Substituição de Importações Emperra
Substituição de Importações Emperra
Folha de São Paulo - 17/11/2002
Mundo Real - Estudo do Iedi mostra que dólar caro tem efeito restrito e falta de investimentos ainda inibe troca de importados
José Alan Dias
da Reportagem Local
A desvalorização cambial bastou para detonar a substituição de importações em alguns setores, como parte dos bens de consumo e de capital. A maioria, em especial no segmento de bens intermediários, permaneceu insensível. São os setores nos quais o país tem dependência estrutural, e, em caso de recuperação da economia, as importações voltarão a crescer a despeito do câmbio.
O Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) usa esses termos em documento sobre as importações brasileiras no período 1995-2002. De acordo com o instituto, nos chamados setores "insensíveis", os fatores determinantes para a substituição de importações são investimentos ("que ainda não estão em curso"), atração de empresas globais e implementos de políticas setoriais.
A redução de importações em alguns setores, ao longo de 2002, segundo o Iedi, não foi provocada pela disparada do dólar (que acumulava, até sexta-feira, valorização de 58% no ano). Cita o caso das telecomunicações, em que a diminuição das importações começou no ano passado. A queda nas compras, diz o estudo, decorre simplesmente do fim de um ciclo de expansão forte do setor, entre 1998 e 2000. Para os itens de informática e eletrônica de consumo, a queda nas importações, em meados do ano passado, se explica unicamente pelo apagão: a ameaça de racionamento derrubou a demanda por esses bens.
No grupo de bens intermediários insensíveis ao processo de substituição de importações são citados o trigo (usado na indústria de alimentos), material elétrico, componentes para aviões e peças (e parte da área de autopeças). A dependência se acentua no setor químico e petroquímico e ramos que dependem de derivados dessa indústria (de resinas a artigos plásticos). No grupo de bens de consumo, a substituição de importações não ocorre em produtos farmacêuticos e de perfumaria. E os bens de capital ainda sofrem com a dependência de material eletroeletrônico, elétrico e peças utilizadas em maquinário.
Os dados demonstram que as importações de bens intermediários foram as que mais recuaram neste ano. De janeiro a setembro houve uma redução de US$ 7,3 bilhões nas importações em relação ao mesmo período do ano passado. Deste total, US$ 4,3 bilhões são decorrentes de compras menores de bens intermediários. As de bens de capital caíram US$ 1,1 bilhão, as de combustíveis, US$ 1 bilhão, e as de bens de consumo, US$ 835 milhões. O Iedi ressalva que a queda das compras de bens intermediários deve-se a fatores conjunturais da economia brasileira, não de um processo sustentado de substituições.
"O câmbio serve de incentivo. Para alguns setores, é suficiente. Outros, não, porque dependem de tecnologia, grandes investimentos", afirma Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor do Iedi.
Dos US$ 35,7 bilhões gastos pelo país em importações até setembro, US$ 20,6 bilhões foram com bens intermediários.
Se as compras de itens de telecomunicações caíram por conta do fim do ciclo de investimento em telefonia, em outros itens, como peças usadas na fabricação de aviões, o recuo é resultado da menor produção e exportações menores - leia-se da Embraer.
Explica-se: a empresa exporta muito (aparece como segunda maior exportadora do país em 2002, só atrás da Petrobras), mas também importa muito (também a segunda maior importadora, mais uma vez atrás da Petrobras). Ou seja, produzindo menos, a fabricante de aviões também importa menos. De janeiro a setembro, as importações da Embraer somaram US$ 885,1 milhões, queda de 41% em relação ao US$ 1,496 bilhão do mesmo período do ano passado.
Quarta maior fabricante de aeronaves do mundo, a Embraer, de janeiro a setembro, entregou 93 aviões. No mesmo período do ano passado, foram 129 entregas.
Dependência química
A dependência dos setores químico e farmacêutico patenteia-se de outra forma. Nessas áreas nem a volatilidade do dólar freou a compra de insumos importados.
As importações de produtos intermediários químicos caíram apenas US$ 300 milhões, de US$ 4 bilhões para US$ 3,7 bilhões entre o ano passado e este. Com os produtos para a indústria farmacêutica ocorreu o inverso: as importações aumentaram, de US$ 978 milhões para US$ 1,128 bilhão. Em 1995, a participação de produtos químicos diversos nas importações totais do Brasil era de 3,5%. Chegou a 5,5% em 2001. O grupo de produtos farmacêuticos também aumentou sua parcela: de 4,3%, em 1996, para 5,3%.
A Abiquim (associação das indústrias químicas) afirma que há investimentos de US$ 6 bilhões previstos para os próximos cinco anos. Não se destinam a substituir importações, mas a aumentar a capacidade já instalada.
Segundo o Iedi, importações de equipamentos eletrônicos e material elétrico deverão se manter em níveis baixos até 2003. Essa condição, entretanto, dependerá de a demanda se manter reprimida.
"Há dependência crônica de importações em alguns setores. E as chances de substituição são escassas", diz Fernando Ribeiro, da Funcex (Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior).
