Carta IEDI
Recomendações para a retomada dos investimentos em infraestrutura
O desenvolvimento econômico e social pressupõe a efetivação de investimentos que permitam de elevar a capacidade produtiva, a inovação, a produtividade e a criação de empregos. Como poucos outros campos da economia, as inversões em infraestrutura contribuem para gerar esses efeitos imprescindíveis ao avanço econômico. No caso brasileiro, um diferencial muito importante se apresenta: as carências do país nesse setor são enormes e os problemas a serem resolvidos são urgentes. Logo, há uma avenida a ser trilhada com grande potencial de alavancar o crescimento do país.
Mesmo revestindo-se de prioridade máxima, o progresso da infraestrutura no Brasil tem sido lento e vem se deparando com desafios relevantes. Esta Carta IEDI busca contribuir com a construção de soluções para o problema da infraestrutura no país. Para isso, sintetiza os principais argumentos e proposições do estudo realizado por Daniel Keller, consultor do IEDI, Igor Rocha, economista doutor pela Universidade de Cambridge, e Venilton Tadini, Presidente da ABDIB, cuja versão integral está disponibilizada em nosso site. Este estudo faz parte de uma série de trabalhos realizados para subsidiar a elaboração da estratégia industrial do IEDI.
Dentre as recomendações que ganharam destaque ao longo da análise, selecionamos, a seguir, nove temas que merecem ser enfatizados:
1. A redução da taxa de juros básica, bem como a consolidação de taxas de juros reais na economia brasileira em níveis mais próximos aos padrões internacionais, será importante fator para o desenvolvimento do crédito bancário de longo prazo e do mercado de capitais, beneficiando os projetos de infraestrutura.
2. Enquanto esse processo não se completar, se faz necessária a permanência de incentivos para o desenvolvimento do mercado de capitais, como a isenção de imposto de renda para as debêntures de infraestrutura, compra de cotas subordinadas de debêntures pelo BNDES e aprimoramento dos mercados secundários dos títulos incentivados.
3. Alocação da atividade de regulação apenas nas agências reguladoras e definição de limites para órgãos de controle e aprimoramento técnico das agências são providências relevantes. O Projeto de Lei 7448/2017 tem contribuições neste sentido.
4. Estruturação de garantia cambial para captação de recursos externos frente ao risco de variação cambial devido a eventuais mudanças na orientação dos fluxos financeiros internacionais e à possibilidade de entrada de bancos estrangeiros no mercado brasileiro.
5. Atuação do BNDES e dos bancos de fomento visando atenuar a presente restrição de crédito privado e apoiar projetos de concessão, incluindo os seguintes pontos: i) viabilizar financiamentos nos moldes de um project finance non recourse; ii) flexibilizar as linhas de crédito com aumento dos desembolsos para capital de giro (prazo e taxas competitivas) e dos empréstimos ponte; iii) criação/utilização de fundos garantidores; iv) aceitação de diversos tipos de garantias; v) possibilidade de compartilhamento de garantias pelos bancos de fomento, especialmente em se tratando de debêntures incentivadas; vi) customização de covenants financeiros, buscando elevar a alavancagem dos projetos (ICSD pode variar entre 1,0 e 1,2 nos primeiros anos dos projetos).
6. Promoção do desenvolvimento do mercado de seguros-garantia (especialmente performance bonds) para concessões de infraestrutura com o intuito de mitigar ou extinguir os riscos de construção dos projetos.
7. Apoio à repactuação ou à venda de contratos de concessão de forma a viabilizar projetos já concedidos.
8. Auxílio na elaboração de estudos e projetos de concessão com incentivo à Manifestação de Interesse Privado (MIP) e ao Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), bem como à participação de associações (Abdib no caso da iluminação pública).
9. Incentivo à liberação de crédito para empresas com pendências judiciais, desde que cumpridas as condições de garantias.
Introdução
Mesmo revestindo-se de prioridade máxima, o progresso da infraestrutura no Brasil tem sido lento e vem se deparando com desafios relevantes. O investimento nesta área, em muitos casos, é vultoso e seu período de maturação é longo. Exige um arcabouço regulatório adequado, claro e estável e requer financiamento compatível com o longo prazo de retorno do investimento e custo financeiro reduzido para que os projetos tenham viabilidade. A iliquidez dos ativos de infraestrutura é um fundamental determinante na decisão de investimento dos agentes desse setor, o que pode dificultar adicionalmente as inversões, especialmente em momentos de incerteza como os que o Brasil vem convivendo já há alguns anos.
Com a promulgação das leis relacionadas à concessão de serviços públicos (Lei 8.987/1995 – Lei de Concessões e Lei 11.079/2004 – Lei de PPPs), bem como de outras normas que versam sobre as parcerias entre o setor público e o privado, as inversões em infraestrutura tiveram por origem, crescentemente, o setor privado. Além disso, os aspectos relacionados à eficiência operacional, ganhos de escala e produtividade passaram, cada vez mais, a depender da maior interação público/privado.
Cabe sublinhar os limites estritos para a atuação direta do setor público que a atual crise fiscal impõe, uma razão a mais para o destaque a ser conferido à participação privada, ainda mais em um contexto em que o arcabouço legal referente ao tema já se encontra bastante desenvolvido. Assim, as concessões de serviços públicos ao setor privado serão indispensáveis para vencer os gargalos prevalecentes no setor e desenvolver o país.
Isto não quer dizer que as inversões do setor público não sejam relevantes. São, de fato, muito importantes, especialmente para as populações e economias locais. Ademais, em muitos casos, as inversões públicas abrem caminho para investimentos privados. Uma análise comparativa entre países mostra que os governos desempenham destacado papel como investidor em infraestrutura e o Brasil deve acompanhar tal tendência na recuperação da infraestrutura brasileira. Parcerias público-privadas (PPPs) e concessões são essenciais e de extrema importância para a economia. Contudo, muitos projetos não oferecem atratividade para os investidores.
Além dos desafios acima mencionados, que são inerentes aos investimentos em infraestrutura, outros fatores específicos do Brasil dificultam a viabilização de projetos de concessões. Relacionamos os seguintes fatores:
• A despeito da expressiva redução da taxa Selic, as taxas reais de juros são ainda elevadas para ativos mais longos, mesmo em se tratando de títulos públicos. Isto faz com que as taxas de longo prazo de mercado para ativos de infraestrutura, necessariamente superiores, ainda sejam muito altas, dificultando a execução de projetos.
• O financiamento da infraestrutura, historicamente, teve grande participação do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que, atualmente, reduziu muito seus desembolsos.
• A alternativa do mercado voluntário de títulos privados existe como um delineamento futuro que já se manifesta no presente, mas, por enquanto, ainda está pouco desenvolvido para suprir sozinho o financiamento de longo prazo.
• Os mecanismos de garantias baseados nos projetos ainda são restritos e predomina a indisponibilidade de financiamentos nos moldes de project finance.
• A queda de demanda observada nas concessões (tráfego de veículos, por exemplo), fruto da crise econômica, é fator que limita uma alavancagem maior dos investimentos, tendo em vista que os covenants financeiros mínimos não são atingidos.
• A carência de desenvolvimento regulatório, especialmente na instância municipal, e o crescente poder regulatório por parte dos órgãos de controle e do próprio poder concedente são fatores adversos para o desenvolvimento do modelo de concessões.
• Mesmo levando em conta a existência de projetos avançados, do ponto de vista da repartição de riscos entre o setor público e o setor privado (Rodovia dos Tamoios e Linha 6 do metrô), atualmente, existe pouca disponibilidade do poder concedente em arcar com riscos do projeto.
• É pequena a participação de empresas seguradoras (especialmente no caso do seguro-garantia na modalidade performance bond) como forma de mitigar os riscos de construção e garantir o cumprimento dos contratos.
• Há um grande número de pendências administrativas e regulatórias que podem se transformar em pendências judiciais.
Diante desses problemas, faz-se necessário desenvolver estruturas de financiamento de longo prazo com juros competitivos. Essas estruturas podem ser provenientes de bancos de fomento, no caso, com o BNDES assumindo papel preponderante. Há perspectivas positivas quanto aos mercados de capitais e de crédito bancário de longo prazo, mas, como foi mencionado, infelizmente até aqui o mercado de títulos corporativos é limitado e o setor bancário privado nacional dispõe de escassas linhas de financiamento de longo prazo, operando ainda com taxas de juros que podem ser incompatíveis com a viabilidade dos projetos. A perspectiva de taxas de juros mais baixas na economia brasileira estimula o desenvolvimento do crédito voluntário de longo prazo e do mercado de capitais, o que irá beneficiar sobremaneira os projetos de infraestrutura.
Quanto aos aspectos regulatórios, é imperativo que as agências reguladoras tenham autonomia e capacidade para regular o setor sem interferências políticas e injunções indevidas de órgãos de controle e do próprio poder concedente, como preconiza o PL 6221/2016 em tramitação no Congresso.
Já no tema das garantias, no Brasil, o desenvolvimento dos financiamentos nos moldes de project finance deve ser promovido em maior escala, inclusive para os chamados projetos greenfield. Isso poderá não ocorrer em um primeiro momento no setor bancário privado doméstico ou no mercado de capitais interno, pouco acostumados com operações de longo prazo. A alternativa que se coloca é que esta modalidade de financiamento se estruture a partir de bancos públicos de fomento, como o BNDES, a Caixa Econômica Federal (CEF) e os bancos internacionais.
Além disso, o contexto econômico atual determina maior flexibilidade, tanto na aceitação de garantias corporativas, quanto nas próprias linhas de crédito disponíveis (crédito para capital de giros e empréstimos ponte, por exemplo). A assunção de riscos por parte do poder concedente é também um tema extremamente importante. Os projetos estaduais da Rodovia dos Tamoios e da Linha 6 do metrô são referência nesse sentido.
Há, ainda, a necessidade de flexibilização dos covenants financeiros usualmente exigidos como forma de viabilizar estruturas mais alavancadas de financiamento. Isso é indispensável nos primeiros anos dos projetos, momento em que as receitas tendem a ser menores.
Do ponto de vista das empresas seguradoras, é necessário ampliar o número de projetos com cobertura ampla de seguros-garantia, inclusive com percepção de mitigação de riscos pelos agentes financiadores.
Os procedimentos de manifestação de interesse privado (MIP) ou os procedimentos de manifestação de interesse (PMI) constituem mecanismos facilitadores para a elaboração de bons projetos. Incentivos públicos para a viabilização destes mecanismos são pertinentes. São exemplos a contratação de estudos pelo BNDES quando da última rodada de concessão aeroportuária e a participação de associações de classe - caso da Associação Brasileira da Indústria de Base e Infraestrutura (Abdib) - para infraestrutura urbana.
Em todos os segmentos da infraestrutura – envolvendo infraestrutura urbana (iluminação pública, saneamento básico e coleta e disposição de resíduos sólidos), mobilidade urbana (metrô, veículo leve sobre trilhos - VLT, bus rapid transit - BRT), infraestrutura de transportes (aeroportos, portos, ferrovias, rodovias, entre outros), energia elétrica (geração, transmissão e distribuição), e telecomunicações - a concessão para o setor privado se configura no presente momento como uma alternativa muito importante.
Concessões em Infraestrutura
Necessidade de Investimentos no Setor. A América Latina e Caribe tem grande carência em infraestrutura. A insuficiência quantitativa e/ou qualitativa nesta área leva a restrições e limites nas economias nacionais, com consequências negativas sobre a produtividade e o crescimento. Por outro lado, os investimentos nessa área são capazes de alavancar o crescimento. O estudo do McKinsey Global Institute intitulado “Bridging Global Infrastructure Gaps” indica que uma elevação de 1,0 p.p. do produto interno bruto (PIB) nos investimentos em infraestrutura no Brasil na próxima década poderia levar a um incremento de 1,5 p.p. no PIB, além de gerar direta e indiretamente 1,3 milhões de novos postos de trabalhos.
No documento “Filling the Gap: Infrastructure Investment in Brazil”, o FMI salienta os resultados pouco expressivos do Brasil em atender suas necessidades de infraestrutura, levando-o a uma das piores posições no ranking do World Economic Forum. Os setores brasileiros melhor posicionados no ranking são comunicação e informação e eletricidade, apesar de muitas empresas (46% das empresas do World Bank Enterprise Survey 2010) apontarem os custos com energia como um dos principais gargalos para o desenvolvimento de suas atividades.
No Brasil, a relação investimento em infraestrutura/PIB tem sido aproximadamente de 2%, enquanto em outros emergentes destacados, como Índia e China, atinge 4% e 13% do PIB, respectivamente. Vale ressaltar que o Brasil saiu de um grande desenvolvimento do setor nos anos de 1970, quando investiu 5,4% do PIB, para menos da metade, 2,4% do PIB na década de 2000 e menos ainda na presente década. Os dados mostram que nos anos 1970 o investimento em infraestrutura correspondia a 24% da formação bruta de capital fixo brasileira, diminuindo para aproximadamente 11% nos anos 2000.
