridade geral do Brasil serem até melhores que os da China, o viés da formação superior do sistema brasileiro, em que é muito baixo o percentual de egressos em cursos de engenharia, afeta negativamente a disponibilidade de recursos humanos no Brasil e salienta uma diferença importante entre os países, especialmente quando se trata do tema inovação.
     
  • Outra diferença que chama atenção é a performance da balança comercial chinesa em bens de alta intensidade tecnológica. Cerca de 31% da pauta de exportação de manufaturados chinesas está associado a esse tipo de produto, contra apenas 11% no Brasil. Em termos absolutos, a China apresenta um saldo positivo na balança comercial de manufaturas de alta tecnologia (US$ 113 bilhões quando se excluí a indústria química e US$ 67 bilhões quando se inclui o conjunto da química), enquanto o Brasil apresenta déficits (US$ 18 bilhões sem a química e US$ 31 bilhões com a inclusão do conjunto da indústria química). (Os bens considerados de alta tecnologia, na classificação adotada pela OECD, são: informática e equipamento de telecomunicações; instrumentos médicos e ótica; aeronáutica e a indústria farmacêutica, que é parte da química. A química não farmacêutica é considera de média alta tecnologia nesta classificação).
     
  • Uma última grande diferença entre os dois sistemas está relacionada ao papel desempenhado pelo setor privado em cada país. Na China os gastos em P&D são hoje preponderantemente de responsabilidade das empresas, na medida em que representam três quartos do dispêndio nacional em P&D (74%), contra um percentual de gasto privado no Brasil da ordem de 50%. Com isso, o dispêndio privado em P&D da China já é mais de dez vezes o equivalente no Brasil, embora, como se ponderará mais à frente, deve-se ter em mente que as empresas estatais têm um papel muito relevante na economia chinesa e bem menor no Brasil.

 

 
O Desenho dos Sistemas Nacionais de C, T & I no Brasil e na China. Em termos formais, os sistemas nacionais de C&TI da China e do Brasil se assemelham, ambos contam com um Ministério específico (MOST na China e o MCT no Brasil), com instâncias superiores de coordenação e um conjunto de atores descentralizados (Universidades, Institutos de Pesquisa e Empresas).

Contudo, essa similaridade formal encobre o fato de que, na China, há um grau muito maior de centralização das decisões e um peso mais acentuado do Grupo de Coordenação Nacional de C&T e Educação, por meio do qual são concebidos e acompanhados os grandes planos para CT&I.

A sistemática chinesa de formulação e implementação de planos quinqüenais confere ao seu planejamento, quer em termos gerais ou setoriais, uma eficácia muito maior. Em primeiro lugar, porque a cultura de planejamento de longo prazo já está estabelecida e é uma rotina para todos os órgãos de governo. Em segundo lugar, porque há continuidade nas ações e os novos planos dão sequência aos anteriores, sem as rupturas que comumente ocorrem no Brasil. Em terceiro lugar, porque a implementação dos programas é favorecida pelo grau de comando e controle que o Estado chinês possui sobre muitos dos atores envolvidos, que em grande parte depende diretamente do governo (empresas estatais, institutos federais de pesquisa, etc.) ou estão sujeitos a regras bem mais rígidas, inclusive no que tange ao IDE.

Os diversos programas implementados nos últimos anos pela China são exemplos deste intento de planejar e implementar ações de longo prazo – Programa Nacional de P&D em Tecnologias-chave (1982); Programa Nacional de P&D High-tech – Programa 863 (1986); Programa Nacional de Pesquisa Básica – Programa 973 (1997); Spark (1986); Torch (1988); Programa Nacional de Infra-estrutura de Ciência e Tecnologia (2001); Ambiente para as Indústrias de Base Tecnológica (2001) e o Programa Nacional de Médio e Longo Prazo para Desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia (2006). Veja-se IEDI, "A Transformação da China em Economia Orientada à Inovação", 2011. Não se dispõe de uma avaliação consistente da eficácia dessas ações, mas a recorrente avaliação positiva de alguns desses programas parece indicar que ao menos parcialmente eles têm tido sucesso em contribuir para a transformação da economia chinesa. Ademais, o crescimento a taxas muito elevadas sempre exerce um efeito favorável ao planejamento de longo prazo, pois a demanda acelerada por recursos humanos e financeiros, associada a orçamentos públicos e privados também crescentes, abre amplas margens de manobra para ajustes e reprogramações.

