Carta IEDI
Menos impulso
Com o investimento encontrando dificuldades para reagir de modo consistente, devido aos baixos níveis de utilização da capacidade instalada, às incertezas políticas, às condições de financiamento longe de adequadas e aos bloqueios das inversões públicas, a recuperação da economia vem expondo suas fraquezas no decorrer de 2018, agravadas, sem dúvida, pela paralisação dos caminhoneiros no final de maio.
Depois das quedas severas naquele mês, junho assegurou a compensação das perdas para a maioria dos grandes setores da economia. O avanço de 13,1% da indústria recompôs o recuo de 11% de maio, na série com ajuste sazonal. O mesmo ocorreu com os serviços, cujo faturamento real havia caído 5,5% e agora cresceu 6,6% em junho.
A exceção ficou por conta do comércio varejista, cujo desempenho, em seu conceito ampliado, foi insuficiente: +2,5% contra -5,1% de maio. Isso contudo deveu-se a apenas dois de seus segmentos, supermercados, alimentos, bebidas e fumo e combustíveis e lubrificantes, que inclusive evitaram que o resultado das vendas reais do varejo restrito saíssem do negativo (-0,3% frente a maio, com ajuste).
Assim, ao que tudo indica, os eventos de maio não provocaram um descarrilamento do nível de atividade econômica. O indicador IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma proxy do PIB, registrou alta de 3,3% na passagem de maio para junho, já descontados os efeitos sazonais. Nada disso, entretanto, muda o fato de que, desde o começo do ano, o dinamismo da economia, que já não era dos mais vigorosos, vem minguando.
Ainda segundo o indicador do Banco Central, trimestre após trimestre a atividade perdeu ritmo, voltando a se contrair 1% em abril-junho de 2018 em comparação com os três primeiros meses do ano, já com ajuste sazonal. Na comparação interanual, o resultado da economia foi reduzido pela metade do segundo semestre de 2017 (+1,7%) para o primeiro semestre de 2018 (+0,9%), devido ao comportamento de praticamente todos os setores.
Na indústria, o crescimento da produção refluiu de 4% para 2,3% de um semestre a outro. Tal desaceleração foi acompanhada por três dos seus quatro macrossetores, notadamente bens intermediários e bens de consumo semi e não duráveis, e pela grande maioria dos parques regionais, inclusive São Paulo e Rio de Janeiro. Vale notar que as indústrias de quatro localidades registraram novamente queda na produção na primeira metade de 2018, como Minas Gerais e o Nordeste como um todo.
No varejo, as vendas reais também crescem menos em 2018: +5,8% contra +7,6% no segundo semestre de 2017. Neste caso, porém, além da desaceleração ser menos intensa, foi muito concentrada em abril-junho, o que pode vir a ser passageiro. De todo modo, há segmentos que voltaram ao vermelho, como, por exemplo, tecidos, vestuário e calçados e combustíveis e lubrificantes. Outros, por sua vez, tiveram uma perda de dinamismo extremamente acentuada, como móveis e eletrodomésticos e material de construção.
Somente os serviços evitaram deterioração na primeira metade do ano. Isso, contudo, não chega a ser um grande feito, já que o setor continua em crise. A retração de seu faturamento real foi de -0,9% no primeiro semestre de 2018 e de -1,6% no segundo semestre de 2017. Os segmentos em pior situação foram os serviços prestados às famílias, de informação e comunicação e serviços profissionais, administrativos e complementares. A única alta considerável veio de outros serviços, um segmento que inclui um conjunto diversificado de atividades.
O quadro ainda recessivo em serviços e a reação de indústria e comércio dando sinais de esmorecimento já mostram efeitos negativos sobre a evolução do emprego, que começava, mesmo que lentamente, a caminhar em direção a dias melhores. O ritmo de crescimento da população ocupada caiu pela metade entre o último trimestre de 2017 (+2,0%) e o segundo trimestre de 2018 (+1,1%), segundo os dados da Pnad.
Um símbolo desta recente perda de fôlego do emprego é a evolução da ocupação na indústria, que chegou a ser o setor que mais ampliou vagas no último trimestre de 2017, com 527 mil ocupados adicionais frente a igual período do ano anterior. No segundo trimestre de 2018, porém, seu resultado foi de apenas ¼ disso, isto é, de 143 mil ocupados adicionais.