A Abdib estima que, para 2017, o investimento no setor correspondeu a apenas 1,5% do PIB, percentual inferior aos 1,75% de 2016 e muito abaixo da necessidade de 5% para a modernização da infraestrutura brasileira nos próximos 10 anos. Estes são números preocupantes para uma economia com a infraestrutura já bastante deteriorada.
A melhor situação relativa do setor elétrico na infraestrutura brasileira decorre, em grande medida, de iniciativas nas últimas décadas, muitas delas através de concessões para o setor privado. Entre 1990 e 2016, esta área foi o principal destino de investimentos privados, com US$192,0 bilhões, segundo o Private Participation in Infrastructure (PPI) do Banco Mundial.
Por outro lado, o setor rodoviário e o aeroportuário apresentam indicadores insatisfatórios do ponto de vista da comparação internacional. Dados da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) relativos a 2014 avaliam que a malha rodoviária brasileira era de 1.714 mil km, dos quais apenas 204 mil km pavimentados. Destes, somente 11 mil eram dotados de pistas duplas. Ademais, a extensão de rodovias qualificadas como ótimas ou boas correspondia a 37,9% do total (23,9% foi classificado como ruim ou péssimo). Na comparação internacional, a porcentagem pavimentada da malha rodoviária brasileira é bastante inferior à de outros países como Argentina, China, Índia e México.
Desde o início da concessão de rodovias no país, entre os anos de 1995 e 2014 foram firmados 59 contratos, com extensão total de 19.463 km. Destas concessões, segundo a ABCR, 21 envolveram estradas federais, 20 em São Paulo, 7 no Rio Grande do Sul, 7 no Paraná e 11 nos Estados de Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Apesar do histórico relativamente longo de concessões e de alguns resultados positivos obtidos com os investimentos realizados, a infraestrutura nesse setor é insuficiente, bastando observar que 79,3% da malha viária não é pavimentada. Do total de vias pavimentadas, apenas 10% corresponde a trechos sob concessão. A parcela concessionada de pistas duplas sobre o total de vias com pistas duplas é bastante superior, de 88%; enquanto apenas 6% das pistas simples estão sujeitas a contratos de concessão.
Reverter este quadro requererá a mobilização de todas as fontes possíveis de investimentos e financiamento, sendo mandatória a necessidade de que sejam desenvolvidas novas estruturas de garantias, para além das corporativas, para amparar um maior volume de financiamento dos investimentos de longo prazo.
Essa agenda seria capaz de criar condições favoráveis ao investimento, atraindo capitais nacionais e externos para o Brasil. A infraestrutura é peça crítica no quebra-cabeça do desenvolvimento brasileiro. O nível mais elevado de investimento na economia depende dos aportes na expansão deste setor e, quanto maior a inversão em infraestrutura, maior também será a melhoria da competitividade econômica doméstica.
Breve Histórico de Concessões no Brasil. Entre 1990 e 2016 foram firmados 861 contratos com participação privada em investimentos em infraestrutura no país com um montante total de inversões de US$ 525,65 bilhões, segundo o Private Participation in Infrastructure 2017 do BANCO MUNDIAL. A participação privada envolveu os mais diversos segmentos: aeroportos, comunicação, gás natural, portos, ferrovias, rodovias, água e esgoto e eletricidade. Esse último contou com a maior parcela de investimentos (US$192,0 bilhões), seguido por comunicação (US$177,6 bilhões). Em termos de número de projetos com contratos firmados, o setor elétrico também lidera com 486 projetos, seguido por água e esgoto (148), rodovias (72) e portos (60). O gráfico abaixo mostra o volume de investimentos acumulado entre 1990 e 2016 por setor.
Considerando apenas o último quinquênio analisado (2012-2016), foram firmados 271 projetos no valor total de US$187,2 bilhões. O setor elétrico mantém-se como o mais relevante, tanto em termos de recursos (US$62,9 bilhões), quanto em número de projetos (180). Os setores de comunicação (US$37,2 bilhões), aeroportos (US$28,3 bilhões), rodovias (US$20,4 bilhões) e ferrovias (US$18,6 bilhões) também registraram montantes expressivos. Dentre os 10 principais projetos individuais, os destaques são telecomunicação, energia e aeroportos.
