IEDI Defende Políticas Setoriais
IEDI Defende Políticas Setoriais
Jornal do Commercio - 14 e 15 de abril de 2002
Governo precisa ousar mais para o País obter ganhos de competitividade
Juçara Braga
O Brasil precisa ter políticas industriais setoriais e cabe ao setor público indicar os caminhos. Há uma crença, no mercado, de que o setor privado sabe tudo, mas não é bem assim. É preciso estabelecer políticas de acordo com as necessidades de cada setor, ofertando, em alguns casos, infra-estrutura; em outros, criando estratégias de busca de novos mercados e financiando setores intensivos em capital.
A opinião é de Julio Sergio Gomes de Almeida, professor da Universidade de Campinas (Unicamp) e diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). Vários setores são eleitos como alvos de ações de política industrial por Julio Sergio, que aponta os destaques: “Política com “P” maiúsculo deve ser destinada aos segmentos de eletrônica e biotecnologia”.
— O Governo brasileiro precisa ousar mais em políticas de desenvolvimento e não tem feito isto por considerar que significa gasto público. É preciso desgarrar-se dessa ideologia, verificar os setores que precisam de direção e formular planos, exigindo contrapartidas do setor privado — sugere o economista.
Além disso, o executivo do Iedi defende o estímulo a potencialidades regionais por meio do incentivo à formação ou à consolidação de pólos industriais. Ele observa que, neste projeto, a geração de emprego é um objetivo importante, ressaltando que “a indústria mandou embora 2,5 milhões de pessoas na década de 90”. Considerando os empregos derivados destes, “foram destruídos 6 ou 7 milhões de empregos,” contabiliza Julio Sérgio.
Jornal do Commercio – O que se destaca no plano de desenvolvimento industrial para esta década?
Julio Sergio Gomes de Almeida – Uma política industrial deve potencializar vocações e, no Brasil, hoje, é preciso atuar para obter ganhos de competitividade em segmentos nos quais já temos força para consolidar seu papel no mercado internacional. Por exemplo, nos setores têxtil, calçadista, siderúrgico, de papel e celulose, em alguns ramos da indústria de bens de capital e na agroindústria.
É importante incentivar esses segmentos a aperfeiçoarem seus processos de produção, agregando valor. Alguns setores precisam desenvolver suas marcas, ter um designer adequado. Ou seja, é preciso que haja ações especificas de acordo com as necessidades de cada setor.
O senhor se refere a políticas fomentadas pelo Estado?
– Ao setor público cabe indicar os caminhos e, é claro, é preciso que o setor privado corresponda, caso contrário a política industrial não se configura. Há uma crença, no mercado, de que o setor privado sabe tudo e não é bem assim. Às vezes, ele sabe, mas não tem meios; às vezes, não sabe.
Indicar o caminho significa exatamente o quê?
– Estabelecer políticas de acordo com as necessidades de cada setor. Em alguns casos, é a oferta de infra-estrutura; em outros, uma política comercial de busca de novos mercados, como, aliás, o Governo tem feito agora. Em setores nos quais o custo de capital é decisivo, como no de papel e celulose, é necessário implementar ações para reduzir esse custo. E isto não é subsídio; é incentivo.
Setores intensivos em capital devem ter incentivos por meio de financiamentos públicos. Outros setores necessitam de inovações tecnológicas caras e que exigem investimentos de risco. É preciso ter incentivos fiscais para isso a exemplo do que fazem outros países. É inevitável algum tipo de subsídio para ter desenvolvimento tecnológico.
Trata-se, portanto, de estabelecer políticas públicas.
– Para que as empresas conquistem cada vez mais competitividade são necessárias ações coordenadas pelo setor público em conjugação com o setor privado. O Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio (MDlC) tem os instrumentos para isto nos fóruns de competitividade.
O Governo brasileiro precisa ousar mais em políticas de desenvolvimento e não tem feito isto por considerar que significa gasto público. É necessário desgarrar-se dessa ideologia, verificar os setores que precisam de direção e formular planos, exigindo contrapartidas do setor privado.
Quais são as outras vertentes sugeridas?