Indústria
Em junho, a recuperação industrial mostrou ter tido forças suficientes para superar as dificuldades criadas em maio pela paralisação dos caminhoneiros. Depois de uma queda de nada menos do que 11%, a produção avançou 13,1% em junho, já descontados os efeitos sazonais.
O saldo de junho foi majoritariamente positivo, atingindo todos os seus macrossetores, inclusive aqueles sofreram as piores perdas de produção em maio, como bens de consumo duráveis (-26,1% e +34,4% agora em junho) e bens de capital (-18,8% e +25,6%, respectivamente); 22 dos 26 ramos, sendo que 15 deles conseguiram compensar integralmente suas quedas anteriores; e 13 das 15 localidades acompanhadas pelo IBGE. Ou seja, o quadro de curto prazo foi bastante favorável, de modo a assegurar um retorno ao padrão normal de reativação do setor industrial.
Há que se considerar, contudo, que nem todos os setores ou parques regionais tiveram uma reação da magnitude necessária para compensar as perdas anteriores. Vale lembrar que 4 ramos não cresceram em junho, como outros equipamentos de transporte, exceto veículos (-10,7% ante mai/18 com ajuste) e farmacêuticos e farmoquímicos (-0,1%), e outros 7 não cresceram o suficiente.
Regionalmente, o nível de produção de junho frente àquele de abril, isto é, antes dos efeitos negativos do episódio de maio, já corrigidos os efeitos sazonais, aumentou mais do que a média nacional (+0,7%) em apenas 5 localidades, dentre elas, São Paulo, cujo parque industrial é o maior e mais diversificado do país, com alta de 1,1%. Outras 3 localidades praticamente não saíram do lugar: Rio Grande do Sul (+0,2%), Nordeste (+0,1%) e Ceará (-0,1%). A maior parte, contudo, não conseguiu reaver integralmente a produção perdida. Foram 6 localidades em queda, como Amazonas (-5,3%), Rio de Janeiro (-4,7%) e Minas Gerais (-2,3%).
Em resumo, a reação veio, mas não para todos e não na intensidade necessária em muitos casos. Além disso, vale enfatizar a perda de ímpeto do dinamismo que a indústria nacional vem demonstrando desde o início de 2018, como mostra sua sequência de resultados interanuais: +4,9% no 4º trim/17, +3,0% no 1º trim/18 e +1,7% no 2º trim/18. Por isso, pode-se dizer que a reação foi incompleta.
Esta perda de forças também foi sentida por todos os macrossetores industriais e por diversos parques regionais, inclusive dos mais importantes. Tomado o primeiro semestre de 2018 frente a igual período do ano anterior, o desempenho da indústria total minguou para +2,3%, depois de ter atingido +4% no 2º sem/17, sendo que os resultados de 3 dos 4 macrossetores e de 12 das 15 localidades foram igualmente inferiores àqueles da segunda metade de 2017.
Bens de capital foi a única exceção dentre os macrossetores, mantendo o ritmo de +9,5% de crescimento tanto no segundo semestre de 2017 como no primeiro de 2018. Este dado, contudo, esconde o fato de que a desaceleração veio mais tarde do que nos demais macrossetores, apenas em abril-junho/18, mas que ainda assim ocorreu: o resultado refluiu de +11,1% no 1º trim/18 para +8,1% no 2º trim/18, na comparação interanual.
A desaceleração foi mais acentuada em bens intermediários (de +2,7% para +0,9% do 2º sem/17 para o 1º sem/18) e bens de consumo semi e não duráveis (de +2,8% para +0,7%), mas também afetou a evolução de bens de consumo duráveis, emboram tenham preservado um ritmo razoável de crescimento, ao passar de +16,5% para +14,3% da segunda metade de 2017 para a primeira de 2018.
Do ponto de vista regional, três situações distintas caracterizam a evolução recente da indústria. A primeira delas segue a média Brasil, isto é, com desaceleração do crescimento em 2018, mas preservando, ainda assim, um dinamismo razoável. São os casos de Pará, Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo. A indústria paulista cresceu também cada vez menos trimestre após trimestre: +5,4% no 1º trim/18 e + 4,3% no 2º trim/18.
A segunda situação, diz respeito àqueles parques industriais cujo ritmo de crescimento em 2018 tem sido extremamente baixo, como Paraná (+1%) e Rio Grande do Sul (+0,3%). No primeiro caso, mais em função do declínio em janeiro-março. Já no segundo caso, desde o último trimestre do ano passado o desempenho vem se mantendo próximo de zero, chegando à plena estabilidade (0%) no segundo trimestre de 2018 ante o mesmo período do ano anterior.
