Carta IEDI
Quedas intensas, porém desiguais
Em maio de 2018, todos os grandes setores da economia voltaram ao vermelho, como resultado da paralisação do transporte rodoviário de carga nas últimas semanas deste mês. Os efeitos negativos, entretanto, não foram sentidos da mesma forma. A indústria foi quem mais perdeu, registrando um recuo da produção física de nada menos do que 10,9% frente a abril, já descontados os efeitos sazonais. O comércio caiu 4,9%, em seu conceito ampliado, e os serviços 3,8%.
Deste modo, o nível de atividade econômica, que parecia se desvencilhar do baixo dinamismo do primeiro trimestre do ano com um crescimento um pouco mais substancial em abril, sofreu forte deterioração em maio. O indicador IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma proxy do PIB, ilustra bem esta piora: caiu 3,3% na passagem de abril para maio.
É verdade que este resultado é bastante excepcional dados seus condicionantes, mas é importante destacar que para muitas atividades os efeitos da greve dos caminhoneiros apenas aprofundaram perdas que já vinham ocorrendo há mais tempo, isto é, os eventos atípicos de maio podem não ser a única causa da retração da economia. É o caso de bens intermediários na indústria, em declínio desde jan/18 na série com ajuste, à exceção de abr/18, do comércio varejista de material de escritório, informática e comunicação, que desde fev/18 perde em um mês tudo o que ganhou no mês anterior, e dos serviços de informação e comunicação, no vermelho desde dez/17 à exceção de mar/18.
O aspecto a marcar o resultado de maio, além da magnitude das quedas, é a assimetria entre as atividades econômicas. Como mencionado, as maiores perdas ficaram a cargo da indústria, sendo que nenhum de seus macrossetores saiu ileso. Pelo contrário, praticamente todos registraram quedas das mais intensas de séries históricas. Frente a abril, com ajuste sazonal, bens de consumo duráveis teve o pior resultado (-27,4%), seguido por bens de capital (-18,3%) e bens de consumo semi e não duráveis (-12,2%). Bens intermediários caíram menos (-5,2%), mas aqui o sinal negativo tem sido reincidente.
Regionalmente, a situação industrial tampouco foi melhor. Das 15 localidades acompanhadas pelo IBGE, 14 registraram queda, especialmente São Paulo (-11,4%) e todos os estados da região Sul, sobretudo, Paraná (-18,4%). Ao todo, foram 9 localidades com resultados negativos de dois dígitos, inclusive a região Nordeste (-10%), em muito devido à Bahia (-15%). O único parque industrial a expandir a produção em maio foi o do Pará, cujo peso da indústria extrativa, que escoa sua produção meio de ferrovias, é dos mais elevados.
Já o comércio varejista, se tomado em seu conceito restrito, pouco sentiu os efeitos da paralisação, já que suas vendas reais declinaram apenas 0,6% frente a abril. Este resultado, porém, foi fortemente influenciado pela expansão de apenas um segmento, supermercados, alimentos, bebidas e fumo (+0,6%), com elevada participação no setor. Ajudam a explicar a alta deste segmento fatores como a comercialização de bens essenciais, a capilaridade dos pontos de venda e a existência de estoques suficientes para atender a demanda.
A aparente preservação do resultado do varejo em maio esconde uma ampla disseminação de perdas que, em alguns casos, atingiram uma intensidade bastante significativa. Dos 10 segmentos do varejo acompanhados pelo IBGE, 8 apresentaram desempenho negativo no mês em questão. É um exemplo a variação de -14,6% registrada pelas vendas de veículos e autopeças, o que levou o comércio em seu conceito ampliado (que também inclui material de construção) a uma queda 4,9% na passagem de abril para maio, a mais intensa desde set/12.
Nos serviços, as quedas também foram generalizadas, atingindo todos os seis segmentos do setor mais o grupamento especial de atividades turísticas. No entanto, muito da magnitude da retração de 3,8% do setor como um todo, que de fato, foi a mais intensa desde o início da série com ajuste sazonal, deveu-se a apenas um de seus segmentos, justamente aquele que esteve no centro da paralisação de maio: transportes, seus serviços auxiliares e correio, cuja retração chegou a 9,5% frente a abril, devido ao transporte terrestre (-15%).
Indústria
A paralisação do transporte rodoviário de carga no final de maio foi muito prejudicial para o desempenho industrial, que levou um tombo de nada menos do que 10,9% frente a abril, já descontados os efeitos sazonais. O episódio veio agravar um quadro que já não era dos mais favoráveis, já que, desde o início de 2018, o crescimento da indústria vinha registrando certa perda de intensidade, à exceção de um único mês (abril).
Bens de consumo duráveis, em boa medida devido à indústria automobilística, teve sua produção mais fortemente reduzida: -27,4% em relação a abril na série com ajuste, o suficiente para retroceder o nível de produção ao de abril de 2016. Bens de capital, por sua vez, o segundo mais atingido pelos eventos de maio, declinou 18,3%.
O terceiro macrossetor mais afetado e não muito atrás de bens de capital foram os bens de consumo semi e não duráveis, cujo recuo chegou a 12,2%. Bens intermediários, por fim, apresentaram a menor taxa de declínio, de -5,2%, mas nem por isso seu retrocesso foi menos acentuado, uma vez que sua produção voltou para níveis de dezembro de 2008.
Do ponto de vista regional, dada a extremada dependência do Brasil em relação ao modal rodoviário para o transporte de bens finais e bens intermediários, a greve dos caminhoneiros afetou praticamente todos os parques industriais do país. Frente a abril, já descontados os efeitos sazonais, foram registrados recuos na produção em 14 das 15 localidades acompanhadas pelo IBGE.
Houve apenas uma exceção, o estado do Pará (+9,2% ante abr/18), onde a estrutura industrial baseia-se muito concentradamente nos ramos extrativos, cujas empresas contam com transporte ferroviário para escoar sua produção. A indústria do Espírito Santo (-2,3%), também muito especializada no extrativismo, não conseguiu evitar o terreno negativo em maio, mas registrou a menor queda entre as quinze localidades do IBGE na série com ajuste.
São Paulo, por sua vez, que possui o maior e mais diversificado parque industrial, esteve entre os que mais caíram na comparação com abril, superando a queda da média nacional: -11,4%. Este foi o recuo mais forte da indústria paulista desde dezembro de 2008 (-13,1% ante nov/18), quando a crise global atingiu o Brasil, e implicou no mais baixo nível de produção desde setembro de 2003.
Outras localidades em que as perdas foram intensas, além de São Paulo, incluem todos os estados da região sul, especialmente o Paraná (-18,4% ante abr/18), seguido por Santa Catarina (-15,0%) e Rio Grande do Sul (-11,0%), a Bahia (-15%) e o Mato Grosso, que registrou o pior desempenho de maio: -24,1% frente a abril, já com ajuste sazonal. Todas estas seis localidades ficaram aquém do resultado geral da indústria brasileira.
Com resultados negativos também de dois dígitos e não muito distante do total Brasil ficaram as indústrias de Goiás (-10,9%), Minas Gerais (-10,2%) e a região Nordeste como um todo (-10,0%). As demais regiões, como Pernambuco (-8,1%) e Rio de Janeiro (-7,0%), registraram quedas não desprezíveis, mas em ritmo inferior às anteriores.
A despeito do resultado atípico de maio, é preciso observar que, em alguns casos, o que talvez tenha sido excepcional foi a intensidade da queda e não propriamente o sinal negativo do resultado. Isso por que a produção já vinha declinando anteriormente na série com ajuste sazonal, como no caso do Amazonas (-4,0% em abr/18 e -4,1% em mai/18), do Ceará (desde jan/18), Goiás (-2,4% em abr/18 e -10,9% em mai/18) e Rio Grande do Sul, que à exceção de abril (+2,1%) só registrou resultado negativo em 2018.
Em outros casos, ainda na série com ajuste, a alternância de resultados positivos e negativos não foi alterada, tendo sido a queda de maio apenas mais acentuada. Esta trajetória marca o desempenho da região Nordeste como um todo e dos estados de Bahia, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina.
Comércio
Diferentemente da indústria, o comércio varejista foi menos afetado pela paralisação dos caminhoneiros no mês de maio. Já descontados os efeitos sazonais, a queda de suas vendas reais frente a abril foi de apenas 0,6% em seu conceito restrito, um ritmo que não destoa da trajetória do setor, muito embora tenha sido o primeiro resultado negativo de 2018.
Esta aparente preservação do resultado do varejo em maio esconde, porém, uma ampla disseminação de perdas que, em alguns casos, atingiram uma intensidade bastante significativa. Exemplo disso foi a variação de -14,6% registrada pelas vendas de veículos e autopeças, o que levou o comércio em seu conceito ampliado (que também inclui material de construção) a uma queda 4,9% na passagem de abril para maio, a mais intensa desde set/12.
Dos 10 segmentos do varejo acompanhados pelo IBGE, 8 apresentaram desempenho negativo no mês em questão. As únicas exceções foram outros artigos de uso pessoal e doméstico que conseguiram meramente evitar terreno negativo, ficando estáveis, e supermercados, alimentos, bebidas e fumo que ampliaram suas vendas reais em 0,6% frente a abril.
No caso de alimentos, bebidas e fumo, ajudam a explicar o resultado positivo fatores como a comercialização de bens essenciais, a capilaridade dos pontos de venda e a existência de estoques suficientes para atender a demanda. Em junho, a recomposição de estoques deste segmento do varejo e a normalização de sua demanda podem, inclusive, vir a funcionar a favor da recuperação, ao menos parcial, do nível de produção de alguns ramos industriais.
