Carta IEDI
O Comércio Bilateral Brasil-China e a Produção Industrial Brasileira
A principal causa da deterioração do déficit em transações correntes do Brasil reside no desempenho da balança comercial, que apresentou o primeiro saldo negativo (de US$ 3,9 bilhões em 2014) desde o ano 2000.
O desempenho em 2013 já prenunciava esse resultado: o superávit foi de somente US$ 2,4 bilhões, um recuo de 87% frente aos US$ 19,4 bilhões observados em 2012. A forte deterioração do comércio exterior brasileiro em 2013 e 2014 foi provocada, sobretudo, pela queda dos preços internacionais das commodities, que responderam pela totalidade do superávit comercial entre 2007 e 2013. Neste mesmo período, o déficit com produtos manufaturados seguiu uma trajetória crescente desde 2007, em decorrência de taxas de crescimento das importações bastante superior às das exportações, como ressaltado recorrentemente pelo IEDI. Ou seja, dado o perfil deste comércio, o ressurgimento do déficit comercial em 2014 não foi uma surpresa dada a deflação adicional das cotações das principais commodities exportadas pelo Brasil, associada, em grande medida, à desaceleração e à mudança no eixo de dinamismo da economia chinesa (com menor peso do investimento e maior do consumo), destino de 20% dos fluxos de exportação do Brasil.
Assim, a demanda chinesa por commodities afeta nossas exportações de forma direta (via quantidade exportada) e indireta (via impacto nos preços das commodities). De fato, em 2013 o maior superávit com commodities foi registrado com a China. Contudo, a influência do comércio bilateral com este país não se restringe ao seu impacto sobre as nossas vendas externas. As importações de manufaturados chineses cresceram expressivamente no período que sucedeu a crise financeira global, caracterizado pela maior concorrência no mercado internacional e pela chamada “guerra cambial”. Em 2013, as importações da China representaram 15% do total e o maior déficit com manufaturados foi registrado com este país, enquanto em 2008 a União Europeia ocupava a primeira posição neste último quesito.
Diante da importância crescente da China como parceiro comercial do lado das exportações e das importações brasileiras, o tema desta Carta IEDI é o comércio bilateral Brasil-China após a crise financeira e econômica global de 2008-2009. Dois objetivos foram perseguidos: (i) o detalhamento do perfil deste comércio, com destaque para a composição das pautas exportadora e importadora por setor de atividade; (ii) a identificação dos seus possíveis impactos sobre a indústria brasileira. Os principais resultados e conclusões são resumidos a seguir.
A partir de 2007, o comércio exterior brasileiro de bens manufaturados tornou-se deficitária e o superávit comercial passou a se ancorar, exclusivamente, na balança de bens primários e intensivos em recursos naturais. No período que sucedeu a crise financeira global, a divergência no desempenho desses dois grupos de bens acentuou-se, com o aumento do resultado deficitário em bens manufaturados e a ampliação do saldo positivo em primários e intensivos em recursos naturais.
Ambos os resultados estão estreitamente associados à intensificação dos fluxos comerciais com a China e ao perfil assimétrico das exportações brasileiras para esse país e das importações chinesas de produtos brasileiros. Em 2013, o maior déficit em manufaturados e o maior superávit em bens primários e intensivos em produtos naturais foram registrados com a China, cuja participação no total das exportações e das importações brasileiras aumentou continuamente entre 2008 e 2013, atingindo nesse último ano 20% e 15%, respectivamente.
O cruzamento dos dados da composição setorial (de acordo com a CNAE) da pauta exportadora e importadora brasileira, do comércio bilateral brasileiro com a China e da produção industrial brasileira sugere que o crescimento das exportações dos setores processadores de commodities e de produtos extrativos para a China contribuiu para a mudança na composição setorial das exportações brasileiras em direção a produtos de menor elaboração industrial, bem como para o aumento da agregação de valor nesses setores.
Em contrapartida, do lado das importações, o aumento significativo da participação dos produtos chineses em importantes setores industriais (dentre os quais têxtil, artigos de vestuário, máquinas e equipamentos e máquinas para escritório e produtos eletrônicos) não foi acompanhado pelo aumento da sua participação no total das importações, sugerindo que, diante do acirramento da concorrência no mercado de bens industriais após a crise global e da “guerra cambial”, a China ocupou o espaço ocupado anteriormente por outros parceiros comerciais (Nafta e União Europeia). A estabilidade do valor agregado da produção industrial desses setores reforça essa hipótese.