Para além do planejamento de longo prazo, também merece destaque, dentre essas peculiaridades da economia chinesa, o peso de seu segmento estatal. Segundo o Censo Econômico de 2008, 30% do total dos ativos empresariais e quase 50% dos ativos no setor industrial eram, em 2008, de propriedade de empresas estatais (State-Owned Enterprises – SOEs). Embora o número dessas empresas não seja expressivo para as dimensões da China (154 mil empresas estatais ao fim de 2008 ou pouco mais de 3% do total de empresas chinesas), as grandes empresas públicas controlam parte significativa do investimento e das decisões econômicas, entre elas as relativas ao gasto em P&D. O núcleo duro desse conjunto de empresas, coordenadas pelo State-Owned Assets Supervision and Administration Commission of the State Council (SASAC) é ainda bem menor, mas detém extraordinário poder econômico. O SASAC controla diretamente as chamadas "empresas centrais", pouco mais de cento e trinta empresas de enorme porte, selecionadas para estarem entre as maiores e mais importantes em termos globais. Elas atuam em áreas consideradas de segurança nacional (indústrias estratégicas ou chaves), como energia, defesa, telecomunicações, construção naval e aviação; e em indústrias consideradas básicas para a estratégia chinesa de desenvolvimento, como maquinas e equipamentos, automotiva, tecnologias da informação, siderurgia, química, pesquisa e desenvolvimento. Apesar de poucas, elas possuem milhares de subsidiárias, em campos os mais diversos – um exemplo do que representam estas empresas, em termos do esforço tecnológico da China, está no fato de empregarem cerca de cinco milhões de engenheiros, número que não tem crescido nos últimos anos, mas que é expressivo em si mesmo.

Mas, para além do planejamento e do controle estatal da economia, talvez entre as maiores diferenças entre a China e o Brasil, no que toca às políticas nacionais de CT&I, está o grau de importância que o Estado chinês dá às questões de ciência, tecnologia e educação, compreendidas como parte indissociável da estratégia chinesa de desenvolvimento. Duas dimensões são marcantes: a enorme ênfase do esforço educacional na China, comparativamente ao Brasil; e o fato da agenda de CT&I ser entendida como parte de sua agenda econômica, com um foco cada vez mais direcionado às empresas.

Por fim, cabe reafirmar que, hoje, a trajetória chinesa se beneficia do tamanho e do ritmo de crescimento de sua economia. Mas é preciso salientar que essa estratégia também foi condicionada, no passado e mesmo nos tempos atuais, pelo aprendizado, e também pela enorme pressão, que as políticas industriais e tecnológicas dos demais países asiáticos colocaram sobre a própria China. Nesse sentido, as trajetórias do Japão e da Coréia são uma fonte de inspiração e de desafio ao Estado chinês.

 

 
As Estratégias Governamentais de C, T &I no Brasil e na China. Desde o início da década de 1980, o Governo chinês vem elaborando programas nacionais de ciência e tecnologia (C&T) que têm sido executados ao longo de sucessivos planos qüinqüenais (IEDI, 2011). As áreas prioritárias, objetivos e metas desses programas foram sendo revistos e reorientados às diretrizes e aos objetivos estratégicos do plano em vigor. Chama a atenção o fato de esses programas serem muitas vezes implementados ao longo de dois, três ou quatro planos quinquenais.

Apesar da importância dos programas iniciados ainda nos anos oitenta, os fatos mais marcantes da nova estratégia chinesa vieram com o 11º Plano Quinquenal (2006-2010), quando a China mudou o foco de sua estratégia de crescimento, priorizando atividades orientadas à inovação tecnológica no lugar da indústria e agricultura tradicionais. O Programa Nacional de Médio e Longo Prazo para Desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia (MLP), de 2006, cujo horizonte vai até o ano de 2020, é o grande instrumento dessa mudança, com ênfase na inovação nativa, no salto tecnológico em áreas prioritárias e já com ambição de alcançar um protagonismo global. É marcante que a coordenação destas ações tenha envolvido diretamente o gabinete do primeiro ministro. (Veja-se IEDI, 2011)

Mais recentemente, com o novo plano quinquenal chinês (2011-2015), a ênfase dada a essa dimensão da estratégia chinesa foi reforçada. Esse novo plano quinquenal faz a emblemática proposta de passar do 'made in China' para o 'design in China'. A China já é o principal exportador de produtos manufaturados do mundo e também é o segundo fabricante de bens de alta tecnologia do mundo. Contudo, apesar de os gastos em P&D da indústria de alta tecnologia terem triplicado entre 2003 e 2008, o diagnóstico desse novo plano quinquenal é que o País ainda apresenta um atraso quando se trata dos esforços de P&D das empresas desses setores. Sua meta é, portanto, deixar de ser uma plataforma de exportação de grandes empresas multinacionais estrangeiras – e também das empresas nacionais – para dar um salto qualitativo, passando da imitação para a inovação, buscando a liderança mundial apoiada na inovação.

Essa estratégia guarda uma distância grande em relação às estratégias do Brasil. Não há por parte dos planos brasileiros setores ou tecnologias selecionadas que ambicionem liderança global. Mais saliente ainda é que as políticas de inovação brasileiras, que ganharam importância nos últimos dez anos, estão muito concentradas na reforma dos instrumentos, mas dão pouca importância aos aspectos estratégicos e aos objetivos econômicos decorrentes dessas ações. De outro lado, as políticas brasileiras são mais fontes de estímulo ou indutoras de mudanças de conduta dos atores do que mandatórias, como ocorre na China. Comparativamente à estratégia chinesa, pode se indicar que, no Brasil, prevalecem alguns aspectos problemáticos das políticas, a exemplo de: 

  • O Brasil tem tradição de formulação de planos nacionais para CT&I desde os anos 1970, com os chamados Planos Básicos de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, PBDCTs, e depois no período de criação do MCT, nos anos 1980. Mas, essa tradição só foi recuperada recentemente, a partir da criação de novos instrumentos de fomento e de financiamento, e de políticas industriais e tecnológicas um pouco mais ativas.
     
  • Os planos e políticas nacionais recentes (PACTI, PITCE, PDP, Plano Brasil Maior) dão grande ênfase à inovação, mas são frágeis em termos de opções estratégicas. Temos uma dificuldade intrínseca de escolher prioridades ou de implantar ações setoriais de grande fôlego, que estejam articuladas às estratégias do setor privado, talvez com a única exceção do setor de petróleo e gás, em razão da capacidade de planejamento e de implementação de ações da Petrobrás.
     
  • A capacidade dos planos de CT&I do Brasil de coordenar, articular interesses e de alterar, de fato, a conduta dos diversos atores é pequena, comparativamente ao caso chinês. Para além das diferenças entre a ossatura do Estado chinês e brasileiro e do peso das empresas estatais e da capacidade de alinhamento de interesses, há também diferenças marcantes de desenho e governança. Aqui, o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia é uma instância frágil, mais voltada a abrigar e contemplar 'stakeholders' convencionais do sistema de C&T do que formular planos estratégicos nacionais de longo prazo. É marcante o fato de que o CCT brasileiro mal disponha de equipe ou recursos capazes de formular e acompanhar de fato os planos nacionais, enquanto o processo de elaboração dos planos mais relevantes da China conte com numerosos grupos de trabalho e um staff técnico não apenas qualificado, mas igualmente numeroso.
     
  • Outra grande diferença entre a estratégia chinesa e brasileira é a precária articulação entre a estratégia do Brasil em CT&I e a agenda econômica nacional. Em parte, isso se explica pela origem do MCT brasileiro, criado quando da redemocratização do País, mais em função do contexto político do que de uma opção de estratégia de desenvolvimento. A precária articulação do MCT com a agenda econômica salienta sua característica de lócus de interlocução com a comunidade científica vis-à-vis ao seu papel de articulação com setores centrais de governo, como o Ministério de Desenvolvimento e o Ministério da Fazenda. Esse não é caso chinês, muito mais inspirado no sucesso das estratégias asiáticas e nos “modelos” japonês e coreano de políticas tecnológicas.
     

China e Brasil: A Base do Sistema Educacional. Brasil e China têm sistemas educacionais ainda precários vis-à-vis os países já desenvolvidos. Apesar da universalização do sistema educacional básico, a escolaridade é baixa, tanto no ensino secundário, quanto no ensino superior. O positivo é que, em ambos os casos, as taxas de escolaridade têm crescido a ritmos acelerados.

