Carta IEDI
Uma Nova Agenda para a Política de Comércio Exterior do Brasil
A Carta IEDI desta semana divulga parte de um estudo concluído em março último pelos economistas Vera Thorstensen e Lucas Ferraz (professores da EESP-FGV e Coordenadores do Centro do Comércio Global e Investimento da FGV) sobre uma nova política de comércio exterior brasileiro. (Ver o estudo na íntegra aqui)
O quadro atual do comércio exterior do Brasil vem se mostrando crítico. Percebe-se uma tendência de queda do saldo da balança de comércio do país, com a primarização da pauta de exportação e queda acentuada das exportações de manufaturados. O déficit das transações correntes cresce de forma significativa. A participação do país no comércio mundial estagnou ao redor de 1,3% - 1,5% há anos, enquanto outros países em desenvolvimento galgaram posições mais elevadas.
Nota-se que, desde 2003 (durante os governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2014)), o Brasil optou em concentrar sua estratégia de comércio exterior no Mercosul, na América do Sul e nas relações Sul-Sul. Defendeu negociações de abertura de mercados e de regras para o comércio no plano multilateral, no âmbito da OMC e em acordos preferencias limitados apenas com países em desenvolvimento. Optou, assim, por uma política de isolamento do grande movimento mundial de multiplicação de acordos preferencias, que se acentuou no final da década passada, quando a Rodada de Doha da OMC começou a dar sinais de grave impasse.
O Brasil não atentou para outro revolucionário movimento do cenário internacional, que fragmentou o sistema de produção e globalizou o comércio internacional, introduzindo nova lógica para a política de desenvolvimento econômico – a lógica das cadeias globais de valor (CGV). Essas cadeias vêm pautando a política de comércio não só de países desenvolvidos, como também de um número crescente de países em desenvolvimento.
Tal dinâmica baseia-se na importação de bens intermediários (semimanufaturados, partes e componentes), e na agregação de valor por meio de serviços, tecnologia, concepção e logística para a manufatura e distribuição de forma global. Esse raciocínio já está presente nas negociações de acordos preferenciais de última geração e dos mega-acordos de comércio. O método das CGV também já está presente na formulação das políticas de organizações internacionais como FMI e Banco Mundial.
A formação de CGV vem liderando a negociação de acordos bilaterais e plurilaterais para a extensão de diversos temas de comércio já negociados na OMC, como serviços, propriedade intelectual, barreiras técnicas, fitossanitárias e sanitárias, bem como com novos temas, ainda excluídos da OMC, como investimentos, concorrência, meio ambiente, energia e câmbio. As pressões por novas e mais modernas regras de comércio ditadas pelas cadeias globais atingem a OMC, que continua lutando para concluir uma rodada de velhos temas como tarifas e defesa comercial. É evidente, portanto, que a nova lógica imposta pelas CGV vai exigir a redefinição de muitas regras de comércio, sobretudo aquelas estabelecidas pela OMC.
O quadro atual do Brasil pode ser explicado por uma série de fatores: i) a adoção de uma política comercial que defende velhos instrumentos de proteção contra importações como tarifas e uso crescente de instrumentos de defesa comercial, não atentando para o fato de que tais instrumentos são completamente anulados pela sobrevalorização do real; ii) o foco da inserção comercial centrado no Mercosul; iii) a celebração prioritária de acordos sul-sul, com países em desenvolvimento, de pouca relevância comercial; iv) a adoção de uma política de isolamento do mercado do Brasil para a abertura comercial com países desenvolvidos, fonte de tecnologia e inovação; v) a pouca competitividade da indústria doméstica e a existência de uma série de barreiras no mercado nacional que dificultam a inserção da produção nacional nas cadeias globais de valor.
Nesse contexto, é patente que a Política de Comércio Exterior do Brasil precisa ser revista e reestruturada, a fim de promover o choque de competitividade necessário à indústria nacional, ganhar maior espaço nas exportações do agronegócio, cada vez mais restringida por barreiras regulatórias (medidas sanitárias e fitossanitárias e padrões privados), e partir para uma maior liberalização de serviços, base da agregação nas cadeias de valor. Em síntese, promover a real inserção do Brasil no comércio internacional.