A terceira situação é a mais grave, dado que houve retorno ao negativo. Registraram queda na produção na primeira metade do ano Goiás (-3,2%), Mato Grosso (-0,2%), Minas Gerais (-1,7%) e a Região Nordeste como um todo (-0,3%). Nestes dois últimos casos, o resultado positivo na segunda metade de 2017 já havia sido muito baixo (+0,4% e +0,9%, respectivamente), denotando que as dificuldades não vêm de agora.
Por fim, além destas três situações, há dois casos isolados que se destacam. Do lado negativo, Espírito Santo registrou perda de produção tanto no segundo semestre de 2017 (-1,1%) como no primeiro semestre de 2018 (-5,5%), com direito a uma deterioração digna de nota.
Do lado positivo, há Amazonas, em nítida trajetória de aceleração: +1,6% em jan-jun/17; +6,4% em jul-dez/17 e +15,6% em jan-jun/18. O vigoroso crescimento na primeira metade de 2018, contudo, corre o risco de não se perpetuar ao longo do ano, já que esteve muito concentrado apenas no primeiro trimestre (+24,3%). O resultado do segundo trimestre já foi bem mais modesto: +7,2% frente ao mesmo período do ano anterior.
Comércio
Se indústria conseguiu reaver a produção perdida em maio, o quadro do comércio varejista foi muito diferente, ao menos em seu conceito restrito: depois de suas vendas reais retrocederem 1,2% em maio, continuaram no terreno negativo em junho ao variar -0,3% ante o mês anterior com ajuste sazonal.
O atenuante foi que a maioria de seus segmentos, isto é 6 dos 8 acompanhados pelo IBGE, conseguiu ampliar as vendas. Assim, a retração reincidente em junho derivou de apenas dois ramos, embora de grande importância para o setor como um todo: combustíveis e lubrificantes (-1,9% ante mai/18 com ajuste), diretamente afetado pela paralisação, e supermercados, alimentos, bebidas e fumo (-3,5%), cuja queda pode estar refletindo o adiantamento de compras no mês de maio como forma de os consumidores se precaverem do risco de desabastecimento devido à greve.
Outro aspecto a ser mencionado é que o varejo conceito ampliado, que considera vendas de automóveis, autopeças e material de construção, voltou a crescer em junho. A alta foi de 2,5%, o suficiente apenas para compensar uma parte da queda de maio. Isso, na verdade, foi a regra para a maior parte dos segmentos do varejo que lograram registrar um resultado positivo em junho.
A comparação de junho com abril, já descontados os efeitos sazonais, permite avaliar quantos segmentos efetivamente superaram os impactos negativos de maio. Dos dez segmentos que compõem o varejo total, em seu conceito ampliado, apenas 4 apontaram crescimento nesta comparação, sobretudo, bens de consumo duráveis, como material de construção, móveis e eletrodomésticos, equipamentos de escritório, informática e comunicação, bem como outros artigos de uso pessoal e doméstico, que incluem as lojas de departamento. Em queda, ficaram ramos de peso, como automóveis e autopeças e supermercados, alimentos, bebidas e fumo.
Em outros termos, 60% dos ramos do varejo não conseguiram restaurar sua trajetória anterior de crescimento de curto prazo. Este é um aspecto bastante desfavorável da pesquisa divulgada hoje pelo IBGE. Um outro é que para o varejo, assim como para a indústria, o primeiro semestre de 2018 trouxe um enfraquecimento do dinamismo do setor. Um detalhe importante: o desempenho inferior em 2018 do varejo está muito concentrado em abril-junho, o que pode vir a ser passageiro.
Frente ao mesmo período do ano anterior, as vendas reais do varejo restrito subiram 2,9% no acumulado dos primeiros seis meses de 2018, abaixo dos 4,2% no segundo semestre de 2017. O mesmo ocorreu no varejo ampliado: +5,8% contra +7,6%, respectivamente. Este foi um movimento acompanhado por metade dos segmentos de varejo.
Dentre os cinco segmentos que perderam dinamismo foram principalmente material de construção, de +13,6% no 2º sem/17 para +4,8%, e móveis e eletrodomésticos, de +13,1% para apenas +0,6%, respectivamente. Este pode ser o resultado do esgotamento dos efeitos positivos da liberação excepcional de recursos do FGTS no ano passado e da demora do barateamento do crédito, muito aquém da redução da taxa de juros pelo Banco Central.
