Carta IEDI
Edição 686
Publicado em: 10/07/2015
Não Houve Impulso À Competitividade
Sumário
A Carta IEDI de hoje traz uma entrevista com Dan Ioschpe, presidente do Conselho de Administração da Iochpe-Maxion e Conselheiro do IEDI.
Para ele, falta ao Brasil ter um caminho para trilhar. “Eu acho que deveria ser criado um caminho longo, e não curto. Nós precisamos de um chapéu de competitividade porque este é o norte. Se o governo caminhar sempre nessa direção vai influenciar as outras áreas do próprio governo, da economia e da sociedade.”
Exemplifica com a área internacional os benefícios que uma trajetória de longo prazo poderia trazer ao setor automotivo: “O governo poderia dinamizar a pauta brasileira nas importações e exportações do setor automotivo, se tivéssemos uma gama mais ampla de acordos mesmo que com graduação lenta. Assim, seria dado um caminho de longo e médio prazo para a indústria. Eu acho que esse é um problema que temos hoje no Brasil: a falta de entendimento para onde vamos. É preciso ter uma agenda de competitividade em todos os aspectos. ”
Dan Ioschpe trata ainda de vários outros temas:
Sobre a globalização da indústria automobilística: “A indústria automotiva, inclusive a de autopeças, se transformou em uma indústria global. Existem poucas indústrias com um grau de globalização tão efetivo e evidente. Esse setor é mais global do que local, isso quer dizer que tem características mais homogêneas ao redor do globo e os veículos produzidos apresentam poucas diferenças nas diversas partes do mundo.”
Sobre ser competitivo na indústria automobilística: “Para ser competitivo é preciso ter um circuito industrial, uma estrutura industrial e de suprimentos, de pessoas e de logística muito adequada. É sistêmico. Temos duas trajetórias nesse ambiente: aqueles países que se capacitaram para serem extremamente competitivos, que foram buscando isso ao longo do tempo como política, e aqueles países que tiveram a suposição que seus mercados domésticos exuberantes fomentariam a existência da indústria.”
Sobre a indústria automobilística brasileira: “Com a exuberância do mercado doméstico, houve um descuido nacional em relação à competitividade, não só das empresas, mas especialmente do sistema como um todo entre as matérias-primas, a logística e o governo. A isto eu chamo de “fenômeno ilha”. Enquanto o mercado doméstico se expande isso funciona bem. Quando esses mercados começam a ter dificuldades surge a ociosidade. ”
Sobre o papel do câmbio em redinamizar as exportações de veículos: “A pergunta chave que todos do setor estão fazendo em relação ao Brasil é: quanto tempo dura essa taxa de câmbio? Se o câmbio não vier acompanhado de outras medidas macro e microeconômicas saneadoras da competitividade brasileira, talvez esse movimento em prol das exportações seja um voo de galinha. ”
Sobre a automação: “A automação na indústria automobilística mundial é elevada e está aumentando no Brasil, inclusive no setor de autopeças. Na indústria brasileira como um todo também está ganhando força, porém paulatinamente”.
Sobre o Inovar-auto: “Eu acho que o Inovar-auto (2014/2018) veio por conta do câmbio desfavorável. Decidiu-se, então, tarifar domesticamente em mais 30 pontos percentuais tanto a produção local de automóveis como o importado. Agora estamos diante de uma nova realidade em que o Inovar-auto está sendo questionado pela OMC, pode ser que o programa acabe antes mesmo de completar os 5 anos. Sem as mudanças macroeconômicas necessárias, que o Inovar-auto procurou contornar, o fim do programa será muito ruim.”
Sobre a política industrial brasileira: “Quando se fala em política industrial, o governo aparece com um arsenal de programas que não farão grande diferença. Agora, uma política industrial de fato exige mecanismos macroeconômicos corretos que bloqueiem a geração de problemas micro. Talvez essa seja a forma mais razoável de olhar a questão, ao invés de criar um conjunto de programas ou diretrizes governamentais.”
Sobre a crise no setor automobilístico: “O que todo mundo espera nesse momento é que não teremos uma recuperação em vendas e que o consumo não vai ser a saída da crise e sim o investimento, a infraestrutura. Deve começar a haver uma recuperação do setor no final desse ano ou começo do ano que vem, mas será gradual. ”
Dan Ioschpe
Dan Ioschpe: A indústria automotiva, inclusive a de autopeças, mas especialmente na área das montadoras, se transformou em uma indústria global. Existem poucas indústrias com um grau de globalização tão efetivo e evidente. Esse setor é mais global do que local, isso quer dizer que tem características mais homogêneas ao redor do globo e os veículos produzidos apresentam poucas diferenças nas diversas partes do mundo. Então, acho que a primeira tônica dessa indústria é que alguns países se vocacionaram para serem os manufatureiros desses produtos, tanto em autopeças como na montagem de veículos. É óbvio que aqueles países com grande demanda também se mostram como grandes produtores, embora, atualmente, por questões de competitividade, nós começamos a constatar alguns desvios dessa regra. Hoje a Turquia, o México e a Coréia são ótimos exemplos de países em que a produção de veículos é muito superior à demanda interna.
Nesse cenário de produção mais globalizada, o Brasil teve uma fase em que os produtos domésticos estavam defasados, tinham ficado para trás. Essa foi a fase anterior ao governo Collor. Desde então, se fez certa abertura comercial dando início a uma fase mais globalizante. É verdade que isso também casou, de certa forma, a desnacionalização de uma parte do setor. Este é um mercado com características bem mais evidentes de globalização que outros negócios e quanto mais próxima do cliente está a etapa de produção, como é o caso das montadoras, mais evidente fica essa globalização. As montadoras apresentam uma repetição dos grandes players ao redor do mundo e que estão fazendo plataformas de oferta de produto bastante globalizadas.
IEDI: O que condiciona essa busca por uma oferta globalizada?
Dan Ioschpe: Porque isso gera competitividade. Se puderem desenvolver veículos com menor tempo e custo de chegada ao mercado, com menor investimento em ferramentais, tão melhor. Quando uma montadora sai com uma nova plataforma, ela elege um grupo de países para serem os países fabricantes daquela plataforma, daquele produto. De certa forma, as empresas de autopeças precisam acompanhar esse mesmo movimento, pois, diferente de outros setores, elas são muito ligadas à eficiência e competitividade, muito mais que ao marketing e à publicidade. Isso porque trata-se basicamente uma venda industrial. Há uma perseguição dos custos que faz com que a escala de produção seja muito significativa e, por conta disso, diferentemente de outros produtos, as montadoras e os autopartistas não buscam fracionar a sua base de fornecedores de forma excessiva. Eu diria que eles não buscam fracionar de forma alguma. Busca-se, na verdade, é a consolidação de sua base de fornecedores. Gera até alguma estranheza nos órgãos reguladores anti-trust que as montadoras sejam a favor da consolidação de seus fornecedores. A lógica é que todos os players da cadeia podem verificar que determinada consolidação gerará ganhos econômicos efetivos que serão, de alguma forma, distribuídos por toda a cadeia, não sendo apropriados apenas pela empresa consolidada. A montadora, então, elenca seus fornecedores-chave, em função de sua competitividade, qualidade, de interesse em acompanhar essa montadora ao redor do mundo, e vai de certa forma repetindo essa estrutura naqueles países onde tem grande atividade industrial. Ou seja, quando a Honda ou a Toyota vêm ao Brasil, ou aos EUA, ela traz consigo, ao longo do tempo, um conjunto de parceiros que ajuda ela a fabricar seus veículos com os requisitos de competitividade, com a qualidade e o timing necessários.
IEDI: A competitividade do setor tem um caráter sistêmico, então.
