IEDI na Imprensa - A recuperação sob fogo
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Os indicadores econômicos positivos se multiplicaram no primeiro trimestre do ano e foram comemorados por Temer e Meirelles. Mas bombardeios como o da crise da carne e a reiterada desconexão entre a política e os anseios da sociedade são obstáculos que podem retardar o fim da crise.
Sandra Nascimento
Ao anúncio do resultado do Produto Interno Bruto (PIB) de 2016 – uma queda de 3,6% que confirmou a mais longa e grave recessão do país, iniciada em 2015 com um recuo de 3,8% - seguiu-se uma grande indagação nacional: o Brasil consegue sair dessa em 2017?
Se a resposta ficasse restrita ao campo econômico, a tendência dos setores e agentes econômicos seria dizer “sim”. Lentamente, mas sim. As projeções macroeconômicas vão nesse sentido, com uma expectativa de o Brasil chegar ao fim deste ano com um crescimento entre 0,2% e 0,5%.
Há condições para isso: inflação em queda, devendo fechar o ano dentro da meta de 4,5% ou até menos; o Comitê de Política Monetária (Copom) já reviu sua previsão para o IPCA em 4,2% e prepara novo corte da Taxa Selic, que pode chegar em dezembro a um dígito, o boletim Focus do Banco Central mostra o mercado com uma expectativa de 9% e a FGV-Ibre projeta 5% em um dos seus cenários. Até o risco Brasil caiu, está em 200 pontos na avaliação por contratos de Credit Default Swap (em 2015 superava 500 pontos).
Mas há alguns fatores decisivos que nem sempre entram na conta otimista: a política e seus reflexos nas decisões de governo, além de surpresas fora da curva de projeções, como a tempestade provocada pela Operação Carne Fraca.
Especialistas que participaram do Seminário de Análise Conjuntural promovido pela FGV-Ibre neste mês de março levantaram a questão e acabaram por concluir que ninguém – nem eles mesmos, nem o mercado – parece considerar um cenário alternativo longe do ideal, isto é, a aprovação das reformas da Previdência, do trabalho, tributária e o que mais for preciso, tranquilamente dentro dos prazos. E para 2018 essa perspectiva otimista não seria diferente.
As projeções otimistas têm se amparado nos chamados indicadores antecedentes da economia. Mas há obstáculos realistas do atual momento político, entre eles a possibilidade de cassação da chapa Dilma/Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral, o que provocaria uma eleição indireta inédita para presidente tampão. Além disso, o próprio cenário sucessório imprevisível para as eleições diretas no próximo ano pode complicar a previsibilidade dos investidores.
No mesmo dia no qual manifestações contra a Reforma da Previdência levavam milhares de pessoas às ruas em todo o País, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entregava ao Supremo Federal Tribunal (STF) uma lista com 83 nomes de políticos citados nas delações da Odebrecht na Operação Lava Jato para investigação.
Nela constam três presidenciáveis de peso: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-candidato (2014) Aécio Neves (PSDB) e o atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). Ao todo, a “lista de Janot” incluiria uma dezena de governadores, seis ministros do governo Temer, senadores e deputados, como os presidentes do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
“O setor político vive em convulsões sucessivas, é uma situação que prejudica muito a economia real, o nível de confiança, sobretudo para investimentos”, diz o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), Rafael Cagnin.
É nesse clima de “convulsão” que se espera votar as reformas. E aparentemente a da Previdência corre até o risco de não ser a mais importante para Brasília, diante dos esforços que estão sendo feitos para colocar em tramitação a Reforma Política, que inclui a criação de um sistema de lista fechada já para as próximas eleições. Nele o eleitor não escolhe o candidato, apenas vota no partido e os nomes serão indicados pela direção da legenda.
Como se não bastassem os entraves políticos, turbulências como a provocada agora por investigações da Polícia Federal contra grandes frigoríficos ao país, entre eles a BRF e a JBS, e dezenas de funcionários do setor de inspeção sanitária do Ministério da Agricultura, ferem seriamente o setor agropecuário, o mais bem sucedido do país nos últimos anos, e enfraquecem o motor da recuperação econômica.
Desempregado e 9,1% mais pobre
Dentre as inúmeras más notícias trazidas pelo PIB 2016, uma das mais graves, por seu impacto econômico e social, foi a queda de 9,1% do PIB per capita no acumulado 2014-2016. É o maior recuo no indicador desde 2000. Segundo o IBGE, o endividamento das famílias e o aumento do desemprego são as principais razões do empobrecimento do brasileiro.
