IEDI na Imprensa - Palavra Oficial Precisa Destilar Realidade Plena
Palavra Oficial Precisa Destilar Realidade Plena
Gazeta Mercantil - 04/12/2008
Editorial
Nos últimos dois ou três meses, o mundo assistiu a uma escalada assustadora do recrudescimento da crise financeira internacional. O crédito, até então farto, em muitos segmentos da economia simplesmente secou. Os resultados do asfixiamento de setores inteiros são sentidos em todos os mercados, com queda de cotações de ações, companhias literalmente quebradas, empregos sendo dizimados aos montes e fortunas torradas da noite para o dia. Ao mesmo tempo autoridades econômicas do País repetiam à exaustão que a economia brasileira não seria afetada. No entanto, alguns números falam mais alto e assombram a pespectiva para os primeiros meses de 2009. O setor de autopeças registra a redução de 8.200 postos de trabalho de 1 de outubro até o final deste ano, como apontou sondagem realizada pelo Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças). Também preocupante é que o levantamento revela que a metade das 95 empresas do setor deverão reduzir os investimentos programados para 2009. A pesquisa atualizada mensalmente pelo IBGE também acentua os caminhos tortuosos que já afetam o vigor da indústria nacional nos últimos meses. Segundo a pesquisa do orgão público federal, a produção industrial medida em outubro apresentou queda de 1,7% em relação a setembro. Inverteu na mesma dose o número apurado no mês anterior, pois em setembro a indústria havia expandido 1,5% em relação a agosto deste ano. No índice acumulado em 12 meses, a desaceleração da economia brasileira fica mais clara: o crescimento da produção industrial registrou 5,9%. Ao final de setembro, um mês antes, o patamar alcançado era de 6,8%.
Há, como sempre ocorre, condições setoriais diferenciadas nessa brusca freada da indústria que são reveladoras de outros aspectos da conjuntura. A queda atingiu 15 dos 27 setores de manufaturas analisados pelo IBGE. Não foi só o segmento de bens de consumo duráveis (automóveis por exemplo) que recuou 4,7% em relação ao mês anterior. Produtos químicos e metalúrgicos, os bens intermediários, caíram 3,2%, enquanto semi e não-duráveis, roupas e alimentos recuaram 2,2%. Menos mal que o setor de bens de capital perdeu menos, isto é, apenas 0,5%. Portanto, assiste certa razão ao Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial ( Iedi) de que o padrão de crescimento do setor industrial foi quebrado em outubro pela crise internacional, porque, apesar de esperadas, as quedas de atividade foram bem mais generalizadas do que se previam.
Apesar de tudo, o setor industrial ainda apresenta ilhas de sobrevivência, com empresas de porte ainda mantendo programas de investimento e planos de crescimento arrojados para o próximo ano. Não por acaso, essas companhias são multinancionais importantes, que não foram arrastadas pela crise mundial e, diferentemente daquelas que possuem RG naciona, têm acesso a crédito com mais comodidade. Como mostrou reportagem publicada na edição de ontem da Gazeta Mercantil, a empresa de tecnologia Siemens manterá seus aportes de R$ 130 milhões anunciados na expansão de fábricas de equipamentos do setor energético. Ontem, também a matriz da General Motors anunciou que os investimentos no Brasil estão preservados, apesar de todos os problemas da montadora nos EUA, porque o País é o maior mercado da empresa fora dos EUA.
Nesse contexto, apesar de certa diversidade nas expectativas, há um visível cenário de desaceleração na economia brasileira, em especial para o primeiro trimestre de 2009. Também merece registro que analistas experientes, como a LCA Consultores, revisaram suas previsões de algumas semanas atrás, porque a gravidade da crise se acentuou, prolongando seus efeitos por período "mais dilatado do que vínhamos prevendo". Essa consultoria reduziu sua projeção de expansão do PIB para 2009 de 3,3% para 3%, embora faça a ressalva de que a economia vai regredir, "mas não vai capotar". Desse modo, o que não é aceitável em conjuntura com variáveis tão definidas como esta, é que autoridades econômicas demonstrem descolamento da realidade. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, depois de negar a recessão americana, assegurou que a economia brasileira crescerá 4% em 2009. Em qualquer canto do mundo não se espera que ministros da Economia façam pregações de pessimismo extremo, porém otimismo cego não tem muita validade. Em momento como este, o essencial é que os agentes econômicos sintam a palavra oficial com consciência plena da realidade, sem tentar negar os sinais de perigo que todos já identificaram.