IEDI na Imprensa - Indústria recua pelo 4º mês seguido, com produção de alimentos afetada por clima e veto a exportação
O Globo
Setor caiu 0,4% em setembro e ainda está abaixo no nível pré-pandemia. Veto da China a embarques de carne bovina influencia resultado
Carolina Nalin
A produção industrial recou 0,4% em setembro na comparação com agosto, segundo dados da Pesquisa Industrial Mensal (PIM), divulgada nesta quinta-feira pelo IBGE. É o quarto mês seguido que o setor apresenta retração. Desta vez, o setor de alimentos foi um dos que puxaram o resultado para baixo, afetado pelo veto da China à carne bovina brasileira e pelo clima.
Analistas ouvidos pela Reuters esperavam queda de 0,3%. Com o resultado, a indústria fica 3,2% abaixo do patamar pré-pandemia, embora acumule expansão de 6,4% nos 12 meses encerrados em setembro.
Das quatro categorias pesquisadas, três apresentaram taxas negativas em setembro. Bens de capital amargou queda de 1,6%, enquanto bens intermediários apresentou recuo de 0,1% e bens de consumoduráveis caiu 0,2%. Somente bens de consumo semi e não duráveis registrou ligeiro avanço, com alta de 0,2%.
Perda de dinamismo
Entre as 26 atividades, dez tiveram resultado negativo. Os maiores impactos vieram do segmento de produtos alimentícios, que recuou 1,3%, e de metalurgia, que caiu 2,5%.
O gerente da pesquisa, André Macedo, explica que o setor de alimentos teve desempenho ruim devido a condições climáticas, que afetaram a produção de cana-de-açúcar, por exemplo, e a suspensão da importação de carne pela China.
No início de setembro, o país asiático suspendeu as compras de carne bovina após identificação de casos isolados do mal da vaca louca. Até agora, as importações não foram retomadas, indicando que a produção de alimentos deve continuar a ser afetada.
O Brasil é o maior exportador de carbe bovina do mundo, e a China é uma das principais compradoras.
O mau desempenho da indústria de alimentos não se repetiu em todos os setores em setembro. O setor de metalurgia, por exemplo, apesar de voltar pro campo negativo no mês, está 8,6% acima do patamar pré-pandemia.
Macedo destaca que, diferentemente do que ocorreu nos meses anteriores, a retração foi mais concentrada em poucas atividades em setembro. Apesar disso, o analista pondera que a produção industrial vem perdendo dinamismo, uma vez que o setor amargou queda em sete dos noves meses deste ano.
— O setor, claramente, vem em uma trajetória descendente — pontua.
Falta de matérias-primas
A indústria vem lidando com uma série de dificuldades desde o ano passado. A pandemia desorganizou a cadeia produtiva e levou à falta de componentes e ao encarecimento das matérias-primas usadas pelas fábricas.
No mês passado, a Volkswagen decidiu pelo afastamento de 1,5 mil trabalhadores na unidade em São Bernardo para evitar demissões, em razão da falta de peças para a montagem dos automóveis, que tem reduzido o ritmo de produção da unidade.
Além dos problemas do lado da oferta, a demanda por produtos industriais tem sido freada pelo desemprego ainda elevado e queda do rendimento dos trabalhadores. Isso é agravado pelo aumento da inflação, que corrói a renda das famílias e impacta o consumo.
— Todos esses fatores que a gente vem elencando fazem parte dessa leitura do mês de setembro, que reforça o comportamento negativo do setor industrial — afirma Macedo.
Perspectivas
Diante do cenário macroeconômico desafiador, empresários do setor estão reduzindo o otimismo. Em outubro, o Índice de Confiança da Indústria (ICI) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) caiu 1,2 ponto, para 105,2 pontos. É o terceiro mês seguido de queda após quatro meses de altas.
Na última quarta-feira, o Banco Central (BC) reavaliou o cenário econômico e deixou de projetar uma “recuperação robusta” da atividade no segundo semestre deste ano. Isso porque os indicadores recentes da produção industrial e do comércio até agosto vieram abaixo do esperado.
Para Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) o resultado divulgado nesta quinta-feira mostra um “descarrilamento do processo de recuperação industrial" brasileiro. Além do setor sofrer com a desorganização da cadeia produtiva e insumos mais caros, que são fenômenos globais, há desemprego e inflação elevados e a crise hídrica, que pressionam os custos no setor.
Como a maior parte da produção industrial brasileira é voltada para o mercado doméstico, a perspectiva é de um cenário desafiador para o setor e para a economia, avalia Cagnin:
— Essa trajetória decepcionante da indústria em 2021 é um dos elementos que compromete a expectativa de resultado para o PIB, que vai andar de lado ano que vem, como em 2017, 2018 e 2019.
Ele continua:
— Os nossos concorrentes estão fazendo programas de modernização da sua estrutura produtiva em direção à digitalização e sustentabilidade ambiental, desenhando pacotes de recuperação econômica. (...) Nós vamos adicionando camadas de dificuldades para um desempenho industrial mais robusto e, consequentemente, na forma como o setor pode potencializar o PIB como um todo.