A taxa média de desemprego no país supera 12%. Em janeiro último, eram 12,9 milhões de trabalhadores sem trabalho, segundo o IBGE. Ao final de 2015, o índice era de 9%. Segundo projeções da FGV-Ibre, a taxa deve recuar devagar, para 11,7% em 2018. Dados mais recentes sobre o setor confirmam a tendência oscilante até 2019, uma vez que o emprego é o último setor a reagir depois de uma recessão.
Desemprego e renda baixa impactam diretamente no comércio. No mês passado o setor apresentou uma retração de 1%, segundo estimativa da Boa Vista SCPC publicada no jornal Valor Econômico, ante a uma alta de 0,9% em janeiro. Na comparação com fevereiro de 2016, o recuo foi de 6,2%. Em 12 meses o indicador é negativo em 3,8%. A expectativa é de recuperação até o fim do ano, diante de fatos positivos como a liberação do FGTS e a queda de juros.
Prevendo o futuro
Quando indagado sobre o desastre do PIB, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, apressou-se a dizer que o país estava “em processo de saída” da recessão, e aquele resultado “era passado, espelho retrovisor”. O presente e o futuro estavam em suas mãos, numa lista com indicadores considerados “termômetros” da atividade econômica, como as vendas de papelão para embalagem, veículos leves e confiança do consumidor. Todos com desempenho positivo neste início de ano.
Indicadores antecedentes são variáveis que permitem antecipar os movimentos dos ciclos econômicos. Em janeiro deste ano, por exemplo, as vendas de papelão cresceram 5,33% sobre o mesmo mês de 2016. Em fevereiro a alta foi de 3,27%, acumulando um crescimento de 4,32% no período. Segundo o diretor da Associação Brasileira do Papelão Ondulado (ABPO), Sergio Ribas, o setor espera fechar 2017 com uma expansão entre 1,5% e 2%. Em 2016 a queda foi de 5,72%.
Transição e incertezas
Sem querer se antecipar com um “sim, nós já saímos da recessão”, boa parte dos analistas econômicos e do setor produtivo prefere esperar um pouco mais para cravar uma resposta. Economistas da FGV-Ibre, como por exemplo Aloisio Campelo, optaram por usar “transição” em palestra realizada no Rio de Janeiro no início desta semana. Eis alguns motivos elencados por ele: a) Depois de calibragem para baixo no final do ano passado, índices de confiança retomam a tendência de alta neste início de ano; b) Os níveis são ainda baixos, mas parecem agora respaldados por fatos e indicadores; c) A percepção sobre situação atual é ruim, mas começa a melhorar neste início de ano; d) Do ponto de vista estritamente econômico, tendência de elevação deve se manter nos próximos meses; e) As incertezas limitam avanços mais expressivos; d) Tudo indica que a economia brasileira está saindo de uma das mais severas recessões da nossa História. Como esperado, a recuperação está sendo muito lenta
A avaliação dos analistas também considera indicadores antecedentes mais subjetivos, a exemplo dos Indicadores como o de Intenção de Investimento da Indústria, Confiança do Consumidor e Empresarial, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), entre outros. Mas, ao contrário daqueles que se baseiam em um resultado real do setor produtivo, esses revelam uma disposição do entrevistado, que pode concretizá-la ou não. São importantes porque refletem o humor do pesquisado, o grau de satisfação ou insatisfação com o que quer que seja que possa impactar de alguma forma a atividade econômica.
O resultado do mais recente Indicador de Intenção de Investimentos da Indústria, divulgado nesta semana, apresentou uma elevação de 6,9 pontos no primeiro trimestre de 2017 em relação ao mesmo período do ano anterior, atingindo 100 pontos, o maior nível desde o primeiro trimestre de 2015 (100,8). Após quatro altas consecutivas, o índice chegou a uma zona de neutralidade entre pessimismo e otimismo, o que reflete bem o período incerto das transições.
No primeiro trimestre de 2017, a proporção de empresas que preveem investir mais nos 12 meses seguintes foi idêntica às das que projetam investir menos (19,9%). No trimestre anterior, esses percentuais foram 17,8% e 24,7%, respectivamente. Após três trimestres seguidos de incerteza majoritária, a maior parte entre aqueles que disseram que vão investir disseram estar certo em relação a isso.