IEDI na Imprensa - 'Já no primeiro dia, Haddad levou um choque adverso de credibilidade', diz economista
O Globo
Decretos do fim do governo Bolsonaro ampliam risco fiscal, destaca Claudio Frischtak. Analistas citam medidas relevantes do novo governo
Glauce Cavalcanti
O economista Claudio Frischtak, à frente da Inter.B Consultoria, alerta que o cenário macroeconômico desenhado pelo novo governo terá uma influência enorme sobre qualquer programa e diretriz na área e que, na avaliação dele, “os primeiros sinais são muito ruins”.
Ele destaca que, na última semana, em entrevista à colunista do GLOBO Míriam Leitão, Haddad declarou que não prorrogaria a desoneração dos combustíveis, o que foi visto como um sinal de compromisso com a responsabilidade fiscal.
— Já no primeiro dia de governo, (Haddad) levou um choque adverso de credibilidade. O pessoal (do mercado) está assustado porque o compromisso com a credibilidade fiscal, com as contas públicas, de forma a evitar um déficit primário, não está sendo visto — avalia. — Ele disse uma coisa para a Míriam, que foi positiva, e agora veio outra — diz, citando medida provisória assinada nesta segunda-feira, que mantém a desoneração dos combustíveis.
Por já haver fatos adversos, como a inevitável perda de arrecadação que resultará de decretos assinados nos últimos dias de governo Jair Bolsonaro, continua Frischtak, é importante evitar outras adversidades.
— O fiscal tem impacto direto na curva de juros, no câmbio, no mercado de capitais, que têm implicação em investimento, em geração de emprego e renda. Incerteza macroeconômica e fragilidade fiscal têm impacto negativo na taxa de investimento. Se poderia optar por um choque de investimento público, mas já vimos esse filme com o PAC e foi um desastre — alerta o economista. — É uma situação perigosa, podemos estar contratando uma crise fiscal e, no âmbito dela, ter um colapso de investimentos privados ou contratar baixa produtividade por má alocação de capital.
Como no passado houve obras sistematicamente atrasadas, com muitas delas abandonadas, Frischtak diz que a escolha de projetos para alocação de capital tem de ser clara, submetida a uma análise criteriosa de custo/benefício, processo que também não está claro ainda.
José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), de outro lado, vê a retomada de obras como relevante.
— Estive na posse do Rui Costa (Casa Civil) e ele destacou dois pontos: retomada de obras e o Minha Casa, Minha Vida. É muito importante. Nos últimos anos, o investimento em infraestrutura próxima ao nosso dia a dia, em mobilidade urbana, estradas vicinais, ficou ausente. Nos soa muito bem.
Ainda assim, ele avalia que é preciso responsabilidade na condução desse movimento:
— Que as obras venham com a velocidade possível dentro da responsabilidade fiscal. Temos o compromisso deles (do governo) de que haverá isso. Nas obras paralisadas, é previso ver o que deu errado. Lá atrás, houve quatro erros principais: em qualidade de projeto, falta de pagamento, desapropriações e demora no licenciamento ambiental.
Na prática, diz Martins, o governo não terá “bala de prata”. E terá de buscar soluções específicas caso a caso.
Estímulo à indústria
O impulso à indústria é outro aceno do novo governo, alavancado por uma prometida reforma tributária, a uma antiga demanda do setor no país.
Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o desenvolvimento industrial (IEDI), avalia que falar em revitalização da indústria “não é apenas fazer novamente o setor crescer de forma consistente”.
— É sobretudo acelerar um processo de ganho de produtividade e de sustentabilidade de suas atividades, ao que eu enfatizaria: reduzindo a heterogeneidade dentro do setor, já que temos empresas modernas e competitivas internacionalmente e empresas ainda muito atrasadas. Isso demanda uma retomada de investimentos e incorporação e desenvolvimento tecnológico — avalia ele.
Para caminhar nessa direção, continua Cagnin, é fundamental ter um ambiente macroeconômico saneado, com o “combate à inflação e o avanço da reforma tributária”.
O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, compareceu à posso de Haddad na manhã desta segunda-feira, e disse que o discurso do novo ministro “agradou bastante”, segundo áudio fornecido pela assessoria da imprensa da entidade. Questionado sobre a reação do mercado, ele disse que é “preciso ajudar”.
— O mercado tem de entender. Ele (Haddad) foi nomeado, já é ministro. Tem de apoiar, contribuir. Não dá para ficar criticando e achando que só isso resolve. Pelo contrário, ele está bem intencionado, quer fazer, quer mudar, organizar. Vamos ajudar. O mercado tem de ajudar, e não especular.
Frischtak reconhece os sinais em direções corretas — em direcionamento na saúde, na educação e mesmo na economia, como em impulso à indústria, por exemplo —, mas avalia que falta detalhamento e atuação ampla para que se tenha efeito positivo. A reforma tributária, diz ele, é fundamental, mas não garante a reindustrialização. Para ele, é preciso promover abertura comercial, reduzindo o protecionismo econômico, para aumentar o acesso a insumos, bens, serviços e profissionais.
Dúvidas em privatizações
A suspensão de processos de concessão de empresas e ativos estatais é outro ponto criticado por Frischtak.
— O novo ministro de Portos e Aeroportos (Márcio França) sinalizou que o Santos Dumont e o Galeão, que está sendo devolvido (à União), podem não ser concedidos. Seria um desastre para o Estado do Rio, com aeroportos privados em todo o Brasil, aqui (no Rio) estaremos sob as asas da Infraero. Retirar estatais do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) sinaliza manter essas grandes estatais.
Já Martins, da Cbic, frisa que é preciso esperar detalhamento sobre a política em concessões e privatizações.
— O que temos é um decreto suspendendo processos para revisão. Não houve cancelamento. É natural que o novo governo queira ver como estão os projetos. É preciso ver exatamente como ficarão as propostas.
O presidente em exercício da Firjan, Luiz Césio Caetano, avalia que reformas estruturais trazem maior competitividade à economia do país. “É necessária a aprovação de uma reforma ampla e que desburocratize o sistema tributário brasileiro, tornando mais simples, eficiente e não cumulativo. É fundamental também aprovar uma reforma administrativa ampla, que permita uma maior flexibilidade do orçamento em todas as esferas e poderes para que o setor público tenha mais eficiência”, destacou ele, que defende celeridade na aprovação das reformas e também no novo arcabouço fiscal.
A avaliação dele é de que, ao garantir a continuidade e a desburocratização do PPI, além de ampliação de acesso a crédito, Haddad traz iniciativas de “extrema importância”, mas que têm de ser realizadas de olho na responsabilidade fiscal. O foco principal, para a Firjan, é tornar o país mais eficiente para que a confiança no setor produtivo não seja reduzida.