Novos Investimentos. Como já observado, nos próximos anos o Brasil precisará de todas as fontes possíveis de investimento em infraestrutura. Ainda há muito espaço para o desenvolvimento da iniciativa privada no setor, mas não se deve desconsiderar a importância do investimento público, especialmente para as populações e economias locais. Ademais, em muitos casos, as inversões públicas abrem caminho para investimentos privados.
Uma análise comparativa entre países mostra que os governos desempenham papel de destaque como investidor e o Brasil deve acompanhar tal tendência na recuperação da infraestrutura brasileira. Parcerias público-privadas (PPPs) e concessões são essenciais e de extrema importância para a economia, contudo, muitos projetos não oferecem atratividade para os investidores. Por este motivo, como mostra o gráfico abaixo, mesmo em países desenvolvidos, a contribuição do investimento público na infraestrutura é significativa.
Dentre as economias emergentes, os dados do Banco Mundial destacam que o financiamento público do setor representa cerca de 70% das despesas totais. As finanças públicas geralmente dominam na Ásia emergente, especialmente na China. Dentre os países da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), o Goldman Sachs estima uma participação do governo de 90% nas Filipinas, 80% na Tailândia, 65% na Indonésia e 50% na Malásia. Na América Latina, como nos países asiáticos, os investimentos públicos são dominantes. Em países como o Peru, alcança 3% do PIB, para um investimento total em infraestrutura de 4,8% do PIB.
No Brasil, um dos poucos países da América Latina onde o investimento privado tem sido maior que o público, este último vem sofrendo queda acentuada, sem que o investimento privado tenha se apresentado compensatoriamente. Esse processo precisa ser estancado e revertido em prol do desenvolvimento da infraestrutura brasileira, sem que isso represente que o setor privado deixe de ter liderança na retomada do investimento da infraestrutura brasileira. Por isso, ao lado dos esforços para deslanchar as iniciativas privadas sob o modelo de concessões, é muito importante, também, que o setor público brasileiro recupere sua capacidade de atuação, seja como investidor ou como financiador da infraestrutura nacional.
Desafios para a Infraestrutura
Financiamento. O BNDES, o principal financiador dos projetos de infraestrutura do país, apoia praticamente todos os segmentos da infraestrutura - energia, portos, aeroportos, rodovias, saneamento básico, entre outros. Os demais bancos de fomento, como a CEF e o Banco do Nordeste, têm participação inferior, mas também relevante. Já os instrumentos de mercado de capitais hoje são pouco representativos, mesmo com o advento das debêntures incentivadas, o mesmo valendo para os financiamentos através dos bancos privados. O BNDES concentrou 70% do total dos financiamentos de longo prazo na economia em 2016, enquanto o mercado de capitais respondia por apenas 13,7% dos financiamentos.
No caso das debêntures incentivadas, nota-se uma significativa evolução, especialmente nos últimos anos. Cabe lembrar que uma parte relevante das emissões desses títulos foi adquirida pelo próprio BNDES. Além disso, com a introdução da TLP como a taxa de longo prazo na economia, diversas empresas promoveram antecipações do pagamento de suas dívidas, optando pela emissão no mercado privado.
A queda da taxa SELIC poderá favorecer um avanço muito expressivo do mercado de capitais como fonte de financiamento da infraestrutura, uma realidade que já se faz presente embrionariamente, em especial para empresas com bons ratings para quem a emissão de debêntures se mostra convidativa. Mas, enquanto este processo não se completa e na ausência de apetite do mercado privado, o setor público, via as suas ferramentas de políticas públicas, pode e deve atuar para preencher a lacuna. São ações nesta direção: i) os incentivos tributários via isenção de imposto de renda que devem permanecer durante, ao menos, os próximos 5 anos; ii) o BNDES precisa continuar incentivando este mercado, seja adquirindo uma parcela das debêntures emitidas, seja exigindo uma certa proporção de financiamento em debêntures como contrapartida de um custo de financiamento menor, e iii) seria muito importante o desenvolvimento de mecanismos destinados a reduzir os riscos de construção dos projetos greenfield, como o seguro-garantia. Esse último ponto é relevante pois é extremamente difícil emitir debêntures incentivadas para projetos greenfield sem garantias corporativas.
Regulação. O tema regulatório sempre foi e será fonte de discussões e divergências, especialmente no que diz respeito às relações entre a agência reguladora e as concessionárias de serviços públicos. Isto, até certo ponto, é natural e faz parte dos riscos atribuíveis a projetos regulados.
A evolução técnica das agências reguladoras no Brasil constitui um dos requisitos para o bom andamento dos projetos. A experiência nacional neste ponto teve êxito em setores como o rodoviário (Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, Agência de Transportes do Estado de São Paulo – Artesp), o elétrico (Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL) e o de Óleo e Gás (Agência Nacional do Petróleo – ANP). Nesses casos as agências adquiriram grande experiência nas exigências para o cumprimento dos contratos e nos processos de reequilíbrio econômico e financeiro.
Todavia, recentemente os órgãos de controle (Tribunal de Contas da União e Tribunais de Contas Estaduais) vêm exercendo forte influência sobre temas regulatórios, de modo que, em muitos casos, foram alteradas decisões importantes. Esse elemento é fonte de preocupação entre os investidores, pois estes órgãos não foram criados com o objetivo de regular e nem desenvolveram capacitação técnica para tal. Outro aspecto relevante diz respeito ao menor poder decisório das agências reguladoras. No Estado de São Paulo, por exemplo, os processos de recomposição do equilíbrio econômico e financeiro passaram da Artesp para a secretaria responsável do governo do estado. Cabe ressaltar que a judicialização dos processos regulatórios não está em discussão, tendo em vista que esse é sempre um direito das partes.
Garantias e Condições de Financiamento. As instituições financeiras, inclusive o BNDES, têm como parâmetro de atuação não conceder financiamentos à infraestrutura com garantias somente do projeto (cessão de recebíveis, seguros-garantia para construção, alienação de ações e cotas das sociedades de propósito específico) desde o início de sua execução. Garantias corporativas sempre foram exigidas, podendo ser retiradas somente após o chamado completion financeiro.
Será indispensável que a discussão acerca de financiamentos com garantias coorporativas seja retomada para que o modelo de financiamento no Brasil acompanhe o padrão internacional. Faz-se necessário o monitoramento intensivo na fase pré-operacional e a substituição de garantias corporativas (restritas) e/ou fiança bancária por um pacote de apólices de seguros adequado às especificidades de investidores, poder concedente e financiadores. Os bancos de fomento devem encabeçar a iniciativa.
As instituições públicas de fomento poderiam atuar de forma a atenuar a restrição do crédito privado, exigindo estruturas de garantia flexíveis e compartilhadas por diversos agentes e não focadas exclusivamente nos sponsors dos projetos de concessão. Os projetos estaduais de PPP da Linha 6 Laranja e da Rodovia dos Tamoios são exemplos bem-sucedidos, nos quais o Governo do Estado de São Paulo compartilhou riscos de forma eficaz, pois mitigou-os nos momentos mais críticos dos projetos (período de investimentos).
Outro aspecto relevante é relativo à flexibilização das próprias linhas de crédito. Neste ponto destacam-se as linhas para capital de giro com prazo e taxas competitivas (Progeren do BNDES é um bom exemplo), pois não exigem contrapartida de investimentos.
Cabe, também, avaliar a customização de covenants financeiros (notadamente o índice de cobertura do serviço da dívida – ICSD) como forma de aumentar a alavancagem de concessões. É relevante citar as concessões federais de rodovias da Terceira Etapa, pois, em alguns casos, não foi possível atingir a alavancagem pretendida em virtude da queda de tráfego das rodovias (consequente redução do ICSD estimado) a partir de 2014.
Performance Bond. De forma geral, um seguro-garantia busca assegurar o cumprimento das obrigações da parte contratada. No setor de infraestrutura, a modalidade mais utilizada é o seguro-garantia de construção, fornecimento e prestação de serviços – performance bond. Neste caso, há previsão de pagamento de uma indenização, ou contratação de um terceiro, para fazer frente a eventuais perdas decorrentes da inadimplência do tomador do seguro no cumprimento das obrigações assumidas, ou conclusão do objeto contratual, conforme o caso, que podem estar relacionadas à construção, fornecimento ou prestação de serviços.