O comércio bilateral com a China contribuiu para a mudança na composição setorial das exportações em direção a produtos da indústria processadora de commodities e extrativa mineral. O aumento do valor agregado nesses setores é um resultado positivo, mas deve ser avaliado com cautela já que esses são setores com pouca elaboração industrial, menores efeitos de encadeamento na estrutura industrial e extremamente vulneráveis aos ciclos de preços das commodities e à desaceleração do crescimento chinês. Já a maior participação da China na importação de bens de maior elaboração não tinha se refletido em mudanças na pauta importadora e na capacidade de agregação de valor dos respectivos setores industriais até 2012.
Diante das vantagens comparativas desse país (associadas a fatores macroeconômicos, como os patamares das taxas de juros e de câmbio, bem como ao menor custo relativo da mão-de-obra) e da continuidade do ambiente de baixo crescimento da economia global após 2012, não pode ser descartada a hipótese de que o aumento da presença de produtos chineses na pauta importadora brasileira tenha resultado numa desarticulação ainda maior da cadeia industrial doméstica nos setores de maior elaboração industrial.
A conclusão geral é que o governo deveria formular políticas industriais, tecnológicas, financeiras e de comércio exterior, que favorecem a competitividade da indústria brasileira e, assim, sua capacidade de enfrentar a concorrência da China em importantes setores da cadeia industrial.
Panorama Geral do Comércio Exterior Brasileiro Após a Crise Financeira Global. O desempenho do comércio exterior brasileiro sofreu mudanças significativas no período que sucedeu a crise financeira global de 2008-2009. Após a queda das exportações e das importações em 2009 – em função, respectivamente, da “grande recessão” nos países centrais e do efeito-contágio da crise na economia brasileira – ambos os fluxos de comércio registraram crescimento em 2010 e 2011, impulsionados, do lado das vendas externas, pelo novo boom de preços das commodities e pela recuperação “double-deep” da economia mundial sob liderança da China e, do lado das compras, pelo dinamismo do mercado interno e pela apreciação cambial registrada até meados de 2011. Em 2011, o maior crescimento das exportações relativamente às importações garantiu o superávit comercial recorde do período pós-crise (US$ 37 bilhões), que, contudo, foi inferior ao patamar mínimo de US$ 40 bilhões registrado no triênio 2005-2007. A partir de então, este superávit voltou a recuar, atingindo apenas US$ 2,5 bilhões em 2013, resultado ligeiramente inferior ao registrado em 2001 (US$ 2,6 bilhões), que foi o primeiro saldo positivo (e, até 2012, o menor) após o interregno de seis anos de déficit (de 1995 a 2000).
Apesar dos valores semelhantes registrados em 2001 e 2013, a composição do saldo comercial alterou-se de forma expressiva desde o início do século XXI. A participação crescente do superávit comercial com bens primários e intensivos em recursos naturais foi acompanhada pela redução do superávit e, a partir de 2007, pelo aumento do déficit em bens manufaturados. Após a crise, a divergência no desempenho do comércio exterior desses dois grupos de bens acentuou-se, com a ampliação do saldo positivo no primeiro grupo até 2011 e o aumento do resultado deficitário do segundo grupo até 2013, como ressaltado em várias Cartas IEDI.
O aumento do déficit comercial com bens manufaturados decorreu da menor taxa de crescimento das exportações relativamente às importações. Com isso, esse déficit atingiu o recorde de US$ 69,9 bilhões em 2013 (três vezes superior ao de 2008) contra um superávit de US$ 72,6 bilhões na balança de bens primários e intensivos em produtos naturais. Ou seja, até 2013, o desempenho positivo dessa balança foi mais do que suficiente para compensar a deterioração progressiva da balança de bens manufaturados. Contudo, a piora nesse desempenho relativamente aos dois anos anteriores já sinalizava a possibilidade de ressurgimento de um déficit comercial em 2014, que acabou se concretizando.
A abertura do saldo comercial por região de destino e origem mostra o aumento do déficit comercial de bens manufaturados com a China, demais países asiáticos, União Europeia e Nafta. No caso dos produtos primários e intensivos em recursos naturais houve aumento significativo do superávit com a China e com os demais países asiáticos, redução do superávit com União Europeia, aumento do déficit com a Aladi e surgimento de um saldo também negativo com o Nafta. Assim, o saldo comercial positivo até 2013 foi obtido graças ao aumento do superávit com bens primários e intensivos em recursos naturais com países em desenvolvimento da Ásia, em especial a China, que mais do que compensou o déficit na balança de bens manufaturados com esses países, a União Européia e o Nafta. Contudo, o dado que mais chama atenção é a influência crescente da China no desempenho da balança comercial dos dois grupos de produtos: em 2013, o maior déficit em manufaturados e o maior superávit em primários e intensivos em produtos naturais foram registrados com esse país.
Assim, o cruzamento dos dados por tipo de produto com os de região revela o papel fundamental do comércio bilateral com a China no âmbito tanto dos produtos primários e intensivos em recursos naturais como dos manufaturados. Diante desse resultado, é importante aprofundar a análise desse comércio e dos seus possíveis impactos sobre a indústria brasileira.
Comércio Bilateral Brasil e China por Setor de Atividade. O perfil assimétrico do comércio bilateral brasileiro com a China destacado acima é decorrência das diferentes composições das pautas exportadoras e importadoras com esse parceiro comercial. O aprofundamento dessa assimetria no período analisado (aumento do superávit em commodities e bens intensivos em recursos naturais e do déficit em manufaturas) está associado ao aumento da participação da China no total das exportações e das importações brasileiras entre 2008 e 2013 (de 8,3% para 20% e de 11,6% para 15%, respectivamente). Todavia, uma questão fundamental a ser investigada é se esse aumento da participação chinesa foi acompanhado por mudanças na estrutura setorial das pautas de exportação e/ou importação.
Para averiguar se o crescimento dos fluxos comerciais com a China afetou essa estrutura, calculou-se a composição setorial das pautas exportadores e importadora e a participação da China nas exportações e importações de cada setor de acordo com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE).
No caso das exportações, a participação dos bens primários e da indústria extrativa aumentou 12,7 pontos percentuais (p.p), de 26,5% em 2008 para 39,2% em 2013. Esse aumento ocorreu pari passu com o crescimento do peso da China nas vendas externas desses bens (de 21,1% para 40,1%), com destaque para agricultura e pecuária e extração de minerais metálicos. Entre 2008 e 2013, enquanto a participação desses segmentos no total avançou 6,9 p.p e 6,0 p.p, respectivamente, o peso da China nas respectivas exportações aumentou 17,5 p.p e 19,5 p.p.
Esses resultados indicam que o crescimento das exportações de produtos primários e extrativos minerais para a China explica, em grande medida, o aumento da participação desses produtos no total das vendas externas brasileiras, que, por sua vez, foram fundamentais para a manutenção do superávit comercial até 2013.
Em contrapartida, as exportações de bens manufaturados perderam participação no total (de 66,9% para 60,8%), mas não houve mudança significativa na composição setorial das exportações. Nesse caso, o peso da China aumentou somente nos produtos de couro, papel e celulose e máquinas para escritório, o que resultou num aumento da sua participação de 2,8% em 2013 para 5,3% em 2018, percentual muito inferior ao registrado nos produtos primários e extrativos.
Ao contrário do observado nas exportações, a estrutura das importações brasileiras manteve-se relativamente estável no período em tela. Os bens manufaturados continuaram respondendo por cerca de ¾ das nossas compras externas (sua participação passou de 74,3% em 2008 para 75,6% em 2013) em função, sobretudo, do peso dos produtos do setor de química e de máquinas e equipamentos.
Porém, no mesmo período, houve um aumento significativo da participação dos produtos chineses nos setores Têxtil, Artigos de Vestuário, Produtos de Madeira, Edição e Impressão, Máquinas e Equipamentos e Máquinas para Escritório e Produtos Eletrônicos. Assim, a maior presença da China nas compras externas desses produtos não resultou em mudança na composição setorial das importações, sugerindo que, diante do acirramento da concorrência no mercado de bens industriais no pós-crise, a China vem ganhando espaço no mercado brasileiro em setores antes abastecidos por outros países, beneficiada por sua principal vantagem comparativa (o baixo custo da mão-de-obra). Um movimento semelhante foi verificado nos principais mercados de destino das exportações brasileiras de manufaturados, que passaram a enfrentar a concorrência crescente dos produtos chineses, contribuindo para a dificuldade enfrentada pelo Brasil em manter as altas taxas de crescimento das exportações desses bens (ver Carta IEDI n. 590)
A intensificação dos fluxos comerciais com a China no período analisado teve um impacto líquido positivo no resultado do comércio bilateral com esse país. Esse saldo, que era deficitário em US$ 5,3 bilhões em 2008 tornou-se superavitário em US$ 4,7 bilhões em 2013. Os principais setores responsáveis por essa inversão foram Agricultura e pecuária, extração de minerais metálicos, alimentos e bebidas e metalurgia, os quais ampliaram sua participação nas exportações brasileiras para a China no período analisado (de 84% em 2008 e para 90% em 2013). Vale ressaltar que esses são setores de menor elaboração, nos quais o Brasil tem inequívoca vantagem comparativa, com destaque para Agricultura e pecuária e extração de minerais metálicos (com participações de 42% e 39% nas exportações para a China em 2013).
Já os setores que registraram aumento do déficit foram exatamente aqueles que ampliaram sua participação nas importações: têxtil; artigos de vestuário; química; borracha e plástico; produtos de metal; máquinas e equipamentos; máquinas para escritório; máquinas, aparelhos e material elétrico; material eletrônico e; indústrias diversas. Conjuntamente, eles passaram a responder por 70% do total, contra 63% em 2008. Ao contrário do observado nas exportações, esses são setores com maior elaboração industrial, nos quais a China tem vantagem comparativa, com destaque para química, material eletrônico e, sobretudo, máquinas e equipamentos (cujas importações aumentaram 21% entre 2008 e 2013, resultando num aumento de participação de 11,6% para 16,4% no mesmo período).
Na análise do comércio bilateral China-Brasil, também é interessante avaliar a importância do comércio intra-industrial. O comércio entre países com graus de desenvolvimento e/ou estruturas produtivas muito diferentes tende a ser de produtos de setores diferentes, isto é, inter-industrial. Em contrapartida, o comércio entre países com graus de desenvolvimento e/ou estruturas produtivas semelhantes tende a ocorrer com produtos dos mesmos setores, isto é, intra-industrial. Assim, os indicadores de comércio intra-industrial fornecem elementos para a compreensão das características desse comércio e da estrutura industrial subjacente.
O indicador utilizado foi o índice de Grubel-Lloyd (IGL), que se baseia na decomposição do comércio total em uma parcela de comércio equilibrado (sobreposição entre exportações e importações) e uma parcela de comércio desequilibrado (superávit ou déficit). O IGL ao nível de cada indústria (produto) pode ser representado da seguinte forma:
Onde Xi e Mi representam o valor das exportações e importações da indústria i, respectivamente. Em termos agregados temos:
O índice B está contido no intervalor [0,1]. Quando todo o comércio for explicado pelo comércio inter-industrial, o índice é zero, o que significa que as exportações ou as importações de cada bem i são iguais a zero. Quando todo o comércio for intra-indústria, o índice é igual a um.
Os índices GL indicam a prevalência de um comércio inter-industrial entre Brasil e China, resultado que já era esperado diante da diferente composição setorial das pautas exportadoras e importadoras e do saldo bilateral. Ou seja, eles refletem a influência fundamental das vantagens comparativas no comércio entre os dois países, que explica a assimetria entre as exportações brasileiras para a China (produtos de menor elaboração industrial) e as exportações chinesas para o Brasil (produtos com maior elaboração industrial). Entretanto, alguns setores industriais apresentam um alto grau de comércio intra-industrial. Nesse caso predominam setores tradicionais, nos quais ambos os países tem vantagem de escala, como os de couro, produtos de madeira, metalurgia. O único setor não-tradicional com comércio intra-industrial é o de outros equipamentos de transportes devido à Embraer.
Produção Industrial Brasileira. Dada a importância crescente do comércio bilateral com a China no desempenho da balança comercial brasileira e, principalmente, o aumento do déficit bilateral em produtos manufaturados, analisou-se as mudanças na estrutura setorial da produção industrial brasileira de acordo com a CNAE entre 2008 e 2012 (última informação disponível) com o objetivo de identificar possíveis impactos desse comércio no valor de transformação industrial e na capacidade de agregação de valor de cada setor da indústria.
Na tabela abaixo, os setores em amarelo foram responsáveis pelo aumento das exportações e pela geração de superávits comerciais, enquanto os setores em verde foram responsáveis pelo aumento das importações e pela geração de déficits.
