Governo Vai Estimular Exportação de Qualidade
Governo Vai Estimular Exportação de Qualidade
O Estado de São Paulo - 02/02/2003
Os chamados produtos dinâmicos, com maior procura, não recebem a atenção que merecem
Patrícia Campos Mello
Uma empresa de São Carlos, no interior de São Paulo, domina cerca de 40% do mercado mundial de refletores odontológicos - aqueles espelhos especiais usados por dentistas para iluminar a boca dos pacientes. A Opto Eletrônica, companhia fundada em 1985 por um grupo de físicos, engenheiros e técnicos do Instituto de Física da USP de São Carlos, também está exportando sofisticados microscópios oftalmológicos, que chegam a custar US$ 15 mil, além de lasers para cirurgias e aparelhos complexos como os retinógrafos digitais, que ajudam a mapear retinas. "Os compradores estrangeiros nem acreditam que a tecnologia é brasileira e não importamos nem a parte óptica", diz o engenheiro Antônio Fontana, diretor comercial da Opto e um dos fundadores da empresa.
Equipamentos médicos, odontológicos e ópticos estão entre os produtos mais bem-sucedidos no comércio mundial. As exportações desses bens no mundo cresceram cerca de 13% nos últimos 20 anos. Mas a Opto e os produtos chamados dinâmicos, isto é, que vêm crescendo no comércio mundial, são raras exceções na pauta de exportações do Brasil. Segundo um estudo que será divulgado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), cerca de 44% da pauta de exportação brasileira é composta por produtos que estão em declínio, cujas vendas diminuem no mundo. "Entre todos os principais países emergentes, o Brasil é o que tem o maior índice de produtos em decadência na pauta de exportações", diz Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Iedi e autor do estudo "Radiografia das Exportações Brasileiras." O trabalho será entregue ao ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, que já ressaltou a importância de criar estímulos para a exportação de produtos dinâmicos.
Estímulos - Em comparação a outros países em desenvolvimento, o Brasil está excessivamente focado em produtos cuja demanda vem caindo, ou ainda bens muito sensíveis às oscilações do mercado internacional e ao protecionismo dos países desenvolvidos. Das exportações da China, por exemplo, apenas 20% vêm de setores com crescimento mundial negativo. No México, o índice é de 9%. Já no Brasil, muitos dos principais produtos da pauta, entre eles minério de ferro, café, açúcar, laminados planos e óleos vegetais, têm comércio declinante. Produtos dinâmicos como veículos, aeronaves, transistores, móveis, equipamentos de telecomunicações e médicos, que tiveram crescimento de vendas acima de 5% entre 1996 e 2001, precisam ganhar importância.
"A vantagem é que nossa pauta é diversificada", diz Almeida. "Então o que falta é estimular as exportações dos setores dinâmicos, que às vezes já existem, mas ainda são incipientes."
No setor de equipamentos médicos e odontológicos, por exemplo, o Brasil ainda tem um déficit acima de US$ 600 milhões, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Odontológicos, Médicos e Hospitalares (Abimo). "Um dos grandes problemas é que não temos escala suficiente", diz Eduardo Molina, consultor regional da Ciesp (unidade regional da Federação das Indústrias do estado de São Paulo) em Ribeirão Preto, área que reúne fabricantes do setor. "Falta também tradição: só para comparar, quem compraria uma TV fabricada na Colômbia?"
"Temos dificuldades para conseguir certificados de exportação, que são caros", diz Eduardo Gouveia Monteiro, diretor de equipamentos da Olidef CZ.
A Olidef é parte de um consórcio patrocinado pela Agência de Promoção de Exportações (Apex), e exporta incubadoras neonatais e estufas de esterilização. Apesar dos obstáculos, a pequena empresa aposta na exportação e, neste ano, pretende vender 30% dos produtos no exterior.
A pauta "envelhecida" é herança da negligência em relação à política de comércio exterior dos últimos anos, na opinião de Roberto Giannetti da Fonseca, indicado para coordenar o Conselho Estadual de Comércio Exterior de São Paulo, e ex-titular da Camex. "Até 1999, o setor exportador foi punido por uma falta de políticas e, durante o Plano Real, pela sobrevalorização da moeda", diz. "Nossa pauta envelheceu: ela é praticamente a mesma desde 1985." Segundo Gianetti, os exportadores não tinham incentivo para incluir novos produtos à pauta, já que o setor exportador não era atraente.
O Conselho, diz Gianetti, está estudando a criação de "clusters", pólos exportadores para produtos dinâmicos, além de ações de promoção comercial.
Está nos planos a criação de pólos exportadores de software, equipamentos aeroespaciais e de aeronáutica, e prestação de serviços nas áreas de turismo, medicina e advocacia.
Brasil 'Rouba' Mercado de Outros Exportadores
Mas boa parte das divisas ainda vem de produtos como soja, sujeitos à volatilidade das cotações
Apesar da alta competitividade do agronegócio brasileiro, o País ainda não é um grande exportador dos produtos agrícolas de maior crescimento. O Brasil tem participação significativa nas exportações de apenas uma das commodities agrícolas mais dinâmicas do mundo: os preparados de frutas, com 11% do mercado. Segundo dados da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), em outros setores cujo crescimento mundial de vendas supera 7%, como peixes frescos e crustáceos, o País está crescendo, mas ainda não figura entre os grandes exportadores.