O presente trabalho visa oferecer alguns subsídios para esse debate. Será proposto um plano de reforma da estrutura da política e da administração do comércio exterior para dar suporte à agenda da nova Política. Pretende-se, assim, evidenciar os pontos de reforma da Política de Comércio Exterior do Brasil para que o cenário crítico, no qual atualmente o País se encontra, possa ser revertido.
A Nova Agenda de Política de Comércio Exterior – OMC. No âmbito multilateral, na OMC, ressalta-se a importância do Brasil mostrar empenho na finalização das negociações de Doha e no lançamento de nova rodada para trazer novamente para a OMC a centralidade da criação das regras e instrumentos de comércio internacional.
Uma vez vencido o impasse de Bali, com a aprovação do Acordo de Facilitação de Comércio e de um entendimento para o tema de segurança alimentar de interesse da Índia, a prioridade deve ser a de buscar um novo mandato de rodada para a OMC, incluindo temas tradicionais de acesso a mercados para bens agrícolas e não agrícolas e perseguindo o interesse de se adequar aos desafios dos tempos modernos das cadeias globais.
Na área de TBT e SPS, o Brasil deve adotar uma postura mais agressiva, contestando nos Comitês da OMC diversos regulamentos e padrões utilizados como novas formas de proteção ao comércio. Exemplos são as regulações da UE relacionados a químicos, como o REACH, e ao etanol, como o RED, além da Lei Grenelle da França. A multiplicação de padrões privados é, hoje, uma importante barreira ao comércio, onde os governos dos países desenvolvidos se esquivam de confrontos na OMC, ao incentivarem órgãos não-governamentais a criarem padrões que discriminam fortemente a exportação dos países em desenvolvimento. O Brasil deve ser mais ativo nos Comitês de SPS e TBT para buscar novas regras para o tema. Exemplos de padrões privados que estão se convertendo em barreiras comerciais se encontram nas novas regras sobre sustentabilidade de produção de biocombustíveis, exploração “legal” de madeiras e padrões para a produção de algodão com rígidos critérios relativos a mão de obra.
Com relação aos acordos plurilaterais atualmente em discussão, o Brasil tem mantido uma postura de não participação. No entanto, dada a importância do conteúdo de serviços para a produção industrial, seria importante o Brasil rever a sua postura, principalmente se forem considerados os altos custos dos serviços prestados no Brasil. No âmbito internacional, a área de serviços começou a ser negociada fora da OMC, e vem progredindo e envolvendo um número cada vez maior de países. Com o impasse da Rodada, os custos de não participar do acordo podem ser maiores do que os de optar pela participação. A liberalização da área de serviços é prioritária para o aumento da competitividade brasileira e fundamental para a inserção nas cadeias globais. A adesão ao TISA é relevante para manter o Brasil como ator influente no cenário multilateral, participando da elaboração de novas regras de comércio. Cabe ao país avaliar, também, a viabilidade de promover acordos plurilaterais em outras áreas de seu interesse, como energia e investimentos, como contraponto à área de serviços.
Diante da realidade da multiplicação de acordos preferenciais com a inclusão de novos temas extra-OMC, como investimentos, concorrência, meio ambiente, cláusula social, além do aprofundamento de temas já dentro da OMC, tais como serviços e propriedade intelectual, onde os interesses comerciais dos países excluídos são significativos, é relevante que o Brasil proponha, na OMC, a transformação do antigo Comitê de Acordos Regionais em um Conselho sobre Acordos Preferenciais, com funções alargadas e maior competência para avaliar e propor medidas de adequação às atividades extra-OMC desses acordos que impactem o comércio dos países terceiros. A criação de tal Conselho se faz mais premente na medida em que avançam as negociações do TPP e do TTIP.
Acordos Preferenciais – Mercosul e Aladi. A adoção de uma política mais agressiva de negociação de novos acordos preferenciais por parte do Brasil impõe uma nova política em relação ao Mercosul. Se as opções política e econômica de nossos parceiros Argentina e Venezuela, por viverem momentos de fechamento de suas economias, seria a de não buscar a abertura comercial, então seriam soberanos em fazê-lo. No entanto, o Brasil pode optar por outro caminho que seja mais adequado aos interesses nacionais. A política de negociar novos acordos, como está fazendo a maioria dos países em crescimento, é importante para dar competitividade ao País e forçar a busca por inovações e novas tecnologias.