– É preciso estar atento às potencialidades regionais, identificá-las para canalizar recursos e energia privados e públicos para elas. As desigualdades regionais são muito fortes no Brasil e é preciso pensar em microrregiões. Há municípios que têm alguma característica – um aeroporto, por exemplo – que permitiria o desenvolvimento de um pólo tecnológico; outros já têm produção concentrada de determinados produtos, tais como Franca (SP), sapatos, e Nova Friburgo (RJ), lingerie.
O estímulo a esses pólos, além de reduzir níveis de desigualdade regional, pode ser uma alavanca para micro e pequenas empresas. Trata-se de um programa de clusters (pólos) industriais. Há países, como a Malásia, que elaboram seus planos de desenvolvimento industrial basicamente em torno de clusters.
Esse modelo permite redução de gastos em investimentos e em formação de mão-de-obra, e estimula a concorrência entre as empresas do próprio pólo, o que é saudável para obtenção de ganhos de competitividade.
E quanto à geração de empregos?
– A geração de emprego é um objetivo importante nesse tipo de política industrial. Sabemos, hoje, que a micro e a pequena empresa empregam; a média, pode empregar ou não; e a grande desemprega. Este é o caminho se quisermos uma década de crescimento do emprego na agroindústria, para contrabalançar os 2,5 milhões de desempregados na indústria na década de 90.
Essa foi a perda?
– Sim. A indústria mandou embora 2,5 milhões de pessoas na década de 90. Considerando os empregos que, derivados destes, eram gerados para outros setores (serviços, fornecimento de alimentação, assistência médica, etc.), foram destruídos 6 ou 7 milhões de empregos. É claro que surgiram novos postos de trabalho em outros setores, mas o efeito líquido, na indústria, foi este.
Uma vez adotado esse modelo, a situação atual poderia ser revertida em uma década?
– Sem dúvida. A consolidação da competitividade deve ter um horizonte de curto prazo, dois anos, e sua conquista exige que se apóie a empresa exportadora. Isto implica ter um sistema de representação internacional adequado, ter política cambial e profissionais bem formados. Nós abrimos a economia, mas não estamos preparados para competir lá fora.
Como pode se dar este apoio?
– Com o BNDES financiando investimentos da empresa brasileira no exterior, por exemplo. Ao contrário do que dizem alguns, isto não é exportar emprego. Estudo feito nos Estados Unidos mostra que as exportações de multinacionais americanas para suas filiais no exterior cresceram mais do que as exportações não vinculadas às multinacionais.
Qual o terceiro pilar da política industrial proposta pelo Iedi?
– Pensar no futuro. O Brasil é um país continental, tem um bom tamanho de Produto Interno Bruto (PIB), tem mercado interno expressivo e pode pretender produzir desde produtos menos elaborados até os mais sofisticados. Acreditarmos que o Brasil pode ousar vir a ser player não apenas em produtos agroindustriais, commodities que todos têm, mas também naqueles que nem todos podem produzir porque exigem sofisticação tecnológica, mercados amplos, bons fornecedores e empresas atualizadas.
Quais as oportunidades que o mundo globalizado oferece aos países emergentes?
– Hoje, as oportunidades são mais difíceis, pois há excesso de capacidade produtiva, no plano internacional, em segmentos nos quais o Brasil perdeu o passo. Penso que o País deve voltar-se para o setor de eletrônica, que ainda vai dar muito o que falar nesta primeira década do século 21.
México, China, Malásia e Coréia, por exemplo, investiram significativamente neste segmento na década de 90 e o Brasil não fez isto na proporção que deveria ter feito. Outro segmento importante é o de biotecnologia para aproveitar a enorme biodiversidade do País.
Para o ledi, o Brasil deve ter políticas industriais setoriais, mas, política com “P” maiúsculo deve ser destinada aos segmentos de eletrônica e biotecnologia.
A Área de Livre Comércio das Américas (Alca) é um bom negócio para o Brasil?
– Depende da negociação. O Brasil não deve abrir mão de ter uma indústria diversificada e forte. Se abrirmos mão dos setores de mais alta tecnologia, estaremos ferindo de morte uma vocação importante do País.
O que deve ser feito, então?
– Deve ser definida alguma proteção para setores industriais de ponta que sejam nascentes no País. Isto é possível. A Alca permite, por exemplo, que 15% do valor comercial dos produtos de um país fiquem fora do acordo de tarifa zero. Para os 85% restantes podem ser negociadas tarifas escalonadas ao longo do tempo.
Qual o futuro do Mercosul?
– O Mercosul precisa ser revisto, embora não possa ser agora devido à situação da Argentina. O Brasil precisa assumir a liderança e organizar um mercado na América Latina, que tenha uma âncora, um objetivo claro. Deve haver uma estratégia de complementariedade entre os países integrantes. Ou seja, é preciso estruturar o comércio regional de forma complementar entre os países, comportando interesses comerciais de cada um.
O papel do Mercosul é muito subestimado no Brasil, sobretudo por setores da indústria, mas os números mostram o potencial deste mercado. No ano passado, quase 20% de nossas exportações foram para o Mercosul. O Brasil deve apoiar a Argentina em seu processo de recuperação e, futuramente, deve atuar para ampliar o Mercosul.
Em termos de comércio internacional, o Brasil deve dar prioridade aos Estados Unidos ou dedicar mais atenção à União Européia, que é também um grande mercado?
– Um grande mercado fechado. Apesar dos problemas, o Brasil tem um volume de exportação de produtos industriais significativo para os Estados Unidos. Isto não acontece com a União Européia, onde poderemos entrar – fazendo acordos – com produtos agrícolas, mas não com produtos industriais. Na relação com os EUA ocorre o contrário; entramos com produtos industriais, mas não com produtos agropecuários.
Os fundamentos da economia brasileira, hoje, são bons? Permitiriam dar partida em um projeto como este proposto pelo Iedi?
– Sem dúvida. Os fundamentos, hoje, são muito melhores do que há três anos, quando não havia qualquer austeridade fiscal. O resultado fiscal, hoje, é mais palatável, embora ainda seja mal constituído, pois baseia-se em uma estrutura tributária insustentável, que pune a produção, o investimento e, conseqüentemente, limita a competitividade da indústria. Além disso, a taxa de juros ainda é muito elevada, exigindo, como compensação, elevado superávit primário. O ideal seria reduzir o superávit, pois isto permitiria gastos do Governo na área social.
O nível ideal de superávit primário tem sido objeto de muitas polêmicas. Qual seria o patamar adequado?
– Hoje temos 6,5% ou 7% de déficit nominal no balanço de pagamentos e 3,5% de superávit primário, que não pode ser reduzido enquanto a taxa de juros não cair. Mas, podemos pensar num cenário com déficit nominal, da ordem de 3,5% ou 3% do PIB e taxa de juros real variável entre 4% e 4,5% ao ano. Assim, poderíamos estabelecer o superávit em 1,5% do PIB.
A taxa de juros básica da economia hoje é de 18,75%. É um bom índice?
– Poderia estar mais baixa. O Banco Central poderia ter aumentado menos a taxa de juros no ano passado; e teria o mesmo efeito obtido. A taxa subiu de 15% para 19%; poderia ter subido para 17%, no máximo. Afinal, cada ponto percentual a mais de juros pesa nas despesas do Governo.
De qualquer forma, uma redução para 17%, hoje, não mudaria a essência do nosso problema, embora reduzisse a carga que pesa sobre o Governo. .A questão é – considerando uma inflação anual de 5% – como trazer essa taxa para 10% ou 11%.
Para isto é preciso reduzir a vulnerabilidade externa.
– Sim. Em parte, o Governo está atuando para isto. Fez a mudança cambial e, custou, mas está dando mais apoio às exportações. Precisamos aumentar o superávit comercial, substituindo importações e com uma política firme de exportações, mesmo que esta exija a concessão de algum tipo de incentivo.
A outra ponta é a atração de investimento direto externo.
– Sim. O Brasil é atrativo para esses investimentos, especialmente se tiver menor vulnerabilidade externa.
A política macroeconômica do Governo hoje é correta?
– Sim, embora seja pouco sensível ao lado produtivo. O lado financeiro pesa mais na decisão sobre a taxa de juros e eu gostaria de ver uma coisa mais balanceada. Falta uma política de desenvolvimento. O candidato (a presidente da república) que conseguir convencer de que pretende e pode conjugar as duas coisas será bem-sucedido nas eleições.