Industriais Esperam Revanche Contra Oito Anos de Monetarismo
Industriais Esperam Revanche Contra Oito Anos de Monetarismo
Valor Econômico - 02/01/2003
Empresários - Entidades querem reforma Previdenciária antes da Tributária para frear déficit fiscal
Denise Neumann, De Brasília
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setoriais e de comércio exterior"|left>>Os balanços dos resultados financeiros de 154 empresas e 11 bancos no ano de 2002 refletem a visão que os empresários da indústria têm sobre o Brasil dos últimos oito anos.
No período de 12 meses encerrados em setembro deste ano, 11 instituições financeiras somaram, juntas, um lucro líquido de R$ 9,2 bilhões e obtiveram uma rentabilidade de 22% sobre o patrimônio. Os resultados de 154 indústrias foram bem piores, na média, embora sejam menos homogêneos. Entre 15 setores, sete foram deficitários e sete alcançaram rentabilidade positiva inferior a dos bancos.
A única exceção foi o setor de petróleo e gás, que lucrou R$ 8,8 bilhões e superou, proporcionalmente, o setor financeiro, pois seu retorno sobre o patrimônio somou expressivos - e inéditos - 23,5%, segundo dados organizados pelo Valor Pesquisa Econômica com base em balanços coletados pela Economática.
Para os empresários, esse retrato do Brasil em 2002 mostra o que aconteceu nos últimos anos, quando prevaleceu uma visão monetarista e lucraram os bancos. Eles reclamam da falta de um olhar mais atento à produção e do esquecimento a que ficou relegado, por muito tempo, o caminho da exportação. Também por isso, dizem, aumentou a vulnerabilidade externa da economia. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu pouco, em média 2,0% ao ano, e no período a renda real do brasileiro aumentou apenas 9%. As exportações de 2002 somaram US$ 60 bilhões, somente 40% mais que em 1994.
Os empresários agora esperam - com um certo gostinho de vingança - uma revanche contra os oito anos de "monetarismo" da era Fernando Henrique Cardoso. Eles não contam com uma retomada forte do crescimento em 2003, mas se declaram "cautelosamente otimistas".
Concordam que o ano será bem difícil e projetam um PIB com crescimento entre 1% e no máximo 2% em 2003. Eles também se dividem entre os que acreditam que já há espaço para cortar os juros e os que admitem - mesmo a contragosto - que será necessário deixá-los onde estão mais algum tempo.
O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Horácio Lafer Piva, resume bem o pensamento empresarial. "Esperamos que aconteça uma reviravolta histórica no papel da indústria e no desenvolvimento do Brasil. É hora de encerrar a fase de ostracismo ao qual a indústria foi relegada. Os pesadelos monetaristas acabaram", diz Piva.
Apesar da esperança depositada no novo governo, o presidente da Fiesp reconhece que "não há como escapar dos juros altos no início do governo". Ao mesmo tempo, argumenta, é preciso procurar outros mecanismos além da "solução fácil de subir os juros" para controlar a inflação.
Os empresários apostam em uma inversão de prioridades. Há muita identidade entre o que eles defendem e querem ver executado pelo novo governo e o que eles acreditam que a equipe de Luiz Inácio Lula da Silva colocará em prática. Muitos empresários esperam que no curto prazo virão sinais de que a vulnerabilidade será combatida (via estímulo às exportações e à substituição de importações) e que serão adotadas ações para ganhar a confiança (projetos de reforma da Previdência e Tributária). O resultado será muito menos pressão sobre o câmbio e, conseqüentemente, sobre a alta de preços.
"A inflação não é de demanda", diz Eugênio Staub, presidente da Gradiente. "A alta de preços veio da pressão cambial e ela já está arrefecendo", avalia o presidente da Siemens, Adilson Primo, que espera uma taxa de inflação bem comportada em 2003: 8% medidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA). Staub e Primo convergem na avaliação da inflação, mas divergem quanto ao remédio.
"Chega de aumento de juros", argumenta Staub. "Não há mágicas a serem feitas. Não há espaço para baixar os juros no curto prazo", discorda Primo. "Isso vai restringir a atividade econômica em 2003, mas no curto prazo não há alternativa", acrescenta. A Siemens trabalha com a expectativa de um crescimento de apenas 1% no Produto Interno Bruto (PIB) do próximo ano. Essa quase recessão é a contrapartida negativa da inflação controlada, pondera Primo.