Com relação ao Mercosul, o modelo da união aduaneira deve ser flexibilizado para atender às diferentes necessidades de cada membro. Uma medida possível seria adotar, nas negociações de futuros acordos, inclusive no acordo com a União Europeia, o conceito de velocidades diferentes de liberalização. Nesse modelo, todos os membros do Mercosul estariam vinculados ao acordo, mas cada um teria uma lista de compromissos própria e independente das listas dos demais.
O conceito não é novo. O artigo 6º do Tratado de Assunção, que criou o Mercosul, já reconhecia a necessidade de diferenças no cronograma de implementação da liberalização dos mercados do Paraguai e Uruguai. As assimetrias entre os Membros até hoje justificam o direito do Paraguai e, em menor grau, do Uruguai, a um maior número de exceções à TEC do que aquele autorizado ao Brasil e Argentina. A possibilidade de se levar em consideração as assimetrias do Mercosul também nos acordos preferenciais estaria, portanto, em consonância com essa política.
A flexibilização da Decisão 32/00 permitiria que os membros buscassem de maneira independente seus parceiros comerciais para a obtenção de preferências comerciais. É bem verdade que essa medida resultaria em perda relativa da preferência do Brasil. Ao conceder preferências a outros parceiros, haveria uma corrosão da preferência de que hoje disfrutam os exportadores brasileiros. No entanto, trata-se de mercados onde o Brasil vem perdendo competitividade e cedendo espaço cada vez maior para a China, e que poderão ser obtidos pelo Brasil por meio da negociação de novos acordos comerciais. Tal deliberação pode ser alterada por decisão ministerial, não sendo necessário ser submetida aos Congressos.
É hora de o Brasil repensar o Mercosul e cortar as amarras a que se submeteu. A opção não é destruir o Mercosul, mas flexibilizá-lo, de forma a que cada País tenha a liberdade de fazer os acordos que são de seu interesse.
Com relação à ALADI, o Brasil deve aprofundar os acordos atualmente em vigor, com a negociação de compromissos em serviços e a regulação de temas que impactam o comércio bilateral. A concentração em redução tarifária e a mera reprodução das regras multilaterais, tal como ocorre nos acordos atuais do Brasil, não é suficiente para atender aos desafios do comércio internacional contemporâneo, que exige um modelo mais profundo de integração. É importante promover o aprofundamento das regras visando à coerência jurídica e à equalização dos critérios, com a negociação de acordos de reconhecimento mútuo, mitigando a fragmentação das regras de comércio na região e fortalecendo um eventual modelo sul americano.
Acordos Preferenciais Extrarregionais. Com relação às alternativas de novos acordos preferenciais, o CCGI da EESP/FGV estudou diferentes cenários e realizou diversas análises econômicas, em modelagem estática e dinâmica, sobre os possíveis parceiros comerciais para o Brasil. Os resultados das simulações bem demonstram que, com todos os parceiros desenvolvidos e em desenvolvimento examinados, ganhos na área agrícola são recorrentes, enquanto que existem desafios a vencer na área industrial para a concretização de acordos com parceiros desenvolvidos como UE, Canadá, México, Coreia e EUA. No entanto, serão com esses países que ganhos gerais serão maiores, e serão com esses países que o Brasil poderá se modernizar e ingressar nas cadeias globais, criando novas bases de sustentação para sair da armadilha de estagnação e partir para novo ciclo de desenvolvimento.
Tal fato fica ainda mais evidente quando se examina os possíveis impactos no Brasil da negociação do TTIP, entre EUA e UE, que prioriza a redução de barreiras não-tarifárias e coerência regulatória, muito mais que os velhos instrumentos de comércio como tarifas e regras de origem. As simulações bem demonstram que as perdas para o Brasil são significativas, não só no comércio da maioria dos setores industriais, mas também em relação ao PIB.
O Brasil deve iniciar negociações com parceiros comerciais relevantes, tanto em relação aos produtos agrícolas quanto manufaturados e de serviços. O novo padrão do comércio internacional é caracterizado por acordos preferenciais e pela integração de cadeias de valor globais, que exigem maior profundidade na integração comercial e econômica entre os parceiros envolvidos. Nesse sentido, a Política de Comércio Exterior deve ser desenvolvida com a perspectiva de garantir aos setores produtivos nacionais, especialmente aos de bens e serviços ligados à indústria e ao agronegócio, a integração tarifária e regulatória com parceiros estratégicos.
