IEDI na Imprensa - Ajuste de ambições
Ajuste de ambições
Folha de São Paulo - 27/02/2015
O país se ressente de uma visão organizada sobre o que espera do futuro imediato
Pedro Luiz Passos
Com dois meses transcorridos do segundo governo Dilma Rousseff, já está evidente que, embora reduzida à metade do que costumava ser, a estratégica meta de superavit primário em 2015, de 1,2% do PIB (Produto Interno Bruto), ou R$ 66,3 bilhões, exigirá muita energia para ser alcançada. O desafio começa pelo convencimento do Congresso, e não só, já que a sua implantação se dará num cenário de economia desaquecida.
A resistência às medidas para elevar a qualidade do gasto público federal faz parte do processo democrático. Havendo coesão em torno dessa vontade, as dificuldades poderão ser menores. Mas maior será a oposição se faltar a compreensão sobre as razões de o governo propor ao Congresso medidas para melhorar o controle dos programas sociais, além de já ter reduzido subsídios e aumentado alíquotas de tributos. O ministro Joaquim Levy tem se aplicado nesse sentido, mas parece faltar alguma coisa mais.
A questão a ponderar é se tamanho esforço e desgaste político não deveriam servir para o encaminhamento não somente de um conjunto de ações de ajuste fiscal, por mais meritórias que sejam, mas, também, para a discussão das mudanças estruturais necessárias para restaurar o desenvolvimento. Afinal, esse é, em essência, o objetivo de toda política econômica, seja qual for a opção partidária de seus formuladores.
A nova equipe econômica foi recrutada para reparar as relações de coerência entre o ritmo de expansão do gasto público (que passou a evoluir de modo quase autônomo nos últimos anos) e a capacida- de contributiva da sociedade, que é função tanto das condições para o crescimento econômico fluir quanto do estágio de desenvolvimento já alcançado. Tal enunciado, por si só, sugere que o problema tem duas dimensões, uma do gasto, outra da arrecadação.
Eventuais incompreensões poderão ser elucidadas quanto maior for a transparência sobre as contas do Tesouro Nacional, cujos resultados negativos ainda hoje surpreendem técnicos e especialistas da área --e não há precisão, dizem eles, sobre o total de gastos a pagar acumulados ao longo dos anos e, portanto, do próprio deficit do setor público.
Não se trata de assunto simples de entender e fácil de acompanhar, tal como a evolução dos índices de inflação. E fica mais embaçado quando há pouco consenso sobre o que se quer da economia, do setor privado e, objetivamente, dos recursos arrecadados à sociedade pelo governo. Mais que uma lista de ações, o país se ressente é de uma visão organizada sobre o que espera do saneamento das contas públicas e, concomitantemente, do futuro próximo, de modo a que se refaçam, aqui e agora, as condições do desenvolvimento.
Coisas como o investimento para desobstruir os muitos gargalos de nossa infraestrutura. Em princípio, essa iniciativa independe dos resultados fiscais do governo, já que, existindo uma boa política regulatória, não há nem desinteresse privado na condução desses projetos nem uma carência de capitais no mundo em busca de oportunidades reais.
Além disso, com medidas que reconstruam também a competitividade da indústria, não há, em tese, razões de o país ter sido praticamente alijado das exportações de manufaturados, como destaquei em meu artigo anterior.
Não tenho dúvida de que o somatório de grande transparência sobre a situação das contas públicas com um genuíno esforço para resolver as questões dos investimentos em infraestrutura e da desinterdição dos fatores que bloqueiam a exportação ajudará o programa de ajuste fiscal a ter maior aceitação pela sociedade como um todo. Legitima-se por si.
E pode até mesmo baixar a tensão quanto a uma indesejável frustração de parte do plano fiscal, se for notório o esforço para sua realização pelo caminho da racionalização do gasto público e da revisão de desonerações de impostos, reduzindo-se ao máximo o recurso de aumento da carga tributária.
Quanto mais se saiba sobre tais questões, menor o risco de que as políticas modernizadoras das relações econômicas e sociais sofram boicotes e sejam rejeitadas. Tão certo quanto as muitas carências à espera de solução é o fato de que transparência e boa governança pública tomadas como norma permanente e não casuística enfeixam boa parte do que se deve fazer.
PEDRO LUIZ PASSOS, 63, empresário, é presidente do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) e conselheiro da Natura. Escreve às sextas-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna.