Carta IEDI
Uma reforma tributária em prol da competitividade
A atual estrutura tributária no Brasil é um dos empecilhos centrais à retomada do desenvolvimento, pois suas profundas distorções atingem de forma contundente os principais pilares necessários a um crescimento consistente e sustentado da economia.
Reformar nosso sistema tributário é uma tarefa urgente, já que o emaranhado de impostos, contribuições, taxas, normas e regulamentações de toda a espécie vai se tornando inadministrável para as empresas e incompreensível para a sociedade, sem garantir a saúde das contas públicas que todos nós almejamos.
Esta Carta IEDI – baseada no estudo “Sistema Tributário: como desatar esse nó” de Bernard Appy, Diretor do Centro de Cidadania Fiscal, que se encontra na íntegra em nosso site – procura apresentar sinteticamente as principais distorções do sistema tributário brasileiro, com foco nos problemas dos tributos sobre bens e serviços, e avança uma proposta de reforma tributária, cujo cerne é a substituição de cinco tributos atuais (ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI) por um único imposto sobre bens e serviços, isto é, por um IVA – Imposto sobre Valor Agregado. Este é mais um trabalho que fundamentou a elaboração da estratégia industrial do IEDI, a ser divulgada em breve.
O resultado desta reforma tributária seria um enorme ganho de produtividade e competitividade para as empresas brasileiras. Isso porque no atual sistema tributário brasileiro enfrentamos problemas de todas as ordens. Temos uma estrutura complexa – com um alto grau de litígio que resulta em insegurança jurídica e menor investimento –, pouco transparente e injusta – pois não tributa adequadamente as pessoas mais ricas do país – e desigual – devido a inúmeros benefícios fiscais e tratamentos diferenciados, entre várias outras distorções.
Alguns dados ilustram este quadro dramático. Segundo o Banco Mundial, uma companhia brasileira gasta 1.958 horas ao ano para pagar impostos, enquanto a média da OCDE é de 160 horas. No final de 2014, a perda potencial com contencioso tributário para as 30 maiores empresas não financeiras de capital aberto do Brasil correspondia a 32% do seu valor de mercado. No final de 2017, 86% das empresas possuíam pendência no pagamento de tributos ou no cumprimento de determinações de órgãos federais.
A agenda de mudanças no sistema tributário brasileiro é ampla, mas muitos dos problemas estão concentrados na tributação de bens e serviços. Por isso, uma reforma tributária efetiva deve instaurar um verdadeiro IVA no Brasil, denominado por Appy de IBS – Imposto sobre Bens e Serviços, cujas principais características seriam:
• Incidência não-cumulativa sobre uma base ampla de bens e serviços, incluindo operações com direitos e intangíveis.
• Desoneração completa das exportações, já que será instituído um mecanismo para devolução ágil dos créditos acumulados pelos exportadores.
• Forte estímulo aos investimentos, através da garantia de crédito integral e imediato para os bens e serviços incorporados ao ativo imobilizado.
• Crédito amplo e devolução tempestiva de créditos acumulados – saldo credor será devolvido em até 60 dias.
• Incidência sobre o preço líquido do próprio IBS (incidência por fora)
• Um regime de transição que permita um ajuste suave ao novo modelo, dado que empresas e consumidores precisam de um prazo razoável para entender o funcionamento do imposto e se adaptar ao novo cenário que se estabelecerá. Ademais, o gradualismo também minimizaria as resistências provocadas por qualquer mudança desse porte.
Segundo o autor do estudo, esse conjunto de características representa aquilo que é considerado hoje como o estado da arte para um IVA, primando pela simplificação em sua estrutura e clareza na aplicação.
Este modelo proposto possui um atributo fundamental: o valor pago em cada elo da cadeia de produção e distribuição é automaticamente creditado na etapa seguinte. Com a desoneração completa de exportações e investimentos, e com a cobrança do IVA no destino nas operações interestaduais, o imposto só incidirá realmente no último elo da cadeia, ou seja, na aquisição do produto ou serviço pelo consumidor.
Distorções do sistema tributário brasileiro
Quando olhamos para o sistema tributário brasileiro vemos problemas de todas as ordens. Temos uma estrutura complexa, com elevado custo burocrático de pagamento de impostos. Temos um altíssimo grau de litígio entre os contribuintes e os fiscos, resultando em insegurança jurídica e menor investimento. Temos um regime injusto, que tributa pesadamente trabalhadores formais de baixa e média renda e não tributa adequadamente parcela relevante das pessoas mais ricas do país. Temos um sistema permeado por enorme quantidade de benefícios fiscais e tratamentos diferenciados, que geram distorções competitivas e levam a economia brasileira a se organizar de forma altamente ineficiente. Temos um modelo que prejudica a competitividade da produção nacional e dificulta a integração comercial do país. Temos, por fim, uma tributação pouco transparente, que dificulta o exercício da cidadania pelos contribuintes-eleitores.
Custo para pagar impostos. A mais recente versão do Doing Business, estudo realizado periodicamente pelo Banco Mundial, oferece uma evidência do árduo caminho percorrido pelas empresas para se manter em dia com suas obrigações fiscais. De acordo com o levantamento, uma companhia brasileira gasta 1.958 horas ao ano para pagar impostos e se manter atualizada com as recorrentes mudanças no sistema tributário e o cipoal de normas que surgem a cada dia. Nenhum país nos supera nesse item. A média nos países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), é de 160,7 horas. Também ficamos à frente (bem à frente) de nossos vizinhos sul-americanos. Na Colômbia, são necessárias 239 horas e no Chile, 291, segundo o Banco Mundial.
Litígio. Segundo pesquisa recente, no final de 2014 o valor do contencioso tributário registrado no balanço das 30 maiores empresas não financeiras de capital aberto do Brasil como tendo perda provável ou possível correspondia a 32% do valor de mercado dessas empresas. Tal grau de litígio não apenas representa elevado custo para as empresas e para o fisco, como gera uma situação de elevada insegurança jurídica. De fato, a complexidade de nossa estrutura tributária e a insegurança jurídica por ela gerada representam verdadeiras barreiras à entrada no país, reduzindo o investimento, a competição e a produtividade de nossa economia.
Mas a complexidade e o contencioso não afetam apenas as grandes empresas. Um levantamento realizado no final de 2017 pela Endeavor, ONG de apoio ao empreendedorismo, constatou que 86% das empresas brasileiras possuem alguma pendência no pagamento de tributos ou no cumprimento de determinações de órgãos federais. Ou seja, nosso sistema tributário inibe não apenas investimentos de grandes grupos empresariais interessados em atuar no Brasil, como também a atuação de empreendedores que buscam transformar uma boa ideia em um negócio promissor.
Distorções distributivas. O sistema tributário brasileiro também apresenta sérios problemas no que diz respeito a seu impacto distributivo. Além da crítica comum de que o Brasil tributa muito o consumo e pouco a renda, há um problema menos compreendido que é o impacto da “pejotização”. Enquanto o custo tributário para um trabalhador formal é extremamente elevado, por conta da tributação da folha de salários (incluindo a parcela do empregador) e do imposto de renda, boa parte dos sócios de empresas do lucro presumido ou do SIMPLES acaba pagando muito menos tributos sobre seu trabalho.
Distorções alocativas. No Brasil – por causa da multiplicidade de tributos, de regimes especiais, de benefícios fiscais e de formas de tributação – o montante de impostos incidente sobre qualquer bem ou serviço pode variar enormemente, dependendo de como for organizada sua produção e sua comercialização. Esta falta de neutralidade, além de gerar distorções competitivas, pode ter efeitos muito negativos sobre a produtividade. Tais distorções decorrem basicamente do modelo brasileiro de tributação de bens e serviços (e ficam mais claras através de alguns exemplos que serão apresentados na seção seguinte).
Prejuízo à competitividade. Por diversos motivos, o sistema tributário brasileiro prejudica a competitividade da produção nacional e a integração comercial do país. Um dos motivos é a elevada tributação da folha de salários, que no Brasil ultrapassa 40%, enquanto que a tributação média dos países da OCDE (considerando as contribuições do empregador e do empregado) é de pouco mais de 20%. Outro motivo é a elevada cumulatividade dos tributos sobre bens e serviços (tema detalhado adiante), que faz com que o Brasil exporte tributos que outros países não exportam. Há, por fim, problemas na tributação da renda, decorrentes do emprego de conceitos distintos dos utilizados nos demais países, o que encarece a importação de serviços e, em muitas situações, resulta em dupla tributação. Todos esses problemas fazem com que a agregação de valor no Brasil seja muito mais tributada que em outros países, dificultando muito a integração do país nas cadeias globais de comércio.
Falta de transparência. Por fim, há ainda um grave prejuízo ao exercício da cidadania e ao funcionamento da democracia no país. O cipoal de tributos é indecifrável (e em boa parte invisível) para a grande maioria dos brasileiros, independentemente de classe social ou grau de instrução. Isso impede que os consumidores tenham noção clara do montante de tributos incidentes sobre os bens e serviços que adquirem em seu dia-a-dia. Assim, nem sempre têm clareza suficiente para cobrar os serviços públicos de qualidade que os impostos deveriam financiar.
A agenda de mudanças no sistema tributário brasileiro é ampla. A rigor, todos os tributos brasileiros precisam ser reformulados ou, no mínimo, ajustados. Mas há uma área em que os problemas estão mais concentrados, que é a tributação de bens e serviços. As distorções nos tributos sobre bens e serviços – ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI – são as principais responsáveis pela complexidade do sistema tributário brasileiro, pelo custo de pagar impostos, pelo contencioso tributário, pela perda de produtividade e pela perda de competitividade do país. Ou seja, se for necessário definir uma prioridade para a agenda tributária, esta é, com certeza, a reforma do modelo brasileiro de tributação de bens e serviços.
Problemas da tributação de bens e serviços
As distorções no modelo brasileiro de tributação de bens e serviços são de diversas ordens e todas contribuem para reduzir a produtividade do país e prejudicar a competitividade das empresas nacionais. A seguir apresentam-se as principais distorções existentes, organizadas em quatro tópicos: a) fragmentação da base de incidência dos tributos; b) excesso de benefícios fiscais, regimes especiais e alíquotas; c) cumulatividade; e d) tributação na origem nas transações interestaduais.
Fragmentação da base. Uma das mazelas centrais do modelo brasileiro de tributação de bens e serviços é a fragmentação da base de incidência dos impostos, um modelo que se encontra em dissonância com as práticas mais modernas utilizadas ao redor do mundo. Parcela majoritária dos países tributa o consumo com um único imposto não cumulativo sobre o valor adicionado, o chamado IVA. Na contramão dessa tendência, o Brasil adota uma multiplicidade de impostos sobre a produção e o consumo de bens e serviços: o Imposto Municipal sobre Serviços (ISS), o Imposto estadual sobre a Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), o Imposto federal sobre Produtos Industrializados (IPI) e as Contribuições federais para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), para citar os mais relevantes.
A fragmentação da base dos tributos sobre bens e serviços não gera apenas complexidade. Gera também problemas de fronteira entre os tributos. Atualmente, por exemplo, os fornecedores de softwares estão sendo tributados tanto pelos estados (ICMS) quanto pelos municípios (ISS). Outra consequência do modelo brasileiro é que operações semelhantes podem ser tributadas de forma muito díspar. Isso acontece, por exemplo, no caso da construção civil, na qual prédios de concreto armado são muito menos tributados que prédios construídos com estruturas pré-fabricadas, o que induz à adoção de modelos de construção que podem ser ineficientes.
Alíquotas, benefícios fiscais e regimes especiais. A complexidade do sistema brasileiro é alimentada pela profusão de alíquotas e por uma quantidade quase incalculável de benefícios fiscais e regimes especiais (que são formas diferentes de cobrar os impostos, como, por exemplo, a substituição tributária). Não é exagerado dizer que na tributação brasileira de bens e serviços praticamente não há regras, mas apenas exceções.
A diferenciação no custo e na forma de tributação – entre setores, localidades, e mesmo entre empresas – gera distorções competitivas, além de criar uma teia de obrigações fiscais enigmática e cara para as empresas e ineficaz para a administração pública. Usualmente, a diferenciação na tributação acaba resultando também em menor produtividade, pois as empresas buscam sempre reduzir o custo total (incluindo o custo dos tributos), ainda que isso resulte em maior custo econômico.
Um exemplo claro deste tipo de distorção ocorre no caso dos benefícios de ICMS concedidos para centros de distribuição. Por conta deste tipo de benefício, o mero fato de um caminhão sair do Estado A, ir ao Estado B e voltar ao Estado A reduz a carga tributária. Há, para a empresa, uma redução do custo total, mas para a economia há um aumento de custo correspondente ao “passeio” inútil do caminhão pelas (péssimas) estradas do país.
Embora as situações variem muito, toda vez que a tributação varia em função da forma de organização da produção e da distribuição (seja em termos geográficos, setoriais, de porte ou de internalização ou terceirização da produção) gera-se um incentivo para que a produção e a distribuição se organizem de uma forma que pode não ser a mais eficiente.
Cumulatividade. Outro grande problema do modelo brasileiro de tributação de bens e serviços é a elevada cumulatividade. Enquanto em um bom IVA todo imposto pago nas etapas anteriores de produção e distribuição é recuperado – até a venda ao consumidor final –, no Brasil boa parte do imposto pago ao longo da cadeia não é recuperável. Isso ocorre devido a limitações legais, entraves burocráticos ou à recusa dos governos federal e estaduais em reconhecer os saldos credores do imposto e ressarcir os valores devidos.
Todos os cinco tributos citados (ISS, ICMS, IPI, PIS e Cofins) são cumulativos, seja por sua própria origem, seja por restrições legais ou pelo entendimento dos órgãos arrecadadores sobre a forma de sua incidência. O ISS é cumulativo por natureza, não gerando qualquer crédito para as etapas subsequentes. O mesmo ocorre no caso das empresas que estão no regime cumulativo de PIS/Cofins, que não se apropriam de nenhum crédito sobre os insumos utilizados.
A não-cumulatividade do ICMS não funciona na prática, já que parte importante dos insumos utilizados pelas empresas – os chamados “bens de uso ou consumo” – não geram créditos. A rigor, a Lei Complementar 87/1996, que regula o ICMS, prevê a utilização dos créditos dos bens de uso e consumo. A entrada em vigor deste dispositivo vem sendo, no entanto, sucessivamente postergada, por conta do impacto sobre as finanças estaduais.
Este é o caso, por exemplo, do imposto incidente sobre serviços de comunicação ou peças de reposição utilizados por uma empresa industrial. O PIS e a Cofins não-cumulativos, por sua vez, se transformaram em foco inesgotável de contenciosos por conta da interpretação restritiva da Receita Federal sobre o conceito de insumo na cadeia de produção.
O IPI, por fim, tem sua incidência interrompida na cadeia de valor adicionado, não chegando ao consumidor final, o que estimula as empresas a aumentarem a margem na distribuição e reduzir na industrialização, ensejando grande litígio. Há ainda polêmicas intermináveis sobre a definição de industrialização e a classificação dos produtos na Tabela de Incidência do IPI (TIPI).
Na prática, por conta da cumulatividade, a incidência de impostos sobre bens e serviços é maior do que a alíquota legal, o que resulta em vários impactos negativos. Ao contrário do IVA, que tributa apenas o consumo (ainda que cobrado ao longo da cadeia), os tributos brasileiros oneram também as exportações e os investimentos, prejudicando a competitividade da economia brasileira e o crescimento do país. No caso dos exportadores, o problema é amplificado pela enorme dificuldade que enfrentam em recuperar os saldos credores acumulados, tanto de ICMS quanto de PIS/Cofins.
Mas a cumulatividade também gera distorções que prejudicam a produtividade. Isso ocorre, por exemplo, no caso de uma empresa que quer contratar um serviço especializado (por exemplo, a elaboração de um software), mas como não consegue recuperar o crédito incidente sobre o serviço prestado (ISS de 5% e PIS/Cofins de 3,65%) opta por desenvolver o software internamente, ainda que o desenvolvimento interno seja 7% mais caro que o serviço especializado que poderia contratar. Ou seja, a cumulatividade leva a economia a se organizar de forma ineficiente, na medida em que induz a internalização de uma atividade que poderia ser melhor desenvolvida por terceiros.
Tributação na origem. Outro transtorno provocado pelo sistema tributário brasileiro deriva da cobrança do ICMS predominantemente na origem no caso de operações interestaduais. Esse modelo estimulou a guerra fiscal entre estados, desequilibrando a estrutura federativa. Além disso, provocou sérias distorções na organização produtiva do país, já que muitas empresas dão prioridade a investimentos em regiões que ofereçam vantagens fiscais e colocam em segundo plano a busca pela eficiência manufatureira e logística que deveria nortear suas decisões.
Ao mesmo tempo, a tributação na origem cria um viés contrário à produção nacional. Isto ocorre no caso das exportações, pois os estados relutam (com razão) em ressarcir às empresas exportadoras o crédito correspondente ao imposto cobrado em outro estado sobre os insumos utilizados. Ocorre também no caso da importação, pois muitas vezes benefícios fiscais concedidos a insumos ou equipamento importados são maiores que os concedidos ao mesmo insumo ou equipamento adquirido em outro estado. Essa diferenciação decorre do fato de que, nas importações, o imposto pertence integralmente ao estado onde está o importador, enquanto que na aquisição interestadual parte do imposto é cobrado no estado de origem.
Esse conjunto de distorções estruturais dos tributos brasileiros sobre bens e serviços, aliado à enorme e crescente complexidade do sistema, conduz à perda de competitividade das empresas brasileiras e à redução da produtividade da economia como um todo. As exportações são oneradas, assim como os investimentos. A organização da produção passa a seguir critérios que não privilegiam a eficiência. Mais: forma-se um enorme contencioso em torno da natureza de diversos tributos e do entendimento quanto à sua aplicação, acentuando ainda mais a cultura de judicialização no ambiente de negócios do país.
Uma proposta de reforma
O cenário traçado até aqui explica por que a reforma tributária vem adquirindo uma urgência cada vez maior. Lentamente a sociedade brasileira parece ter adquirido a consciência de que a atual estrutura tributária, disfuncional e onerosa, tornou-se um limitador para nosso desenvolvimento. O relativo consenso em torno da necessidade da reforma não deve, porém, ofuscar a visão de que o assunto suscitará debates acirrados em torno do conteúdo e da implantação de um novo sistema tributário.
Diante da proporção de tais desafios, pode-se argumentar que seria mais viável promover ajustes nos atuais tributos sobre bens e serviços, de forma a dotá-los de alguma eficiência. Não é um caminho factível. Alterações parciais são insuficientes para corrigir as deformidades que o sistema incorporou ao longo do tempo, pois parte significativa delas é de natureza estrutural, como, por exemplo, a fragmentação da base de incidência.
Além disso, o custo político de mudanças parciais pode ser igual ou até maior que o de uma ampla reformulação do sistema brasileiro de tributação de bens e serviços. As resistências políticas à adoção do regime não-cumulativo para todo o PIS/Cofins e à migração da cobrança do ICMS para o destino provavelmente não são menores que as dificuldades políticas enfrentadas por uma reforma ampla.
A dimensão da transformação requer uma postura realista e um cuidadoso planejamento de implementação progressiva e gradual, de forma a mitigar resistências. Caso contrário, há o risco de não se conseguir seguir adiante e não extrair todos os benefícios potenciais para a economia brasileira de uma reforma tributária.
Além minimizar as resistências políticas, a reforma dos tributos sobre bens e serviços deve respeitar alguns princípios, cuja ausência pode comprometer seus objetivos. O primeiro é o da simplicidade para o contribuinte, garantida pela clareza sobre qual é a base de incidência tributária, por regras de fácil compreensão e a presença do mínimo possível de exceções e regimes especiais. O segundo princípio é o da transparência, permitindo ao cidadão saber quanto efetivamente paga de impostos e, a partir do conhecimento desse ônus tributário, escolher as políticas públicas que mais se aproximam de seus anseios e necessidades.
Finalmente, o terceiro princípio é o da neutralidade, ou seja, a menor influência possível da tributação sobre a organização dos negócios. Em um bom sistema, a tributação não deve ser um fator determinante na organização das empresas, na definição dos investimentos e na escolha de seus mercados de atuação. Ao contrário, a capacidade de gestão e inovação devem ser os determinantes da capacidade competitiva das empresas.
Todos esses princípios são atendidos na tributação de bens e serviços pelo modelo do imposto sobre o valor agregado (IVA). De fato, um bom IVA é um imposto simples (tudo que a empresa vende é tributado e tudo que compra gera crédito); é um imposto transparente (pois o que o consumidor final paga corresponde exatamente ao que foi cobrado ao longo da cadeia); é um imposto neutro (pois a tributação independe da forma de organização da produção); e é um imposto eficiente, na medida em que desonera completamente as exportações e os investimento.
Nenhum dos problemas dos tributos brasileiros sobre bens e serviços descritos acima existiria se o Brasil adotasse um bom IVA – a exemplo do que fazem praticamente todas as economias avançadas do planeta. A grande questão é como migrar da atual babel tributária brasileira para um IVA, preservando a autonomia federativa e mitigando as resistências de empresas e entes federativos que, eventualmente, se sintam prejudicados.
Uma boa solução é a que está sendo proposta pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), instituição não governamental que tem como objetivo desenvolver propostas de melhoria do sistema tributário brasileiro. A base da proposta do CCiF é a substituição progressiva de cinco tributos atuais (ISS, ICMS, IPI, PIS e Cofins) por um único imposto do tipo IVA, que está sendo chamado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Em vez de procurar corrigir os tributos atuais, o que se propõe é extingui-los, eliminando, dessa forma, todas distorções resultantes do nó górdio em que se tornou o sistema tributário brasileiro.
As principais características propostas para o IBS são aquelas de um bom IVA, primando pela simplificação em sua estrutura e clareza na aplicação:
• Incidência não-cumulativa sobre uma base ampla de bens e serviços, incluindo operações com direitos e intangíveis. A eliminação da distinção entre bens, serviços e intangíveis não apenas garante a não cumulatividade plena, como é essencial no contexto da nova economia em que as fronteiras entre essas categorias são cada vez menos claras;
• Desoneração completa das exportações, já que será instituído um mecanismo para devolução ágil dos créditos acumulados pelos exportadores;
• Incidência sobre as importações sejam elas para consumo final, sejam como insumos para a produção local, equalizando o tratamento entre a produção nacional e os produtos importados;
• Forte estímulo aos investimentos, através da garantia de crédito integral e imediato para os bens e serviços incorporados ao ativo imobilizado. O resultado prático será a desoneração completa dos investimentos, acentuando o papel do IBS como tributo que incide apenas sobre o consumo;
• Crédito amplo e devolução tempestiva de créditos acumulados. Todo IBS recolhido nas fases anteriores do processo de produção e comercialização será considerado como crédito. Caso as empresas acumulem saldo credor (em razão de exportação, investimentos e/ou aumento de estoques), o saldo credor será devolvido em até 60 dias, superando assim um dos principais problemas do sistema atual, ou seja, a não devolução dos valores devidos pelos governos às empresas;
• Alíquota uniforme para todos os bens e serviços, o que garante simplicidade e transparência. Elimina-se, assim, qualquer necessidade de classificação ou distinção entre bens, serviços ou direitos (simplicidade), além de permitir que o cidadão/contribuinte saiba exatamente quanto está pagando de imposto sobre seu consumo (transparência). O impacto da uniformidade de alíquotas na gestão de tributos por parte das empresas tende a ser relevante, reduzindo custos de apuração e o contencioso;
• Incidência sobre o preço líquido do próprio IBS e, durante a transição, líquido do ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins (incidência por fora);
• Ausência de benefícios fiscais, contribuindo para dotar o sistema de horizontalidade, um dos princípios de uma boa e funcional estrutura tributária;
• Poucos regimes especiais de apuração e pagamento do imposto. Regimes especiais devem ser evitados, já que são grandes responsáveis por boa parte da complexidade do sistema atual. Haverá poucas exceções, como a substituição tributária para combustíveis, cigarros e alguns outros itens.
Esse conjunto de características do IBS representa aquilo que é considerado hoje como o estado da arte para um IVA. Este modelo possui um atributo fundamental: o valor pago em cada elo da cadeia de produção e distribuição é automaticamente creditado na etapa seguinte. Com a desoneração completa de exportações e investimentos, e com a cobrança do IBS no destino nas operações interestaduais, o imposto só incidirá realmente no último elo da cadeia, ou seja, na aquisição do produto ou serviço pelo consumidor.
Para mitigar o efeito regressivo da tributação do consumo a uma alíquota uniforme, propõe-se um modelo em que os dados sobre o CPF dos consumidores fornecido no momento da compra serão cruzados com o cadastro único dos programas sociais, permitindo a devolução às famílias mais pobres de parcela do imposto pago em suas aquisições.
No entanto, o desenho do novo imposto não garante por si só o sucesso de sua implementação, devido a particularidades da realidade brasileira, em especial o fato de que substituirá tributos federais, estaduais e municipais e a existência de muitos investimentos feitos com base no atual sistema, com todas suas distorções.
Para lidar com essas especificidades – e, assim, facilitar a aprovação da mudança –, a proposta de reforma tributária do Centro de Cidadania Fiscal incorpora três medidas importantes, que serão detalhadas a seguir: a) um modelo de transição para os contribuintes; b) a preservação da autonomia dos estados e municípios; e c) um modelo de transição para a distribuição da receita entre os entes federativos.
Transição para os contribuintes. Um dos pontos nevrálgicos para a implementação bem-sucedida do IBS é uma transição que permita um ajuste suave ao novo modelo. As empresas e os consumidores precisam de um prazo razoável para entender o funcionamento do imposto e se adaptar ao novo cenário que se estabelecerá. Isto é especialmente importante no caso de companhias que realizaram investimentos com base no sistema tributário atual – com todos seus benefícios e imperfeições –, que poderiam ver seus negócios inviabilizados ou seu investimento depreciado no caso de uma mudança abrupta. O gradualismo minimizará as resistências provocadas por qualquer mudança desse porte.
Pela proposta do CCiF, a transição para o novo modelo de tributação será feita de forma escalonada, ao longo de dez anos. A proposta é que o IBS seja criado com alíquota de apenas 1%, a qual seria mantida nesse patamar por um período de teste de dois anos. Para que a criação do novo imposto não represente um aumento da carga tributária, a alíquota da Cofins será reduzida, não afetando, portanto, estados e municípios. O período de teste servirá para ajustar operacionalmente IBS (fazendo-se, se necessário, ajustes) e dimensionar o potencial de arrecadação do novo imposto com um razoável grau de precisão.
Superada essa primeira etapa, nos oito anos seguintes as alíquotas dos cinco tributos atuais serão progressivamente reduzidas, ao ritmo de 1/8 por ano, e a alíquota do IBS será progressivamente elevada, de modo a repor a perda de arrecadação (um desenho muito simplificado da transição é apresentado no gráfico abaixo). Como o potencial de arrecadação do IBS será conhecido após o período de teste, é possível fazer a transição mantendo-se a carga tributária constante, eliminando-se o risco de aumento da carga tributária (inaceitável para os contribuintes) e de queda de arrecadação (inviável em um período de crise fiscal). Ao final da transição, o ICMS, o ISS, o IPI, o PIS e a Cofins serão extintos.
Este modelo permite um ajuste suave por parte das empresas – especialmente daquelas que realizaram investimentos com base no sistema atual –, reduzindo progressivamente todos os benefícios fiscais existentes, especialmente aqueles da guerra fiscal do ICMS, que, com a redução paulatina das alíquotas, serão gradualmente eliminados.
Para as empresas que, ao final da transição, detenham saldos credores dos tributos atuais, propõe-se a securitização dos créditos desses tributos, ou seja, a sua substituição por títulos da dívida pública da União e dos estados, indexados à taxa básica de juros. Com este modelo, os fiscos terão um período longo para ressarcir os créditos acumulados dos tributos atuais, mas os contribuintes passarão a ter um ativo líquido, facilmente negociável no mercado.
Autonomia federativa. Uma das grandes dificuldades na transição para o IBS é que o novo imposto substituirá tributos federais (PIS, Cofins e IPI), estaduais (ICMS) e municipais (ISS). O desafio é como fazer a transição preservando a autonomia dos entes federativos e, ao mesmo tempo, a simplicidade para os contribuintes.
Pela proposta do Centro de Cidadania Fiscal, o IBS terá caráter nacional e legislação uniforme em todo o país. Mas, para preservar a autonomia dos entes federativos, propõe-se que a alíquota do IBS seja formada pela soma de três alíquotas: federal, estadual e municipal, preservando-se a liberdade da União, dos estados e dos municípios na fixação de sua alíquota. Ou seja, dentro de cada estado ou município a alíquota será uniforme para todos os bens e serviços, mas poderá variar entre os entes federativos.
No modelo proposto, haverá uma alíquota de referência, que é aquela que repõe a receita dos tributos que estão sendo substituídos pelo IBS. Assim, a alíquota de referência da União será aquela que repõe a receita do PIS, da Cofins e do IPI; a alíquota de referência dos estados a que repõe a receita de ICMS do conjunto dos estados; e a alíquota de referência dos municípios a que repõe a receita de ISS do conjunto dos municípios. A adoção da alíquota de referência será automática para todos os entes federativos, preservando-se a autonomia da União, dos estados e dos municípios, de fixar sua alíquota acima ou abaixo da alíquota de referência, através de lei.
Para os contribuintes valerá apenas a soma das alíquotas, exigindo-se apenas que, nas vendas interestaduais e intermunicipais, sejam adotadas as alíquotas do estado e do município de destino. O atual estágio de desenvolvimento tecnológico (em particular a disseminação do uso da nota fiscal eletrônica) permitem que a arrecadação seja feita de forma centralizada e a receita, distribuída automaticamente aos estados e municípios.
Como o IBS é um imposto sobre o consumo, não vemos risco de aumentos expressivos nos impostos por iniciativa de estados e municípios. A pressão no sentido contrário virá dos próprios consumidores, que terão plena consciência sobre o quanto pagam e se são mais ou menos onerados do que em outras regiões do país. Assim, cria-se uma tensão positiva entre o poder público e a sociedade. Qualquer incremento na carga tributária cobrará um alto custo político e eleitoral. Enfim, o IBS é um fator que estimula o exercício da cidadania.
Embora este modelo traga alguma complexidade, esta é bastante mitigada pelo avanço da tecnologia. Em princípio, bastará informar o CEP do destinatário da operação na emissão do documento fiscal eletrônico para que a alíquota seja determinada. A preservação da autonomia federativa é um ponto central da proposta, não apenas para mitigar resistências, mas também para garantir a constitucionalidade da mudança, uma vez que a forma federativa de Estado é cláusula pétrea de nossa Constituição.
Transição na distribuição da receita. Por ser um imposto sobre o consumo, o IBS observará o princípio do destino, ou seja, nas transações interestaduais e intermunicipais o imposto pertencerá ao estado e ao município de destino. No entanto, a adoção do princípio do destino implica numa redistribuição da receita entre os estados e os municípios. Para mitigar o efeito desta redistribuição sobre as finanças públicas dos entes subnacionais, propõe-se uma transição bastante longa, de cinquenta anos.
Nos primeiros vinte anos, a receita atual de ICMS de cada estado e de ISS de cada município, corrigida pela inflação, será mantida. Apenas a arrecadação do IBS que exceder a este valor será distribuída pelo princípio do destino. Nos trinta anos subsequentes, a parcela que repõe a receita atual dos estados e municípios será progressivamente reduzida, alcançando-se a distribuição plena da receita pelo princípio do destino – ou seja, proporcionalmente ao consumo – após cinquenta anos.
Este modelo é viabilizado pelo fato de que a receita do IBS é arrecadada de forma centralizada, sendo posteriormente distribuída para a União, os estados e os municípios. Vale notar que a transição de cinquenta anos na distribuição da receita não afeta em nada os contribuintes, para os quais a transição do modelo atual para o novo sistema se encerra em dez anos.
Para compensar a perda do poder dos estados de conceder benefícios fiscais, propõe-se que a União reforce a política de desenvolvimento regional e aloque recursos para sua viabilização (de forma crescente, ao longo da transição). Com isso, substitui-se uma política extremamente ineficiente de redução das desigualdades regionais (a guerra fiscal do ICMS) por uma política eficiente, com menor custo para a sociedade.
Legislação, arrecadação e fiscalização. A implementação do IBS depende de emenda constitucional. A instituição do imposto, assim como sua normatização, será feita através de uma lei complementar aprovada pelo Congresso Nacional. Já o regulamento do IBS será editado por um Comitê Gestor, formado por representantes das três esferas de governo.
A cobrança do IBS será centralizada e gerida de forma coordenada pela União, pelos estados e pelos municípios, a exemplo do que já ocorre hoje com o SIMPLES Nacional. A distribuição da arrecadação entre os diversos entes da federação será automática, sendo administrada pelo Comitê Gestor do imposto.
A fiscalização será feita de forma coordenada pelas três instâncias administrativas da federação. A distribuição de responsabilidades para os fiscos federal, estaduais e municipais caberá ao Comitê Gestor do IBS. Haverá um contencioso administrativo próprio do IBS, cujo desenho está sendo formulado, visando evitar os problemas do atual regime de contencioso administrativo da União (CARF) e dos estados. O contencioso judicial será federal.
Vinculações e partilhas. Na transição dos tributos atuais para o IBS, uma questão requer uma resposta precisa: como tratar das vinculações e partilhas da receita tributária estabelecidas na Constituição? Seria mais simples transformar cada uma das destinações atualmente previstas em uma porcentagem da parcela do IBS direcionadas a cada uma das destinações atualmente previstas na Constituição. O resultado seria um aumento da rigidez orçamentária, que já é extremamente elevada no Brasil.
Neste contexto, sugere-se um novo modelo de destinação da receita que tem como objetivo reduzir a rigidez orçamentária atual. A proposta é que cada parcela da receita do ICMS, ISS, PIS, COFINS e IPI que hoje tem uma destinação definida por conta de critérios de partilha ou vinculação constitucional, seja incorporada ao IBS como uma parcela da alíquota do novo imposto (denominada “alíquota singular”), que poderia ser gerenciada pela União pelos estados e pelos municípios.
O funcionamento do novo modelo se torna mais claro quando comparado com a situação atual. Pelas regras atuais, 25% da receita do ICMS é automaticamente transferida para os municípios e, do que resta, pelo menos 25% é destinado à educação e 12% à saúde. Por conta destas regras, se um estado quiser elevar as despesas com segurança pública e financiar este gasto com um aumento do ICMS, ele terá de arrecadar mais do que o dobro do valor que deseja destinar à segurança pública.
Pelo modelo proposto, cada destinação atual do ICMS (transferência aos municípios, educação, saúde e parcela livre) será convertida em uma alíquota singular, cuja soma corresponde à alíquota estadual do IBS e que pode ser gerenciada individualmente. Assim, se o estado quiser destinar mais recursos para a segurança pública, ele poderá elevar apenas a alíquota singular correspondente a parcela livre do IBS, arrecadando exatamente o valor que deseja destinar à segurança.
Reduz-se assim a rigidez orçamentária, ao mesmo tempo em que se dá mais transparência ao custo das políticas que são financiadas pela vinculação de parcelas da receita do IBS.
Conclusões
O sistema tributário brasileiro apresenta um quadro de distorções e complexidade que contribui decisivamente para algumas das principais mazelas da economia brasileira, sendo um dos gargalos que impedem o desenvolvimento pleno e duradouro do país. As distorções na tributação – especialmente de bens e serviços – são responsáveis por boa parte da baixa produtividade das empresas aqui instaladas e da falta de competitividade de nossa economia. Também têm responsabilidade na tímida inserção do Brasil nas cadeias globais de produção, limitando a internacionalização das companhias brasileiras.
Além do número excessivo de impostos e contribuições, o modelo brasileiro de tributação de bens e serviços ainda padece de um sem número de benefícios fiscais e regimes especiais, que o transformaram num corpo disfuncional e enigmático. As tentativas de corrigir as distorções com medidas pontuais são limitadas e, em alguns casos, podem até agravar o problema. Assim, só há uma saída para que o país se desembarace do nó górdio em que se transformou essa questão: promover uma profunda simplificação do sistema brasileiro de tributação de bens e serviços. A base da proposta é o modelo sugerido pelo Centro de Cidadania Fiscal, que prevê a substituição de cinco tributos atuais – IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins – por um único imposto sobre bens e serviços (IBS).
Para o contribuinte, o IBS será um único imposto, com legislação uniforme e cobrança centralizada. Já para os Estados e Municípios, funcionará como se tivessem seu próprio imposto, cuja alíquota pode ser alterada atendendo às necessidades das finanças locais. As características e a formulação do IBS estarão em linha com aquele que é considerado o estado da arte de um imposto sobre o valor adicionado (IVA), padrão mundial de tributação do consumo, a saber:
• Incidência sobre uma base ampla de bens e serviços (incluindo intangíveis e direitos);
• Aplicação plena do princípio da não-cumulatividade, caracterizada pela recuperação integral do imposto incidente nas etapas anteriores do processo de produção e comercialização dos bens e serviços;
• Desoneração completa das exportações e dos investimentos;
• Recuperação integral e tempestiva dos créditos acumulados pelos contribuintes;
• Aplicação do princípio do destino, segundo o qual o imposto pertence ou ao país ou ao estado e município de destino.
Alinhado com as melhores práticas internacionais, o IBS terá uma alíquota uniforme para todos os bens e serviços, gerando diversos benefícios:
• Extinção da classificação de bens e serviços do modelo atual;
• Redução da complexidade e do potencial de litígio em relação ao tributo;
• Menos espaço para pressões de grupos de interesse;
• Elevação do grau de transparência para os consumidores a respeito do custo de financiamento da União, dos Estados e dos Municípios.
O IBS também não contemplará qualquer forma de benefício fiscal, com exceção de um mecanismo de compensação, via transferência de renda, para as famílias mais pobres. Os benefícios decorrentes da migração para o IBS são enormes. O ambiente de negócios se tornará mais fluído e arejado, tanto para grandes organizações como para negócios ainda embrionários, o que representará um significativo impulso ao empreendedorismo. A simplificação do sistema propiciará redução de custos financeiros e permitirá que o setor empresarial como um todo direcione para as atividade-fim a energia hoje consumida pela burocracia derivada das demandas tributárias.
Os ganhos de produtividade gerados pelo novo modelo, aliados a outros fatores, contribuirão decisivamente para que a economia brasileira recupere a competitividade perdida nas últimas décadas. Assim, o país poderá se integrar de forma mais efetiva à economia global, conquistando ao longo dos próximos anos um papel de protagonismo no cenário internacional. A desoneração das exportações e dos investimentos propiciado pelo IBS será é um pré-requisito incontornável para o sucesso dessa empreitada.
O desafio maior para a implementação do IBS reside na resistência de parte do setor empresarial e de alguns entes federativos. É necessário enfrentá-la; caso contrário, a nova estrutura tributária não prosperará. Por isso, a proposta contempla duas transições. Uma: a substituição dos tributos atuais pelo IBS será gradual ao longo de dez anos, prazo suficiente para que empresas se adaptem ao novo modelo. Os dois primeiros anos serão dedicados a um período de teste. Nos oito anos seguintes, as alíquotas do ICMS, do ISS, do IPI, do PIS e da Cofins serão progressivamente reduzidas. A queda de receita desses tributos será compensada pelo aumento da alíquota do IBS, com o objetivo de não aumentar ou diminuir a carga a carga tributária.
A segunda transição diz respeito à distribuição da receita do IBS entre os estados e os municípios. Neste caso, o período seria ainda mais extenso, de cinquenta anos, ao longo dos quais as parcelas da receita do IBS serão gradualmente redistribuídas, até que o princípio do destino (distribuição da receita proporcionalmente ao consumo) seja integralmente cumprido. Dessa forma, a resistência de estados ou municípios que eventualmente se sintam prejudicados será mitigada. A arrecadação, a fiscalização e a distribuição do IBS serão administradas em conjunto pela União, pelos estados e pelos municípios, reforçando o caráter federativo do novo imposto.
São desafios enormes que se colocam perante a sociedade, mas sem enfrentá-los, a economia brasileira não atingirá o patamar de competitividade necessário para retomar o desenvolvimento há tanto tempo perdido.