É essencial que o país elabore seu próprio modelo de APC, que deverá pautar as futuras negociações. A definição de diretrizes acerca do que deverá compor um quadro regulatório preferencial que atenda suas necessidades comerciais, a partir de consultas com os setores produtivos e de estudos e simulações acerca desses acordos, será fundamental para garantir que os novos APCs tenham impactos econômicos positivos e permitam uma efetiva integração no comércio internacional.
Dentre as questões regulatórias que deverão necessariamente ser abrangidas pelo Brasil na negociação de futuros acordos preferenciais, ressaltam-se:
- Regras de origem preferenciais, fundamentais para a determinação de qual produto receberá o benefício da tarifa preferencial. A elaboração cuidadosa das regras de origem preferenciais evita que a negociação de novos acordos sirva como porta de entrada para produtos provenientes de mercados terceiros sob tarifas preferenciais, atropelando o processo de abertura comercial gradual.
- Mecanismos de reconhecimento mútuo ou de harmonização de medidas não tarifárias, que figuram atualmente como os principais entraves ao comércio - seja por meio de mecanismos de reconhecimento mútuo, método privilegiado pelos EUA, seja por esforços de harmonização, como defende a UE, a negociação envolvendo barreiras regulatórias, como TBT e SPS, é indispensável à inclusão desses mecanismos para garantir o acesso aos mercados envolvidos na negociação de novos acordos. A questão é de especial interesse para o setor agropecuário, que enfrenta frequentes barreiras sanitárias além de dificuldades relacionadas à aprovação de novos eventos biológicos relacionados à utilização de OGMs na produção agrícola. A UE vem desenvolvendo um grande número de padrões privados (cerca de 500) que afetam diretamente os produtos brasileiros exportados. A discussão das barreiras criadas pelos padrões privados deve ser levada aos Comitês de TBT e SPS da OMC, como forma de analisar seu viés discriminatório.
- Modelo de proteção aos investimentos brasileiros que leve em conta as sensibilidades de países em desenvolvimento, mas que garantam segurança jurídica e previsibilidade mínima aos negócios. Relevância deve ser dada à crescente internacionalização de empresas brasileiras e o aumento de investimentos externos diretos em países em desenvolvimento. O desenvolvimento de um modelo que leve em conta as sensibilidades compartilhadas no tema por países em desenvolvimento poderia viabilizar um quadro regulatório que garantisse alguma segurança e estabilidade para os produtores nacionais. Questão sensível como a da arbitragem entre investidor estrangeiro e o Estado, que cria uma instância diferenciada ao investidor estrangeiro em comparação ao investidor brasileiro pode ser negociada com a garantia de recurso jurídico célere e eficaz.
- Liberalização gradual de serviços de maneira a integrar a economia regional, aumentar a competitividade e estruturar cadeias de valor e permitir o acesso a mercados para empresas nacionais. Cadeias de valor integram-se primordialmente por meio de serviços integrados ao processo produtivo. Dentre os setores de serviço mais importantes nesse processo está o de infraestrutura. Empresas nacionais deste setor têm se destacado, prestando serviços em mercados tão diversos quanto o dos EUA e dos países africanos. Além disso, a internacionalização de empresas, como a Petrobras e a Vale, fortalece a necessidade de garantir a regulação e liberalização de suas atividades em mercados de interesse. Finalmente, a regulação do setor de serviços financeiros é indispensável para o eficaz desenvolvimento das atividades internacionais.
Além dessas questões, a negociação de novos APCs poderia incluir mecanismos de flexibilização que garantam o necessário espaço de políticas públicas (policy space) às partes envolvidas, especialmente considerando seu grau de desenvolvimento, além de mecanismos de flexibilização para amortizar os efeitos negativos sobre setores sensíveis.
Dentre os mecanismos disponíveis, figuram:
- Implementação gradual das medidas negociadas. Comum em APCs envolvendo diferentes níveis de desenvolvimento entre as partes contratantes, esse mecanismo permite um maior tempo de adaptação aos países em desenvolvimento para que implementem as medidas negociadas.
