IEDI na Imprensa - Indústria quer que governo pague por 'racionamento voluntário' de energia
O Globo
Empresas podem reduzir produção para poupar consumo em momentos de pico. ONS alerta para risco de apagão
Henrique Gomes Batista
Integrantes do Ministério de Minas e Energia se reuniram com representantes empresariais nesta sexta-feira para discutir um incentivo à economia de energia de grandes consumidores, como as indústrias de alumínio, aço, celulose, petroquímica, entre outras.
As empresas aceitam fazer uma espécie de racioanamento voluntário de energia, reduzindo produção e mudando turnos de trabalhadores para deslocar o consumo energético para horários fora do pico. A energia poupada seria vendida ao governo para ser usada no sistema elétrico.
Na sexta-feira, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) alertou que oito reservatórios de importantes hidrelétricas podem chegar a novembro praticamente secos, se nada for feito, ressaltando que podem ocorrer “restrições no atendimento energético”. Foi a primeira vez que um órgão federal indicou a possibilidade de apagão, o que é afastado pelo MME.
Embora já exista o Programa de Resposta da Demanda para incentivar grandes consumidores a reduzir o consumo de energia nos momentos de pico de demanda, ele é visto como experimental e burocrático pelas empresas, que procuram um sistema mais simples e rentável. A ideia é concluir o novo plano o mais rápido possível, para que ele possa começar a vigorar em julho.
O Programa de Resposta da Demanda já prevê algum tipo de compensação para grandes consumidores que economizarem energia ou autoprodutores que ampliem o envio de energia ao Sistema Interligado Nacional (SIN).
Suspensão de linhas de produção
O MME não quer obrigar as empresas a aderirem ao programa. Uma adesão compulsória é vista no setor elétrico como uma forma de racionamento, o que é descartado pelo governo. Por isso, o trabalho é para incentivar a adesão voluntária.
— Todos convergimos que a situação é intensa, afinal estamos vivendo o pior ciclo hidrológico. Segurando água nos reservatórios, garantindo a capacidade térmica e dialogando com o mercado sobre alternativas voluntárias e de menor custo para a resposta da demanda — afirmou Paulo Pedrosa, presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), que representa 40% do consumo energético da indústria brasileira.
Ele afirma que a economia da indústria pode se dar com a mudança no horário de produção, suspensão temporária de algumas linhas com o uso de estoques de alguns produtos, para economizar energia.
Pedrosa afirma que a crise hídrica pode ser uma oportunidade para criar um sistema efetivo para a compensação da redução de demanda, algo comum em muitos países do mundo e um novo padrão em um cenário de mudanças climáticas e crises hídricas mais comuns:
– A realidade está mudando em função do aquecimento global. Precisamos corrigir a formação de preço da energia no Brasil, que hoje vem de um programa de computador e muitas vezes, quando já há sinais de pouca chuva, o preço continua muito baixo estimulando o consumo exagerado em muitos segmentos
Trava à retomada
Governo nem indústrias detalham o potencial de economia do plano ou o custo. A adesão depende destes valores, que ainda são sigilosos. Marco Polo Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil, afirmou que a eficiência energética já é um objetivo das siderúrgicas.
Ele lembra, contudo, que as empresas não podem parar totalmente para economizar energia, mesmo que seja definido um preço atrativo:
– As empresas do setor já disponibilizam energia para o sistema, quando é possível. Mas não adianta despir um santo para vestir outro. Temos que atender nossa demanda na retomada da economia.
Luiz Augusto Barroso, diretor-executivo da PSR e ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), acredita que a resposta da demanda é a mais eficiente, pois o consumidor pode voluntariamente definir quando vai consumir energia mediante um incentivo econômico.
— Este tipo de ação é conhecido em outros mercados e pode atingir todos os consumidores, inclusive famílias. O proposto é super moderno e já foi feito em outros países — disse ele, acrescentando que o potencial da medida depende do valor da compensação.
As conversas entre governo e empresas para criar um programa de redução de consumo energético voluntário mediante compensação financeira, no entanto, apontam para um limite à recuperação da economia esperada este ano.
Impacto na inflação
Ainda que o avanço do PIB venha sendo puxado pelo agronegócio e pela mineração, que aproveitam a alta dos preços internacionais das commodities, a redução do consumo de energia deve afetar a produção da indústria e também serviços, que são os setores que mais empregam. A energia mais alta encarece produtos.
— Tudo o que não precisávamos é de mais incerteza e mais fatores de risco. O PIB veio bom, mas muito centrado em agronegócio e no setor extrativo. A indústria, que emprega e gera salários maiores, retraiu — diz Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).
A Confederação Nacional da Indústria (CNI), segundo o diretor Davi Bomtempo, descarta racionamento, mas diz que a crise hídrica pode afetar o setor, sobretudo em custos:
— A energia mais barata é a eficiência energética.
O Itaú Unibanco informou em relatório que, apesar de calcular em menos de 5% o risco de racionamento neste ano, há a possibilidade de impactos da crise hídrica na inflação. Segundo o banco, esta situação pode gerar uma alta de 0,2 ponto percentual no IPCA em 2021 e igual magnitude em 2022, devido ao maior custo energético.