Assim, por mais que o varejo não tenha passado ileso pelos eventos de maio, a maioria de seus segmentos não testemunhou níveis recordes de contração nas vendas, à exceção de veículos e autopeças, como dito anteriormente, material de construção, cujo declínio de 4,3% foi o mais acentuado desde jan/09 e combustíveis e lubrificantes, para quem a queda de 6,1% foi o pior desempenho da série com ajuste. Outros resultados nesta mesma comparação registraram retrações mais brandas: tecidos, vestuário e calçados (-3,2%); móveis e eletrodomésticos (-2,7%); material de escritório, info. e comunicação (-4,2%).
A despeito da excepcionalidade dos resultados negativos de maio, mesmo estes não tendo sido muito intensos, vale observar que alguns segmentos do varejo, que vinham mostrando boa performance em 2017, assumiram trajetórias pouco favoráveis em 2018. As vendas reais de tecidos, vestuário e calçados, por exemplo, caíram tanto em abril como em maio na série com ajuste sazonal. Móveis e eletrodomésticos ficaram virtualmente estáveis em março e abril, antes da queda de maio.
E não são apenas estes: outros artigos de uso pessoal e doméstico estão parados no mesmo nível de vendas desde o começo do ano e material de escritório, informática e comunicação vem registrando forte oscilação, perdendo em um mês o que ganhou no anterior.
A comparação interanual também não ajuda muito esses segmentos. Existe uma clara trajetória de desaceleração iniciada no final de 2017 em eletrodomésticos e em material de construção. Ademais, em móveis e em tecidos, vestuário e calçados esse movimento já levou de volta as vendas para o terreno negativo no primeiro trimestre de 2018 e possivelmente no segundo trimestre, como sugere a piora adicional que apresentaram no período março-abril-maio/18.
Serviços
Nenhum dos grandes setores da economia saiu ileso da paralisação dos caminhoneiros em maio. As perdas frente a abril chegaram a 10,9% na indústria, a 4,9% no varejo em seu conceito ampliado e a 3,8% no setor de serviços, já descontados os efeitos sazonais. Em relação a maio de 2017, o faturamento real de serviços também caiu 3,8%.
O resultado negativo dos serviços, porém, não expressa integralmente o significado do mês de maio para o setor. Três aspectos precisam ser considerados para que tenhamos uma melhor visão de seu quadro geral.
O primeiro aspecto diz respeito à magnitude da queda de maio, que de fato, foi a mais intensa desde o início da série com ajuste sazonal, ainda que tenha sido muito próxima de março de 2017 (-3,7%), outro mês bastante ruim. O que vale ser enfatizado, contudo, é que este patamar recorde de queda do setor como um todo se deveu a apenas um de seus segmentos, justamente aquele que esteve no centro da paralisação de maio: transportes, seus serviços auxiliares e correio, cuja retração chegou a 9,5% frente a abril, devido ao transporte terrestre (-15%).
O segundo aspecto a ser destacado é que, além do segmento acima mencionado, todas as demais atividades de serviços também fecharam o mês no negativo. Isto é, as perdas foram generalizadas: serviços prestados às famílias recuaram -0,3% frente abr/18 com ajuste; serviços de informação e comunicação, -0,4%; serviços profissionais, adm. e complementares, -1,3% e outros serviços, -2,7%. Nem o grupamento especial de atividades turísticas foi poupado: -2,4%.
Apesar da disseminação, as quedas da maioria dos segmentos não foram fortes o suficiente para destoarem do padrão recente. Ajudou para isso, inclusive, o fato de alguns componentes dos segmentos de serviços terem preservado sinal positivo, embora tenham sido poucos. Nos serviços familiares, por exemplo, o componente outros serviços prestados às famílias cresceu 0,2% ante abril. No segmento de serviços de informação e comunicação, por sua vez, o componente telecomunicações teve alta de faturamento real de 0,6%, enquanto no de transportes, o componente aquaviário variou +0,4%.
Por fim, o terceiro aspecto que merece atenção diz respeito às trajetórias. Mesmo atípico, o mês de maio foi apenas mais um capítulo desfavorável de uma frágil evolução em alguns segmentos. É o caso, por exemplo, dos serviços de informação e comunicação, cujo faturamento real cai sistematicamente na série com ajuste sazonal desde dez/17, com uma única exceção (+1,8% em mar/18). Muito semelhante é o caso do segmento de outros serviços, com queda nos últimos quatro meses.
Já serviços profissionais, administrativos e complementares não chegam a uma tal sucessão de resultados negativos, mas têm oscilado bastante, sem praticamente sair do lugar desde janeiro de 2018. Essa trajetória deriva de seus dois componentes, ou seja, de serviços administrativos e complementares, que incluem muitas das atividades habitualmente terceirizadas pelas empresas, e, principalmente, de serviços técnico-profissionais, que consistem naqueles serviços corporativos mais especializados.