- Salvaguardas transitórias gerais, especiais e setoriais. Esses mecanismos são comuns mesmo em APCs negociados por grandes economias desenvolvidas e oferecem uma alternativa para os setores negativamente atingidos pela negociação do acordo, permitindo reduzir a resistência política interna e construir trade-offs. Há diversos tipos de salvaguardas setoriais que se adaptam a necessidades específicas.
- Mecanismos de treinamento e realocação profissional. A negociação de APCs inevitavelmente traz impactos para a economia do país. Se, por um lado, esses impactos podem ser considerados benéficos, por outro, exigem uma reorganização da economia e dos processos produtivos envolvidos. Países desenvolvidos como os EUA e diversos países da UE contam com políticas públicas que visam amenizar os efeitos gerados sobre setores tradicionais de emprego (e.g. Trade Adjustment Assitance Program). Essas políticas podem auxiliar a superar resistências internas por parte de associações representativas de classes laborais.
Há, nesse sentido, uma série de mecanismos disponíveis para garantir a viabilidade da negociação de novos APCs por parte do Brasil. A evolução do comércio internacional e das cadeias produtivas globais exige um posicionamento proativo, que garanta a eficiente inserção internacional da produção nacional. Uma Política de Comércio Exterior que leve em conta todas as questões ressaltadas deve ser desenvolvida para que uma estratégia clara e firme seja traçada em relação ao fenômeno da proliferação de APCs no âmbito internacional.
Com a necessidade de atualização das regras da OMC e do impasse nas negociações da Rodada Doha, a regulação do comércio vem se dando, sobretudo, no âmbito dos APCs. Desse modo, o Brasil deverá definir as regras que julgue necessárias negociar para esse novo cenário, a fim de garantir sua participação na formulação das regras na governança do comércio internacional.
Em matéria de acordos, não é desprezível o papel da China. Políticas comerciais específicas podem ser elaboradas com o intuito de facilitar o ingresso do Brasil em cadeias de valor concentradas na China, buscando aumentar o grau de complementaridade de suas economias. Além disso, melhorar o perfil das exportações brasileiras, concentradas hoje em produtos básicos, por meio tanto de negociações tarifárias como de acesso a mercado. Dessa maneira, envidar esforços para reduzir as barreiras comerciais, por exemplo, para a exportação de produtos agrícolas industrializados. Por fim, a adaptabilidade do exportador chinês aos padrões regulatórios de EUA e UE é conhecida. Torna-se necessário também construir pontes para melhorar a inserção brasileira nesse quesito, com intuito de reduzir os custos de adaptação para o exportador nacional. E, por fim, negociar acordos que permitam compatibilizar os padrões regulatórios chineses e brasileiros em diversos setores.
Em síntese, a atual Política de Comércio Exterior, que prioriza apenas o Mercosul e a América do Sul, trouxe mais custos do que ganhos para o comércio internacional do Brasil. Tal visão apenas isolou o Brasil em nome da preservação de um acordo que há anos perdeu sua vertente econômica, entrou em crise e esgotou sua sustentação. Hoje o comércio e os investimentos da China varrem a região, provando que o Brasil não só perdeu espaço de atuação como deixou de se modernizar e avançar no comércio internacional.
A Política de Comércio Exterior adotada durante a última década com o objetivo de se afastar dos países desenvolvidos em prol de uma cooperação sul-sul mostrou-se negativa. É conhecida a máxima de que, no mundo da política e da economia, não existem bons e maus parceiros, mas apenas bem sucedidas negociações de interesses. Caberá à diplomacia brasileira negociar acordos preferenciais que deem o choque de modernidade de que precisa o País, sabendo defender os pontos de soberania que lhe são essenciais. É pouco compreensível que, por causa de cláusulas modernas de acordos preferencias, como a cláusula de conceder foro privilegiado ao investidor estrangeiro (investidor–estado) e a cláusula da expansão de regras de proteção à propriedade intelectual, o Brasil se negue a negociar acordos com países desenvolvidos. É papel de nossa diplomacia encontrar uma saída para tais desafios, mesmo porque tais temas já estão sendo contornados nas negociações do TPP e do TPP.
