O Brasil Precisa de Política Industrial?
O Brasil Precisa de Política Industrial?
Exame - 26/11/2003
Sim
Para crescer é preciso de uma política industrial moderna, que evite os erros do passado.
Julio Gomes de Almeida
O próprio exemplo histórico do Brasil ilustra a importância da política industrial. Durante um longo período - dos anos 50 aos 70 -, a ação estatal foi determinante para uma espetacular reviravolta na evolução econômica do país. Foram três décadas de expansão acelerada do PIB (7,4% ao ano!), que nos colocaram na liderança mundial em termos de crescimento no período 1900-1973 e na terceira posição durante todo o século 20. Desde 1980, quando o Brasil renunciou às políticas de desenvolvimento, a taxa de crescimento despencou para 2,4% ao ano - e o país caiu da liderança para uma modestíssima 93ª posição mundial em termos de expansão.
É comum que se lembre dos erros da política industrial do passado. Eles existiram e não devem ser repetidos. Dois merecem destaque. O principal foi relegar o tema da educação a segundo plano. Isso impediu a melhoria da distribuição da renda e o desenvolvimento de um perfil mais inovador na indústria ao longo desse período. O sucesso do desenvolvimento industrial da Ásia deve muito aos avanços educacionais.
Outro ponto a notar é que os países emergentes hoje bem mais ricos do que o Brasil foram além em suas políticas industriais. O que eles fizeram e nós não foi orientar a política para a exportação. O objetivo foi assegurar que os esforços da política industrial dariam mais frutos, pois as empresas teriam de competir no mercado externo. O Brasil errou ao conceber uma política industrial exclusivamente para uma economia fechada.
Só que o país, em vez de calibrar a política industrial do passado, preservando o que tinha de bom e corrigindo os equívocos, optou por eliminá-la. Entre 1982 e 1994, mergulhado numa crise do setor externo (balanço de pagamentos) e às voltas com o descontrole inflacionário, o governo não tinha nem energia nem recursos para pensar no desenvolvimento.
Depois de 1995, o problema foi outro: uma visão errônea do desenvolvimento levou a políticas de câmbio e juros que inviabilizaram a execução de quaisquer políticas, incluindo as de desenvolvimento. Enquanto isso, as principais economias emergentes consolidavam a reestruturação de suas bases industriais e desenvolviam novos setores dinâmicos do comércio mundial, preparando-se para a globalização. O que esses países ensinam ao Brasil? São quatro lições importantes.
Primeira: o mundo não vai ficar parado esperando o Brasil se decidir.
Segunda: é preciso que câmbio e juros sejam compatíveis com a necessidade de investimentos. Sem isso, a própria perspectiva de desenvolvimento sustentado fica comprometida.
Terceira: é vital vincular a política industrial ao setor externo. Não dá mais para formatar políticas para uma economia fechada. O Brasil precisa de competitividade nas exportações - e para isso terá de importar insumos e bens de capital, aproveitando as excelências dos outros. Idéias como a substituição de importações e a proteção à indústria nascente têm de ser vistas como exceção, não mais como linha orientadora da política industrial.
Última lição: não há que ter preconceito na hora de definir ações. Uma boa política industrial pode se valer de políticas setoriais, políticas de compras do setor público, financiamentos e incentivos à produção, ao investimento e à inovação na economia real.
Alguns exemplos internacionais são ilustrativos: o desenvolvimento de produção e exportação de software na Índia contou com uma ação dedicada do governo, envolvendo grandes esforços de educação e treinamento técnico, além de incentivos fiscais direcionados ao setor. Outro exemplo: o sucesso da Irlanda em atrair centros de produção de tecnologias de grandes empresas internacionais não dispensou o apoio decisivo de uma política de Pesquisa & Desenvolvimento explícita e níveis muito baixos de taxação. Na China, na Coréia do Sul, em Israel e em muitos outros países emergentes foram criadas condições especiais para atração de investimentos estrangeiros e locais em diversos setores da economia, tais como o exportador, o de tecnologia ou mesmo os tradicionais. A Coréia é forte no comércio mundial porque exporta tanto produtos de alta tecnologia como tradicionais - têxteis, por exemplo. Aliás, a Coréia é forte em setores que o Brasil optou por sucatear - caso da indústria naval. Enquanto os coreanos cuidaram de sua i
ndústria com políticas ativas, os brasileiros ficaram presos a preconceitos ideológicos. Os resultados das duas estratégias são visíveis a olho nu.
Portanto, é importante que o Brasil não renuncie a ter uma política industrial. Ela é necessária para auxiliar a economia a sair da estagnação em que está mergulhada há mais de duas décadas. Alvos para a política não faltam. Vão da infra-estrutura, que é deficiente, à indústria de base, que já apresenta "gargalos" de capacidade produtiva. Também devem ser contemplados setores de nova tecnologia, os que tinham potencialidades regionais de desenvolvimento industrial e os segmentos da agroindústria e da indústria tradicional que carecem de modernização e de impulso inovador.
Uma boa política industrial só nasce com a definição de estratégias pelo setor público. Ela precisa de diversos instrumentos, como regulação, política de compras, financiamento e eventuais incentivos - desde que cadentes durante sua vigência e com data certa para acabar. Bem formulada e executada, será uma alavanca para ampliar o horizonte do desenvolvimento. O Brasil precisa de uma política industrial moderna, que incorpore o incentivo à inovação e às exportações, servindo assim como um impulso à economia do país.
Julio Gomes de Almeida é diretor executivo do
Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi)