Carta IEDI
Um ciclo que se repete
Nestes quatro primeiros meses de 2019, para os quais existem dados oficiais, estamos vendo uma série de sinais de enfraquecimento do dinamismo econômico. Dinamismo este que já se mostrava muito baixo diante da profundidade da crise pela qual o país passou em 2015-2016.
A contar pelo desempenho recente dos grandes setores da economia, o risco hoje é de que possa estar em processo um movimento semelhante ao que ocorreu no último ciclo recessivo. À frente dos demais, a indústria registrando taxas negativas, que se espalham para o conjunto da economia devido aos inúmeros vínculos que o setor estabelece com as outras atividades produtivas. Em seguida, o comércio e depois os serviços entrando no vermelho.
Após cair no 4º trimestre de 2018 e no 1º trimestre de 2019, a indústria permaneceu na região negativa em abril: -3,9% frente a abr/18. Muito contribuiu para este último resultado o forte declínio do ramo extrativo (-24%), devido aos efeitos diretos e indiretos do desastre de Brumadinho. Contudo, mesmo excluindo esta atividade, o quadro continua sendo de retrocesso. É o que mostra a queda de -1% na indústria de transformação.
De fato, o perfil das perdas industriais em 2019 é bastante generalizado. No acumulado de jan-abr/19, atingem 19 dos 26 ramos acompanhados pelo IBGE e 11 dos 15 parques regionais do setor. Isto é, 73% da indústria está no negativo seja do ponto de vista setorial seja do ponto de vista regional, gerando uma retração de -2,7% do agregado do setor no total nos quatro primeiros meses do ano.
Diante desta trajetória, a expectativa de crescimento da produção industrial para 2019, segundo a pesquisa Focus do Banco Central, já encolheu para apenas +0,65%. O que significa que, caso a projeção se torne realidade, caminhamos para um nível de dinamismo que é quase a metade daquele de 2018, mostrando que a recuperação industrial pode ser um processo de fôlego curto: +2,5% em 2017, +1% em 2018 e provavelmente +0,65% em 2019.
Em um movimento menos intenso, mas também de nítida desaceleração está o comércio varejista. O resultado de +0,6% em jan-abr/19 frente ao mesmo período do ano anterior, embora ainda seja positivo, consiste em 1/3 da taxa de crescimento do último quadrimestre de 2018 e quase 1/6 da alta de +3,4% apresentada em jan-abr/18. Consideradas as vendas reais de veículos, autopeças e material de construção, o crescimento foi de +2,5% em jan-abr/19 contra +7,4% em jan-abr/18.
Dos 10 segmentos do varejo ampliado identificados pelo IBGE, 60% perderam ímpeto neste início de 2019 e metade ficaram no vermelho neste período. As vendas de bens de consumo duráveis, como móveis, eletrodomésticos e veículos, foram aqueles que mais desaceleraram, refletindo a piora da confiança dos consumidores e uma acomodação no quadro do crédito.
Além disso, as vendas de bens não duráveis, como as de supermercados, alimentos, bebidas e fumo não ficaram atrás. Este segmento reduziu seu resultado a ponto de voltar a registrar queda real em jan-abr/19. Desemprego elevado e crescimento muito moderado na renda das famílias ainda são obstáculos importantes à reativação dessas vendas.
Nos serviços, sinais de desaceleração só existem no 1º quadrimestre de 2019. Até então, conseguiam evitar quedas e tinham voltado a crescer no último quadrimestre de 2018. Ou seja, os serviços são os últimos a esmorecer, tal como ocorreu na última crise. Seu resultado no acumulado dos quatro primeiros meses do presente ano (+0,6%) ainda é positivo, mas ¼ inferior àquele de set-dez/18 (+0,8%).
Além de muito recente, por enquanto, a perda de ritmo está muito concentrada no segmento de serviços de transporte. Isso, contudo, funciona apenas como um alento parcial, porque a evolução do ramo de transporte reflete muito o nível de atividade da economia como um todo. Sua queda de -2,5% no 1º quadrimestre de 2019 consiste, então, em um sinal importante da fase adversa pela qual a economia brasileira está novamente passando.
Sintetizando as evidências de esmorecimento em todos os setores, o indicador IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma proxy para o PIB, registrou pela quarta vez seguida uma variação negativa na série com ajuste sazonal no mês de abril de 2019: -0,47% frente a março. Em relação ao mesmo mês do ano passado, a queda chegou a -0,62% em abril, mas já tinha sido expressiva em março, de -2,37%. Já as expectativas para o PIB de 2019, divulgadas pelo boletim Focus/BCB nesta segunda-feira, caíram pela primeira vez abaixo de 1%, ao registrar 0,93%.
Indústria
Em abril de 2019, a indústria continuou fora dos trilhos da recuperação. A perda de produção chegou a -3,9% frente ao mesmo mês do ano passado, acentuando o retrocesso acumulado nestes quatro meses de 2019. Nem a variação de +0,3% na série com ajuste sazonal retira, por enquanto, a conclusão de que a indústria entrou novamente em recessão.
Assim, um mês após o outro, as quedas vêm se renovando, como resultado de fatores que vão muito além de certas dificuldades, que embora importantes para o recuo mais recente, são de caráter pontual. A engrenagem do crescimento industrial está travada por razões muito mais sistêmicas do que o desastre de Brumadinho, por exemplo, que prejudicou muito o ramo extrativo.
Dentre os macrossetores industriais, bens de capital e bens de consumo duráveis acumulam queda de -3,1% e de -2,2% no quadrimestre jan-abr/19, respectivamente, sendo estes os líderes do atual quadro recessivo, que para a indústria como um todo implica declínio de -2,7%. Em bens de consumo semi e não duráveis, cuja evolução depende da renda corrente das famílias, a retração de -1,3% em jan-abr/19, embora não seja muito intensa, se dá sobre resultado de -0,3% no acumulado de 2018 como um todo.
Por sua vez, refletindo a involução industrial como um todo, bens intermediários, que produzem insumos e componentes para os demais, não só registraram o declínio mais acentuado em jan-abr/19 (-3,1%), ao lado de bens de capital, como também já tinham caído no 3º quadrimestre de 2018 (-2,0% ante o mesmo período do ano anterior).
Regionalmente, das 15 localidades acompanhadas pelo IBGE, 9 ficaram no vermelho em abril último em relação ao mesmo período do ano passado. No acumulado de jan-abr/19, foram 11 localidades no negativo, isto é, 73% do total.
Estados em que o setor extrativista tem uma participação importante em sua estrutura industrial aparecem entre aqueles com os recuos mais acentuados em relação a um ano atrás, muito disso devido aos efeitos diretos e indiretos do rompimento de barragens de rejeitos deste setor. São os casos de Pará (-31% ante abr/18), Espírito Santo (-18%), Minas Gerais (-10,9%) e Rio de Janeiro (-8,8%).
Os desempenhos negativos, contudo, não se resumem a estas localidades e já vêm de muito mais tempo. Usando como critério a sequência de resultados dos últimos meses, há quatro destaques negativos e um positivo a serem feitos.
Dentre os negativos, é o polo industrial do Sudeste quem apresenta a sequência mais longa de retrocessos em relação a um ano atrás. Dos últimos oito meses, isto é, de set/18 a abr/19, tanto Rio de Janeiro como São Paulo registraram sete meses no vermelho. Com isso, ambos apresentaram perdas no 4º quadrimestre de 2018 e no 1º quadrimestre de 2019: -4,9% e -2,6%, respectivamente, para São Paulo; e -2,9% e -3,2% para o Rio de Janeiro. O único alento é que a queda de São Paulo tem se amenizado.
O terceiro destaque negativo é o desempenho da Região Nordeste como um todo. Dos últimos seis meses, registrou retrocesso na produção industrial em cinco deles. Assim, não só ficou no vermelho no último quadrimestre de 2018 (-0,8%), como o quadro se agravou mais no acumulado dos primeiros quatro meses de 2019 (-3,4%).