A taxa de escolaridade bruta do ensino médio passou, no caso da China de 39% para 62% entre 1.999 e 2.008. No mesmo período, a mesma taxa de escolaridade bruta do ensino médio passou de 78% para 92% no Brasil – utilizaram-se taxas brutas de escolaridade para efetuar esta comparação em razão de não se dispor das taxas líquidas de escolaridade da China; para o Brasil, o percentual de jovens de 15 a 17 anos que freqüentavam o ensino médio, em 2009, era de 50,9%, segundo a PNAD/IBGE. No ensino superior, a taxa de escolaridade bruta da China passou, no mesmo período, de 6,5% para 22,7%, enquanto no Brasil passou de 13,3% para 34,4%.

O crescimento da escolaridade nos dois países tem sido notável. No nível superior, a escolaridade (matrículas) cresceu, durante a década passada, a taxas superiores a 22% na China e próximas a 11% ao ano no Brasil. Evidentemente, ambos os sistemas têm ainda problemas de qualidade, tanto no nível superior, quanto em outros níveis de ensino, embora nesse campo os progressos recentes da China sejam significativos.

Apesar das similaridades existentes entre os dois países, algumas diferenças chamam a atenção. Primeiro, como já foi dito sobre a China, a diferença de escala. A performance chinesa de ampliação do ensino superior absorveu, em dez anos, cerca de novos 20 milhões de alunos. No Brasil, com um desempenho também expressivo, esse aumento da escolaridade implicou novos 3,8 milhões de alunos. No ensino médio, o crescimento absorveu outros 20 milhões de estudantes na China, com um acréscimo absoluto pequeno no caso do Brasil – depois de ter-se expandido no início da década, as matrículas no ensino médio regular no Brasil tem se mantido no mesmo patamar de 8,5 milhões de alunos, nos últimos anos. O crescimento de matrículas tem ocorrido exclusivamente no ensino profissional.

Uma segunda diferença diz respeito aos progressos de cada país em termos de qualidade. Uma proxi da posição relativa da China e do Brasil, em termos da evolução recente da qualidade do ensino médio, é seu desempenho no PISA (Programme for International Student Assessment). Em que pese as limitações desse tipo de exame em países continentais como Brasil e China, as diferenças neste caso são marcantes, porque a China (Xangai) se situou no ranking do PISA na primeira posição, em 2009, enquanto a posição brasileira (que melhorou em relação ao exame anterior) foi apenas a 54ª ou a 58ª, dependendo do quesito avaliado.

No ensino superior, a literatura especializa tem chamado atenção para uma suposta baixa qualidade dos recursos humanos das áreas de ciência e tecnologia na China, comparativamente a outros países desenvolvidos. Mesmo assim, a aferir pelo crescente número de universidades chinesas que se posicionam entre as melhores do mundo, nos diversos rankings disponíveis, o esforço de constituir universidades de classe mundial tem tido resultados positivos – entre 10 a 20 universidades chinesas tem se posicionado entre as quatrocentas melhores do mundo, nos rankings internacionais e entre 2 a 5 universidades brasileiras freqüentam estes mesmos rankings (QS, Time, Academic Ranking of World Universities, etc.); o resultado da China é conseqüência de políticas explícitas - como o Projeto 985, voltado a criar de 10 a 12 universidades de classe mundial.

Em termos da disponibilidade de recursos humanos para inovação, o número que chama a atenção é o de egressos no ensino superior. Entre 1998 e 2008, o número absoluto de estudantes matriculados no ensino superior aumentou consideravelmente nos dois países nesse mesmo período: multiplicou-se por quase 3 no Brasil e por 4,5 no caso da China. A diferença de escala da China novamente chama a atenção, pois esse percentual baixo de escolaridade superior representava, em 2008, um contingente de mais de 26 milhões de alunos. Aqui o que se evidencia da China não é apenas o quantitativo, mas a efetiva disponibilidade de recursos qualificados nas áreas de ciência e engenharia.

A grande diferença entre os sistemas de ensino superior dos dois países está exatamente no perfil dos egressos: na China, 5,0% desses egressos se formam na área de ciências e 36,1% em engenharia (formação integral e de três anos). No Brasil os percentuais equivalentes são de 7,8% e 6,7%, respectivamente. Em termos absolutos as diferenças são marcantes. Os egressos em ciências e engenharia na China, em 2009, eram mais de 1 milhão de jovens em cursos de formação plena e outros 1,1 milhão em cursos de tecnólogos (três anos), enquanto no Brasil os egressos nas áreas de ciência e engenharia eram de aproximadamente 120 mil jovens, incluindo a formação plena e tecnólogos.

