IEDI na Imprensa - A Catástrofe Que Não Aconteceu
A Catástrofe Que Não Aconteceu
O Globo - 18/12/2004
Governo chega à metade festejando inflação controlada, real valorizado e o maior crescimento do PIB em dez anos
Enio Vieira, Regina Alvarez, Eliane Oliveira e Martha Beck
Ao fim do segundo ano de mandato, o governo Luiz Inácio Lula da Silva deverá apresentar um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 5%, que será o maior dos últimos dez anos. Os petistas evitaram a catástrofe anunciada pelos adversários. Houve controle da inflação, ainda que à custa de juros altos. A dívida pública, indicador de solvência do país, se estabilizou. O real se valorizou e as exportações devem atingir a marca de US$100 bilhões ao ano em 2005. Mas a estabilidade teve como custo a queda de 7,54% no rendimento médio dos trabalhadores e uma taxa de desemprego ainda na casa dos 10%, além de baixo nível de investimentos.
Bastante crítico do PT na campanha presidencial de 2002, o ex-ministro da Fazenda e hoje consultor Maílson da Nóbrega afirma que Lula mostrou responsabilidade ao apoiar a equipe do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, nos momentos mais difíceis, como o anúncio de que teria havido uma recessão de 0,2% em 2003. A revisão dos números do IBGE apontou um crescimento de 0,5%. Hoje Maílson compara Lula a líderes socialistas europeus:
— Lula não só manteve a política econômica adotada no governo anterior. Preservou e avançou. Esta não é uma política do FH, nem do Pedro Malan. É uma política adotada por mais de cem países. Metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal são as diretrizes da União Européia.
Cenário internacional também ajudou
O presidente da Sociedade Brasileira de Estudos e Empresas Transnacionais (Sobeet), Antônio Corrêa de Lacerda, relativiza o êxito ao lembrar que o cenário internacional foi muito favorável aos países emergentes nestes dois anos. Para ele, o ministro Palocci tinha razão ao adotar a política ortodoxa no início do governo.
Mas Lacerda considera exagerada a insistência em juros reais acima de 10% ao ano, a taxa de câmbio baixa que pode prejudicar as exportações e o corte de investimentos públicos para cumprir as metas de superávit primário (receitas menos despesas, exceto juros) — hoje em 4,5% do PIB. Este ano foram gastos apenas R$3,1 bilhões de um total de R$13,3 bilhões em investimentos aprovados:
— As exportações brasileiras não crescem mais do que as de outros países emergentes. O fluxo de hoje reflete o câmbio do começo de 2003. Estamos no décimo ano de inflação controlada, mas se repetem erros que se mostraram catastróficos, como juro alto e câmbio valorizado.
Para o presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Gomes de Almeida, a política de juros conservadora impediu que o Brasil crescesse mais este ano, quando havia todas as condições favoráveis. Segundo Almeida, 60% do crescimento em 2004 dependeram do mercado internacional extremamente favorável: exportações, recursos financeiros, juros americanos baixos. O temor é que os Estados Unidos cresçam menos de 2005 em diante e os países emergentes sofram as turbulências.
— O país cresceu muito abaixo da média. O FMI estima para 2003/2004 6,25% para os países emergentes, e o Brasil crescerá 2,75% . Não é mau para quem pegou a economia cheia de dúvidas. Mas poderíamos ter crescido mais em 2004, cerca de 7% para compensar o atraso.
Economista e líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP) acha que o governo tem de se preparar contra futuras crises externas. Segundo ele, a equipe econômica teve de enfrentar um choque muito forte de preços de 2002 para 2003, exigindo juros altos e câmbio valorizado. Agora, afirma, a taxa de câmbio tem que atingir o ponto de equilíbrio e manter a competitividade dos produtos brasileiros e o saldo comercial (US$33 bilhões em 2004). Para ele, os choques externos podem ser atenuados com o acúmulo de reservas:
— Temos reservas brutas de US$50,2 bilhões. A Coréia tem US$155 bilhões, Taiwan US$197 bilhões, China US$409 bilhões, o Japão US$652,8 bilhões.
Economista do Ipea defende novo ajuste na Previdência
Para um grupo de economistas, o maior problema continua sendo as contas públicas. Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea), acha que dois aspectos poderiam melhorar: as políticas sociais e as grandes reformas, como mais um ajuste na área de previdência social do setor privado.
— Hoje o governo sequer tem uma agenda de reforma. O gasto público aumentou mais de 10% em termos reais e não se resolveu o problema dos investimentos. O aumento foi para despesas correntes de eficiência duvidosa— diz Giambiagi.
As despesas elevadas fizeram com que nem mesmo o conjunto de 14 medidas de desoneração fiscal baixado este ano conseguissem reduzir significativamente a atual carga tributária, calcanhar de Aquiles dos empresários e dos consumidores brasileiros: 34,88% do PIB, numa ligeira queda para os 35,53% entregues pelo governo Fernando Henrique Cardoso.