Pronta para Arrancar
Pronta para Arrancar
IstoÉ Dinheiro - 01/01/2003
Nunca houve tanto investimento em novas fábricas no Brasil, mas faltou consumo para absorver o que foi produzido dentro das indústrias
Joaquim Castanheira
Linha de montagem: As montadoras investiram mais de US$ 20 bilhões no mercado brasileiro
Um levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) pode dar uma boa pista para explicar o modesto crescimento da economia brasileira nos últimos tempos. De acordo com o estudo, uma evolução superior a 4% no PIB necessita obrigatoriamente de uma expansão ainda maior do setor industrial. O patamar de 4% não é aleatório – segundo os economistas esse é o mínimo necessário para que a taxa de desemprego não aumente. Nos 38 trimestres analisados pelo Iedi, apenas 17 registraram aumento do PIB superior a esse porcentual. Em todos eles, as linhas de produção subiram mais do que isso. No mais recente, julho a setembro de 2002, a agropecuária subiu quase 7%, mas a economia cresceu apenas 0,9%. Por quê? Porque a indústria teve um resultado negativo de 0,2%. O tímido desempenho da indústria ao longo dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso foi um ingrediente decisivo para a estagnação da economia. “Não podemos creditar ao governo de Fernando Henrique a ausência de crescimento da indústria”, diz Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Iedi. “Nossa frustração foi a incapacidade da equipe econômica interromper um processo no qual o setor produtivo patina há mais de 20 anos.”
Na verdade, as dificuldades da indústria começaram na crise de 1981/83. Desde então, com exceção de um ou outro lampejo, nunca mais a indústria brasileira encontrou o caminho da pujança como ocorreu ao longo da década de 70. Na era FHC, o mundo das máquinas viveu uma situação inusitada. Houve investimentos maciços na modernização e ampliação das fábricas, mas faltou renda para que o consumidor adquirisse os bens produzidos nelas.
Alguns setores passaram por ciclos de investimentos inéditos, sobretudo aqueles dominados pelas multinacionais. Com a estabilidade da moeda e a abertura do País, essas empresas viram a oportunidade de criar aqui uma base de exportação favorecida pelos baixos custos de mão-de-obra e um mercado interno de grande potencial. Potencial é a expressão correta. O crescimento do País estava engessado e não absorveu o aumento de capacidade produtiva. Assim, criou-se uma situação paradoxal no mercado brasileiro. O Brasil possui fábricas moderníssimas. Mas boa parte delas encontra-se com ampla capacidade ociosa que varia, dependendo do setor, de 30% a 50%.
Observe o caso do setor automobilístico. Desde 1996, mais de US$ 20 bilhões foram investidos na construção de novas fábricas de automóveis ou na ampliação daquelas já existentes. O Brasil tornou-se o único país do mundo a abrigar pelo menos uma unidade das dez maiores montadoras do mundo. Com isso, a capacidade atingiu mais de 3 milhões de veículos por ano. Só que nos últimos anos as vendas somadas às exportações não ultrapassaram 1,8 milhão de unidades. Ou seja, a indústria amarga uma ociosidade superior a 40%. “A nossa parte foi feita”, diz Almeida, do Iedi.
A grande queixa dos industriais deve-se à política de juros altos do governo e à abertura do mercado, considerada por eles exagerada e sem critérios. “Os produtos importados entram aqui com duas vantagens em relação às empresas brasileiras”, diz um executivo de uma das poucas fabricantes de autopeças de capital nacional. “Um deles é o custo de dinheiro mais baixo e outro, a carga de impostos mais racional.” Nos oito anos de Fernando Henrique, diversos grandes grupos industriais ganharam corpo. A Braskem, controlada pelo grupo Oderbrecht, tornou-se a maior corporação petroquímica da América Latina. Organizações como a Vicunha, com a incorporação da CSN, também deram um grande salto. “O problema é que, mesmo nesses casos, pouco se criou”, diz Almeida, do Iedi. “O que ocorreu foi uma transferência de controle acionário.”