Dan Ioschpe: Sim. Para fazer tudo isso ao mesmo tempo é preciso ter um circuito industrial, uma estrutura industrial e de suprimentos, de pessoas e de logística muito adequada. São estruturas que vão se alojando em países-chaves, que vão recebendo cada vez mais manufatura e se tornando extremamente competitivos. Eles acabam desenvolvendo esse tecido industrial, o que gera um círculo virtuoso. É sistêmico. Temos, então, duas trajetórias nesse ambiente: aqueles países que se capacitaram para serem extremamente competitivos, que foram buscando isso ao longo do tempo como política, e aqueles países que tiveram a suposição que seus mercados domésticos exuberantes fomentariam a existência da indústria. O Brasil, nos últimos dez ou doze anos, está nesse segundo caso. No período anterior, o Brasil foi um bom exportador de veículos. A exportação representou participação expressiva da produção brasileira, seja das montadoras seja dos autopartistas. Com a exuberância do mercado doméstico, houve um descuido nacional, digamos, não só das empresas, mas especialmente do sistema como um todo entre as matérias-primas, a logística e o governo. Houve um descuido em relação à competitividade; o que eu chamo de “fenômeno ilha”. Enquanto esses mercados domésticos se expandem isso funciona bem. Quando esses mercados começam a ter dificuldades surge a ociosidade.
Nos últimos 10 anos, o Brasil de certa forma ficou fora da primeira trajetória que identifiquei porque tentou vocacionar essa economia para a satisfação da demanda doméstica. Isso tem algumas implicações. Você acaba fazendo um volume de plataformas, uma variedade de produtos para tentar fazer tudo internamente, por conta das alíquotas de importação, mas isso não gera escala. Fez-se de tudo para tentar sobreviver nesse “fenômeno ilha”. Essa modelagem levou a produzimos tudo o que se queria aqui e isso obviamente tende a não ser competitivo porque temos um mercado relativamente pequeno em nível mundial. Um mercado de 3,4 milhões, como o do Brasil, representa apenas 4% ou 5% da produção mundial. O mercado chinês, hoje, é de mais de 20 milhões de veículos, o da América do Norte é 20 milhões de veículos, o a Europa é 17 milhões. Ou seja, o Brasil não é um mercado tão esplendoroso para que se tivesse essa política, mas foi o caminho adotado. Então, temos um conjunto muito diversificado de produtos ofertados, para atender as exigências da demanda doméstica, o que não permite obter grandes ganhos de escala, e fatores de custo desconectados da realidade internacional.
IEDI: O câmbio apreciado também contribuiu para que o mercado externo perdesse importância para o setor automobilístico nacional? Uma taxa de câmbio mais competitiva ajudaria a reverter essa trajetória?
Dan Ioschpe: Depende, porque na indústria automotiva, mais ou menos 60% dos custos totais referem-se a matéria prima e/ou itens comprados e 23% é labour (todos os salários em conjunto). Esses são os dois fatores de custo essenciais desta indústria. Se você supuser que esses custos com componentes/matérias-primas são influenciados pelo câmbio, é pouco provável que a desvalorização, a menos que seja muito expressiva, consiga sozinha reverter essa trajetória. Em uma situação, como a que estamos vivendo hoje, de recessão com desvalorização cambial, talvez você tenha um capítulo, mesmo que temporário, distinto em que a demanda doméstica está tão enfraquecida que alguns players, sujeitos a um pouco mais de competição, não vão conseguir fazer o repasse do custo; especialmente porque outros players com mais capacidade ociosa podem praticar preços abaixo do normal, da melhor forma de precificação, como forma de ganhar mercado. Nessas condições é comum haver algum nível de canibalização no mercado.
Outra questão importante nessas circunstâncias é a redução do ciclo de tempo dos lançamentos de novos produtos. Se a empresa conseguir fazer mais lançamentos do que no passado e mais rápido, quando chegar com veículos novos no mercado vai atrair cada vez mais o consumidor. Em época de queda do mercado, quem tem os veículos novos tende a se dar muito melhor.
IEDI: A combinação de mercado interno baixo e com o câmbio um pouco mais favorável aumentará as exportações, ainda que marginalmente?