Essas diferenças relativas entre perfis existem tanto para os egressos do ensino superior quanto para a pós-graduação. Aproximadamente 35% dos mestres e 36% dos doutores formados na China são engenheiros. No Brasil esses percentuais são de 13% e 11%. Curiosamente, a disponibilidade relativa (em relação à população) de cientistas é (ou ao menos era, cabe ressalvar, em 2009) maior no Brasil que na China, bem como há mais ênfase nessa formação na graduação e na pós-graduação. Em certo sentido, isso reflete as influências e “características” mais ocidentais de nosso perfil de formação superior, comparativamente ao perfil asiático e “soviético” do caso chinês.

A ressalva feita no parágrafo anterior é importante para entender a China: a China está mudando em termos da formação de recursos humanos. Estimativas referentes ao número per capita de engenheiros formados entre 2001 e 2009 mostram que aproximadamente 60% dos profissionais formados na China são tecnólogos (3 anos) e 40% tem formação plena. No Brasil esses números se invertem: 70% tem formação plena e 30% são tecnólogos. No começo da década, a disponibilidade de profissionais, relativa à população era o dobro na China. Passados apenas oito anos, as diferenças se ampliaram enormemente: em 2009 já era cinco vezes maior que o número per capita do Brasil. Evidentemente, em termos absolutos essas diferenças são gritantes: os quase 2 milhões de profissionais formados são cerca de 35 vezes o número de egressos do Brasil, ainda que subsistam problemas de qualidade com esta mão-de-obra, tanto na China, quanto no Brasil.

Apesar desse forte crescimento na formação de recursos humanos, em 2010, o Conselho de Estado do governo chinês lançou, para fazer frente aos seus novos desafios, um novo plano para a formação de recursos humanos qualificados – Plano de Médio e Longo Prazo de Desenvolvimento de Talentos (2010-2020); veja-se IEDI, 2011 e OECD, Science, Technology and Industrial Outlook, 2010. Entre os objetivos, está elevar o número de pesquisadores a 3,8 milhões em 2020, com 40 mil cientistas de altíssima qualificação nas áreas-chave de inovação. Em termos per capita, a meta é elevar o número de pesquisadores para 43 por mil habitantes até 2020 (ante 25 por mil em 2008), bem como aumentar a escolaridade bruta superior de 24% para 40% em dez anos.

 

 

 

 

 
China e Brasil: Propriedade Intelectual. Um dos fatos que mais tem chamado atenção sobre o desempenho tecnológico da economia chinesa é o crescente número de patentes depositas nos escritórios internacionais e, também, no escritório de patentes da China, o SIPO – State Intellectual Property Office. O número de patentes internacionais (depositadas ou concedidas) por instituições e empresas chinesas tem crescido de forma exponencial a partir de 2001-2002, acerca de patentes concedidas pelo USPTO ou solicitadas via Tratado de Cooperação de Patentes (PCT). Em parte, isso reflete a ênfase das políticas tecnológicas na comercialização da ciência e na inovação. De outro lado, é reflexo do posicionamento global das empresas chinesas, algumas das quais passaram a frequentar o seleto clube dos maiores solicitantes mundiais de patentes, como a ZTE e a Huawei.

O início desse boom coincide com a revisão da legislação patentária chinesa, feita em 2001, no contexto da adesão da China à OMC. Essa trajetória foi reforçada com as políticas adotadas a partir de 2006, com o Programa Nacional de Médio e Longo Prazo para Desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia e o novo plano quinquenal, que enfatizavam a criação de empresas e a comercialização de tecnologias pelos institutos de pesquisa e universidades. Esses estímulos levaram as universidades e os institutos a ampliarem significativamente o registro e o licenciamento de sua propriedade intelectual, mas as estatísticas revelam que esse é um esforço liderado pelo setor privado, que responde por cerca de 80% dos depósitos de patentes.

O que é notável no exemplo da China é a consistência dos resultados alcançados, vis-à-vis as metas colocadas pelas políticas públicas. E mais notável é a ambição da política chinesa de inovação e de propriedade intelectual. Em 2008, o Conselho de Estado lançou uma Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual, que visava reforçar o compromisso e a determinação da China com a criação, proteção, utilização e gerenciamento dos direitos de propriedade intelectual (OCDE, 2011, apud IEDI, 2011). No contexto da crise internacional, estas ações foram reforçadas por meio de fundos para apoiar o registro internacional de patentes de empresas e universidades chinesas.