O performance bond pode ser utilizado para garantir, desde um contrato de fornecimento simples com a Administração Pública, até o cumprimento de um contrato de concessão junto ao poder concedente, em qualquer segmento de infraestrutura. Se o concessionário não cumprir o objeto da concessão, ou seja, não realizar a obra ou os investimentos previstos, ou não efetivar o pagamento dos valores da concessão (de forma integral ou parcial), ou atrasar ou ainda executar de forma inadequada a obra, a seguradora deverá executar as ações necessárias para a correta conclusão, seja contratando um terceiro para isso, seja indenizando o poder concedente nos termos da rescisão do contrato. A obrigação de garantir o contrato pode fazer com que a seguradora fiscalize o objeto segurado, uma obra por exemplo. Isso fortalece os contratos firmados e aumenta as chances de que sejam cumpridos.
Essa modalidade de seguro também pode ser utilizada como reforço de garantia para agentes financiadores (garante a construção do ativo em um projeto greenfield, por exemplo).
Alguns aspectos importantes devem ser destacados sobre o tema: i) o custo de um seguro como esse é inferior ao de uma fiança bancária (em torno de 50% menos), variando entre 0,3 % e 2,0% a depender do risco percebido pela seguradora; ii) sua aprovação é rápida, podendo ocorrer em semanas; e iii) a garantia pode variar significativamente como percentual do montante segurado (geralmente entre 5% e 10% nos contratos públicos, podendo ser contratados outros percentuais em contratos entre privados).
Atualmente, essa modalidade é pouco difundida no setor de infraestrutura. Nos contratos públicos, o tema é objeto da própria Lei 8.666/1993, no artigo 56. No presente momento está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6.814/2017, prevendo várias alterações no processo de contratação da Administração Pública, em que se enquadram todos os contratos do segmento de infraestrutura. Em linhas gerais, a escolha da modalidade de garantia permanece sendo do licitante/contratado/concessionária, desde que não haja disposição em contrário no edital. As modalidades de garantia admitidas permanecem sendo caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, seguro-garantia ou fiança bancária.
Nos contratos de pronta entrega, a prestação de garantias poderá ser dispensada. Para obras, serviços e fornecimento, é prevista alteração do percentual da garantia para, no máximo, 20% do valor inicial do contrato, devendo o percentual ser justificado mediante análise de custo-benefício que considere os fatores presentes no contexto da contratação. Em obras e serviços de engenharia de grande vulto, será exigido seguro-garantia com cláusula de retomada no percentual de 30% do valor inicial do contrato, hipótese em que o edital poderá prever a obrigação de seguros adicionais.
A nova lei estabelece ainda que, em se tratando de contratação de obras e serviços de engenharia, o edital poderá prever que a seguradora, em caso de inadimplemento contratual pelo contratado, se sub-rogue nos seus direitos e obrigações. Nessa hipótese, a única modalidade de garantia admitida será o seguro-garantia (inciso II do §1º). Se a seguradora não concluir o contrato, deverá pagar uma multa equivalente ao valor integral da garantia.
Com relação ao ponto anterior, encontra-se muita resistência no mercado segurador, uma vez que a seguradora não teria, como é dada atualmente, a opção de escolher a alternativa que lhe é mais vantajosa, ou ela própria concluir o contrato ou arcar com a indenização ao Segurado/Contratante. Outro problema é o limite de 30% do valor da garantia, que pode não ser suficiente para que a seguradora possa concluir a execução da obra/contrato. Além do mais, a simples sub-rogação, sem que sejam respeitados os limites de cobertura estabelecidos na apólice de seguro-garantia tornaria a relação Segurado/Seguradora desequilibrada, o que poderá reduzir o interesse das seguradoras de emitirem apólices de seguro-garantia nestas condições. A aplicação da penalidade à seguradora que optar por indenizar será também motivo de possível desinteresse.
O cenário atual de possíveis alterações propicia a adoção de medidas de proteção dos interesses de investidores e agentes financeiros. Ações nesta direção passam pela estruturação de um programa de seguros adequado ao risco evidenciado na estrutura física e contratual do projeto após um criterioso processo de análise de riscos, em que deverão ser tomadas, inclusive, medidas de prevenção ou mitigadoras para aqueles seguros cuja proteção securitária não é possível.
Além disso, será de extrema importância a implantação de um sistema de acompanhamento e monitoramento de obras que deverá se estender ao longo da fase de operação do projeto, já que tornará possível antecipar a ocorrência de problemas capazes de gerar atrasos expressivos e aumentos imprevistos nos custos. Ademais, a possibilidade de alocação inapropriada e intempestiva de recursos no projeto passa a ser mais remota, dado o acompanhamento do progresso da obra frente ao cronograma físico-financeiro.