Staub não vê nas declarações do novo ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, uma reencarnação do espírito monetarista de Pedro Malan. "Há uma interpretação equivocada. O novo governo está comprometido com mudanças. Todos são desenvolvimentistas nesse governo. Há compromisso com inflação baixa, mas isso não é sinônimo de juro alto", argumenta Staub, com a convicção de quem é um interlocutor privilegiado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Os empresários passaram os últimos oito anos batendo na tecla da reforma tributária. Agora, contudo, querem que o novo governo dê prioridade à agenda da Previdência. Ela ajudará a remover o risco de um déficit crescente do setor público e com isso aumentará a confiança dos investidores no país, permitindo um recuo das taxas de juros internas.
"A reforma previdenciária é mais importante que a fiscal. Ela vai sinalizar que o equilíbrio fiscal se dará em algum momento no futuro. Sem isso, o governo cada vez terá que aumentar mais a carga fiscal para fazer frente ao aumento do déficit da Previdência", resume o empresário Ivoncy Ioschpe, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). "Você perde o esforço se fizer a reforma Tributária sem fazer a da Previdência", acrescenta Piva. "É ela que vai desarmar a bomba de um Estado que custa mais de 40% do produto do país por ano", argumenta.
Os empresários não abrem mão da reforma tributária, só acham que é preciso estabelecer uma agenda de prioridades. E nesta agenda, é fundamental sinalizar que o rombo será fechado.
Na lista de prioridades também pesa o fato de que o atual governo já desonerou boa parte das exportações do peso dos impostos (embora falte fazer a desoneração ao longo de toda a cadeia produtiva, argumenta Ioschpe) e também o reconhecimento de que a negociação de uma nova estrutura de tributos e de repartição dos impostos com os governadores é uma tarefa muito complicada.
Com raras exceções, os empresários esperam - e acreditam - que o novo governo desenhe uma política industrial e escolha setores que serão incentivados. "O país precisa de uma política de desenvolvimento industrial e de comércio exterior mais ativa", defende Staub. "Estimular exportações e substituir importações é o caminho para reduzir nossa vulnerabilidade externa", defende Ioschpe.
"Ouvimos muito que o mercado iria resolver. Estamos pagando a conta deste discurso e ainda vamos pagá-la muito tempo", diz Ioschpe. "O Brasil ficou atrás do mundo na definição de políticas de desenvolvimento econômico, setoriais e de comércio exterior. Por isso, o país não tem crescido nas áreas mais dinâmicas do comércio mundial", acrescenta.
"É preciso atrair empresas para que se instalem no Brasil, principalmente as de alta tecnologia, que agreguem valor à produção local", defende Primo, da Siemens. "Incentivar investimentos em pesquisa & desenvolvimento é fundamental", defendem, ao mesmo tempo e com a mesma ênfase, Staub, Primo e Ioschpe. "É importante planejar com visão de longo prazo", acrescenta o presidente da Siemens.
O empresário Ricardo Trombini, diretor da Trombini Embalagens, não assina embaixo da política de priorizar segmentos. "Sou mais liberal. Não acho que o governo deva interferir e escolher setores. Se tivermos juros e crescimento do poder aquisitivo das famílias, a iniciativa individual das empresas é suficiente", pondera.
Trombini acha que resultados mais eficientes podem ser alcançados com a manutenção e posterior aumento do poder aquisitivo e com políticas que permitam uma melhor distribuição de renda. "Esse é o maior desafio", justifica.
Os empresários estão atentos também, ao comportamento do novo presidente e de sua equipe. O empresário José Frugis, diretor da Frugis Embalagens, gostou muito do "puxão de orelha" que o presidente Lula deu nos sindicalistas no mês de novembro. "Foi muito significativo. Mostrou que ele estava olhando para o Brasil como presidente do país", avaliou.
O presidente da Câmara Americana de Comércio (Amcham), Alvaro de Souza, destaca outra "capacidade" do novo governo. "Eles estão ouvindo muito. E ouvindo com atenção. Você expõe um problema, faz uma sugestão e no dia seguinte recebe um fax, com um pedido de esclarecimento. É um comportamento típico de quem prestou atenção na conversa", pondera Souza.
Esse quase "encantamento" com o novo governo pode fazer os empresários concordarem com um pacto social no qual sua participação seja manter os preços congelados? Essa é uma visão muito simplista da situação e da solução, argumenta o presidente da Fiesp.
O pacto, diz, envolve a construção de um cenário de credibilidade e tranqüilidade para a economia. "Se o empresário vislumbra estabilidade e crescimento, vai aumentar investimentos e pode ousar, inclusive, com relação à planilha de preços", assegura Piva.
Foto: Marisa Cauduro/Fotosite/Valor - 22/11/2002