Na comparação de 2008 e 2012, não houve mudança significativa na estrutural setorial da produção industrial brasileira. Nos dois anos, os setores mais importantes no valor da transformação industrial (VTI) foram alimentos e bebidas, refino de petróleo e veículos automotores. Já os setores com maior penetração de importações provenientes da China foram química, máquinas e equipamentos e material eletrônico, os quais registraram uma ligeira queda ou estabilidade no VTI (caso de máquinas e equipamentos).
O indicador mais relevante para avaliar o impacto da intensificação do comércio bilateral China-Brasil sobre a produção industrial chinesa é a relação entre o Valor da Transformação industrial (VTI) e o Valor Bruto da Produção (VBP), que mede a capacidade de agregação de valor de cada setor. Três dos quatro setores exportadores para a China (extração de minerais metálicos, fabricação de produtos alimentícios e fabricação de bebidas) tiveram aumento do indicador, sendo a única exceção a metalurgia. Ou seja, os setores industriais com vantagem comparativa, de menor elaboração industrial, tiveram aumento de valor agregado (VA). Já no caso dos setores importadores da China, o indicador VTI/VPB apresentou pouca alteração, apesar do maior fluxo de importações.
Conclusão. A partir de 2007, o comércio exterior de bens manufaturados tornou-se deficitária e o superávit comercial passou a se ancorar, exclusivamente, na balança de bens primários e intensivos em recursos naturais. No período que sucedeu a crise financeira global, a divergência no desempenho desses dois grupos de bens acentuou-se, com o aumento do resultado deficitário em bens manufaturados e a ampliação do saldo positivo em primários e intensivos em recursos naturais.
Ambos os resultados estão estreitamente associados à intensificação dos fluxos comerciais com a China e ao perfil assimétrico das exportações brasileiras para esse país e das importações chinesas de produtos brasileiros. Em 2013, o maior déficit em manufaturados e o maior superávit em bens primários e intensivos em produtos naturais foram registrados com a China, cuja participação no total das exportações e das importações brasileiras aumentou continuamente entre 2008 e 2013, atingindo nesse último ano 20% e 15%, respectivamente.
O cruzamento dos dados da composição setorial (de acordo com a CNAE) da pauta exportadora e importadora brasileira, do comércio bilateral brasileiro com a China e da produção industrial brasileira sugere que o crescimento das exportações dos setores processadores de commodities e de produtos extrativos para a China contribuiu para a mudança na composição setorial das exportações brasileiras em direção a produtos de menor elaboração industrial, bem como para o aumento da agregação de valor nesses setores.
Em contrapartida, do lado das importações, o aumento significativo da participação dos produtos chineses em importantes setores industriais (dentre os quais têxtil, artigos de vestuário, máquinas e equipamentos e máquinas para escritório e produtos eletrônicos) não foi acompanhado pelo aumento da sua participação no total das importações, sugerindo que, diante do acirramento da concorrência no mercado de bens industriais e da “guerra cambial” após a crise global, a China ocupou o espaço ocupado anteriormente por outros parceiros comerciais (Nafta e União Europeia). A estabilidade do valor agregado da produção industrial desses setores reforça essa hipótese.
Assim, o comércio bilateral com a China contribuiu para a mudança na composição setorial das exportações em direção a produtos da indústria processadora de commodities e extrativa mineral. O aumento do valor agregado nesses setores é um resultado positivo, mas deve ser avaliado com cautela já que esses são setores com pouca elaboração industrial, menores efeitos de encadeamento na estrutura industrial e extremamente vulneráveis aos ciclos de preços das commodities e à desaceleração do crescimento chinês. Já a maior participação da China na importação de bens de maior elaboração não tinha se refletido em mudanças na pauta importadora e na capacidade de agregação de valor dos respectivos setores industriais até 2012.
Diante das vantagens comparativas desse país (associadas a fatores macroeconômicos, como os patamares das taxas de juros e de câmbio, bem como ao menor custo relativo da mão-de-obra) e da continuidade do ambiente de baixo crescimento da economia global após 2012, não podemos descartar a hipótese de que o aumento da presença de produtos chineses na pauta importadora brasileira possa resultar numa desarticulação ainda maior da cadeia industrial doméstica nos setores de maior elaboração industrial. Assim, o novo governo deveria formular políticas industriais, tecnológicas, financeiras e de comércio exterior que favoreçam a competitividade da indústria brasileira e, assim, sua capacidade de enfrentar a concorrência da China em importantes setores da cadeia industrial.