Cadeias Globais de Valor. Durante toda a última década, enquanto vários países partiam para uma nova visão de produção e comércio externo baseados nas cadeias globais de valor e organizações internacionais, como Banco Mundial, FMI e OMC, passavam a realizar inúmeros estudos sobre o tema, o Brasil permaneceu indiferente a tais discussões. Apenas recentemente, o IPEA conseguiu recursos para estudar o tema e calcular a inserção dos países da América do Sul nas cadeias globais.
Estudos da OCDE-OMC bem demonstram o nível de isolamento do Brasil, colocando-o no extremo negativo do espectro de inserção (Ver Anexo II).
Os custos de tal alienação são agora evidentes. O Brasil perdeu o dinamismo de sua indústria, não consegue atingir patamares de competitividade para exportar seus produtos, quanto muito consegue exportar para a América do Sul e se isola do processo de modernização.
Recuperar o tempo perdido deve ser a prioridade atual. Uma alternativa viável seria integrar o Brasil em cadeias da América do Sul. No entanto, a região não dispõe da infraestrutura necessária, nem de conteúdo tecnológico de ponta, só disponível nos países mais desenvolvidos. Nesse sentido, acordos preferenciais com a UE, EUA, Canadá ou Coréia seriam mais produtivos. São com esses países que ganhos gerais são maiores e mais balanceados, e são com esses países que o Brasil poderá se modernizar e ingressar nas cadeias globais, criando novas bases de sustentação para sair da armadilha de estagnação e partir para novo ciclo de desenvolvimento.
Uma Nova Estrutura para o Comércio Externo. Uma nova Política exige uma estrutura administrativa reformada e modernizada. A complexidade da Política de Comércio Exterior exige não apenas um vasto conhecimento das possibilidades e limitações dos diversos setores produtivos, mas também um profundo entendimento do marco regulatório internacional, em suas diferentes esferas: multilateral e preferencial.
É imperativo que o Brasil promova a reestruturação da sua máquina burocrática e decisória de Política de Comércio Exterior. O Brasil necessita de um corpo técnico altamente capacitado para avaliar, propor e executar a renovação dessa Política, frente a um cenário internacional cada vez mais dinâmico e complexo.
Pontos que merecem implementação prioritária seriam:
Criação de um órgão responsável pela formulação e execução da nova Política
Muitos países possuem um órgão exclusivamente destinado ao comércio internacional. Os Estados Unidos contam com o USTR e a União Europeia com o Trade Commissioner.
A reforma da estrutura burocrática do País na área deve começar com a criação de uma administração centrada no setor, com o objetivo de dar maior dinamismo à execução de uma nova Política e criar uma estrutura mais eficaz, que seja capaz de responder às mudanças na conjuntura internacional, considerando os aspectos políticos, econômicos e jurídicos que permeiam as questões de comércio internacional.
A primeira prioridade seria a transformação da Camex, que hoje é subordinada ao MDIC, em uma Secretaria em nível Ministerial, responsável pela formulação e execução da nova Política de Comércio Exterior.
Tal órgão teria por base a transformação imediata da Camex (do MDIC), de órgão burocrático a uma Secretaria subordinada à Presidência da República, com status de Ministério, com poderes para analisar, propor, coordenar e executar a nova Política de Comércio Externo do Brasil. A nova Camex teria um corpo ampliado de funcionários e seu órgão decisório seria um colegiado composto por ministros das áreas relacionadas ao comércio internacional. A nova Camex seria responsável pela implantação da agenda da nova Política.
Fortalecimento da área econômica do Itamaraty
A segunda prioridade seria o fortalecimento do Itamaraty para negociar os pontos da nova agenda. Para criar quadro de alta especialização como o requerido pela complexidade do comércio internacional atual, o Ministério das Relações Exteriores seria reestruturado para a criação de uma área de economia internacional, incluindo comércio e finanças internacionais separada das demais atividades diplomáticas.
Essas duas vias permitiriam delegar a Política de Comércio Exterior do Brasil a dois órgãos principais, Camex e MRE, que disponham de um corpo altamente sofisticado com a competência para adotar as decisões políticas exigidas pela área.