Em 2010, a estratégia chinesa de propriedade intelectual foi formalizada, com objetivos e metas extraordinariamente ambiciosas para o ano de 2015, como: ampliar a capacidade de criar patentes, para alcançar 2 milhões de patentes (invenção, design e modelo de utilidade) em cinco anos, o dobro dos números de 2010; estar entre os dois principais países em termos de patentes registradas internamente ao país; igualmente, dobrar o número de patentes internacionais originadas na China; aprimorar a eficiência e a qualidade dos exames de patentes, tendo como meta um tempo médio de 22 meses para o exame de patentes de invenção e 3 meses para modelo de utilidade e design; ampliar o corpo técnico do SIPO para 9 mil examinadores (50% a mais do que possui hoje o USPTO).

Um reflexo dessa enorme ênfase chinesa na propriedade intelectual, comparativamente ao Brasil, pode-se ser observada por meio de algumas estimativas, que comparam os dados de solicitações de patentes no escritório dos dois países para 2010 (privilégios de invenção e modelos de utilidade) e que apresentam uma série histórica da evolução de patentes de privilégio de invenção, discriminando as patentes de residentes e não residentes.

É visível o forte crescimento das patentes de privilégio de invenção na China, comparativamente ao Brasil. Ambas crescem a partir das mudanças realizadas em cada país na legislação patentária, mas a performance chinesa se destaca pelo contínuo crescimento. E se destaca, porque, diferentemente do Brasil, as patentes de residentes são hoje cerca de ¾ do total, enquanto no Brasil este percentual não chega a 20%.

Outro fato que chama a atenção nesses dados é que ambas as legislações possibilitam utilizar modelos de utilidade como uma forma de proteção da propriedade intelectual. Essa forma de proteção tende a ser mais utilizada por pequenas e médias empresas domésticas, em geral associadas a aperfeiçoamentos ou melhoramentos em máquinas e equipamentos, em questões de uso prático suscetível de aplicação industrial. São em geral processos que não exigem a satisfação de requisitos complexos para o reconhecimento dos direitos associados, tendo como contrapartida prazos menores ou condições mais restritas de proteção. Modelos de Utilidade são raramente utilizados por grandes empresas estrangeiras. Vale também dizer que a proteção a modelos de utilidade é muito mais marcante na China que no Brasil, o que denota um viés local que favorece pequenas empresas industriais.

 

 

 

 
Desempenho da Indústria e das Exportações de Alta Tecnologia. Para entender perfeitamente o que explica o desempenho da China nos anos recentes é preciso se deter minimamente sobre o perfil de seu sistema produtivo. Isto porque a performance de inovação da China é indissociável de sua consolidação como um dos líderes na produção industrial mundial. Ao longo da década passada, o peso da China no valor agregado da manufatura (MVA) mundial saltou de 6,7% em 2000 para 15,6% em 2009 (UNIDO, apud IEDI, 2011). Nesta década, a China passou a liderar o mercado mundial em alguns segmentos da indústria, como máquinas e equipamentos elétricos e na química, e se posicionou como um dos principais produtores em quase todos os demais segmentos industriais. No mesmo período, a participação brasileira no MVA manteve-se em 1,7%.

O desempenho da China não se restringiu apenas aos setores de média ou baixa intensidade tecnológica. Ao contrário, progressivamente a China ampliou sua fatia dos chamados bens de alta intensidade tecnológica (informática, equipamento de telecomunicações, instrumentos médicos e ótica; aeronáutica e a indústria farmacêutica). Nesses segmentos, até meados da década de noventa, Brasil e China detinham cerca de 2% do valor agregado mundial. A partir de então a China ampliou sua fatia no mercado internacional de bens de alta intensidade tecnológica para cerca de 14% em 2007, enquanto o Brasil reduziu ligeiramente sua participação. Só a menos de dez anos a China, de fato, começou a se diferenciar como produtor de bens de maior intensidade tecnológica, embora a velocidade com que isto vem acontecendo impressione, tendo ultrapassado o Japão e ficado apenas atrás dos Estados Unidos, que responde por 1/3 deste mercado.