Outra localidade em que a fase de adversidade dura vários meses é o Amazonas. Dos últimos seis meses, caiu em quatro deles. Em abr/19 foi um dos que cresceram, mas a alta de +4% não chegou nem perto de compensar o declínio de março (-10,8%). Como resultado, registrou -6,2% no 4º quadrimestre de 2018 e -3,0% no primeiro de 2019.
Por fim, o único destaque positivo continua sendo os três estados da região Sul, cuja recuperação industrial tem se mostrado mais consistente. O Rio Grande do Sul é quem cresce mais e há mais tempo: dos 16 meses desde jan/18, 13 tiveram taxas positivas na comparação interanual, acumulando alta de +9,9% no 4º quadr/18 e de +6,2% no 1º quadr/19. Paraná também cresceu +6,2% em jan-abr/19 e Santa Catarina, +3,0%.
Comércio
Por enquanto, para o comércio varejista 2019 ainda não mostrou a que veio. As vendas reais no mês de abril recuaram -0,6%, mantendo a gangorra que tem marcado a série com ajuste sazonal desde janeiro. Se consideradas as vendas de automóveis, autopeças e material de construção, o varejo não saiu do lugar na passagem de março a abril.
Com isso, em seu conceito restrito, o nível real de vendas em abril voltou a ser exatamente aquele de dezembro do ano passado, isto é, resultado de 0% na comparação abr19/dez18 com ajuste. No caso do varejo ampliado, não ter ficado no vermelho no último mês ajuda um pouco, mas não muito: seu nível de vendas é equivalente ao do mês de novembro de 2018 (-0,2% em abr19/nov18, com ajuste sazonal).
Este estado de inércia nos primeiros meses de 2019, ao ser comparado com o início do ano passado, quando o varejo ainda mostrava algum vigor, significa uma desaceleração nada desprezível. O quadro não é tão ruim como na indústria, que vem acumulando sucessivos resultados negativos, mas nem por isso passa ileso à deterioração do estado de confiança dos consumidores e das limitações à melhoria das condições do crédito e do emprego no país.
O desempenho do acumulado de janeiro a abril de 2019 vis-à-vis aquele de janeiro a abril de 2018 mostra claramente a perda de ímpeto do varejo. Agora, as vendas reais crescem a um ritmo de apenas +0,6%, o que representa quase 1/6 da taxa de crescimento do 1º quadrimestre de 2018 (+3,4%). No caso do comércio ampliado, esta proporção é de 1/3: +7,4% em jan-abr/18 e +2,5% em jan-abr/19.
Em maior ou menor grau, a maioria dos segmentos do comércio varejista perderam dinamismo neste primeiro quadrimestre do ano. Foi o caso de 6 dos 10 segmentos que compõem o varejo em seu conceito ampliado. Também não foi pequeno o número de casos no vermelho, que atingiu 50% dos segmentos.
Em desaquecimento ou retração, encontram-se muitos daqueles segmentos que requerem do consumidor algum nível de endividamento e, por isso, certa confiança em relação ao futuro, para alavancar suas vendas.
O pior caso, ao registrar -1,4% em jan-abr/19, foi o segmento de móveis e eletrodomésticos, em queda desde o 2º quadrimestre de 2018. Tecidos, vestuário e calçados, cujo consumo para uma fração importante da população também exige endividamento, ficou igualmente no vermelho (-0,2% em jan-abr/19), tal como ocorreu na maior parte de 2018, fazendo de set-dez/18 (+1,5%) uma breve exceção.
Em seguida, equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação, embora se mantenham na faixa positiva, estão quase estagnados desde o final de 2018, registrando apenas +0,2% agora em jan-abr/19. Veículos e autopeças e outros artigos de uso pessoal e doméstico, apresentam as maiores taxas de crescimento entre os segmentos do varejo, mas não se livraram da desaceleração em 2019.
Outro segmento com uma das trajetórias mais nítidas de encolhimento de seus resultados, mas que foge à regra dos demais ramos porque suas vendas dependem principalmente do emprego e da renda corrente da população, é o de supermercados, alimentos, bebidas e fumo. Depois de registrar expansão real das vendas de +5% em jan-abr/18, o setor foi parando até chegar a -0,3% em jan-abr/19, o que pesou muito na involução do varejo como um todo no período.
Por fim, os poucos casos de segmentos no azul e em aceleração nos quatro primeiros meses de 2019 se resumem a apenas dois: material de construção, de +1,5% em set-dez/18 para +3,7% em jan-abr/19, ante o mesmo período do ano anterior; e artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria, de +5,9% para +6,1%, respectivamente.
Serviços
Último setor a sair da crise, os serviços vinham conseguindo evitar perdas de faturamento desde meados do ano passado. A expectativa era de que o setor pudesse finalmente recobrar seu crescimento em 2019, favorecendo a redução do desemprego e, consequentemente, aquecendo o mercado interno. Entretanto, pouco disto está ocorrendo.
Os sinais mais recentes podem estar indicando, na verdade, mais uma rodada de perda de dinamismo ou, no melhor dos casos, a mera continuidade de uma fase de estagnação. Isso porque nos raros meses em que as taxas de crescimento são positivas, elas têm sido tão baixas que é difícil considerar que o quadro geral do setor avança em direção à superação de sua crise.
Agora em abril de 2019, por exemplo, o resultado de +0,3% ante março, já com ajuste sazonal, além de modesto, foi a primeira variação positiva do ano, sendo incapaz de compensar integralmente o declínio dos meses anteriores. Assim, o nível de faturamento real dos serviços em abr/19 está 1,4% abaixo daquele de dez/18, descontados os efeitos sazonais.
Mas não é apenas em comparação com o final de 2018 que o setor de serviços gira em uma velocidade menor. Isso também ocorre em relação a exatamente um ano atrás, ou seja, em abr/19 frente a abr/18 houve queda de -0,7%, tal como ocorreu em mar/19, que registrou -2,3% em igual comparação. Desde o início da sua reativação que os serviços não apresentavam dois meses seguidos de queda interanual.
Com isso, o desempenho, que já era fraco, ficou ainda menor. Para o setor como um todo, o resultado de +0,8% no 3º quadrimestre de 2018 perdeu ¼ de sua força no 1º quadrimestre de 2019, que obteve variação de +0,6%.
Ao menos, a desaceleração recente decorre de efeitos bastante concentrados em apenas um segmento de serviços: transportes, seus auxiliares e correio, cujo faturamento real recuou -2,5% em jan-abr/19. Este fator funciona, porém, apenas como um alento parcial. Isso porque a evolução do ramo de transporte reflete muito o nível de atividade da economia como um todo. Sua queda no 1º quadrimestre de 2019 consiste, então, em um sinal importante da fase adversa pela qual estamos passando novamente.
Além do transporte, cabe notar que os serviços profissionais, administrativos e complementares, que são demandados pelas empresas, continuam fora do jogo. Isto é, embora caindo menos, não têm contribuído em nada para a recuperação do total do setor de serviços. Seu resultado de -0,7% em jan-abr/19 sugere que o setor corporativo segue combalido.
Diferentemente destes dois ramos, todos os outros três identificados pelo IBGE apresentaram faturamento real não só em expansão como também em aceleração. É notoriamente o caso de serviços prestados às famílias, que teve o melhor desempenho no acumulado dos quatro primeiros meses de 2019 (+4,3%), em função de seus dois componentes: serviços de alojamento e alimentação (+4,5%) e outros serviços prestados às famílias (+2,8%).
É também o caso dos serviços de informação e comunicação, com a segunda maior alta em 2019 (+3,0%), devido ao seu componente de serviços de tecnologia da informação (+13,7%). Este segmento também foi o que melhor se saiu no mês de abril, qualquer que seja a comparação: +0,7% ante mar/19 com ajuste sazonal e +2,1% ante abr/18. Ou seja, não fosse isso abril teria sido mais um mês perdido.