Mesmo assim, os brasileiros vêm ganhando o mercado, muitas vezes "roubando" participação de outros países fornecedores. As exportações de camarão, por exemplo, saltaram de US$ 2,8 milhões em 1998 para US$ 142 milhões no ano passado, segundo estimativas da Associação Brasileira de Criadores de Camarão (ABCC). O Brasil desbancou o Equador e hoje é o sétimo maior exportador do crustáceo no mundo, atrás apenas de países asiáticos como China, Tailândia e Indonésia.
Esforço - Agora, a meta é tornar o camarão brasileiro mais "popular" no mercado internacional. Para isso, a ABCC está promovendo treinamentos para ensinar os exportadores brasileiros a produzir variedades mais elaboradas do crustáceo, como camarão pelado sem tripa, pré-cozido, e outros. "Queremos atingir mais mercados, que exigem produtos mais sofisticados", explica Itamar Rocha, presidente da ABCC.
Segundo Roberto Giannetti da Fonseca, indicado para coordenar o Conselho Estadual de Comércio Exterior de São Paulo, e ex-titular da Camex, crescer ganhando participação de mercado de outros países exige muito esforço. "É preciso ser muito competitivo em preço e qualidade, além de convencer o comprador a trocar de fornecedor", explica Giannetti.
Alguns exportadores vêm realizando a façanha. O setor de processados de frutas também teve crescimento expressivo das exportações. As vendas externas eram US$ 15 milhões em 1999, e fecharam 2002 na casa dos US$ 100 milhões, segundo estimativas preliminares da Associação das Indústrias Processadoras de Frutos Tropicais (ASTN).
Muitas empresas estão investindo pesadamente na produção dos produtos dinâmicos. O grupo MPE, por exemplo, atua principalmente na área de infra-estrutura, mas resolveu investir na exportação de três produtos em crescimento: camarão, tilápias e processados de frutas. O grupo produz 450 toneladas de camarão por mês em quatro fazendas na Bahia, tem uma das maiores criações de tilápias do Brasil e a fábrica Bela Joana, no norte do Estado do Rio, onde processa sucos concentrados de abacaxi e maracujá. Os crustáceos e peixes são exportados principalmente para os Estados Unidos, enquanto os sucos vão para Israel, Holanda, Espanha, Austrália e Argentina.
O grupo fez um investimento de R$ 40 milhões na fábrica da Bela Joana e fechou contratos corrigidos pelo dólar com 800 pequenos agricultores da região, para o fornecimento de frutas. "A maior dificuldade é a falta de credibilidade, porque tradicionalmente os brasileiros só exportavam quando havia excedente", diz Américo Maia, presidente da empresa de sucos.
"Precisamos ter um fornecimento confiável." Levou um ano só para fechar o contrato com a Holanda, entre feiras e visitas dos técnicos holandeses às instalações da Bela Joana.
Mesmo com os investimentos nos produtos dinâmicos, grande parte das divisas brasileiras vem da soja, café e algodão, produtos muito sujeitos à volatilidade dos preços internacionais.
China, Irlanda, México, Coréia do Sul e Hungria São Os Vencedores
Países conseguiram transformar-se em plataformas de exportações
China, Irlanda, Hungria, México e Coréia do Sul são histórias de sucesso do comércio mundial. Em comum, esses países conseguiram duplicar e até triplicar suas vendas externas, principalmente porque se transformaram em plataformas de exportações de multinacionais. Na China, que exportou US$ 250 bilhões em 2000 - quase cinco vezes mais que o Brasil - todos os dez principais produtos de exportação são dinâmicos. As subsidiárias de multinacionais desempenharam um papel imprescindível no crescimento das vendas chinesas, sendo responsáveis por 48% das exportações.
Segundo o "Relatório global de investimentos" publicado pela ONU, uma das explicações para esse sucesso é a política de comércio exterior do país.
Dentro dessa política, a China incluiu incentivos (principalmente para indústrias exportadoras e de alta tecnologia) e zonas de desenvolvimento econômico ou "clusters".
A Hungria conseguiu transformar-se em plataforma de vendas externas implementando políticas que simplificaram a burocracia para os pólos de exportação e isentaram de impostos os produtos importados por essas indústrias. Além disso, o país oferece proximidade com o mercado europeu e boa oferta de engenheiros. As exportações da Hungria triplicaram desde 1990, chegando a US$ 28 bilhões em 2000. A Flextronics, uma grande fabricante de componentes eletrônicos, centralizou suas atividades na Hungria, onde resolveu agregar cada vez mais desenvolvimento de produtos, não apenas montagem.
Mas, na Europa, o país que se tornou centro de exportações de alta tecnologia foi a Irlanda. O país conseguiu revitalizar sua pauta, entrando na exportação de setores dinâmicos como eletrônicos, farmacêuticos e serviços de informática. A Intel e a Dell da Irlanda exportam, cada uma, mais de US$ 4 bilhões.
Já o sucesso do México explica-se principalmente por causa do acordo de livre comércio com os Estados Unidos e Canadá, o Nafta. As exportações mexicanas eram de US$ 19 bilhões em 1985 e chegaram a US$ 166 bilhões em 2000. O Brasil teve um crescimento bem mais modesto: exportou US$ 25,5 bilhões em 1985, e US$ 55 bilhões em 2000. A Coréia do Sul, ao contrário dos outros países, baseou-se nos chaebols - os conglomerados empresariais - para estimular suas vendas. Em dez anos, o país passou de simples "linha de montagem" para o segundo maior fabricante mundial de chips.