Essa mudança na estrutura industrial da China, em direção a segmentos de maior intensidade tecnológica, também se reflete nas exportações do país. Hoje, as exportações de produtos classificados como de alta tecnologia respondem por quase um terço da pauta de exportações de manufaturados. É impressionante, neste aspecto, acompanhar a reversão do fluxo de comércio desses tipos de bens: só a partir de 2002 a China passa a apresentar superávit nesses bens. Mas, em 2008 esse superávit já era de mais de US$ 120 bilhões. Em contraposição ao caso chinês, o Brasil ampliou seu déficit neste tipo de bens, notadamente nos anos recentes.

O desempenho superavitário da China está fortemente baseado na sua indústria de equipamento de informática e de telecomunicações. A China continua tendo grandes déficits nos segmentos de aeronáutica, ótica e equipamentos médicos e um pequeno déficit na indústria farmacêutica. O Brasil diferentemente da China, tem superávit exclusivamente no segmento aeronáutico, mas esse superávit é incapaz de reverter o sinal negativo do saldo comercial dos bens mais intensivos em tecnologia.

 

 

 

 
Estrutura, Intensidade e Peso Industrial da China e do Brasil: Impactos Sobre o Gasto em P&D. Para compreender o desempenho recente da China na área de inovação e poder melhor compará-lo com o Brasil é necessário examinar com maior detalhe o esforço tecnológico da indústria chinesa e seus determinantes. A questão relevante é se perguntar como foi possível à China realizar, em tão pouco tempo, um processo de mudança de sua estrutura produtiva em direção a setores intensivos em tecnologia, podendo assim tirar proveito da demanda internacional e reverter seu déficit comercial nestes setores. E se, de fato, essa é a diferença essencial entre a China e o Brasil.

É possível obsevar, para 2008, ano em que se dispõe de informações mais detalhadas para as atividades de inovação industrial em ambos os países, alguns grandes números acerca do esforço em P&D da China e do Brasil que permitem desenhar um quadro geral, antes que nos debrucemos sobre a estrutura industrial e a intensidade tecnológica da manufatura nos dois casos. Como já se mencionou, nesta data, o gasto em P&D global da China era, em relação ao PIB, 1,4 vezes o gasto do Brasil. Mas, ao mesmo tempo, o gasto do setor privado já era 2,1 vezes o gasto privado no Brasil e o gasto em P&D da indústria manufatureira chinesa era 2,6 vezes maior que o mesmo tipo de gasto no Brasil. Ou seja, proporcionalmente falando, as diferenças em termos de P&D eram muito maiores entre a indústria da China e do Brasil, do que seria de esperar do esforço global, público e privado, em P&D dos dois países.

Essas informações, acrescidas do desempenho muito favorável das exportações chinesas de bens de alta tecnologia, parecem sugerir que a China evoluiu, muito mais rapidamente que o Brasil, em direção a um grande esforço tecnológico no setor industrial. Sem dúvida, esse fato é parte da realidade que auxilia a explicar a trajetória chinesa. Mas, há uma informação que sugere cautela nesta conclusão: o valor adicionado pela indústria era duas vezes maior na China que no Brasil, medido em relação ao PIB. Ou seja, parte da diferença se deve ao maior tamanho relativo da indústria.

Para poder ter conclusões é preciso examinar o efetivo esforço tecnológico de cada setor da indústria da China comparativamente ao Brasil. O Segundo Censo Econômico da China e a PINTEC do Brasil nos dão uma medida aproximada disso, para o ano de 2008, em função de avaliarem os gastos em P&D em relação à receita de vendas de cada setor – o conceito de receita adotado em cada caso é diferente, mas os dados brutos foram ajustados, de forma a que os resultados de intensidade tecnológica fossem compatíveis. De fato, em 2008, a indústria da China já era mais intensiva em P&D. Na média, o gasto em P&D foi neste ano 30% superior ao realizado no Brasil. É possível, compreendendo o que ocorre na China, estimar que esta diferença esteja se ampliando, ano a ano.

