Análise IEDI
O desafio do financiamento de longo prazo no Brasil
A Carta IEDI a ser divulgada amanhã faz uma análise das principais características da evolução recente do financiamento de longo prazo no Brasil e apresenta algumas sugestões para fortalecer e diversificar suas fontes, tomando por base um estudo preparado pelo economista e especialista no tema Ernani Teixeira Torres Filho.
Como se sabe, não é de hoje que o Brasil enfrenta uma aguda carência de fontes de mercado adequadas ao financiamento de longo prazo, mas essa questão ganha destacada importância no momento atual, em que se revela como absolutamente fundamental para a reativação da economia a retomada dos investimentos em geral e, em particular, na infraestrutura.
O diagnóstico geral é que atualmente o mercado de crédito corporativo de longo prazo se encontra em uma encruzilhada. Isso porque todos os segmentos dominados pelos bancos estão em forte retração e a capacidade de empréstimo do BNDES, sob a égide do ajustamento das finanças públicas, encontra-se cada vez mais restringida.
Além disso, a dominância da agenda fiscal sobre as ações do governo quase eliminou, no início de 2016, os incentivos relacionados às debêntures de infraestrutura, que foram essenciais para o desenvolvimento deste mecanismo de financiamento. Entretanto, ao menos por ora, o governo parece ter descartado essa medida, evitando assim um grave equívoco.
O crédito corporativo, que avançou muito ao longo dos últimos 15 anos, acompanhando o mercado de crédito total, não chegou a ser muito comprometido pelo impacto da crise global em 2008, graças à atuação dos bancos oficiais, em destaque do BNDES.
A partir de 2014, no entanto, tal expansão chegou ao fim. Assim como o restante do mercado de crédito, os segmentos voltados para o setor corporativo começaram a se contrair. Inicialmente, esse fenômeno ficou restrito aos bancos comerciais, mas em pouco tempo se estendeu ao BNDES.
O mercado de debêntures, por sua vez, não apresenta musculatura suficiente para fazer frente a essa retração do financiamento bancário, seja do BNDES, seja dos demais bancos. Isso, inclusive, porque a maior parte deste mercado (quase 2/3 em 2015) é detida por empresas de leasing dos conglomerados bancários, cujo objetivo principal é permitir que os bancos evitem exigências de depósitos compulsórios impostas a outros mecanismos de captação e incorram em menor pagamento de impostos. É, então, um instrumento de arbitragem regulatória e de elisão fiscal dos bancos.
Mesmo as demais debêntures (não emitidas por empresas de leasing) não representam, de fato, uma fonte alterativa de financiamento, funcionando mais como um substituto de linhas bancárias de curto prazo quando o volume das operações ultrapassa determinados limites.
A contração do financiamento bancário de longo prazo e as limitações dos mercados de debêntures fazem com que o único segmento que apresenta condições expansivas para os próximos anos seja o das debêntures incentivadas. A demanda por esses papéis se mantém elevada e pode ajudar no financiamento dos projetos de infraestrutura.
Por esse motivo, foram sugeridas algumas medidas para alavancar o financiamento de longo prazo corporativo no país, o que passa, sobretudo, pela aceleração das emissões de debêntures incentivadas como forma de ampliar o mercado de títulos de dívida corporativa como um todo. Decorrem do estudo realizado, as seguintes sugestões:
- Eliminação de obstáculos à colocação de títulos corporativos em ofertas registradas, com base na antiga Instrução 400 da CVM, possibilitando que a base de investidores domésticos pudesse ser a mais ampla possível. Empresas com tradição de lançamento no mercado de capitais deveriam obter uma licença ainda mais ampla, como emissores qualificados, com autorizações ainda mais flexíveis para irem a mercado a qualquer tempo.
- Maior utilização dos recursos do BNDES em operações de reestruturação empresarial por meio do uso de debêntures conversíveis em ações em troca da exigência de a empresa ir a mercado buscar novos recursos ou investidores em prazos previamente fixados.
- Fixação de uma meta de aumento do estoque de debêntures incentivadas para R$ 50 bilhões até o final de 2018, algo como 20% do mercado, descontadas as emissões de empresas de leasing.
- Disponibilização pelos bancos estatais – BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica – de garantias firmes para a parcela das ofertas de debêntures incentivadas não cobertas pelos bancos privados. Esse tipo de garantia só seria exercido se as emissões não fossem totalmente distribuídas ao público. A medida promoveria o aumento da escala das debêntures incentivadas, facilitando o financiamento de novos projetos de investimento.
- Estabelecimento de leilões periódicos para as carteiras dos bancos públicos formadas por debêntures incentivadas, através de plataformas eletrônicas, a exemplo do Tesouro Direto, permitindo uma variedade maior de investidores.
- Isenção do imposto de renda para os cotistas Pessoas Físicas de fundos financeiros voltados exclusivamente para a aquisição de ativos isentos de imposto de renda, em qualquer proporção. Atualmente, há uma exigência legal de que tais fundos tenham uma percentagem muito alta de títulos do governo ou, alternativamente, de papéis privados incentivados de um mesmo tipo.
- Consolidar, em um único marco de condições, todas as emissões de títulos corporativos incentivados, independente do setor ou do destino do projeto de investimento do emissor. Este novo regulamento deve se basear nas regras de debêntures de infraestrutura. Ao mesmo tempo, os bancos não seriam mais autorizados a emitir obrigações com benefícios fiscais.