Os outros três ramos em desaceleração compreendem tecidos, vestuário e calçados, que saiu de uma alta de 9,2% para retornar ao vermelho, com -3,5%, e combustíveis e lubrificantes (-3,1% e -6,0%) e livros, jornais e papelaria (-4,6% e -8,8%), que já não estavam bem e pioraram mais ainda.
No extremo oposto, fugindo à regra geral estão os seguintes segmentos com melhora adicional de seu desempenho na primeira metade do ano: supermercados, alimentos, bebidas e fumo (+3,5% e +5,4%), outros artigos de uso pessoal e doméstico (+4,7% e +7,9%) e veículos e autopeças (+10% e +16,4%). Equipamentos de escritório, informática e comunicação só conseguiram cair menos: -3,8% no 2º sem/17 e -0,5% no 1º sem/18.
Serviços
Os serviços, assim como a indústria, conseguiram deixar para trás o impacto negativo da paralisação dos caminhoneiros. Depois de recuar 5% em maio, o faturamento real do setor avançou 6,6% em junho, já livre dos efeitos sazonais. Com isso, apenas o comércio varejista ainda não logrou retomar integralmente o percurso anterior de recuperação.
A resiliência dos serviços se verificou também na grande maioria de seus segmentos (em 4 dos 5), inclusive aquele que esteve na origem dos eventos do final de maio. Os serviços de transporte, seus auxiliares e correios cresceu 15,7% em junho, superando a queda de 10,6% de maio. Serviços profissionais, administrativos e complementares ficaram igualmente no terreno positivo, mas seu resultado ficou muito próximo da estabilidade e foi insuficiente para compensar a perda de maio. Pior ainda ficaram os serviços prestados às famílias, o único ramo a perder faturamento tanto em junho (-2,5%) como em maio (-1,3%).
Com a reação de junho, voltaram a aumentar as chances de o setor de serviços ter dias melhores, algo que ainda não ocorre. Atingir a estabilidade, isto é, apenas não retroceder, parece ser o quadro mais favorável por enquanto. Se considerarmos o nível de faturamento real, já corrigidos os efeitos sazonais, de dez/17 igual a 100, o setor como um todo conseguiu meramente atingir a marca de 100,6 em jun/18. Ou seja, o semestre foi quase perdido.
O acumulado de jan-jun/18 frente a igual período do ano anterior tampouco traça um quadro melhor. Diferentemente da indústria e do varejo, os serviços ainda não saíram da crise, acumulando uma perda de 0,9% neste período. De todo modo, este é um ritmo de queda bem menos intenso do que já foi: -4,1% no 1º sem/17; -1,6% no 2º sem/17 e -0,9% no 1º sem/18;
A amenização das perdas do setor como um todo deve-se a três segmentos. Dois deles já retornaram ao crescimento, como é o caso notadamente de outros serviços, responsável pelo melhor resultado da primeira metade de 2018 (+2,7%). Transportes, seus auxiliares e correios também tiveram variação positiva, mas de apenas 0,7%, decorrente de uma trajetória de queda de dinamismo desde o começo do ano, fortemente agravada pela paralisação dos caminheiros.
O terceiro segmento a ajudar o resultado geral foi o se serviços profissionais, administrativos e complementares, mas neste caso apenas porque tem caído menos. A sequência de resultados semestrais é das melhores quanto à direção assumida, pois aponta para o terreno positivo, mas por ora, a variação permanece negativa, apresentando o pior desempenho na primeira metade de 2018 (-2,1%).
Se três segmentos jogam a favor da melhora do quadro dos serviços, em maior ou menor intensidade, outros dois segmentos atuam em sentido contrário. Serviços de informação e comunicação se saíram tão mal no primeiro semestre de 2018 (-2%) quanto no segundo semestre de 2017 (-2,3%). Já os serviços prestados às famílias, que tinham ficado virtualmente estáveis na segunda metade do ano passado, pioraram em 2018, caindo 1,9%.
A melhora do desempenho desses dois segmentos continua bloqueada pela lentidão da recuperação do emprego e pelo menor crescimento do rendimento real da população, fatores que estão na base da demanda por esses serviços. No caso dos serviços prestados às famílias a situação é preocupante, pois os dois primeiros trimestres de 2018 trouxeram claramente uma involução em comparação com o crescimento baixo, porém positivo, do segundo e terceiro trimestre do ano passado.