IEDI na Imprensa - Emprego e Renda: Incertezas no mercado de trabalho
Valor Econômico
Com indefinições dos programas emergenciais, o cenário é nebuloso para gerar novos vagas
Domingos Zaparolli
O cenário é de incertezas em relação à evolução da oferta de empregos no país nos próximos meses. A principal delas é saber se o pior já passou ou ainda está por vir. Ou seja, se a fase de destruição de vagas em consequência da pandemia da covid-19 foi superada ou se teremos um repique de demissões no início de 2021, após o fim do programa de redução de jornada e salário que garantiu a estabilidade no emprego para 9,7 milhões de trabalhadores desde o início da pandemia em março. “Nem com bola de cristal é possível saber o que nos aguarda”, diz o professor Hélio Zylberstajn, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Outra incerteza é sobre o impacto do fim do chamado “orçamento de guerra” em 31 de dezembro, que permitiu ao governo federal estabelecer um auxílio emergencial para desempregados, microempreendedores individuais e trabalhadores informais. Segundo a Caixa Econômica Federal, 66,7 milhões foram beneficiados com o auxílio de R$ 600, de abril a agosto, e de R$ 300, de setembro a dezembro. A estimativa de gastos é de R$ 322 bilhões no ano. Por ora, não há definição sobre a continuidade de um programa de renda mínima em 2021.
As políticas emergenciais de emprego e renda foram importantes para frear a desaceleração da economia. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em setembro reviu sua previsão de uma queda de 6% para 5% no Produto Interno Bruto (PIB) deste ano.
Os recursos alimentaram a recuperação do comércio, que, após recuar 16,7% em abril, apresenta crescimento contínuo. “Está claro que esse desempenho positivo nos últimos meses é resultado das medidas de combate aos efeitos da covid-19”, diz Fábio Pina, assessor econômico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
“O governo terá que criar mecanismos para suavizar o impacto do fim das políticas de emprego e renda”, diz Daniel Duque, pesquisador de mercado de trabalho do Instituo Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Ele avalia que será imprescindível o governo alocar mais recursos para a área social e, ao mesmo tempo, adotar medidas que ampliem a confiança dos investidores para incentivar a economia privada a gerar empregos. A receita, em seu ponto de vista, é a aprovação de amplas reformas fiscais, administrativas e tributárias, que gerem folga no caixa e permita o governo investir no social.
A destruição de empregos em consequência da pandemia foi brutal. Na terceira semana de setembro, a taxa de desemprego subiu 14,4%, para 14 milhões de desempregados, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Um contingente de 13,1 milhões de trabalhadores estava à procura de emprego ao fim do primeiro semestre e os desalentados, aqueles que não buscam trabalho, mas gostariam de conseguir uma vaga, somavam um recorde de 5,8 milhões de pessoas. Os ocupados, 82 milhões de pessoas, representavam apenas 47,1% da população em idade de trabalhar, o patamar mais baixo desde que a pesquisa começou a ser realizada em 2012. A massa de rendimentos do trabalho também foi a menor já constatada pela pesquisa, com queda de 4,7% na comparação anual.
Algumas atividades foram mais afetadas. As ocupações informais recuaram 25,4% entre maio e julho ante igual período de 2019, enquanto o emprego com carteira assinada caiu 11,3%. Segundo a Carta IEDI de setembro, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, a covid-19 eliminou 1,1 milhão de postos de trabalho na indústria.
O comércio perdeu 2,3 milhões de empregos e no setor de serviços foram fechados 5,2 milhões de postos de trabalho. A projeção da FecomercioSP para os dois setores no país não é animadora. “O comércio de produtos essenciais, como supermercados e farmácias, manterá um nível de atividades em 2020 equivalente ao de 2019, mas o varejo de produtos não essenciais, como vestuários e automóveis, deverá perder 20% do faturamento e o setor de serviços também terá queda relevante. No turismo, 40%”, afirma Fábio Pina.
