IEDI na Imprensa - Após sustentar a economia, crédito deve perder força
Valor Econômico
Com menor oferta de recursos, a inadimplência pode voltar a assombrar
Editorial
O Banco Central (BC) deve divulgar nos próximos dias os dados do desempenho do crédito em janeiro. Há expectativa em relação aos números do primeiro mês após o fim dos empréstimos especiais desenhados pelo governo para enfrentar a pandemia do novo coronavírus. As linhas emergenciais amenizaram a retração econômica do ano passado, levando o saldo das operações de crédito ao maior crescimento em oito anos, 15,5% nominais, para R$ 4,018 trilhões. O valor é equivalente a 54,2% do Produto Interno Bruto (PIB), 7,2 pontos a mais em relação ao fim de 2019.
O crescimento foi maior nas operações de crédito para empresas, impulsionado pelas linhas destinadas às pequenas companhias, e pelas medidas de afrouxamento da liquidez, liberação de compulsórios e das exigências de provisões. Os empréstimos para pessoas jurídicas, estagnados em 2019 com a retração do BNDES, saltaram 21,8%, para R$ 1,8 trilhão. Apenas as operações com recursos direcionados para empresas, lastreados em fontes definidas pelo governo, aumentaram 23% depois da retração de 14% de 2019. Já as operações com pessoas físicas mantiveram o ritmo, com expansão de 10,9% para R$ 2,2 trilhões, em comparação com 11,9% em 2019.
As empresas de serviços foram as que mais demandaram recursos. O estoque de crédito para o setor cresceu 24,6%, acima do segmento corporativo como um todo. A agropecuária também ficou na frente, com expansão de 23,4%. Já o estoque de crédito para a indústria cresceu menos, 17,8%, apesar de a oferta ter sido mais ampla para os segmentos têxtil, de vestuário, calçados e couro, de embalagens, petróleo, gás e álcool, e química e farmacêutica, segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).
As linhas emergenciais de crédito, como o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) e o Programa Emergencial de Acesso ao Crédito (Peac), começaram a funcionar no segundo semestre. O Pronampe liberou R$ 37,5 bilhões, em 516 mil operações, 300 mil para pequenas empresas e 216 mil para microempresas.
Nos últimos dois dias do ano houve verdadeira corrida para abocanhar os R$ 10 bilhões liberados pelo governo para a terceira e última fase do Pronampe, que só podiam ser gastos em 2020. O projeto que alocou esse valor foi aprovado pelo Senado em 18 de novembro e ficou parado na Câmara por mais de um mês. Mais preocupados com a disputa pela presidência da Casa, os apoiadores de Arthur Lira, travaram a agenda. O projeto só ganhou o sinal verde dos deputados em 22 de dezembro e sancionado no dia 29. As empresas tiveram tempo de levantar apenas R$ 5 bilhões.
Outra fonte de alívio foi o estímulo à renegociação das dívidas bancárias proporcionado pela redução das exigências de provisionamento para os bancos. O sistema financeiro suspendeu o vencimento de um total de R$ 971,5 bilhões em contratos entre 16 de março e 31 de dezembro, postergando o pagamento de R$ 146,7 bilhões em parcelas, de acordo com a Febraban, por prazos entre 60 a 180 dias. Mais recentemente foram beneficiados Estados e municípios, em um total de R$ 3,9 bilhões, com prorrogações que vão até maio. Em consequência, o prazo médio de pagamento do crédito com recursos livres chegou a 61 meses em comparação com 52 meses de cinco anos atrás.
Esse conjunto de medidas mais a queda dos juros na esteira do recuo da Selic e do afrouxamento da liquidez contribuíram para reduzir a inadimplência, mesmo com o elevado nível de endividamento entre as famílias. A taxa média do crédito com recursos livres caiu de 33,4% em 2019 para 25,2% ao ano. A inadimplência média ficou em 2,1%, a menor da série histórica, sendo de 2,9% nas operações com recursos livres.
Taxas mais baixas e menos calote favorecem o crédito neste início de ano. Mas as boas notícias param aí. A previsão do próprio Banco Central (BC) é que o crescimento dos empréstimos será a metade do registrado no ano passado, ficando em 7,8%, sendo 11,1% a expansão das operações com recursos livres e apenas 3,3% com os direcionados. O crédito para pessoas físicas deve manter o ritmo, com expansão de 10,6%; mas o oferecido para empresas volta a desacelerar, aumentando 4,2%.
Com menor oferta de recursos, apesar de a segunda onda da pandemia estar assolando a população e amarrando a economia, a vacinação lenta, a descontinuidade das linhas especiais e a indefinição do futuro do auxílio emergencial, o crédito dificilmente repetirá o papel anticíclico do ano passado e a inadimplência pode voltar a assombrar.