Política Suscita Risco de Atraso Tecnológico
A substituição de importações em alguns setores nos últimos quatro anos impôs um novo campo de discussão: se o país corre o risco de sofrer defasagem tecnológica e de qualidade ao deixar de incorporar componentes e insumos importados à produção local.
"A menos que haja um bloqueio comercial, ninguém mais produz carroça", diz Júlio Sérgio Gomes de Almeida, do Iedi. ""O padrão (do produto fabricado internamente) tem que ser semelhante ao internacional. Dólar a preço elevado não cancela importação. Se o produto não tem qualidade, o interessado vai preferir comprar importado", completa.
A Abimaq (Associação Brasileira das Indústrias de Máquinas e Equipamentos) calcula que entre janeiro de 1999 e setembro deste ano, o país tenha poupado US$ 4,4 bilhões com a substituição de máquinas importadas por equipamento nacional.
De janeiro a setembro deste ano, as importações do setor foram de US$ 4,82 bilhões, segundo a Abimaq, contra US$ 5,57 bilhões nos primeiros nove meses de 2001. E a participação da indústria nacional no setor passou de 55% no ano passado para 61% em 2002.
Os técnicos da entidade sustentam que, ao contrário de outros setores, as importações não caíram por conta de demanda menor: os investimentos das empresas na compra de equipamentos devem ser 1% maior que em 2001. Até setembro, o setor havia faturado R$ 24,5 bilhões -alta de 8,83% em relação ao ano passado.
"Um país que exporta US$ 3,3 bilhões (a meta do setor no ano), sendo que 35% vão para os EUA, não tem tecnologia boa?", questiona Luiz Carlos Delben Leite, presidente da Abimaq.
Para a Funcex, a eventual melhora na atividade econômica impulsionaria não apenas a retomada de importações de bens intermediários. "O mesmo deve ocorrer nos bens de capital. Mas só quando a economia retomar níveis de investimento similares aos da década de 90", diz Fernando Ribeiro.
Importação de Bens de Consumo Está "No Osso"
O espaço para a redução de importações de bens de consumo acabou. Foi essa a conclusão dos economistas do Iedi, ao apurarem o comportamento das importações de uma série desses bens.
A pesquisa revela que as importações gerais do grupo recuaram 50% entre 1999 e 2001.
Os itens que lideraram a queda global foram equipamentos eletroeletrônicos, automóveis, papel e artefatos de papel, vestuário e produtos têxteis, artigos de couro e calçados, madeira e mobiliário e, por fim, alimentos como arroz, carne bovina e laticínios.
As importações de bens de consumo, afirma o Iedi, "estão no osso". Salvo automóveis, não há mais espaço para substituição. Os economistas do instituto sustentam a argumentação com dados: de janeiro a setembro deste ano, as importações de bens de consumo caíram de US$ 4 bilhões para US$ 3,2 bilhões -em relação ao mesmo período do ano passado. Acontece que, dos US$ 800 milhões a menos em importações, US$ 600 milhões devem-se à queda na importação de automóveis.
Em 1989, as importações de autopeças representavam 94% das compras externas totais da industria automobilística. Em 1998, oito anos depois da abertura econômica, a participação caíra para 58%. Hoje, segundo a consultoria AT Kearney, em média os veículos produzidos no país têm 25% de seus componentes importados. Regra que não vale para as montadoras recém-instaladas, nas quais, em média, 50% dos componentes são importados. "A substituição de importações na indústria automobilística, ao longo de pouco mais de uma década, tem sido sensível", diz Fernando Ribeiro, da Funcex.
Os bens de capital, avaliam os economistas, ainda concentram margem para substituição de importações, a despeito de terem sofrido processo semelhante (de troca de importados por nacionais) em períodos anteriores de desvalorização da moeda. A exceção, dizem, são os itens eletrônicos (tecnologia de ponta) utilizados para a fabricação de bens, como máquinas. Para esse caso, uma das alternativas seria dar incentivos para atrair grandes empresas globais.
Indústria Pede Incentivo, Mas Não Subsídio
A substituição de importações, segundo o setor industrial, deveria incluir incentivos, mas os próprios representantes da indústria afirmam que a prática não pode ser confundida com subsídio.
"Qualquer subsídio é danoso. Quando você tem subsídio, não procura a melhoria de seu produto, que é indispensável", sustenta Maurice Costin, diretor do departamento de relações internacionais e comércio exterior da Fiesp.
"Na China, que exporta US$ 300 bilhões por ano, a âncora é o salário baixo. O que precisamos é de reforma tributária, custo de financiamento mais baixo e que o governo incentive a vinda de fábricas com a renúncia de ICMS e de impostos para instalação de maquinário", completa Costin.
A direção do Iedi defende o que classifica como um "coquetel de incentivos" (à substituição de importações). "Incentivos são investimentos no setor educacional, um programa de comércio exterior e de tecnologia, infra-estrutura", argumenta Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor técnico do instituto.