Entre janeiro e agosto, só três segmentos apresentaram saldos positivos de criação de empregos formais, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). A área de tecnologia da informação e comunicação abriu 1.242 ocupações, expansão simbólica de 0,1%. Mas o agronegócio criou 98.320 postos, alta de 6,6%, e a construção civil gerou 58.464 novas vagas, mais 2,7%.
“Estamos vendo uma expansão de lançamentos imobiliários no país, o que gera confiança de uma recuperação significativa do setor”, diz José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). Para ele, a taxa de juros básica, a Selic, em 2% ao ano estimula os investidores a buscar ativos reais, como imóveis. Por outro lado, a disseminação do home office fez as pessoas ficarem mais tempo em casa e estimulou a busca por melhorias de moradia.
Para a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), os recursos de financiamentos imobiliários somaram R$ 65,9 bilhões nos oito primeiros meses do ano, avanço de 39,8% em relação a 2019. O volume financiado em agosto, R$ 11,7 bilhões, é o maior desde 1994. Nos cálculos da CBIC, cada R$ 1 milhão investido em construção gera 12 empregos diretos e 2,5 empregos indiretos. “Investir na construção civil é a melhor forma de ajudar o país a superar a crise de emprego”, afirma Martins.
Hélio Zylberstajn diz que o Brasil precisa de uma estratégia dupla para superar o problema do desemprego. No curto prazo, é a construção civil que tem condições de gerar vagas em grande escala para uma população com baixa qualificação, como é a média da força de trabalho brasileira. O investimento privado em infraestrutura é o mecanismo que ele julga como o mais adequado para impulsionar a construção civil.
O Brasil tem ótimas oportunidades de investimentos em saneamento, logística, energia e mobilidade urbana. “Só precisamos de regulamentações adequadas para tornar a área de infraestrutura atraente aos investidores privados”, diz Zylberstajn.. Em um levantamento entre 1996 e 2017, ele constatou que o investimento chega ao patamar de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) e a construção civil responde por 6% dos empregos formais. Em 2019, a taxa de investimento foi 14,8% do PIB. Na prática, elevar o patamar para 20% do PIB representaria que os empregos diretos na construção saltariam dos atuais dois milhões para mais de três milhões.
Para o longo prazo, Zylberstajn defende uma ampla reforma no ensino brasileiro. “O mercado de trabalho no século XXI exige trabalhadores com habilidades cognitivas com conteúdo tecnológico sofisticado e nossas escolas não estão preparadas para atender à demanda”, afirma. “A escola não pode oferecer apenas uma formação acadêmica, precisa capacitar o aluno para o mercado de trabalho e o empreendedorismo.”
Sergio Paulo Galindo, presidente executivo da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), diz que o setor sente a inadequação da formação profissional oferecida no país. O setor é intensivo em mão de obra, com 1,56 milhão de empregos. Um estudo realizado em 2018 constatou uma demanda média de 70 mil novos profissionais por ano até 2024 para dar suporte a investimentos de R$ 426 bilhões. O Brasil, no entanto, forma apenas 46 mil profissionais por ano.
Outro problema é a inadequação da formação profissional. “As faculdades têm currículos antiquados, ensinam tecnologias que não geram mais empregabilidade”, afirma Galindo. “Uma empresa leva seis meses ou mais para capacitar um recém- formado”. A inadequação curricular também gera a evasão escolar. “O jovem não vê conexão entre a formação e seu futuro profissional.”
No dinâmico universo das startups, a falta de gente capacitada para ocupar as vagas de trabalho também é notória. “Costumamos brincar que um programador que atravesse a rua em frente à sede de uma startup é contratado”, diz José Muritiba, diretor executivo da Associação Brasileira de Startups (ABStartups). Estimativas apontam cerca de 13 mil startups, que empregam mais de 700 mil pessoas. As vagas em aberto superam 100 mil. “Os fundos de investimentos estão dispostos a investir e nossa expectativa é de um crescimento de 30% no número de startups nos próximos 18 meses, mas não temos profissionais aptos a trabalhar com inovação ou com as habilidades necessárias de gestão empreendedora.”