Brasil Sofre Duplo Ataque do Clima de Guerra e do Protecionismo
Brasil Sofre Duplo Ataque do Clima de Guerra e do Protecionismo
O Estado de São Paulo - 19/01/2003
Alberto Tamer
A semana termina com tambores de guerra soando no exterior e alguns tiros já atingiram as bolsas americana e européia, que recuaram em média 3%, em apenas um dia. Sobraram balas para o Brasil, cujos papéis cederam na onda geral de pessimismo que dominou o mercado. A cotação dos C-bonds caiu, nesta sexta-feira, de 71% para 69% do valor de face. Os sinais, cada vez mais fortes, de que a economia européia está piorando vieram confirmar o fechamento do nosso segundo mercado importador, principalmente de produtos primários e agropecuários. Mais uma vez, se antes disso nada nos ajudava lá fora, com essas tensões desaparece, agora, o que ainda poderia vir a nos ajudar. Mais ainda, aqui dentro, o novo governo busca confirmar suas boas intenções, sabendo que não poderá contar por muito tempo com a boa vontade do mercado financeiro, onde as operações até agora mostram retomada da credibilidade, sim, mas apenas a curto e médio prazos, com empréstimos de seis meses concentrados principalmente no setor financeiro.
Se restabelecem um clima de confiança, sinalizam também muita cautela.
Essa a razão pela qual o governo Lula (vamos chamá-lo sempre assim, como chamávamos governo Clinton e chamamos governo Bush) precisa, mais do que nunca, apressar não os planos, que já existem, empoeirados, há anos e mesmo décadas, mas os atos, fatos, ações que nos ajudem nesta luta solitária, impulsionando e diversificando o mais rápido possível as exportações. Não há tempo a perder com a criação de novos "conselhos", que temos até num excesso sufocante. E exportações de manufaturados, pois são basicamente esses os produtos que os EUA importam, e não apenas de produtos primários e de agronegócios, destinados principalmente à União Européia, que, como vimos na última coluna, decidiu fechar-se ainda mais, para proteger a ineficiência dos seus produtores.
Nesse clima de tensão e guerra, no qual nada podemos fazer, resta agir como e onde se pode. Como? A coluna ouviu a análise do secretário-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Julio Sérgio Gomes de Almeida.
"O caminho que nos resta é intensificar as exportações de manufaturados, compensando as enormes perdas provocadas pelo colapso do mercado argentino, que absorvia 85% de nossas vendas desses produtos. As exportações de manufaturados, para a Argentina, caíram US$ 2,6 bilhões em 2002. Não fosse isso, nossas vendas externas globais desses produtos teriam crescido não apenas 0,3%, como ocorreu no ano passado, mas sim 7,9%", registra ele.
Vamos a alguns trechos dessa entrevista.
Estado - Mas a Argentina, é um fato, faz parte também da crise brasileira, explica por que, apesar do superávit comercial, nossas exportações subiram apenas 3,7% no ano passado. E agora?
Gomes de Almeida - Há um lado positivo nessa crise: ela levou os exportadores industriais brasileiros a procurarem mercados alternativos, em alguns casos com sucesso imediato (já em 2002), mas, em sua maioria, com resultados que ainda estarão por vir, talvez já neste ano. Em 2002, já foram visíveis alguns resultados dessa busca pela diversificação de mercados. As vendas de manufaturados para os EUA passam de 33,5% para 37,5% do total exportado. Foram mais de US$ 500 milhões. O mesmo ocorreu com os países da Aladi, fora o Mercosul, evoluindo de 15,8% em 2001 para 17,8% em 2002, outros US$ 550 milhões.
Estado - E fora das Américas?
Gomes de Almeida - Houve o mesmo fenômeno, mas em menor escala. Para os países asiáticos, as exportações de manufaturados aumentaram, embora apenas de US$ 630 milhões, passaram de 4,7% do total em 2001 para 6,9% no ano passado.
Governo não pode errar
Estado - Com a crise argentina levamos um choque, estamos começando a exportar mais manufaturados. Dá para manter esse ritmo? Quais os riscos?
Gomes de Almeida - Ótima questão. Isso só ocorrerá se não repetirmos em 2003 o erro de achar que uma desvalorização da moeda como a que ocorreu em 2002, "resolve tudo". Em 1999, com a primeira rodada de grande desvalorização do real, o governo desativou as poucas políticas de exportação que existiam e, mais ainda, elevou os impostos incidentes sobre as exportações! Isso aliado à inflação interna, à posterior revalorização da moeda e, no plano externo, à queda de preços internacionais, provocou o decepcionante desempenho exportador brasileiro do período 1999/2001.
A armadilha do dólar
Estado - E o dólar, ajudou ou atrapalhou?
Gomes de Almeida - Temos que ficar atentos e evitar o que poderíamos chamar "a armadilha da exagerada valorização do real", que poderia, mais uma vez, interromper os planos empresariais de investimentos voltados para a exportação.
Estado - Os manufaturados já foram mais importantes na pauta externa do Brasil...
Gomes de Almeida - Sim. Esses produtos chegaram a representar 59% das exportações em 2000 e fecharam no ano passado, mesmo com a recuperação dos últimos meses, com uma participação significativamente menor: 54,7%. É vital reverter essa situação.
Perigo, tudo recua
Estado - E os mercados estão se enxugando...
Gomes de Almeida - O Iedi estará publicando em breve pesquisa mostrando que, em 2001, menos do que 44% das exportações brasileiras corresponderam a produtos de setores com crescimento médio negativo no comércio mundial entre 1996/2001. Na média dos países, esses produtos de setores que se mostraram decadentes no período representam 22% nas exportações mundiais. Isto é, estamos diante de um cenário declinante, extremamente desafiador e num momento ainda mais delicado. Por outro lado, as exportações brasileiras de produtos de setores de grande dinamismo no comércio mundial nesse mesmo período representam 17% de suas exportações, ante uma média mundial de 25%.