O fortalecimento do Itamaraty como órgão negociador da agenda definida pela nova Camex seria realizado com a criação de um Vice-Ministro das Relações Econômicas Internacionais, com um quadro de funcionários que se dedicaria, no Brasil e no exterior, ao acompanhamento das relações econômicas e às negociações e implementação da nova Política de Comércio Exterior. A complexidade da economia internacional, das finanças globalizadas e do comércio internacional não se coaduna mais com a antiga visão de que o “diplomata tem de ser redondo” e saber atuar em todas as áreas da Política Exterior do País. Ou o funcionário se dedica à vertente econômica e financeira e a domina, ou dependerá sempre de um especialista que traduza as complexidades do mundo atual.
Dentro do Itamaraty, a área de contenciosos internacionais deverá ser reforçada. Diante do quadro atual de triplo desafio (impasse na Rodada Doha da OMC, multiplicação dos acordos preferenciais e negociação de mega-acordos comerciais), além do pouco espaço deixado na arena internacional para a negociação de regras que permitam a expansão das exportações brasileiras, é imperativo que o Brasil utilize com eficiência o mecanismo de solução de controvérsias da OMC, o DSB, como já fez no passado para esclarecer e interpretar as regras já definidas na OMC. Outra área que deve ser levada ao DSB é a proliferação de medidas de SPS e TBT que tem o apoio dos governos, mas se travestem de padrões privados, criando barreiras discriminatórias as exportação de terceiros países.
A criação de um Departamento de Contencioso Econômico Comercial, com ampliação de funcionários e com quadro mais estável de diplomatas, seria responsável pela abertura e defesa do Brasil nos conflitos do comércio internacional. Tudo indica que conflitos comerciais serão cada vez mais numerosos. A complexidade da área exige capacitação permanente e dedicação à área por maior período de tempo. A carreira diplomática precisa se adaptar ao mundo atual e não pode desperdiçar seus talentos em áreas totalmente alheias às lides jurídicas.
Políticas de Apoio a Competitividade para o Comércio Exterior
Um salto quantitativo e qualitativo do comércio internacional só será possível com uma mudança profunda na mentalidade do empresariado brasileiro, em uma busca incessante da maior competitividade do setor produtivo, seja de bens, seja de serviços, e que deve ser capacitado para enfrentar a concorrência internacional, cada vez mais agressiva.
Avanços de competitividade são objetivos perenes de toda economia moderna. Mas a responsabilidade nessa área deve estar baseada em pacto entre empresários e governo.
A responsabilidade do empresariado está claramente definida na busca de novos investimentos em inovação e novas tecnologias, na busca incessante não só por menores custos e lucratividade, mas também por uma produção sustentável, preocupada com emissão de carbono, meio ambiente e trabalho decente.
A responsabilidade do Governo é mais ampla e deve objetivar a equiparação de tais custos com os demais países concorrentes:
- Investimento contínuo em infraestrutura, uma vez que aí reside a peça central da melhora da competitividade da produção nacional;
- Diminuição da carga tributária do País incidente nas atividades de exportação e importação, bem como nos serviços e na energia;
- Diminuição da carga dos encargos trabalhistas de modo a que se equiparem com a dos países concorrentes;
- Melhoria do ambiente de negócios com a desburocratização de toda a cadeia de comércio internacional, que se encontra asfixiada pelos entraves da sobreposição de leis e decretos centenários. Uma limpeza geral é imperativa;
- Remoção dos diversos desincentivos às exportações como reembolsos de impostos recolhidos de forma célere e transparente;
- Capacitação de mão de obra especializada, em uma ação conjunta entre governo e empresa, com incentivos para a formação de pessoas qualificadas para lidar com as novas tecnologias existentes;
- Criação de varas especializadas no âmbito da Justiça Federal para processar e julgar demandas relacionadas ao comércio exterior;
- Fortalecimento da APEX como órgão de abertura de novos mercados e promotora de exportações; e
- Fortalecimento das linhas de financiamento e garantias à produção e à exportação.
A reforma da estrutura de Política Externa é urgente e fundamental para impedir o isolamento do Brasil do comércio internacional e deve ser perseguida como prioridade pelo próximo governo.
O momento atual exige uma profunda reflexão sobre a nova agenda da Política de Comércio Externo do Brasil. No entanto, mais do que tempo para reflexão, os desafios atuais exigem ação!