Mas, curiosamente, essa não é uma diferença tão marcante como seria de se esperar. Por exemplo, se essa comparação é feita com países mais desenvolvidos, as diferenças são muitos maiores. A intensidade do esforço tecnológico da Alemanha, da Coréia e dos Estados Unidos, medidas pelo gasto em P&D em relação ao valor adicionado na indústria, eram em 2005, comparativamente ao Brasil, aproximadamente 5, 6 ou até 7 vezes maiores, nessa ordem. A diferença com a China, nesse sentido, não é tão grande, embora cresça a um ritmo muito acelerado – a tomar pelos dados do gasto em P&D em 2010, de forma aproximada, depois de 2008, o gasto privado tem crescido em média 20% ao ano e o PIB 10% ao ano; com isso, pode-se estimar que a intensidade do gasto privado em P&D e relação à receita da indústria tenha crescido quase 20% nestes dois anos. Veja-se: National Bureau of Statistics, Communiqué on National Expenditures on Science and Technology in 2010, September, 2011.

Em alguns setores, a intensidade do gasto em P&D do Brasil chegava a ser superior à da China, notadamente na indústria de petróleo, gás e biocombustíveis; mas também havia um diferencial a favor da indústria brasileira nos segmentos de material de transporte, fumo, e indústrias diversas. Diferenciais maiores em favor da indústria chinesa se notavam nos setores de: bebidas, têxteis, produtos de minerais não metálicos, siderurgia, metalurgia de metais não ferrosos e fundição e em máquinas e equipamentos. Curiosamente, nos segmentos identificados como indústria de alta tecnologia, a saber informática, equipamento de telecomunicações, instrumentos médicos e ótica; aeronáutica e farmacêutica, as diferenças não eram relevantes, ou por vezes eram favoráveis ao Brasil, como no segmento aeronáutico.

Uma forma de se examinar essas diferenças é comparar o que chamamos aqui de efeitos estrutura, intensidade e peso. Ou seja, o que seria o esforço em P&D do Brasil se o país tivesse a estrutura industrial da China (com a mesma intensidade e peso que existem no Brasil); qual seria o esforço em P&D do Brasil se o país tivesse a mesma intensidade da China (mas com mesmo peso e estrutura do Brasil) e, por fim, qual seria o gasto em P&D se a indústria brasileira tivesse o mesmo tamanho relativo ao PIB da indústria chinesa (mas com a intensidade e gasto e a estrutura da indústria brasileira).

Nesse exercício, percebe-se que os efeitos estrutura e intensidade pesam pouco: o gasto em P&D da indústria de transformação brasileira é hoje equivalente a 0,37% do PIB do Brasil; se gastasse com a mesma intensidade (setor a setor) da China, esse percentual subiria para 0,43% do PIB; o efeito estrutura teria uma contribuição negativa (dada a intensidade do gasto do Brasil, setor a setor, se nossa estrutura fosse equivalente à da China, o gasto total seria menor). Combinados, intensidade e estrutura, o gasto em P&D passaria de 0,37% do PIB para 0,40%.

A diferença relevante entre "a China de 2008" e o Brasil na mesma data era de fato o peso da indústria no PIB. Se a indústria brasileira tivesse o mesmo peso da indústria chinesa, com a mesma intensidade do gasto que já fazemos e com a mesma estrutura que temos, o gasto em P&D da indústria seria de 0,73% do PIB, quase duas vezes maior do que é hoje.

Esse resultado é interessante, porque mostra que um grande diferencial da China para com o Brasil é a relevância de sua indústria para a estratégia nacional de catching-up. Não que não existam outras diferenças, mas, em termos do esforço em P&D, ¾ da diferença relativa que existe entre os dois países se explica pelo peso relativo da indústria. E, como foi dito, é notável que, em 2008, na indústria considerada de maior intensidade tecnológica, as diferenças fossem ainda pequenas, em termos de P&D.

Pode-se dizer que a China tinha, até muito recentemente, uma indústria relativamente não muito diferente do Brasil, em termos de inovação e esforço interno de P&D. Seus diferenciais eram mais de custos muito mais baixos (custos de produção, em especial carga tributária, salários e logística, mas também custo de capital), escala muito maior e uma taxa de câmbio altamente favorável.

Mas, o retrato que se faz da China aqui mostra que ela deve ser vista sempre como uma economia em forte velocidade de mudança. Sua indústria hoje não apenas é quase dez vezes maior que a brasileira, quando medimos o valor adicionado em termos de paridade do poder de compra, mas caminha celeremente para ser cada vez mais inovadora e tecnologicamente avançada. E caminha porque a economia chinesa cresce a taxas elevadas e porque encontra um ambiente favorável a isso, em termos de um conjunto de políticas muito agressivas de suporte a esta trajetória.