IEDI na Imprensa - Espírito Animal E O Governo
Espírito Animal E O Governo
Primeira Leitura - 30/12/2005
José Alan Dias
A economia brasileira pode, de fato, ter uma taxa de crescimento entre 4% e 5% em 2006, se o governo não tratar antes de coibir o “espírito animal” dos empresários, como ironizou no Painel da Folha, nesta sexta, o ex-ministro Delfim Netto. O espírito animal dos empresários, diria Keynes, alimenta-se do fluxo de demanda. Os ajustes dos estoques do setor produtivo, a retomada de confiança de consumidores e empresários, depois do ápice da crise política, as perspectivas econômicas geradas pelo próprio processo de flexibilização monetária em curso e do crescimento mundial ainda favorável às exportações brasileiras devem se encarregar de colocar a economia em uma rota de crescimento de 4% no próximo ano, como mencionou o BC no último relatório de inflação.
O maior desafio para o Brasil, sabe-se há muito, é fazer com que anos como de 2004, quando a economia cresceu 4,9%, não sejam pontos fora da curva, ou seja, está em sustentar um crescimento mais acelerado por longos períodos de tempo. Há um consenso entre economistas que nada se poderá fazer se não for elevada a taxa de investimento da economia. Um estudo divulgado pelo Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), em sua carta mensal de dezembro, mostrava que para a economia crescer 5% ao ano, em média, sem que isso signifique gargalos de produção, novas pressões inflacionárias (contra as quais o BC já mostrou muito bem como lidar), seria necessário elevar a taxa de investimento para algo em torno de 25% do PIB. Antes do ápice da crise política, que abateu o ânimo dos empresários, a taxa de investimentos em formação bruta de capital fixo estava em apenas 20%. O país precisaria de entre três e cinco anos de expansão contínua dos investimentos para que a taxa pudesse atingir os 25% “ideais”.
A prioridade do setor público até aqui tem sido a geração de superávits primários crescentes para manter a relação dívida/PIB sob controle. Se o BC mantiver o ritmo de afrouxamento da política monetária e se Lula não decidir abrir as burras em favor de um projeto de reeleição, no máximo, o superávit primário permitirá recolocar a dívida pública em uma trajetória descendente. Nos últimos anos, o governo registrou uma das mais baixas taxas de investimento desde o início do século 20. Consideradas as administrações públicas (excluindo as estatais) a taxa de investimento do setor público em 2003, por exemplo, foi de 1,7% do PIB, sendo, junto com a de 1999, ano da derrocada do real, a menor desde 1946. A título de comparação: em 1969, a taxa de investimento público era de 5% do PIB. Em 2003, a administração pública respondia por apenas 15,1% do estoque global de capital do país, muito abaixo da parcela de 25% no início dos anos 70.
O drama, para a economia, afirma o Iedi, é que há dúvidas de que o setor privado consiga cobrir a lacuna deixada pelo setor público. A desestatização resultou em investimentos fixos em setores e atividades que foram privatizados, mas o único caso que se pode tomar como bem-sucedido é o de telecomunicações. O setor elétrico acompanha um silencioso processo de reestatização de distribuidoras, algumas das quais já socorridas, em outras oportunidades, pelo senhor BNDES. A julgar pelo resultado do primeiro leilão de energia elétrica nova, que previa a venda de concessão para a construção de usinas, o governo continuará a jogar um papel importante no setor: as empresas privadas, em sua maioria, fugiram do leilão porque não toparam construir usinas e serem remuneradas a R$ 116 por megawatt, valor que, segundo elas, não seria suficiente para garantir um retorno mínimo para o capital investido.
Mesmo que as PPPs, em fase inicial de implantação, sejam um sucesso, não se pode esperar que consigam solucionar os gargalos de investimentos de base. A experiência européia, em Portugal e Inglaterra, mostra que as PPPs não substituem uma queda tão acentuada do investimento por parte do governo federal, como a que ocorreu nos últimos anos.
Assim, a despeito das diferentes iniciativas do setor privado, e por mais que uma queda mais acentuada das taxas de juros estimule os empresários a investirem, assumindo projetos que caberiam ao setor público, a necessidade de o governo federal aumentar seus investimentos em capital fixo ainda é uma das pré-condições para que o crescimento da economia se sustente por períodos mais longos. Isso passa necessariamente por uma melhora do gerenciamento dos gastos públicos, pelo corte de despesas de custeio e por uma reforma tributária e não por balões de ensaios, como a proposta de déficit zero. É esperar muito de um governo que já acabou.