Análise IEDI
BNDES: Desafios e oportunidades
O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vem atravessando nos últimos dois anos um choque de grandes proporções. A rota de expansão que a instituição seguiu desde 2008 foi subitamente revertida a partir de 2015. O IEDI tem realizado estudos sobre o papel desempenhado pelo BNDES na evolução recente do crédito, os desafios que enfrenta sua atuação futura e as propostas que devem ser consideradas para a melhora e aperfeiçoamento das funções do banco de desenvolvimento. A Carta IEDI a ser divulgada hoje resume o primeiro estudo da série, realizada pelo economista Ernani Teixeira, cuja íntegra pode ser acessada no site do IEDI.
A mudança de rumos do BNDES nos últimos anos derivou da atuação, em simultâneo, de cinco fatores. O primeiro fator é de natureza conjuntural e está associado à forte queda na demanda de crédito, resultante da longa e profunda recessão que se abateu sobre a economia brasileira a partir de 2015. O segundo fator, por sua vez, está relacionado às mudanças em curso na estrutura do mercado de crédito de longo prazo e com a perspectiva de a economia brasileira atravessar um regime prolongado de taxas nominais de juros (e de inflação) historicamente baixas, em níveis de apenas um dígito ao ano.
Em seguida, o terceiro fator decorre de decisões de política econômica, que comprometem a capacidade de financiamento da instituição. É o caso da criação da Taxa de Longo Prazo (TLP) pela Lei nº 13.483/2017, que estabeleceu uma nova fórmula de determinação da taxa de juros para os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Em lugar de ser determinada pelo Conselho Monetário Nacional, de acordo com a política econômica do governo, a exemplo da antiga Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), a nova taxa do BNDES - a TLP - seguirá automaticamente a taxa de risco cobrada pelo mercado para os títulos do Tesouro de 5 anos, adicionada ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
A essa medida, se soma o quarto fator a ser destacado: a drenagem do caixa livre do BNDES pelo Tesouro Nacional. Se toda a demanda anunciada pelo governo for atendida, o BNDES terá devolvido cerca de R$ 260 bilhões (Tesouro, FAT e PIS-PASEP) até 2018, isto é, um montante de recursos equivalente à metade do estoque de créditos do governo federal na instituição em 2016. Esses pagamentos reduzem sobremaneira o tamanho do ativo de crédito do banco e comprometem sua liquidez no médio prazo.
Finalmente, o quinto fator da transformação recente do BNDES é de ordem reputacional. O banco foi publicamente envolvido nas ações investigativas sobre o financiamento ilegal de políticos por grandes empresas nacionais. Sua atuação desenvolvimentista foi, nesse episódio, reduzida a um mero instrumento de subsídio a grandes interesses econômicos e vulgarmente comparada a uma “meia entrada” de cinema. Antigos dirigentes e vários de seus técnicos estão sendo investigados pelos órgãos de controle e da justiça.
A ação desses cinco fatores levanta fortes indagações sobre o destino que o BNDES terá nos próximos anos. Não será a primeira vez que perguntas dessa natureza são feitas na história da instituição. Entretanto, nunca ao longo de seus mais de 60 anos de existência, o banco de desenvolvimento enfrentou uma situação de tão grande fragilidade.
Em compensação, existem elementos de robustez que ainda estão preservados. A qualidade dos ativos financeiros do BNDES garante sua solvência no futuro e abre espaço para se repensar sua atuação e sua base de liquidez. Apesar de todas as ilações negativas que foram feitas, o risco de suas carteiras de empréstimos e de ações continua sendo muito inferior ao do restante do sistema bancário. O mesmo acontece com a capacidade do corpo técnico da instituição. Existe um conhecimento acumulado na gestão de operações de financiamento de longo prazo e de participação acionária que constituem uma vantagem competitiva da instituição.
Esses dois elementos não são de fácil nem rápida constituição e podem ser de relevância estratégica para um governo que veja valor em dispor de um instrumento próprio e já consolidado para atuar no mercado financeiro com vistas à operacionalização de créditos de longo prazo voltados para a retomada da economia e do desenvolvimento nacional.
Frente aos desafios enfrentados pelo BNDES, o IEDI selecionou algumas das sugestões realizadas pelo autor do estudo com o propósito de criar condições para que o BNDES continue atuando no mercado de crédito corporativo doméstico, no atendimento corrente do investimento, no fortalecimento da estrutura de capital das empresas e em ações de natureza anticíclicas. As medidas sugeridas possibilitarão ainda que o banco promova um ajuste ordenado à nova realidade de taxas de juros e de inflação baixas, que deve estimular o fortalecimento de novos agentes e mecanismos de financiamento da economia.
1) Medidas de Natureza Financeira
• Liquidação do passivo do BNDES com o Tesouro mediante a transferência para a União de créditos que foram originados com os recursos repassados pelo governo federal. Com isso, o BNDES reduziria de imediato o tamanho do seu balanço (ativo e passivo) e de sua liquidez. Voltaria a ser uma instituição exclusivamente voltada a atividades de financiamento ao desenvolvimento que não teria mais envolvimento financeiro nem político com o Orçamento da União e com o Tesouro Nacional.
• Isenção pelo BNDES do pagamento de Imposto de Renda e Contribuições Sobre o Lucro e desobrigação de transferir dividendos à União. Esses mecanismos são utilizados em outros países para conferir vantagens marginais de custo a seus bancos de desenvolvimento.
• Criação da Letra de Crédito de Infraestrutura ou a Letra Financeira Vinculada à Infraestrutura, que seria emitida com lastro em operações amparadas na Lei n. 12.431 e nas condições estipuladas por ela. Com isso, o BNDES teria condições de concorrer em igualdade com as grandes empresas na captação de recursos de longo prazo, sempre que estivesse financiando diretamente projetos amparados nessa legislação.
2) Medidas Operacionais Específicas
• Redução do prazo de tramitação e das exigências relativas aos créditos para empresas de bom risco financeiro, inclusive a obrigatoriedade de análise de projeto.
• Criação de um programa de garantias firmes para a parcela das ofertas de debêntures incentivadas que não fossem atendidas pelos bancos privados. Ao mesmo tempo, a instituição deveria atuar como um importante dealer do mercado, promovendo a liquidez desses títulos no mercado secundário.
• Redução e agilização dos requerimentos das operações indiretas, tornando-as mais atrativas para os bancos agentes.