Dan Ioschpe: Sim. Eu acho que o câmbio talvez não seja a solução do setor, mas ele ajuda nesse aspecto. Como o produtor do automóvel pode se encontrar em uma situação de incapacidade de repassar integralmente aos preços domésticos a desvalorização do câmbio – não só pelo baixo dinamismo do mercado, mas também pela prática de preços daqueles players com capacidade ociosa – é preciso acertar os custos. Então, nessa primeira frase, uma taxa de câmbio mais desvalorizada sugere que o grau de importação da empresa não é sustentável. Isso pode afetar principalmente os novos entrantes, com um grau ainda mais baixo de nacionalização de sua produção, mas também os players tradicionais, mas com produtos novos – uma vez que a regra, ao se introduzir um novo produto, é que ele tenha sido desenvolvido fora do país, implicando inicialmente um grau elevado de componentes importados. Agora se você não for mais capaz de pagar esse grau de componentes importados, você é obrigado a rever sua decisão de localização, com efeitos sobre investimentos, instrumentalização, etc., Mas a questão importante é saber quanto tempo vai durar esse patamar de taxa de câmbio. A montadora que decide, nessa situação, ampliar o grau de componentes nacionais, realizando investimentos, se pergunta constantemente se ela vai se arrepender dessa decisão.
Em um segundo momento, o câmbio desvalorizado remete à decisão sobre exportações. As empresas do Brasil devem, então, se reportar às suas matrizes, e a sua rede de parceiros, sua vontade retornar ao mercado internacional, depois de longo período voltado ao mercado doméstico. O problema é que a casa-mãe irá responder dizendo que ela tomou uma decisão de matriz internacional de suprimentos que precisará ser revista. Por essa razão, vai exigir, em seguida, uma previsão de quanto tempo essa inserção internacional da filial brasileira vai durar. Então a pergunta chave que todos do setor estão fazendo em relação ao Brasil é: quanto tempo dura essa taxa de câmbio? Se o câmbio não vier acompanhado de outras medidas de caráter macro e micro saneadoras da competitividade brasileira, talvez esse movimento em prol das exportações seja um voo de galinha.
IEDI: A política industrial, com o Inovar-auto, por exemplo, consiste nessas medidas saneadoras da competitividade nacional?
Dan Ioschpe: Eu acho que o Inovar-auto veio por conta do câmbio desfavorável daquele momento. Tinha-se chegado a um ponto da curva cambial onde era possível importar barato produtos da gama baixa, não só da gama alta. Na gama alta, como não tem oferta doméstica, a elasticidade de preço é maior, já na gama baixa temos oferta doméstica. Abriu-se uma circunstância entre a estratégia do país fabricante e o câmbio do país adquirente gerava um valor competitivo, mesmo com 35% de imposto de importação sobre veículos. Foi o que vimos na primeira fase da importação, em 2009 e 2010, que também casou com uma grande ociosidade internacional. A porcentagem da importação, que era cerca de 17%, chegou a algo como 27%. Assim, as montadoras entrantes pensaram: eu faço um investimento em marketing de R$ 1 bilhão (o que não é pouco, mas também baixa complexidade e baixo impacto econômico) e faço um business automotivo sem nenhuma manufatura. O governo e as montadoras se preocuparam em até onde isso poderia chegar. A montadora competidora que já estava aqui no Brasil há muitos anos só tinha uma coisa a fazer: copiar o modelo. Como elas já tem fábrica na China, na Coréia etc, decidiram que fabricaria lá seus produtos e os importariam também. O governo se assustou porque se os outros passassem a fazer isso, os 27% de importação poderiam virar 77% e aí a essa indústria seria sucateada.
Então como o governo não mexeu na matriz macroeconômica, que era o lema da visão anterior, teve que achar outra maneira de resolver o problema, porque também não poderia colocar alíquota de importação maior por causa da OMC. Decidiu-se, então, criar um modelo relativamente criativo ao tarifar domesticamente em mais 30 pontos percentuais tanto a produção local como o importado, mas se geraria um crédito presumido para aquelas empresas instaladas aqui que utilizassem insumos locais. Assim, quem quisesse vender aqui teria que investir em fábrica; não valeria mais a pena para o empresário que apenas investia em marketing. O jogo havia mudado. Agora estamos diante de uma nova realidade em que o Inovar-auto está sendo questionado pela OMC, pode ser que o programa acabe antes mesmo de completar os 5 anos. Esse questionamento vai ser muito duro. Pode significar uma derrota para o governo. Sem as mudanças macroeconômicas necessárias, que o Inovar-auto procurou contornar, o fim do programa será muito ruim.
IEDI: Como estão evoluindo os investimentos e a capacidade produtiva do setor, que está subindo?
Dan Ioschpe: Alguns desses investimentos em capacidade têm escala de produção baixíssima e são muito importantes para players que não tem tanta relevância no mercado. Quando uma General Motors faz um investimento no Brasil, é mais do mesmo; quando uma empresa que atua basicamente em um único país, como é o caso de algumas montadoras chinesas, que sua primeira decisão de levar uma fábrica para o exterior refere-se ao Brasil, a chance de equívoco é monstruosa. Isso porque, como comentamos, somos um mercado de 3 milhões, o que é pouco perto de outros mercados. É, então, uma aposta arriscada. Seria menos arriscado para elas investirem em um mercado maior. Existe um risco com o fim do Inovar-auto e algumas dessas novas montadoras estão vendo isso e parando de investir até ver o que vai acontecer.
IEDI: O “modelo ilha” depende de muitas coisas para dar certo em um ambiente em que a regra não é essa, já que é uma indústria globalizada. Nosso regime automotivo teria algum raio de manobra para se adaptar a uma sanção da OMC?
Dan Ioschpe: O que falta hoje é um caminho e eu acho que deveria ser criado um caminho longo, e não curto. Nós precisamos de um chapéu de competitividade porque este é o norte. Se o governo caminhar sempre nessa direção vai influenciar as outras áreas do próprio governo, da economia e da sociedade com essa noção de competitividade. Esse seria um bom caminho. Por exemplo, na área internacional, o governo poderia dinamizar a pauta brasileira nas importações e exportações do setor automotivo, se tivéssemos uma gama mais ampla de acordos mesmo que com graduação lenta. Assim, seria dado um caminho de longo e médio prazo para a indústria. Eu acho que esse é um problema que temos hoje no Brasil, a falta de entendimento para onde vamos. É preciso ter uma agenda de competitividade em todos os aspectos.
Quando se fala em política industrial, o governo aparece com um arsenal de programas que já existem e que não farão grande diferença. Eles estão lá e serão usados de vez em quando, mas são serviços prestados. Agora, uma política industrial de fato exige mecanismos macroeconômicos corretos que bloqueiem a geração de problemas micro. Talvez essa seja a forma mais razoável de olhar a questão, ao invés de criar um conjunto de programas ou diretrizes governamentais.
IEDI: Esse ano será difícil para as automobilísticas e as autopeças?
Dan Ioschpe: Será muito difícil. Nós já estamos vindo de um ciclo, desde 2012, bastante acidentado nesse setor. Em 2012 foi ruim, em 2013 foi bom, já 2014 foi um ano de queda e 2015 será um ano de mais queda, ou seja, nesse ciclo de 4 anos, nós tivemos só um ano razoável e 3 anos ruins. O que todo mundo espera nesse momento é que não teremos uma recuperação em vendas e que o consumo não vai ser a saída da crise e sim o investimento, a infraestrutura. Deve começar a haver uma recuperação do setor no final desse ano ou começo do ano que vem, mas será gradual. Com isso a capacidade de produção das empresas permanecerá ociosa; a recuperação do emprego será muito lenta e, ao mesmo tempo, se não tiver uma resolução dos custos brasileiros, se esses custos continuarem a crescer, o grau de automação continuará aumentando.
IEDI: A rentabilidade das montadoras é muito alta no Brasil?
Dan Ioschpe: Eu acho que foi, não é mais tanto. E foi porque houve uma exuberância da demanda doméstica por uma oferta construída, o suply demand. Um crédito acessível que, em determinado momento, saiu de controle, tornando-se exagerado e com prazos muito longos também; mas isso já foi ajustado. Houve ainda uma fase em que as coisas deram certo pelo consumo, pela demanda. Mas como não houve um impulso à competitividade, todo crescimento da oferta se relacionava exclusivamente para aquele mercado e não para uma matriz de competitividade. Então existia uma convicção de não fazer nenhum investimento no Brasil a não ser para o mercado interno, o que acabou criando um sistema de baixa competitividade e alto risco.
IEDI: Você falou que vai continuar a automação, isso significa que já está havendo uma automação forte no setor automobilístico?
Dan Ioschpe: Sim, já tem tido. O setor automotivo é um dos maiores usuários de automação no mundo e no Brasil também. O Brasil ainda está muito aquém dos níveis de automação da Alemanha ou Detroit. Uma tarefa que precisa de uma pessoa lá, aqui no Brasil ainda precisa de algo em torno de cinco pessoas na média. Mas a lógica é ter o trabalho competitivo, tanto em nações subdesenvolvidas, quanto em desenvolvidas. A segunda razão, de mesma importância, é a qualidade. Existem processos no setor automotivo que se não forem automatizados, o grau de erro segue ocorrendo. É muito perigoso para um player desse setor não automatizar uma série de tarefas que são cruciais. Como algumas tarefas tem um volume grande de repetições, a chance de um funcionário fazer algo errado durante as suas 8 horas de expediente é alta.
E a terceira razão é volume. Normalmente quando se quer expandir o volume, uma das formas é a automação. Somando o custo alto do trabalho, a complexidade do uso do trabalhador, a qualidade e a necessidade de aumentar a capacidade em determinados momentos, a automação é o melhor caminho. Em um determinado momento, esteve também a favor do Brasil a apreciação do câmbio, que ajudou parcela dessa automação porque grande parte dela vinha de fora. Importávamos itens de automação a preços interessantes, mas agora temos um câmbio que não vai ajudar muito nesse aspecto. Temos algumas barreiras a esse caminho, mas acho que é um caminho sem volta.
IEDI: Essa automação está ocorrendo nas autopeças aqui dentro do Brasil?
Dan Ioschpe: Sim, está ocorrendo. O que acontece é que quando há momentos de elevada turbulência, às vezes o empresário não pode fazer esse investimento em automação. A capacidade é uma das coisas que, agora, eles não estão preocupados porque já estão com excesso de capacidade.
IEDI: Acredita que a indústria como um todo está aumentando a automação? Está aumentando a competitividade ou ainda é um processo muito demorado?
Dan Ioschpe: Eu acho que a automação está aumentando. O que ocorre é que os custos do trabalho cresceram de uma forma desproporcional. Ademais, você não consegue alterar uma fábrica de forma rentável de uma só vez, tem que ser de máquina em máquina porque todas essas aplicações têm especificidades próprias e isto custa caro. Não há condições de fazer isso em uma velocidade muito elevada. Eu diria que, em geral, as empresas ao redor do mundo buscam, com esses projetos de automação, uma redução de 4% ou 5% ao ano do seu custo de mão de obra por ano.
IEDI: As autopeças nacionais possuem ainda uma expressão relevante no setor?
Dan Ioschpe: Sim, na manufatura nacional. E quase todas as empresas relevantes no mundo estão aqui. O conteúdo local tem regras um pouco confusas e acho que ter um regramento simples e claro é melhor, mesmo que tenha que graduar isso, dar um prazo maior para que as empresas se adaptem. Acho que essa é a visão correta do conteúdo local. No Brasil temos algumas portas de entrada e saída que não são muito corretas ou coerentes para um regime de conteúdo local. Por outro lado, tivemos durante muitos anos o abandono da competitividade, então essas duas coisas andaram juntas. O que nós temos recomendado dentro do ambiente de autopeças é um aperto das regras de origem, seja para nós, seja para nossos parceiros, e um ajuste para o nível correto e que ocorra em uma velocidade onde todos os jogadores estejam razoavelmente tranquilos. Não estamos tendo uma resposta muito favorável do governo, mas acho que caminha para isso, para o fortalecimento das regras de origem com uma visão mais correta de conteúdo efetivo.